Carta Maior
O capitalismo, com sua predominância financeira, nunca criou tantos miseráveis como hoje, nunca alimentou tantas guerras como nos últimos 30 anos.
Rennan Martins - http://www.desenvolvimentistas.com.br/
A crise econômica é vivida pelo Brasil há mais 30 anos, desde que abandonamos o projeto de industrialização e desenvolvimento, ainda nos anos 80. A predominância do capital financeiro sobre o trabalho e o capital produtivo, aliada a internacionalização e desregulação solapou o Estado nacional que não mais dispõe de mecanismos que possibilitem uma gestão econômica voltada para o crescimento, desenvolvimento e o pleno emprego.
Na esteira desta configuração veio também a privatização da Vale, que hoje é uma das donas da Samarco, e, com a lógica do lucro máximo a qualquer custo, o “descontrole sobre os investimentos estrangeiros na mineração” e a precarização dos serviços ambientais públicos, temos o conjunto de fatores confluentes para a tragédia das barragens.
Esta é a avaliação do entrevistado Wilson Cano, professor do Instituto de Economia da Unicamp, que vê as iniciativas do BRICS e Mercosul como positivas, mas insuficientes frente ao atual quadro, alertando ainda que “Ou nos rebelamos contra esse estado insano de coisas, ou acabaremos pior do que estamos hoje”.
Confira:
Encerraremos 2015 com um encolhimento que deve ultrapassar 2% do PIB. Como chegamos neste quadro? Quais são suas principais causas?
Estamos numa crise que já conta 35 anos de idade! Não caímos apenas na passagem 14-15. Passamos pela década de 80, da crise da dívida, em que o Estado nacional foi fragilizado fortemente. Depois, na de 90, com a instauração do neoliberalismo, abriu as comportas da fragilizada economia nacional, com a liberalização comercial e financeira, a privatização e perda de vários direitos trabalhistas. Esta última, valorizou fortemente o câmbio, jogando a pá de cal sobre a indústria nacional. O pior é que não foram apenas os governos “liberais” que fizeram isso: depois de Sarney (final de seu governo), Collor, Itamar e FHC, o PT deram continuidade à política macroeconômica neoliberal, a despeito de suas progressistas políticas sociais e de uma nova postura na política externa.
O quanto o cenário internacional afeta o mercado interno brasileiro? Quanto podemos atribuir a erros de gestão governamental?
Com a queda de exportações, é claro que os setores exportadores perdem, desempregam e eduzem, portanto, a renda por eles gerada. Além do mais, tanto Lula como Dilma praticaram elevadas taxas de juros, aumentando sobremodo a dívida interna e o montante de juros pagos no orçamento federal. Hoje, eles fazem algo como 8% do PIB e cerca de 95% do deficit fiscal!
Poderia nos explicar as razões e a forma com que a crise de 2008 saiu dos países desenvolvidos e agora atinge as economias emergentes?
A predominância do capital financeiro nas relações econômicas internacionais, a política neoliberal e a globalização ampliaram sobremodo a internacionalização das grandes empresas e bancos transacionais -, sobretudo os norteamericanos-. Com a adoção das políticas neoliberais, a maioria dos países foi fortemente afetada por aquela internacionalização, que contaminou sua finança privada e pública, deteriorando suas economias.
De que maneira se estabeleceu a hegemonia dos ditames ortodoxos no campo da política econômica? Por que há tanta dificuldade em produzir novos consensos?
Para acabar de vez com o Padrão Ouro-Libra, fez-se a 1ª Guerra Mundial, para reorganizar as economias destroçadas pela grande depressão dos 30, fez-se a 2ª. guerra. Os EUA consolidaram sua hegemonia com a crise dos 70, liquidando com grande parte do socialismo e restaurando sua hegemonia do capitalismo. Como vê, não é a falta de “pactos” ou de “consensos” (aliás vivemos hoje o de Washington) que “não se arruma a casa” . Não se arruma, porque o capitalismo, com sua predominância financeira, nunca foi tão voraz e irracional, nunca criou tantos miseráveis como hoje, e nunca alimentou e realimentou tantas guerras como nos últimos 30 anos! Soltaram a fera, com a desregulamentação, agora, que se cuidem todos…
Recentemente assistimos o que pode ser o maior desastre ambiental de nossa história, falo do rompimento de duas barragens de rejeitos geridas pela Samarco, em Minas Gerais. Nosso modelo econômico teve parte nisso? Por que?
Sim, tem muito a ver com isso: privatização da VALE; descontrole sobre os investimentos estrangeiros na mineração; fragilização do Estado nacional e de seu corpo técnico de funcionários; o imbróglio das “coalizões” políticas, nas quais não se sabe de quem é a responsabilidade e a autoridade efetiva; a impunidade nos desmandos da coisa pública; a conflituosidade que atingiu o Judiciário; enfim são sequelas do desgoverno no neoliberalismo.
Que razões levaram o governo a adotar a agenda do ajuste fiscal que criticara nas eleições? Que se pode esperar caso aprofundemos a agenda da austeridade?
As razões da ingovernabilidade causada por um orçamento em que os juros da dívida perfazem a metade do orçamento federal e 95% do deficit. Não há ajuste possível, a não ser que se elimine o Bolsa Família, se feche o sistema educacional público e o de saúde pública, preservando, é claro as verbas necessárias à colossal ampliação do sistema presidiário, que deverá crescer sobremodo. Não se corta o gasto público em crises, já nos ensinaram os grandes mestres da economia..
Quais são os caminhos para que retomemos o crescimento? Que medidas imediatas você sugeriria?
Não se pode aplicar nenhuma política macroeconômica de crescimento, quando se está atado a Acordos Internacionais que nos imobilizam: pouco ou nada podemos fazer com nossa indústria, para protegê-la das importações, pois estamos atados à OMC; nossos Bancos Públicos tiveram seus graus de liberdade de ação pública restringidos pelo Acordo de Basiléia. Ou nos rebelamos contra esse estado insano de coisas, ou acabaremos pior do que estamos hoje. Nosso agrupamento ao BRICS e ao MERCOSUL são duas coisas boas e importantes, mas insuficientes para corrigir a rota perdida.
O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
quarta-feira, novembro 25, 2015
O jogo da paz nas mãos de um estrategista experiente, por J. Carlos de Assis
GGN
Por J. Carlos de Assis
O governo turco, odiado por grande parte de seu povo, não perde por esperar. Talvez tenha que esperar por muito tempo porque faz parte da estratégia militar histórica da Rússia cozinhar o inimigo e trazê-lo para perto de casa e só então liquidá-lo. Foi assim com Carlos XII da Suécia, com Napoleão e com Hitler. Os mais notáveis comandantes militares russos, o Marechal Sucorov, que derrotou Napoleão, e Marechal Zhukov, que derrotou Hitler, ganharam suas medalhas mais significativas usando o recurso da paciência.
Já vimos que Putin é um estrategista cuidadoso e de extrema eficácia. Enquanto o ocidente instigava os nazistas ucranianos a tomarem o poder em Kiev, mediante financiamento aberto do Departamento de Estado norte-americano, ele preparava com astúcia a reincorporação da Crimeia como província russa estratégica. O aparato de informação ocidental ficou desorientado. Obama, com cara de tacho, não soube como reagir a não ser impondo um injustificado e ineficaz bloqueio seletivo contra a Rússia.
Chegará a hora em que a Turquia pagará pela derrubada do bombardeiro russo e pelo assassinato covarde dos dois pilotos. Porém, estejam certos que não será dentro do modelo a ferro e fogo norte-americano, que está destruindo três países que nada tinham a ver com o World Trade Center a pretexto de combater terroristas, com o resultado fantástico de multiplicar justamente a criação de milhares de terroristas no Afeganistão, no Iraque e no Paquistão, entre outros países árabes e não árabes, e até a bucólica Bélgica.
Na verdade, ao contrário da Rússia que se limita a defender interesses estratégicos imediatos, os Estados Unidos querem dominar o mundo a qualquer custo. Washington tem sido a grande fonte de instabilidade em todo o planeta. Agindo sem qualquer escrúpulo, transferiu para os tempos atuais suas táticas fracassadas da Guerra Fria, quando perdeu duas guerras de larga escala, Coreia e Vietnã, mostrando sua incompetência enquanto hegemon. As grandes vitórias norte-americanas foram contra Granada, Haiti e Noriega!
Se tivesse a mesma assessoria belicista dos neoconservadores americanos, Putin poderia se precipitar em aplicar uma vingança justa contra Ancara e levar o mundo à beira de uma guerra global – nas vizinhanças de uma guerra nuclear. Felizmente, há sangue frio em Moscou. O ato terrorista do governo turco gerará suas consequências, mas no momento oportuno. Temos que aprender a compreender Putin. Ele é um estrategista. Apesar dos esforços norte-americanos para isso, ele evitará que o mundo mergulhe numa guerra nuclear.
J. Carlos de Assis é economista, jornalista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre economia política brasileira e do recente “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigatvo”, ed. Textonovo, SP.
Por J. Carlos de Assis
O governo turco, odiado por grande parte de seu povo, não perde por esperar. Talvez tenha que esperar por muito tempo porque faz parte da estratégia militar histórica da Rússia cozinhar o inimigo e trazê-lo para perto de casa e só então liquidá-lo. Foi assim com Carlos XII da Suécia, com Napoleão e com Hitler. Os mais notáveis comandantes militares russos, o Marechal Sucorov, que derrotou Napoleão, e Marechal Zhukov, que derrotou Hitler, ganharam suas medalhas mais significativas usando o recurso da paciência.
