segunda-feira, abril 25, 2011

Delfim Netto: Ambição incontrolável



por Delfim Netto, na CartaCapital, 27.04.2011

Um número crescente de leitores de jornais e revistas voltou a comentar as ideias e discutir os argumentos de artigos e análises que tratam de política econômica. Isso no momento em que se trava uma discussão bastante nervosa em torno das taxas de inflação.

Há opiniões de gente do governo (e também de fora) que o momento não é propício a uma ampla discussão pública do problema, porque isso poderia deteriorar ainda mais as expectativas inflacionárias.

Concorda que essa é uma preocupação importante, mas a ampliação do debate hoje é necessária para que não prevaleça o pensamento único imposto à imprensa por grupos restritos que se julgam portadores de uma ciência econômica que, na verdade, não existe.

“Cientificamente”, os vastos recursos do sistema financeiro influem decisivamente na construção das expectativas de inflação.

São elas que dão o suporte necessário à elevação das taxas de juros.

Nosso papel é insistir em questionar esse mecanismo de criação das expectativas que o Banco Central acaba sancionando. No final, oficializa a estimativa de inflação que é do próprio sistema financeiro. Quando criticamos esse mecanismo, não estamos dizendo que a taxa de juros não é um instrumento válido para combater a inflação, mas sim que este é um processo perverso que pode pôr em xeque a própria democracia: quem controla a mídia acaba impondo a sua vontade.

Vivemos um período relativamente longo (nos anos que antecederam a eleição de Lula) em que o debate econômico estava interditado. Com a “virada de agenda” em favor do crescimento com inclusão social, parece ter renascido o interesse em discutir a política econômica de forma ampla, sem restrições.

Não há nenhuma razão para acreditar que a utilização da taxa de juros não possa ser acompanhada de medidas macroprudenciais no combate à inflação. Em um mundo ideal, em que tudo caminha bem, sem atritos ou restrições de qualquer natureza, a taxa de juros era uma coisa fantástica: bastava apertar um botão e ela subia, colocando a inflação no nível que o Banco Central desejava. Hoje, ninguém mais acredita que os bancos centrais saibam como controlar a inflação ou defende a ideia de que só existia um instrumento para fazê-lo. Nem mesmo os economistas do FMI manifestam essa crença.

Seguramente, o que se espera é que os Bancos Centrais prestem atenção em pelo menos três coisas:

1. A higidez do sistema financeiro, no que o nosso Banco Central foi mestre.

2. O controle da inflação, sobre o que tenho minhas dúvidas.

3. A utilização de medidas macroprudenciais.

No mundo real onde vivemos, cheio de complicações, é preciso observar primeiro se a elevação da taxa de inflação no Brasil é simplesmente produto de um excesso de demanda interna ou se ela é mais a consequência de um descompasso entre procura e oferta na estrutura interna do setor serviços.

Por mais que se queiram ignorar os fatos, a verdade crua é que o nível da taxa de juros brasileira propicia uma arbitragem que é incontrolável.

O governo está usando alguns instrumentos para reduzir o ritmo da sobrevalorização que ela permite. Mas não devemos ter dúvida, mantendo-se as oportunidades de arbitragem, a valorização não para. P que singifica que setores que produzem e precisam exportar vão continuar sofrendo imensos prejuízos.

As consequências são terríveis para a nossa indústria e logo também poderão infligir danos à agropecuária. Por enquanto, o campo se defende porque os preços externos dos alimentos estão nas alturas. Até quando vão continuar assim é impossível prever. O agronegócio poderá sentir menos que os demais setores os efeitos da variação cambial, porque o dólar terá de se ajustar no momento em que os preços agrícolas caírem. Mas ainda deve demorar um pouco.

Já há, contudo, alguns sinais de mudança na atitude dos organismos internacionais, indicando a possibilidade de se estabelecerem controles sobre o movimento de capitais. Há pouco mais de duas semanas, o FMI admitiu que, em “circunstâncias específicas”, o controle do fluxo de capitais pode vir a ser uma das ferramentas da política econômica dos países que estão sofrendo por causa da supervalorização de suas moedas.

Esses países não devem continuar a ser obrigados a assistir passivamente à erosão de sua base industrial sujeita à competição desleal de países mais espertos.

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