PLS 204 pretende antecipar receitas tributárias para esferas de governo, mas o que está em jogo é um esquema de concentração no setor financeiro, com base em juros indevidos, diz Auditoria Cidadã da Dívida
por Redação RBA publicado 05/09/2016
São Paulo – “É um esquema semelhante ao que quebrou a Grécia”, diz a fundadora do coletivo Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli. “Não podemos permitir a legalização desse esquema que vai quebrar os municípios e os estados brasileiros”, afirma. O que está em questão é o Projeto de Lei do Senado 204/2016, que visa a legalizar um esquema de geração de grandes somas de dívida pública, ocultado sob a propaganda de antecipação de receitas por meio da securitização de créditos de dívida ativa e outros.
O esquema utiliza empresas não dependentes criadas para esse fim. O formato desse método é idêntico ao aplicado na Europa a partir de 2010 que, literalmente, quebrou a Grécia e respondeu pelo aprofundamento do processo de financeirização e crise econômica no continente. O PLS 204 já está na pauta do plenário do Senado para votação quinta-feira (8), embora não tenha passado por nenhuma das comissões e nem tenha sido objeto de qualquer debate em audiências públicas ou outros meios.
A ementa do projeto afirma que seu objetivo é dispor sobre a cessão de direitos creditórios originados de créditos tributários e não tributários dos entes da Federação, mas para isso, a lei autoriza a criação de empresas denominadas Sociedades de Propósito Específico (SPE), que são empresas estatais não dependentes (não estão sujeitas aos órgãos de controle do estado, como TCU, CGU), cujos sócios majoritários são os estados e municípios. O principal negócio dessas empresas não dependentes é a emissão de debêntures (papéis financeiros), sobre os quais incidem juros estratosféricos.
“Na Grécia, vimos a criação de uma sociedade anônima localizada em Luxemburgo, um paraíso fiscal. EFSF é uma sociedade de propósito específico, os sócios são os países europeus, e ela emite instrumentos financeiros com garantia dos países. Foi criada por imposição do FMI. A garantia que os países proporcionaram a essa empresa foi inicialmente de 440 bilhões de euros e no ano seguinte quase dobrou, para 780 bilhões de euros. Essa empresa não é financeira, mas emite papéis financeiros”, afirma Maria Lucia.
Ela lembra que as consequências para a Grécia foram a queda brutal do PIB, queda no orçamento, desemprego recorde, que atingiu 70% dos jovens gregos, e até mesmo migração e fechamento de vários serviços públicos. Ainda sobre os efeitos nefastos, Maria Lucia destaca a redução de salários e aposentadorias e pensões. Os fundos de pensão também quebraram, foram realizadas privatizações em massa, como deseja agora no Brasil o governo de Michel Temer. “Houve degradação social, famílias vivendo no lixo e suicídios”, afirma Maria Lucia.
“Não podemos deixar isso ser implantado no Brasil”, defende a fundadora do coletivo. Devido à confusão de que o que essas empresas estariam vendendo seriam créditos de difícil cobrança, essas debêntures estão sendo vendidas com elevado desconto, o que faz com que os juros fiquem ainda mais elevados, pois incidem sobre o valor original desses papéis. Em outras palavras: o governo capta um recurso com deságio (valor menor que o da dívida que dá como garantia), mas paga juros ao mercado sobre o valor cheio, o que em última instância é um esquema que transforma dinheiro público em dinheiro privado.
Essas debêntures possuem a garantia dos entes federados, ou seja, estados e municípios passam a ser os responsáveis pelo pagamento dos juros e todos os custos desses papéis até resgate, sem que tenha recebido benefício algum, pois quem vende as debêntures e recebe o valor são as empresas não dependentes.
Essa engenharia financeira, encoberta sob a propaganda de que estados e municípios poderiam estar fazendo um bom negócio ao buscarem, na emissão de debêntures por essas SPE, uma solução para a crise, leva a um dano financeiro incalculável, como ocorrido na Europa. Na verdade, esse esquema, além das ilegalidades, impõe custos tão elevados que inevitavelmente irão aprofundar os problemas fiscais dos entes federados.
O Ministério Público de Contas e o Tribunal de Contas já emitiram pareceres condenando essa prática por ferir a LRF e a Constituição, na medida em que se trata de operação de crédito, antecipação de receita com claro comprometimento do equilíbrio das contas públicas dos estados e municípios. “Esse mecanismo compromete as gestões futuras e prejudica a sustentabilidade fiscal do município – as receitas são parceladas em Dívida Ativa ou espontaneamente entrariam também no futuro (em outras gestões).”
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