Já vimos que Putin é um estrategista cuidadoso e de extrema eficácia. Enquanto o ocidente instigava os nazistas ucranianos a tomarem o poder em Kiev, mediante financiamento aberto do Departamento de Estado norte-americano, ele preparava com astúcia a reincorporação da Crimeia como província russa estratégica. O aparato de informação ocidental ficou desorientado. Obama, com cara de tacho, não soube como reagir a não ser impondo um injustificado e ineficaz bloqueio seletivo contra a Rússia.
Chegará a hora em que a Turquia pagará pela derrubada do bombardeiro russo e pelo assassinato covarde dos dois pilotos. Porém, estejam certos que não será dentro do modelo a ferro e fogo norte-americano, que está destruindo três países que nada tinham a ver com o World Trade Center a pretexto de combater terroristas, com o resultado fantástico de multiplicar justamente a criação de milhares de terroristas no Afeganistão, no Iraque e no Paquistão, entre outros países árabes e não árabes, e até a bucólica Bélgica.
Na verdade, ao contrário da Rússia que se limita a defender interesses estratégicos imediatos, os Estados Unidos querem dominar o mundo a qualquer custo. Washington tem sido a grande fonte de instabilidade em todo o planeta. Agindo sem qualquer escrúpulo, transferiu para os tempos atuais suas táticas fracassadas da Guerra Fria, quando perdeu duas guerras de larga escala, Coreia e Vietnã, mostrando sua incompetência enquanto hegemon. As grandes vitórias norte-americanas foram contra Granada, Haiti e Noriega!
Se tivesse a mesma assessoria belicista dos neoconservadores americanos, Putin poderia se precipitar em aplicar uma vingança justa contra Ancara e levar o mundo à beira de uma guerra global – nas vizinhanças de uma guerra nuclear. Felizmente, há sangue frio em Moscou. O ato terrorista do governo turco gerará suas consequências, mas no momento oportuno. Temos que aprender a compreender Putin. Ele é um estrategista. Apesar dos esforços norte-americanos para isso, ele evitará que o mundo mergulhe numa guerra nuclear.
J. Carlos de Assis é economista, jornalista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre economia política brasileira e do recente “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigatvo”, ed. Textonovo, SP.
domingo, novembro 22, 2015
quinta-feira, novembro 19, 2015
O que a Guerra da Argélia revela sobre os ataques em Paris
Sempre que o ocidente é atacado, nossa memória é apagada. Esquecemos das atrocidades que cometemos e que apoiamos a Arábia Saudita.
Robert Fisk
Não foi apenas um dos agressores que sumiu depois do massacre de Paris. Três nações cuja história, ação - e inação - ajudam a explicar o abate do EI escapam dos holofotes dessa resposta quase histérica pros crimes contra a humanidade que ocorreram em Paris: Argélia, Arábia Saudita e Síria.
A identidade franco-argelina de um dos agressores demonstra o quanto a selvagem guerra da França na Argélia (1956-1962) segue influenciando as atrocidades de hoje. A recusa absoluta de considerar o papel da Arábia Saudita como fornecedora da seita Wahabi-sunita, a mais extremista do Islã, na qual o EI acredita, mostra como nossos líderes ainda se recusam a reconhecer ligações entre o reino e a organização que atingiu Paris. E nossa relutância total em aceitar que a única força militar oficial em constante combate com o EI é o exército sírio - que luta por um regime que a França também deseja destruir - significa que não podemos entrar em contato com os impiedosos soldados que estão em ação contra o EI, ainda mais ferozmente do que os curdos.
Sempre que o ocidente é atacado e nossos inocentes são mortos, nosso banco de memória é apagado. Assim, quando os repórteres nos dizem que os 129 mortos em Paris representam a pior atrocidade na França desde a Segunda Guerra Mundial, eles não mencionam o massacre em Paris de até 200 argelinos que participavam de uma marcha ilegal contra selvagem guerra colonial da França na Argélia. A maioria foi assassinada pela polícia francesa, muitos foram torturados no Palais des Sports, tendo seus corpos lançados no rio Sena. Os franceses apenas assumem 40 mortos. O oficial de polícia encarregado era Maurice Papon, que trabalhava para a polícia colaboracionista de Pétain na Segunda Guerra Mundial e deportou mais de mil judeus para a morte.
Omar Ismail Mostafai, um dos assassinos suicidas em Paris, tem origem argelina - e também podem ter os demais suspeitos nomeados. Cherif e Said Kouachi, os irmãos que mataram os jornalistas da Charlie Hebdo, eram também de ascendência argelina. Eles vieram da comunidade argelina de cinco milhões de pessoas na França, para muitos dos quais a guerra da Argélia nunca terminou, e que vivem hoje nas favelas de Saint-Denis e outros bairros argelinos de Paris. No entanto, a origem dos 13 assassinos de novembro - e a história da nação de onde seus pais vieram - tem sido largamente suprimida da narrativa em torno dos acontecimentos horríveis de sexta-feira. Um passaporte sírio com um selo grego é mais interessante, por razões óbvias.
Uma guerra colonial que ocorreu há 50 anos não é justificativa para assassinatos em massa, mas fornece um contexto sem o qual nenhuma explicação do porquê dos ataques terem ocorrido na França faz qualquer sentido. Assim, também, a seita Wahabi-sunita da Arábia Saudita, que é uma fundação do "califado islâmico" e de seus assassinos. Mohammed ibn Abdel al-Wahab era o clérigo purista e filósofo cujo desejo de expurgar os xiitas e demais infiéis do Oriente Médio levou aos massacres cruéis do século XVIII em que a original dinastia al-Saud estava profundamente envolvida.
O atual reino da Arábia, que regularmente decapita supostos criminosos após julgamentos injustos, está construindo um museu Riyadh dedicado aos ensinamentos de al-Wahab, e a raiva do velho prelado contra os idólatras e a imoralidade encontrou expressão na acusação do EI, dizendo que Paris é um centro de "prostituição". Muito do financiamento do EI veio de sauditas - embora, mais uma vez, este fato tenha sido apagado da terrível história do massacre de sexta-feira.
E depois vem a Síria, cujo regime está na mira do governo francês há muito tempo. Ainda assim, o exército de Assad, ultrapassado em homens e em poder de fogo - embora tenham retomado algum território com auxílio dos ataques aéreos russos - é a única força militar treinada enfrentando o EI. Durante muitos anos, os americanos, os britânicos e os franceses disseram que os sírios não lutavam contra o EI. O que é visivelmente uma mentira; Tropas sírias foram expulsas de Palmyra em maio, depois de tentar impedir que comboios suicídas furassem o bloqueio até a cidade - comboios que poderiam ter sido atingidos por aeronaves francesas ou americanas. Cerca de 60.000 entre as tropas sírias já foram mortos, muitos nas mãos do EI e dos islamitas Nusrah - mas o nosso desejo de destruir o regime de Assad é prioridade sobre a necessidade de esmagar o EI.
Os franceses agora se vangloriam de terem atingido Raqqa, a "capital" do EI na Siria, 20 vezes - um ataque de vingança, se é que alguma vez possa ter existido algum. Se este foi um ataque militar sério para liquidar o aparato do EI na Síria, por que os franceses não o fizeram duas semanas atrás? Ou há dois meses? Mais uma vez, infelizmente, o ocidente - e especialmente a França - responde ao EI passionalmente, e não pela razão, sem qualquer contexto histórico, sem reconhecer o papel sombrio que os nossos "moderados" aliados na Arábia representam nessa história de terror. E tem gente que pensa que vamos destruir o EI.
Tradução por Allan Brum
A Verdadeira Ponte para o Futuro
Roberto Requião[1]
O recém-publicado programa da Fundação Ulysses Guimarães “Uma ponte para o futuro” faz lembrar o clássico romance do escritor siciliano Giuseppe Tomasi di Lampedusa, il gattopardo, o Leopardo, em português. O tema obra é a decadência da aristocracia siciliana durante o Risorgimento, a Unificação Italiana conduzida pela luta popular sob a bandeira de um Estado republicano moderno.
A velha e decadente nobreza siciliana não queria saber de mudança. Porém, os ventos revolucionários não podem ser barrados. Mas podem ser desviados, através de uma mudança controlada. O Príncipe de Falconeri resume essa estratégia em sua assertiva que virou um clássico:
“A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, o povo nos submeterá à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude. ”
Sabemos que o sistema político da Nova República se estabilizou através de uma dicotomia entre PT X PSDB. Essa dicotomia manteve forças progressistas e populares entretidas primeiro na esperança da eleição do PT, depois nos avanços sociais que o PT veio construindo aos poucos. Esse modelo entrou em parafuso com o PT liderando um ajuste fiscal absolutamente antissocial. Em reação, o PSDB ficou inicialmente atônito entre a crítica incoerente e o aplauso com sorriso amarelo. Depois, passou a pedir ainda mais arrocho pelo governo, supostamente revoltado contra a timidez, a desfaçatez ou a suposta falta de convicções do governo em relação ao ajuste. Enfim, o PSDB ficou perdido.
Mais atônito está povo, que depositava suas esperanças na atenção que o PT dava ao social, ainda que há muito já havia percebido que era falsa a dicotomia PT/PSDB na questão da regulação do sistema financeiro e da política macroeconômica. Na prática, para ambos, os juros indecentes foi o 1º mandamento. Dilma até se esforçou para reduzi-lo, mas por não conscientizar o povo sobre isso e por não mexer na estrutura do Tripé Macroeconômico (câmbio flutuante e metas de inflação e superávit primário), que alimenta os juros altos, não teve força para manter a iniciativa.
Sobre as regras de gestão da macroeconomia criadas por FHC, nenhum grande partido ousa levantar dúvidas. É um tabu. Um silêncio total. Uma unanimidade burra total. Apesar dessa unanimidade, um paradoxo acontece todas as eleições, em especial na última.
No ano passado, os pré-candidatos do PSB à presidência, que era a grande “novidade” das eleições, passaram meses falando que a dicotomia PT/PSDB era falsa e mantinha o país na mesmice e que eles queriam ser a alternativa a isso. Eles seriam o veículo da mudança. Porém, depois que todo mundo já tinha mais do que entendido que eles seriam “o novo”, eles vinham dizendo que o Brasil deveria louvar e respeitar o Tripé das regras macroeconômicas de FHC com ainda maior afinco. Apesar do PT e do PSDB nunca terem deixado de segui-lo e muito menos de louvá-lo.
O que me deixava impressionado é que repetiam supostas vantagens desse modelo como se fosse uma grande novidade, e não algo já aborrecidamente repetido pelos jornais, economistas e políticos há mais de 15 anos. Paradoxalmente, todos os candidatos, exceto Luciana do PSOL e Mauro Iasi do PCB faziam o mesmo, louvando o Tripé como se isso fosse inédito e seu grande diferencial. Impressiona-me que candidatos ditos “nanicos”, que tem finalmente tinham a grande chance de suas vidas para serem conhecidos por todos os brasileiros e usar isso para falar algo diferente que justificassem sua candidatura alternativa, se esmerem para usar seus 15 minutos de fama para repetir a mesma coisa que já diziam os principais candidatos.
Isso já havia acontecido em eleições anteriores. Hoje é um jogo que não tem credibilidade. O velho barbudo disse que a história se repete primeiro como tragédia, depois como farsa. Depois que o PT se rendeu à unanimidade do Tripé e agora, pior, ao ajuste draconiano a la grega, ninguém mais acredita nas convicções que os partidos alegam ter e nem na inocência daqueles que se dizem grandes adversários para depois concordarem no essencial.
Recentemente, o Senador Cristovam Buarque mostrou-se como pré-candidato à presidência da República, pois também estaria cansado com a dicotomia entre PT e PSDB. Não me lembro, porém, que ele seja um opositor do modelo do Tripé, provavelmente o maior ponto de consenso entre PT e PSDB. Também não conheço bem a alternativa ao Tripé que formula o outro pré-candidato do partido que quer acabar com dilema PT/PSDB, o ex-Ministro da Fazenda Ciro Gomes.
Todos os políticos criticam os juros elevados do Brasil, mas não lembro de um parlamentar ou chefe do poder executivo que, como eu, tenha criticado abertamente o Tripé como sendo o instrumento, o labirinto, que mantém os juros brasileiros como os maiores do mundo.
A grande maioria ou se cala ou rende homenagens a Mamon [2], através de elogios ao santificado Tripé. Porém, é a necessidade desesperada de reiterar “devoção cega” ao Tripé que está levando a economia brasileira à pior recessão em sua história, enquanto a maior parte do mundo está se recuperando da crise econômica.
No meio dessa crise, a Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, lança com grande destaque um novo documento dando a entender que tem uma solução inovadora para os problemas do Brasil, chamado: “Uma ponte para o futuro”. Inclusive alguns correligionários chegaram a dizer que já era hora de acabar com a “falsa dicotomia” PT x PSDB, repetindo o que já tinham dito os candidatos do PSB, Rede e PDT. Fiquei feliz ao saber que nossos intelectuais estavam se dedicando a propor algo novo para o país.
Imaginam minha decepção ao ler o documento. O programa não tem nada de novo. É apenas uma cópia de um conjunto de medidas repetidamente exigidas pelo setor financeiro, “o mercado”, e que ainda não foram satisfeitas no governo do PT. É a mesma cansativa e monótona oferta de quase todos os partidos e políticos aos interesses da banca e dos rentistas. Ou seja, simula mudar alguma coisa para que tudo fique como está.
Parece que os bancos viraram os únicos eleitores no Brasil, e que todos devem se esmerar em agradá-los repetindo o mesmo ritual de submissão a seus interesses, enquanto criam novas fachadas para desviar a atenção do povo.
Mas isso acontece no mundo inteiro hoje. Na Grécia aconteceu o mesmo. A diferença é que lá o objeto de adoração a Mamon não é o Tripé. Lá é o euro e a Troika. Quando a Grécia entrou na crise, os partidos tradicionais de Centro e Direita se uniram para fazer o ajuste fiscal mais regressivo da história do país.
Não deu certo, a economia afundou e o desemprego alcançou recorde. O povo se revoltou e votou na esquerda tradicional, o partido socialista grego, PASOK, que prometia fazer um ajuste com maior cuidado com o social. Eleitos fizeram o contrário, foram ainda mais antissociais que a velha direita grega. O resultado foi ainda pior. A dívida, que os remédios dos diversos pacotes tentavam curar, só crescia, enquanto os efeitos colaterais matavam o povo grego. Foram 5 pacotes.
Até que o povo grego farto da enganação vota em um jovem, Tsipras, de um partido de extrema esquerda, o SYRIZA, criado e eleito exatamente para impedir o país de continuar se submetendo aos mesmos pacotes que prometiam acabar com o ajuste fiscal e enfrentar a Troika. Depois de 6 meses de negociação, ele se rende a avança a um novo pacote para esmagar ainda mais o povo grego no “moinho de carne” do arrocho fiscal e social, na esperança de que o pouco sangue que ainda restava pudesse satisfazer os insaciáveis credores.
O que resta ao povo grego? Que esperanças pode ter o povo grego na chamada democracia? Ou melhor, o que resta no nosso modelo político de democracia, no sentido original criado pelos mesmos gregos há mais de 2 mil anos, se as imposições do interesse do setor financeiro jamais podem ser contestadas?
Eu tenho esperança, eu ainda conto com a mudança. O povo está vendo todas essas manobras e não está gostando, por isso, vivemos tempos de crise. Crise é a decadência do velho e a possibilidade de ascensão do novo. As crises são pródigas em oportunidades de mudanças. Nelas, a mudança não parece mais impossível.
Mas essa não é apenas uma crise econômica e de submissão do sistema político ao interesse de apenas um setor, o financeiro. Estamos vivendo também uma crise de impaciência do povo com relação à corrupção. A decadência da Nova República, que substituiu o regime militar salta aos olhos. Não sabemos o que pode resultar disso. Pode ser um regime autoritário, pois o que vemos em grande parte da oposição à Presidenta é chamamentos a golpismos dos mais diversos, desde militares, a judiciais, passando até por golpes contábil-fiscais e exaltações fascistas. Esse golpismo permanente me lembra a velha ameaça de Carlos Lacerda a Getúlio Vargas. Carlos Lacerda dizia antes das eleições que consagraram Getúlio:
“O Sr. Getúlio Vargas não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.”
É visível que estão recorrendo ao mesmo expediente. Isso significa que esse tipo de oposição já não mais respeita as regras democráticas instituídas na Nova República.
Gostaria assim de buscar nas origens da Nova República elementos para entender como poderemos superar essa crise. A Nova República foi plenamente instituída com a Constituição de 88. Os fundamentos dessa Constituição foram primeiramente organizados em um documento do PMDB, publicado 6 anos antes no meio da crise da dívida externa brasileira. O documento chama-se “Esperança e Mudança”. Esse foi o programa que deu alma ao PMDB por mais de uma década. Ele se baseava em três pilares que foram incorporados na constituição de 88:
1) Um regime legal altamente voltado à preservação dos direitos civis, sociais e trabalhistas
2) Uma organização do Estado que visava controlar o poder do Executivo através de um judiciário, legislativo e até mesmo ministério público muito fortalecidos e completamente autônomos.
3) Um regime de intervenção econômica claramente nacional-desenvolvimentista orientado para a industrialização, a preservação do emprego e dos salários e serviços públicos voltados ao interesse da população e não dos lucros.
A constituição foi elaborada e promulgada sob a liderança do presidente PMDB, tendo o PMDB como principal base de apoio e tendo o “Esperança e Mudança” como principal fonte de inspiração. Todavia, foi promulgada no apagar das luzes de uma conturbada fase de transição entre a época de ouro do capitalismo que termina em 1973 e a Era da Globalização, que se inicia nos anos 90 do século XX.
Nos anos 90, vivemos uma avalanche neoliberal, antisocial e antinacional, em total antagonismo com a constituição de 88. Destruí-la passou a ser um dos grandes objetivos das forças que apoiavam o neoliberalismo. Desde então, a constituição recebeu safras anuais de emendas. Primeiro, no governo FHC, buscou-se destruir os fundamentos nacionais-desenvolvimentistas, como o conceito de “empresa nacional”, o controle nacional sobre a produção mineral, os impostos sobre as exportações de commodities, o monopólio do petróleo e diversas medidas que se opunham ao controle do Estado sobre os setores estratégicos e sobre a oferta de serviços públicos.
Depois passaram a atacar os princípios sociais da Constituição. Os direitos de aposentadoria, a destinação de recursos para saúde e educação através da DRU[3], entre outros. Mas ao contrário dos princípios nacional-desenvolvimentistas, nessa área o avanço dos neoliberais foi pequeno, até este ano de 2015. Isso acontece porque a sociedade brasileira, os partidos de esquerda, as alas populares dos vários partidos e o governo do PT sempre se opuseram à maioria das propostas de emendas constitucionais que visavam a perda de direitos sociais, trabalhistas e da atenção especial que a Saúde e a Educação recebem de nossa Constituição.
Porém, neste ano de 2015 tudo mudou. Ao trair suas promessas de campanha, e se entregar a um ajuste fiscal neoliberal e ao aumento dos juros que ela mesma havia combatido com coragem, Dilma perdeu o discurso, o controle da agenda política e a popularidade. Seus adversários na imprensa e no Congresso se aproveitaram disso para tentar toda sorte de golpismos que pudessem ser usados para encurralar o governo.
Aproveitando a fragilidade do governo do PT e a perda de afinidade deste com os setores sociais progressistas e a instabilidade política, os partidos e políticos que queriam agradar o todo poderoso setor financeiro, descobriram que não é mais suficiente apenas oferecer o Tripé e os juros mais altos do mundo. A moda agora é levar como oferenda a Mamon todas as conquistas sociais da Constituição de 88.
Para isso contam com o providencial apoio do verdadeiro equívoco dos nossos constituintes: o Executivo frágil que leva à instabilidade política. Essa tendência decorre do desequilíbrio entre responsabilidade e poder em nossa Constituição. Nela, quase toda responsabilidade recai sobre o Executivo. Porém, se comparado à responsabilidade e ao ônus pelos próprios erros, há excesso de poder no judiciário, no Ministério Público e até na Polícia Federal em relação ao comando do Executivo. Para complicar, o governo do PT, o Congresso, e o STF e o TSE aprovaram leis, práticas e interpretações que reforçaram essa tendência à instabilidade dando mais poder aos órgãos já carentes de responsabilidade.
O mesmo aconteceu em relação à imprensa, que se tornou o maior poder da República. A imprensa assim se tornou o “Poder Moderador” que seria o fiel da balança na condução do processo político. Elegeu e derrubou o Collor, elegeu e garantiu a estabilidade política no governo FHC. Porém, manteve o governo Lula e Dilma sobre crescente pressão. Ao invés de moderar a instabilidade, a acentuou. Não conseguiu derrubar o Presidente Lula, porque – além da incrível capacidade de comunicação, articulação e de atender ao setor financeiro – teve a grande sorte de suceder um governo extremamente impopular e infeliz e pode contar com inédita expansão dos preços das commodities. Dilma não pode contar plenamente com nada disso. Ela começou o primeiro governo sobre uma fortaleza de popularidade e prosperidade. A fortaleza foi corroída em razão dos próprios erros e da tendência do nosso modelo político à instabilidade política.
Considerando esses fatores, chegamos a essa aparente crise terminal da Nova República. Agora, o que precisamos não é radicalizar no neoliberalismo buscando agradar os setores mais poderosos da sociedade e, assim, esgotar o resto da gordura de princípios de estabilidade social, econômica e política que ainda sobrou da Constituição de 88. Se fizermos isso, acabará certamente com o resto de credibilidade que tem esse sistema democrático que estamos vivendo e haverá sérios riscos de o país descambar para o “conflito civil”.
Proponho o contrário. Fazer como o PMDB fez em 1982 com o “Esperança e Mudança”: usar a crise terminal do regime militar para pensar um programa construído com apoio de todas as bases do partido e realmente focado no interesse do povo brasileiro. E mais, eu proponho começarmos a reflexão exatamente sobre o texto do “Esperança e Mudança”, para entendermos o que foi implementando, o que deu certo o que não deu, o que está atual, o que não está.
Eu suspeito que tem algo que nunca foi verdadeiramente implementado no “Esperança e Mudança”: a reflexão aprofundada sobre o Caráter Nacional Brasileiro. A Alma Brasileira deve ser uma inspiração para ação coletiva do Estado em prol da construção de uma Nação que pode ser um modelo e um caminho para uma humanidade. Depois que superarmos definitivamente a desigualdade e a pobreza, nossa Pátria pacífica, mestiça e calorosa será uma luz para guiar a humanidade para longe das trevas da intolerância, das guerras, da indiferença, da falta de solidariedade e do preconceito.
Com muita tristeza temos que admitir a morte do Rio Doce. A crise ambiental e climática já mobiliza as Nações. A crise política e econômica turva as nossas perspectivas de futuro. A intolerância religiosa, o terrorismo e a profusão de conflitos militares parecem estar conduzindo o mundo para uma grande guerra. Tudo isso traz medo e indignação. Precisamos usar essa indignação como combustível da nossa ação. E a nossa ação agora deve ser canalizada para construirmos um novo Projeto Nacional Autêntico. Ele será a verdadeira “Ponte para o Futuro”. Para tal, deverá ser construída com reflexão democrática, participação e dialogo abertos. Proponho ao PMDB e a todos que quiserem contribuir nos lançarmos nessa empreitada com o coração aberto e a esperança renovada para a verdadeira mudança.
Vamos resgatar o orgulho de ser brasileiro!!
Roberto Requião,
Brasília, Distrito Federal, 18 de novembro de 2015.
[1] Roberto Requião é Senador, no segundo mandato. Foi governador do Paraná por três vezes, prefeito de Curitiba e deputado estadual. É graduado em direito e jornalismo com pós-graduação em urbanismo.
[2] Mamon é um termo, derivado da Bíblia, usado para descrever riqueza material ou cobiça, na maioria das vezes, mas nem sempre, personificado como uma divindade. A própria palavra é uma transliteração da palavra hebraica ”Mamom” (מָמוֹן), que significa literalmente “dinheiro”. Como ser, Mamon representa o terceiro pecado, a Ganância ou Avareza, também o anticristo, devorador de almas, e um dos sete príncipes do Inferno. Sua aparência é normalmente relacionada a um nobre de aparência deformada, que carrega um grande saco de moedas de ouro, e “suborna” os humanos para obter suas almas. Em outros casos é visto com uma espécie de pássaro negro (semelhante ao Abutre), porém com dentes capazes de estraçalhar as almas humanas que comprara.
[3] A Desvinculação de Receitas da União (DRU) é um mecanismo que permite ao governo federal usar livremente 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem a cerca de 90% do montante desvinculado.
O recém-publicado programa da Fundação Ulysses Guimarães “Uma ponte para o futuro” faz lembrar o clássico romance do escritor siciliano Giuseppe Tomasi di Lampedusa, il gattopardo, o Leopardo, em português. O tema obra é a decadência da aristocracia siciliana durante o Risorgimento, a Unificação Italiana conduzida pela luta popular sob a bandeira de um Estado republicano moderno.
A velha e decadente nobreza siciliana não queria saber de mudança. Porém, os ventos revolucionários não podem ser barrados. Mas podem ser desviados, através de uma mudança controlada. O Príncipe de Falconeri resume essa estratégia em sua assertiva que virou um clássico:
“A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, o povo nos submeterá à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude. ”
Sabemos que o sistema político da Nova República se estabilizou através de uma dicotomia entre PT X PSDB. Essa dicotomia manteve forças progressistas e populares entretidas primeiro na esperança da eleição do PT, depois nos avanços sociais que o PT veio construindo aos poucos. Esse modelo entrou em parafuso com o PT liderando um ajuste fiscal absolutamente antissocial. Em reação, o PSDB ficou inicialmente atônito entre a crítica incoerente e o aplauso com sorriso amarelo. Depois, passou a pedir ainda mais arrocho pelo governo, supostamente revoltado contra a timidez, a desfaçatez ou a suposta falta de convicções do governo em relação ao ajuste. Enfim, o PSDB ficou perdido.
Mais atônito está povo, que depositava suas esperanças na atenção que o PT dava ao social, ainda que há muito já havia percebido que era falsa a dicotomia PT/PSDB na questão da regulação do sistema financeiro e da política macroeconômica. Na prática, para ambos, os juros indecentes foi o 1º mandamento. Dilma até se esforçou para reduzi-lo, mas por não conscientizar o povo sobre isso e por não mexer na estrutura do Tripé Macroeconômico (câmbio flutuante e metas de inflação e superávit primário), que alimenta os juros altos, não teve força para manter a iniciativa.
Sobre as regras de gestão da macroeconomia criadas por FHC, nenhum grande partido ousa levantar dúvidas. É um tabu. Um silêncio total. Uma unanimidade burra total. Apesar dessa unanimidade, um paradoxo acontece todas as eleições, em especial na última.
No ano passado, os pré-candidatos do PSB à presidência, que era a grande “novidade” das eleições, passaram meses falando que a dicotomia PT/PSDB era falsa e mantinha o país na mesmice e que eles queriam ser a alternativa a isso. Eles seriam o veículo da mudança. Porém, depois que todo mundo já tinha mais do que entendido que eles seriam “o novo”, eles vinham dizendo que o Brasil deveria louvar e respeitar o Tripé das regras macroeconômicas de FHC com ainda maior afinco. Apesar do PT e do PSDB nunca terem deixado de segui-lo e muito menos de louvá-lo.
O que me deixava impressionado é que repetiam supostas vantagens desse modelo como se fosse uma grande novidade, e não algo já aborrecidamente repetido pelos jornais, economistas e políticos há mais de 15 anos. Paradoxalmente, todos os candidatos, exceto Luciana do PSOL e Mauro Iasi do PCB faziam o mesmo, louvando o Tripé como se isso fosse inédito e seu grande diferencial. Impressiona-me que candidatos ditos “nanicos”, que tem finalmente tinham a grande chance de suas vidas para serem conhecidos por todos os brasileiros e usar isso para falar algo diferente que justificassem sua candidatura alternativa, se esmerem para usar seus 15 minutos de fama para repetir a mesma coisa que já diziam os principais candidatos.
Isso já havia acontecido em eleições anteriores. Hoje é um jogo que não tem credibilidade. O velho barbudo disse que a história se repete primeiro como tragédia, depois como farsa. Depois que o PT se rendeu à unanimidade do Tripé e agora, pior, ao ajuste draconiano a la grega, ninguém mais acredita nas convicções que os partidos alegam ter e nem na inocência daqueles que se dizem grandes adversários para depois concordarem no essencial.
Recentemente, o Senador Cristovam Buarque mostrou-se como pré-candidato à presidência da República, pois também estaria cansado com a dicotomia entre PT e PSDB. Não me lembro, porém, que ele seja um opositor do modelo do Tripé, provavelmente o maior ponto de consenso entre PT e PSDB. Também não conheço bem a alternativa ao Tripé que formula o outro pré-candidato do partido que quer acabar com dilema PT/PSDB, o ex-Ministro da Fazenda Ciro Gomes.
Todos os políticos criticam os juros elevados do Brasil, mas não lembro de um parlamentar ou chefe do poder executivo que, como eu, tenha criticado abertamente o Tripé como sendo o instrumento, o labirinto, que mantém os juros brasileiros como os maiores do mundo.
A grande maioria ou se cala ou rende homenagens a Mamon [2], através de elogios ao santificado Tripé. Porém, é a necessidade desesperada de reiterar “devoção cega” ao Tripé que está levando a economia brasileira à pior recessão em sua história, enquanto a maior parte do mundo está se recuperando da crise econômica.
No meio dessa crise, a Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, lança com grande destaque um novo documento dando a entender que tem uma solução inovadora para os problemas do Brasil, chamado: “Uma ponte para o futuro”. Inclusive alguns correligionários chegaram a dizer que já era hora de acabar com a “falsa dicotomia” PT x PSDB, repetindo o que já tinham dito os candidatos do PSB, Rede e PDT. Fiquei feliz ao saber que nossos intelectuais estavam se dedicando a propor algo novo para o país.
Imaginam minha decepção ao ler o documento. O programa não tem nada de novo. É apenas uma cópia de um conjunto de medidas repetidamente exigidas pelo setor financeiro, “o mercado”, e que ainda não foram satisfeitas no governo do PT. É a mesma cansativa e monótona oferta de quase todos os partidos e políticos aos interesses da banca e dos rentistas. Ou seja, simula mudar alguma coisa para que tudo fique como está.
Parece que os bancos viraram os únicos eleitores no Brasil, e que todos devem se esmerar em agradá-los repetindo o mesmo ritual de submissão a seus interesses, enquanto criam novas fachadas para desviar a atenção do povo.
Mas isso acontece no mundo inteiro hoje. Na Grécia aconteceu o mesmo. A diferença é que lá o objeto de adoração a Mamon não é o Tripé. Lá é o euro e a Troika. Quando a Grécia entrou na crise, os partidos tradicionais de Centro e Direita se uniram para fazer o ajuste fiscal mais regressivo da história do país.
Não deu certo, a economia afundou e o desemprego alcançou recorde. O povo se revoltou e votou na esquerda tradicional, o partido socialista grego, PASOK, que prometia fazer um ajuste com maior cuidado com o social. Eleitos fizeram o contrário, foram ainda mais antissociais que a velha direita grega. O resultado foi ainda pior. A dívida, que os remédios dos diversos pacotes tentavam curar, só crescia, enquanto os efeitos colaterais matavam o povo grego. Foram 5 pacotes.
Até que o povo grego farto da enganação vota em um jovem, Tsipras, de um partido de extrema esquerda, o SYRIZA, criado e eleito exatamente para impedir o país de continuar se submetendo aos mesmos pacotes que prometiam acabar com o ajuste fiscal e enfrentar a Troika. Depois de 6 meses de negociação, ele se rende a avança a um novo pacote para esmagar ainda mais o povo grego no “moinho de carne” do arrocho fiscal e social, na esperança de que o pouco sangue que ainda restava pudesse satisfazer os insaciáveis credores.
O que resta ao povo grego? Que esperanças pode ter o povo grego na chamada democracia? Ou melhor, o que resta no nosso modelo político de democracia, no sentido original criado pelos mesmos gregos há mais de 2 mil anos, se as imposições do interesse do setor financeiro jamais podem ser contestadas?
Eu tenho esperança, eu ainda conto com a mudança. O povo está vendo todas essas manobras e não está gostando, por isso, vivemos tempos de crise. Crise é a decadência do velho e a possibilidade de ascensão do novo. As crises são pródigas em oportunidades de mudanças. Nelas, a mudança não parece mais impossível.
Mas essa não é apenas uma crise econômica e de submissão do sistema político ao interesse de apenas um setor, o financeiro. Estamos vivendo também uma crise de impaciência do povo com relação à corrupção. A decadência da Nova República, que substituiu o regime militar salta aos olhos. Não sabemos o que pode resultar disso. Pode ser um regime autoritário, pois o que vemos em grande parte da oposição à Presidenta é chamamentos a golpismos dos mais diversos, desde militares, a judiciais, passando até por golpes contábil-fiscais e exaltações fascistas. Esse golpismo permanente me lembra a velha ameaça de Carlos Lacerda a Getúlio Vargas. Carlos Lacerda dizia antes das eleições que consagraram Getúlio:
“O Sr. Getúlio Vargas não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.”
É visível que estão recorrendo ao mesmo expediente. Isso significa que esse tipo de oposição já não mais respeita as regras democráticas instituídas na Nova República.
Gostaria assim de buscar nas origens da Nova República elementos para entender como poderemos superar essa crise. A Nova República foi plenamente instituída com a Constituição de 88. Os fundamentos dessa Constituição foram primeiramente organizados em um documento do PMDB, publicado 6 anos antes no meio da crise da dívida externa brasileira. O documento chama-se “Esperança e Mudança”. Esse foi o programa que deu alma ao PMDB por mais de uma década. Ele se baseava em três pilares que foram incorporados na constituição de 88:
1) Um regime legal altamente voltado à preservação dos direitos civis, sociais e trabalhistas
2) Uma organização do Estado que visava controlar o poder do Executivo através de um judiciário, legislativo e até mesmo ministério público muito fortalecidos e completamente autônomos.
3) Um regime de intervenção econômica claramente nacional-desenvolvimentista orientado para a industrialização, a preservação do emprego e dos salários e serviços públicos voltados ao interesse da população e não dos lucros.
A constituição foi elaborada e promulgada sob a liderança do presidente PMDB, tendo o PMDB como principal base de apoio e tendo o “Esperança e Mudança” como principal fonte de inspiração. Todavia, foi promulgada no apagar das luzes de uma conturbada fase de transição entre a época de ouro do capitalismo que termina em 1973 e a Era da Globalização, que se inicia nos anos 90 do século XX.
Nos anos 90, vivemos uma avalanche neoliberal, antisocial e antinacional, em total antagonismo com a constituição de 88. Destruí-la passou a ser um dos grandes objetivos das forças que apoiavam o neoliberalismo. Desde então, a constituição recebeu safras anuais de emendas. Primeiro, no governo FHC, buscou-se destruir os fundamentos nacionais-desenvolvimentistas, como o conceito de “empresa nacional”, o controle nacional sobre a produção mineral, os impostos sobre as exportações de commodities, o monopólio do petróleo e diversas medidas que se opunham ao controle do Estado sobre os setores estratégicos e sobre a oferta de serviços públicos.
Depois passaram a atacar os princípios sociais da Constituição. Os direitos de aposentadoria, a destinação de recursos para saúde e educação através da DRU[3], entre outros. Mas ao contrário dos princípios nacional-desenvolvimentistas, nessa área o avanço dos neoliberais foi pequeno, até este ano de 2015. Isso acontece porque a sociedade brasileira, os partidos de esquerda, as alas populares dos vários partidos e o governo do PT sempre se opuseram à maioria das propostas de emendas constitucionais que visavam a perda de direitos sociais, trabalhistas e da atenção especial que a Saúde e a Educação recebem de nossa Constituição.
Porém, neste ano de 2015 tudo mudou. Ao trair suas promessas de campanha, e se entregar a um ajuste fiscal neoliberal e ao aumento dos juros que ela mesma havia combatido com coragem, Dilma perdeu o discurso, o controle da agenda política e a popularidade. Seus adversários na imprensa e no Congresso se aproveitaram disso para tentar toda sorte de golpismos que pudessem ser usados para encurralar o governo.
Aproveitando a fragilidade do governo do PT e a perda de afinidade deste com os setores sociais progressistas e a instabilidade política, os partidos e políticos que queriam agradar o todo poderoso setor financeiro, descobriram que não é mais suficiente apenas oferecer o Tripé e os juros mais altos do mundo. A moda agora é levar como oferenda a Mamon todas as conquistas sociais da Constituição de 88.
Para isso contam com o providencial apoio do verdadeiro equívoco dos nossos constituintes: o Executivo frágil que leva à instabilidade política. Essa tendência decorre do desequilíbrio entre responsabilidade e poder em nossa Constituição. Nela, quase toda responsabilidade recai sobre o Executivo. Porém, se comparado à responsabilidade e ao ônus pelos próprios erros, há excesso de poder no judiciário, no Ministério Público e até na Polícia Federal em relação ao comando do Executivo. Para complicar, o governo do PT, o Congresso, e o STF e o TSE aprovaram leis, práticas e interpretações que reforçaram essa tendência à instabilidade dando mais poder aos órgãos já carentes de responsabilidade.
O mesmo aconteceu em relação à imprensa, que se tornou o maior poder da República. A imprensa assim se tornou o “Poder Moderador” que seria o fiel da balança na condução do processo político. Elegeu e derrubou o Collor, elegeu e garantiu a estabilidade política no governo FHC. Porém, manteve o governo Lula e Dilma sobre crescente pressão. Ao invés de moderar a instabilidade, a acentuou. Não conseguiu derrubar o Presidente Lula, porque – além da incrível capacidade de comunicação, articulação e de atender ao setor financeiro – teve a grande sorte de suceder um governo extremamente impopular e infeliz e pode contar com inédita expansão dos preços das commodities. Dilma não pode contar plenamente com nada disso. Ela começou o primeiro governo sobre uma fortaleza de popularidade e prosperidade. A fortaleza foi corroída em razão dos próprios erros e da tendência do nosso modelo político à instabilidade política.
Considerando esses fatores, chegamos a essa aparente crise terminal da Nova República. Agora, o que precisamos não é radicalizar no neoliberalismo buscando agradar os setores mais poderosos da sociedade e, assim, esgotar o resto da gordura de princípios de estabilidade social, econômica e política que ainda sobrou da Constituição de 88. Se fizermos isso, acabará certamente com o resto de credibilidade que tem esse sistema democrático que estamos vivendo e haverá sérios riscos de o país descambar para o “conflito civil”.
Proponho o contrário. Fazer como o PMDB fez em 1982 com o “Esperança e Mudança”: usar a crise terminal do regime militar para pensar um programa construído com apoio de todas as bases do partido e realmente focado no interesse do povo brasileiro. E mais, eu proponho começarmos a reflexão exatamente sobre o texto do “Esperança e Mudança”, para entendermos o que foi implementando, o que deu certo o que não deu, o que está atual, o que não está.
Eu suspeito que tem algo que nunca foi verdadeiramente implementado no “Esperança e Mudança”: a reflexão aprofundada sobre o Caráter Nacional Brasileiro. A Alma Brasileira deve ser uma inspiração para ação coletiva do Estado em prol da construção de uma Nação que pode ser um modelo e um caminho para uma humanidade. Depois que superarmos definitivamente a desigualdade e a pobreza, nossa Pátria pacífica, mestiça e calorosa será uma luz para guiar a humanidade para longe das trevas da intolerância, das guerras, da indiferença, da falta de solidariedade e do preconceito.
Com muita tristeza temos que admitir a morte do Rio Doce. A crise ambiental e climática já mobiliza as Nações. A crise política e econômica turva as nossas perspectivas de futuro. A intolerância religiosa, o terrorismo e a profusão de conflitos militares parecem estar conduzindo o mundo para uma grande guerra. Tudo isso traz medo e indignação. Precisamos usar essa indignação como combustível da nossa ação. E a nossa ação agora deve ser canalizada para construirmos um novo Projeto Nacional Autêntico. Ele será a verdadeira “Ponte para o Futuro”. Para tal, deverá ser construída com reflexão democrática, participação e dialogo abertos. Proponho ao PMDB e a todos que quiserem contribuir nos lançarmos nessa empreitada com o coração aberto e a esperança renovada para a verdadeira mudança.
Vamos resgatar o orgulho de ser brasileiro!!
Roberto Requião,
Brasília, Distrito Federal, 18 de novembro de 2015.
[1] Roberto Requião é Senador, no segundo mandato. Foi governador do Paraná por três vezes, prefeito de Curitiba e deputado estadual. É graduado em direito e jornalismo com pós-graduação em urbanismo.
[2] Mamon é um termo, derivado da Bíblia, usado para descrever riqueza material ou cobiça, na maioria das vezes, mas nem sempre, personificado como uma divindade. A própria palavra é uma transliteração da palavra hebraica ”Mamom” (מָמוֹן), que significa literalmente “dinheiro”. Como ser, Mamon representa o terceiro pecado, a Ganância ou Avareza, também o anticristo, devorador de almas, e um dos sete príncipes do Inferno. Sua aparência é normalmente relacionada a um nobre de aparência deformada, que carrega um grande saco de moedas de ouro, e “suborna” os humanos para obter suas almas. Em outros casos é visto com uma espécie de pássaro negro (semelhante ao Abutre), porém com dentes capazes de estraçalhar as almas humanas que comprara.
[3] A Desvinculação de Receitas da União (DRU) é um mecanismo que permite ao governo federal usar livremente 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem a cerca de 90% do montante desvinculado.
segunda-feira, novembro 16, 2015
Esperança e mudança: o último grande marco do nacionaldesenvolvimentismo
Gilberto Maringoni - de São Paulo
http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2725:catid=28&Itemid=23
Há trinta anos vinha há público o mais consistente programa partidário da fase final da ditadura. Era o Esperança e mudança, abrangente documento elaborado por intelectuais desenvolvimentistas e apresentado pelo PMDB, então uma frente de oposições. Era a expressão de um setor da sociedade que desejava fortalecer o caráter planejador do Estado como forma de superação da crise econômica daqueles anos
O mês de setembro próximo marca os trinta anos do lançamento do mais consistente e completo programa partidário desenvolvimentista já elaborado em nosso país. Trata-se do documento Esperança e mudança, lançado pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) em 1982. Suas teses focam o tema central da transição da ditadura (1964-1985) para a democracia: o papel e as atribuições do Estado na sociedade. Exaurido por recorrentes déficits no balanço de pagamentos, pelo endividamento externo tornado impagável após as seguidas elevações de juros nos Estados Unidos, por baixas reservas cambiais e pela inflação “galopante”, o Estado brasileiro do início dos anos 1980 perdera boa parte de sua capacidade de intervir e planejar a economia.
Com um tom antiliberal e nacionalista, o programa peemedebista foi provavelmente a última grande manifestação do nacional- -desenvolvimentismo entre nós. Tais diretrizes, como se sabe, balizaram quase todo nosso processo de industrialização, entre 1930 e 1980, quando o país deixou de ser um imenso produtor agrícola para se tornar a sétima economia do mundo capitalista. Apesar de suas inegáveis qualidades, aquele programa tem sido minimizado pelos historiadores. Não está na internet. O próprio PMDB, em sua página na rede, sequer o menciona. Nem mesmo o livro A história de um rebelde (1966-2006), de autoria do ex-deputado federal Tarcísio Delgado, uma espécie de levantamento oficial sobre a trajetória da agremiação, cita aquelas formulações.
CRISE FINAL DA DITADURA O Esperança e mudança é um arrazoado de 119 páginas, dividido em quatro capítulos: “A transformação democrática”, “Uma nova estratégia de desenvolvimento social”, “Diretrizes para uma política econômica” e “A questão nacional”. Foi seguramente o programa partidário mais abrangente do período, que buscava resolver problemas renitentes de financiamento das estruturas produtivas, ao mesmo tempo em que sinalizava apoio às demandas dos trabalhadores.
Entre outras questões, o documento propunha uma política de ampliação do mercado interno através de políticas de distribuição de renda, a elevação real do salário mínimo, queda dos juros, o aumento do crédito, a reforma agrária, uma reforma tributária progressiva, a adoção de uma política industrial planejada, a renegociação da dívida externa, a nacionalização das riquezas do subsolo, o fortalecimento das empresas estatais, uma política externa soberana e o estreitamento dos laços políticos com a América Latina. O texto foi publicado inicialmente pela Revista do PMDB, em seu número 4, de setembro/outubro de 1982. Logo seria aprovado pela comissão executiva nacional. O cenário em que o programa veio a luz foi o da crise final da ditadura. Seu modelo econômico, pautado pela construção de um setor de bens de capital lastreado pelo Estado, pelo capital privado nacional e financiado em boa parte por poupança externa mostrava-se sem sustentação em um quadro de sérias turbulências internacionais. A elevação unilateral dos juros dos EUA, o fim da paridade ouro/dólar e a elevação dos preços internacionais do petróleo provocaram uma aguda desaceleração da economia mundial, com reflexos internos dramáticos.
ELEIÇÕES DE GOVERNADORES Em 1982, nas primeiras eleições diretas para governos de estado desde 1965, o PMDB conquistaria nove vitórias expressivas: São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Espírito Santo, Amazonas, Pará, Acre, Goiás e Mato Grosso do Sul. O resultado no pleito para prefeitos, vereadores, deputados estaduais, federais e senadores, realizadas concomitantemente, ampliou a expressão nacional da sigla. A chamada frente de oposições se capacitava ali como a principal alternativa de poder no plano nacional. Tal situação obrigou a agremiação a sofisticar seu arsenal programático. O programa partidário não era apenas uma teorização sobre a luta política em curso, o que já seria muito, mas se materializava como uma bússola para três contendas decisivas nos anos seguintes: a campanha das Diretas Já, as eleições presidenciais indiretas de 1985 e a Assembléia Constituinte, cujos membros seriam escolhidos em 1986.
OS DESENVOLVIMENTISTAS A elaboração do texto ficou a cargo de um time de peso na vida intelectual do país. A equipe era composta, entre outros, por Luiz Gonzaga Belluzzo, Luciano Coutinho, Carlos Lessa, João Manuel Cardoso de Mello e Maria da Conceição Tavares. Dizia- -se à época que predominava no documento a visão dos “desenvolvimentistas da Unicamp”. Belluzzo lembra que uma das preocupações do grupo era fazer frente ao problema da carência de financiamentos de longo prazo para a constituição de grandes grupos industriais nacionais. O ideário peemedebista teria de se defrontar com a crise das dívidas externas dos países do terceiro mundo e pelo virtual estancamento de financiamentos estrangeiros. “Avaliávamos ser necessária a constituição de fundos públicos para financiar o desenvolvimento no longo prazo”, lembra o economista. “Nossos grupos empresariais eram frágeis, daí a necessidade que sentíamos de construir grandes empresas com forte indução do Estado, via BNDES”, ressalta ele. Era uma ideia formulada por alguns países asiáticos, que constituíram, entre os anos 1970 e 1980, poderosos conglomerados para competir internacionalmente, com suporte estatal. “Era o caso dos chaebols coreanos”, diz Belluzzo. O primeiro parágrafo do texto sintetiza a visão partidária sobre a disputa política e econômica da época:
O Brasil atravessa uma fase crítica: a pior crise econômica e social desde os anos 30 coexiste com uma profunda crise institucional. As estruturas do Estado estão carcomidas pela privatização do interesse público, a política econômica está imobilizada, o governo carece de largueza de visão para enfrentar o estado de desagregação crescente. O mais grave, porém, é a crise política – o divórcio profundo entre a sociedade e o Estado, a ausência de confiança e de representatividade. A dívida externa sufoca. Obriga o governo a curvar-se ante os grandes interesses bancários. Campeia a corrupção, a imprevidência, a desesperança.
DEFESA DO PLANEJAMENTO Em seguida, é apresentada a proposta de intervenção estatal no desenvolvimento econômico:
O PMDB propõe o planejamento democrático como forma de estabelecer e garantir que o conjunto de políticas públicas obedeça a prioridades fixadas democraticamente – prioridades que busquem um novo estilo de desenvolvimento social. O Planejamento democrático implica na (sic) elaboração de um Plano, sob controle e sob a influência das instituições democráticas. Plano fixado através de lei, supervisionado eficazmente pelo Congresso com a interação e auxílio das organizações populares.
Linhas à frente, são definidas as principais medidas do ideário proposto:
Distribuição de renda começa com uma nova política salarial, começa com a elevação da base dos salários, com o aumento real do salário mínimo, com uma reforma que implante uma reforma justa para a previdência social. (...) É preciso conter a alta contínua do custo de vida através de uma política antiinf lacionária eficaz. (...) A distribuição de renda e de riqueza nacional também não virá, de maneira progressiva e irreversível, sem grandes reformas sociais e institucionais. Sem uma reforma agrária – que garanta o acesso á terra a quem nela trabalhe – e a reorganização da vida rural, apoiada por múltiplas políticas, não será possível criar uma agricultura eficiente, com população rural livre e próspera. Sem uma ampla reforma tributária não será possível eliminar as enormes injustiças do atual sistema de impostos, que gravam muito pesadamente os assalariados de baixa renda enquanto que as classes privilegiadas pagam parcelas insignificantes de seus rendimentos. Sem uma reforma financeira não será possível democratizar o crédito, com taxas de juros baixas, acessíveis aos consumidores de baixa renda. (...) sem uma reforma fundiária urbana não será possível uma verdadeira política urbana, que regularize a situação de milhões de favelados, e que coíba a especulação imobiliária.
Além de propor uma estratégia de desenvolvimento “que liquide com a especulação parasita, sustentada atualmente pela dívida pública interna”, o PMDB advogava medidas emergenciais de curto prazo:
A dívida externa não pode continuar administrando o Brasil (...) não é mais suportável a continuidade de taxas reais de juros estratosféricas. A política alternativa do PMDB começa com a imediata redução do patamar de juros, desvinculando-o do giro da dívida externa. (...)
Hoje em dia há uma concepção mais pragmática do que programática”
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Para Antonio Lassance, documento de 1982 expressa tempo em que agradar o chamado “mercado” não era o centro da ação dos partidos. A seguir, sua opinião
“O Esperança e mudança é um programa elaborado num tempo em que os partidos se esmeravam por explicitar claramente o que pretendiam fazer em termos de política econômica. Nas últimas décadas, essa preocupação foi para o campo oposto, e os partidos se dedicam a listar aquilo que não vão fazer para não desagradar grupos de interesse de maior peso, aqueles eufemisticamente apelidados de “mercado”.
Além disso, três coisas importantes mudaram muito desde então.
Primeiro, a preocupação por apresentar uma concepção ampla e coerente, naquela época, ainda com uma predominância do nacional-desenvolvimentismo, desapareceu quase por completo.
Segundo, a visão de longo prazo, que desapareceu, nos anos 1980, engolida pelo contexto de hiperinflação e, nos anos 1990, pela aversão neoliberal à ideia de planejamento, sendo substituída, na melhor das hipóteses, pelos exercícios de cenarização de riscos e oportunidades aos quais o Brasil deveria simplesmente se adaptar. Só recentemente o longo prazo tem voltado a ter alguma importância, com os planos decenais, de forma setorial.
Finalmente, o terceiro aspecto importante que mudou é que a mediação existente entre economistas com vinculação partidária e a formulação dos programas de governo teve seus laços rompidos. Nesse último aspecto, cada vez mais se vê que esta interlocução é mais pragmática do que programática.
Tais mudanças tiraram dos partidos a condição de espaço de debate e fonte de embates que, em outros momentos, foram importantes para aprimorar a compreensão da sociedade sobre o que estava acontecendo na economia e para engajá-la na mudança de rumos”.
DEMOCRATIZAÇÃO DO ESTADO O tom de todo o documento é claramente influenciado pelas proposições de Raul Prebisch (1901-1986) e Celso Furtado (1920-2004) na Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), com a tônica das relações internacionais expressas nas contradições entre centro e periferia do sistema capitalista. Além disso, as ideias de Roberto Simonsen (1889-1948), sobre a necessidade de um planejamento de longo alcance transparecem naquelas linhas. “Também há traços de Schumpeter, de Marx e de Keynes no texto”, lembra Luiz Gonzaga Belluzzo.
Para concretizar suas diretrizes econômicas, o programa aponta a democratização do Estado como “o único caminho adequado para colocar, definitivamente, a política econômica e social a serviço dos interesses da sociedade”. A tradução política das mudanças era a convocação de uma “Assembléia Nacional Constituinte como solução-síntese”. Ou seja, o documento via nos desarranjos econômicos uma expressão de problemas que só poderiam ser resolvidos no âmbito político. Um grande peso era dado à necessidade da participação dos movimentos sociais na vida nacional e ao fortalecimento dos partidos políticos.
As políticas sociais As iniciativas sociais seriam divididas em três grandes vertentes:
Políticas sociais clássicas, como a salarial, previdenciária, de abastecimento alimentar, saúde, educação, que atuam diretamente sobre o atendimento às necessidades básicas da população.
Políticas de reordenamento do espaço urbano, regional e do meio ambiente. (...)
(...) Políticas estratégicas de reordenamento do sistema produtivo que devem ajustar-se às prioridades redistributivas.
Para controlar a inflação, que em 1982 alcançava a marca de 100% ao ano, o texto propunha:
A reimposição imediata e rigorosa dos controles de preços, com mecanismos antecipatórios de detecção dos aumentos de custo;
A adoção de uma política seletiva de crédito, com mecanismos penalizadores para as empresas que ultrapassem os tetos fixados;
A adoção de uma política de estímulo da oferta de alimentos e gêneros industriais básicos, com controle das margens de lucro industriais e comerciais;
A redução firme e gradativa dos coeficientes de correção monetária e queda imediata da taxa de juros.
Década perdida ou ganha?
A disputa que se abriu na sociedade brasileira entre 1985 e 2002 teve como agentes principais os partidos políticos. A seguir vieram entidades trabalhistas, empresariais, estudantis etc., além de universidades e outras instituições. A grande imprensa, que em sua maior parte apoiou a implantação da ditadura no país, também fez parte dos debates.
O pensamento conservador chama os anos 1980 de década perdida, por ter representado um tempo em que as classes dominantes não conseguiam materializar seu projeto de poder para a sociedade brasileira. Além disso, pesa na apreciação o fato do Brasil ter literalmente quebrado em 1982 e da alta inflação ter se tornado um problema virtualmente crônico.
De outra parte, do ponto de vista dos movimentos democráticos da sociedade brasileira, aquela foi uma década ganha. Não apenas nasceram e se firmaram inúmeras entidades e partidos populares, como se abriu uma nova fase histórica para o país, através do fim da ditadura e da promulgação da Constituição, em 1988.
Ao se voltar para a questão trabalhista, o PMDB propunha “A reposição gradativa do poder real de compra do salário mínimo (...) visando duplicar seu valor real num prazo o mais curto possível”. Concomitantemente a tal medida, o programa advogava a adoção da estabilidade no emprego e de uma reforma na Previdência Social que ampliasse direitos. Outra medida apontada pelo texto seria a realização de uma reforma agrária, que reduzisse o fluxo migratório campo-cidade.
As formulações alcançavam ainda políticas de energia e de transportes, de desenvolvimento científico e tecnológico e de política agrícola. A dada altura, apresentava “Diretrizes para o financiamento da nova etapa de expansão”. Como aspecto central, reafirmava ser “essencial reverter a ‘privatização’ do Estado com uma Reforma Administrativa que recoloque em seus devidos lugares uma grande parte dos organismos e funções que se elidiram da administração direta”.
CONSTITUINTE E REGULAÇÃO O programa teve expressões na ação partidária durante a formulação da Carta de 1988. “Havia ecos do Esperança e mudança no PMDB daquela época, embora o partido já fosse governo e tivesse a experiência de participar dos planos econômicos da gestão Sarney” (1985- 1990), aponta Belluzzo. Em seu primeiro discurso como presidente da Assembléia Nacional Constituinte, em 2 de fevereiro de 1987, Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, vocalizava as diretrizes básicas do programa:
A ação reguladora do Estado na atividade econômica: a livre iniciativa, necessária ao desenvolvimento do país, deverá exercer- -se sem o sacrifício dos trabalhadores, e a riqueza não poderá acumular-se ao mesmo tempo em que aumentam a miséria e a fome em benefício dos privilegiados.
Em nossos dias, quando o Brasil procura retomar uma rota de desenvolvimento sustentável, torna-se importante voltar-se ao Esperança e mudança e examinar suas linhas em detalhe. Isso deve ser feito menos pelas questões político-partidárias ou pelo estudo do passado recente e mais para se avaliar os dilemas e contradições atuais da economia brasileira.
Década perdida ou ganha?
O PMDB, fundado em 1980, é caudatário do antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), criado em 1966. À época vigorava o bipartidarismo consentido pela ditadura. O governo era sustentado pela Aliança Renovadora Nacional (Arena).
O PMDB abrigou entre os anos 1970 e 1980 um amplo espectro de forças políticas, que ia de liberais de direita até comunistas. Representava também anseios dos setores industriais paulistas, da grande e da média burguesia, das classes médias e de setores do movimento popular.
Com o fim da ditadura e o surgimento de novas agremiações, o partido perdeu seu caráter de frente de oposições.
http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2725:catid=28&Itemid=23
Há trinta anos vinha há público o mais consistente programa partidário da fase final da ditadura. Era o Esperança e mudança, abrangente documento elaborado por intelectuais desenvolvimentistas e apresentado pelo PMDB, então uma frente de oposições. Era a expressão de um setor da sociedade que desejava fortalecer o caráter planejador do Estado como forma de superação da crise econômica daqueles anos
O mês de setembro próximo marca os trinta anos do lançamento do mais consistente e completo programa partidário desenvolvimentista já elaborado em nosso país. Trata-se do documento Esperança e mudança, lançado pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) em 1982. Suas teses focam o tema central da transição da ditadura (1964-1985) para a democracia: o papel e as atribuições do Estado na sociedade. Exaurido por recorrentes déficits no balanço de pagamentos, pelo endividamento externo tornado impagável após as seguidas elevações de juros nos Estados Unidos, por baixas reservas cambiais e pela inflação “galopante”, o Estado brasileiro do início dos anos 1980 perdera boa parte de sua capacidade de intervir e planejar a economia.
Com um tom antiliberal e nacionalista, o programa peemedebista foi provavelmente a última grande manifestação do nacional- -desenvolvimentismo entre nós. Tais diretrizes, como se sabe, balizaram quase todo nosso processo de industrialização, entre 1930 e 1980, quando o país deixou de ser um imenso produtor agrícola para se tornar a sétima economia do mundo capitalista. Apesar de suas inegáveis qualidades, aquele programa tem sido minimizado pelos historiadores. Não está na internet. O próprio PMDB, em sua página na rede, sequer o menciona. Nem mesmo o livro A história de um rebelde (1966-2006), de autoria do ex-deputado federal Tarcísio Delgado, uma espécie de levantamento oficial sobre a trajetória da agremiação, cita aquelas formulações.
CRISE FINAL DA DITADURA O Esperança e mudança é um arrazoado de 119 páginas, dividido em quatro capítulos: “A transformação democrática”, “Uma nova estratégia de desenvolvimento social”, “Diretrizes para uma política econômica” e “A questão nacional”. Foi seguramente o programa partidário mais abrangente do período, que buscava resolver problemas renitentes de financiamento das estruturas produtivas, ao mesmo tempo em que sinalizava apoio às demandas dos trabalhadores.
Entre outras questões, o documento propunha uma política de ampliação do mercado interno através de políticas de distribuição de renda, a elevação real do salário mínimo, queda dos juros, o aumento do crédito, a reforma agrária, uma reforma tributária progressiva, a adoção de uma política industrial planejada, a renegociação da dívida externa, a nacionalização das riquezas do subsolo, o fortalecimento das empresas estatais, uma política externa soberana e o estreitamento dos laços políticos com a América Latina. O texto foi publicado inicialmente pela Revista do PMDB, em seu número 4, de setembro/outubro de 1982. Logo seria aprovado pela comissão executiva nacional. O cenário em que o programa veio a luz foi o da crise final da ditadura. Seu modelo econômico, pautado pela construção de um setor de bens de capital lastreado pelo Estado, pelo capital privado nacional e financiado em boa parte por poupança externa mostrava-se sem sustentação em um quadro de sérias turbulências internacionais. A elevação unilateral dos juros dos EUA, o fim da paridade ouro/dólar e a elevação dos preços internacionais do petróleo provocaram uma aguda desaceleração da economia mundial, com reflexos internos dramáticos.
ELEIÇÕES DE GOVERNADORES Em 1982, nas primeiras eleições diretas para governos de estado desde 1965, o PMDB conquistaria nove vitórias expressivas: São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Espírito Santo, Amazonas, Pará, Acre, Goiás e Mato Grosso do Sul. O resultado no pleito para prefeitos, vereadores, deputados estaduais, federais e senadores, realizadas concomitantemente, ampliou a expressão nacional da sigla. A chamada frente de oposições se capacitava ali como a principal alternativa de poder no plano nacional. Tal situação obrigou a agremiação a sofisticar seu arsenal programático. O programa partidário não era apenas uma teorização sobre a luta política em curso, o que já seria muito, mas se materializava como uma bússola para três contendas decisivas nos anos seguintes: a campanha das Diretas Já, as eleições presidenciais indiretas de 1985 e a Assembléia Constituinte, cujos membros seriam escolhidos em 1986.
OS DESENVOLVIMENTISTAS A elaboração do texto ficou a cargo de um time de peso na vida intelectual do país. A equipe era composta, entre outros, por Luiz Gonzaga Belluzzo, Luciano Coutinho, Carlos Lessa, João Manuel Cardoso de Mello e Maria da Conceição Tavares. Dizia- -se à época que predominava no documento a visão dos “desenvolvimentistas da Unicamp”. Belluzzo lembra que uma das preocupações do grupo era fazer frente ao problema da carência de financiamentos de longo prazo para a constituição de grandes grupos industriais nacionais. O ideário peemedebista teria de se defrontar com a crise das dívidas externas dos países do terceiro mundo e pelo virtual estancamento de financiamentos estrangeiros. “Avaliávamos ser necessária a constituição de fundos públicos para financiar o desenvolvimento no longo prazo”, lembra o economista. “Nossos grupos empresariais eram frágeis, daí a necessidade que sentíamos de construir grandes empresas com forte indução do Estado, via BNDES”, ressalta ele. Era uma ideia formulada por alguns países asiáticos, que constituíram, entre os anos 1970 e 1980, poderosos conglomerados para competir internacionalmente, com suporte estatal. “Era o caso dos chaebols coreanos”, diz Belluzzo. O primeiro parágrafo do texto sintetiza a visão partidária sobre a disputa política e econômica da época:
O Brasil atravessa uma fase crítica: a pior crise econômica e social desde os anos 30 coexiste com uma profunda crise institucional. As estruturas do Estado estão carcomidas pela privatização do interesse público, a política econômica está imobilizada, o governo carece de largueza de visão para enfrentar o estado de desagregação crescente. O mais grave, porém, é a crise política – o divórcio profundo entre a sociedade e o Estado, a ausência de confiança e de representatividade. A dívida externa sufoca. Obriga o governo a curvar-se ante os grandes interesses bancários. Campeia a corrupção, a imprevidência, a desesperança.
DEFESA DO PLANEJAMENTO Em seguida, é apresentada a proposta de intervenção estatal no desenvolvimento econômico:
O PMDB propõe o planejamento democrático como forma de estabelecer e garantir que o conjunto de políticas públicas obedeça a prioridades fixadas democraticamente – prioridades que busquem um novo estilo de desenvolvimento social. O Planejamento democrático implica na (sic) elaboração de um Plano, sob controle e sob a influência das instituições democráticas. Plano fixado através de lei, supervisionado eficazmente pelo Congresso com a interação e auxílio das organizações populares.
Linhas à frente, são definidas as principais medidas do ideário proposto:
Distribuição de renda começa com uma nova política salarial, começa com a elevação da base dos salários, com o aumento real do salário mínimo, com uma reforma que implante uma reforma justa para a previdência social. (...) É preciso conter a alta contínua do custo de vida através de uma política antiinf lacionária eficaz. (...) A distribuição de renda e de riqueza nacional também não virá, de maneira progressiva e irreversível, sem grandes reformas sociais e institucionais. Sem uma reforma agrária – que garanta o acesso á terra a quem nela trabalhe – e a reorganização da vida rural, apoiada por múltiplas políticas, não será possível criar uma agricultura eficiente, com população rural livre e próspera. Sem uma ampla reforma tributária não será possível eliminar as enormes injustiças do atual sistema de impostos, que gravam muito pesadamente os assalariados de baixa renda enquanto que as classes privilegiadas pagam parcelas insignificantes de seus rendimentos. Sem uma reforma financeira não será possível democratizar o crédito, com taxas de juros baixas, acessíveis aos consumidores de baixa renda. (...) sem uma reforma fundiária urbana não será possível uma verdadeira política urbana, que regularize a situação de milhões de favelados, e que coíba a especulação imobiliária.
Além de propor uma estratégia de desenvolvimento “que liquide com a especulação parasita, sustentada atualmente pela dívida pública interna”, o PMDB advogava medidas emergenciais de curto prazo:
A dívida externa não pode continuar administrando o Brasil (...) não é mais suportável a continuidade de taxas reais de juros estratosféricas. A política alternativa do PMDB começa com a imediata redução do patamar de juros, desvinculando-o do giro da dívida externa. (...)
Hoje em dia há uma concepção mais pragmática do que programática”
_____________________________________________________________________________________________
Para Antonio Lassance, documento de 1982 expressa tempo em que agradar o chamado “mercado” não era o centro da ação dos partidos. A seguir, sua opinião
“O Esperança e mudança é um programa elaborado num tempo em que os partidos se esmeravam por explicitar claramente o que pretendiam fazer em termos de política econômica. Nas últimas décadas, essa preocupação foi para o campo oposto, e os partidos se dedicam a listar aquilo que não vão fazer para não desagradar grupos de interesse de maior peso, aqueles eufemisticamente apelidados de “mercado”.
Além disso, três coisas importantes mudaram muito desde então.
Primeiro, a preocupação por apresentar uma concepção ampla e coerente, naquela época, ainda com uma predominância do nacional-desenvolvimentismo, desapareceu quase por completo.
Segundo, a visão de longo prazo, que desapareceu, nos anos 1980, engolida pelo contexto de hiperinflação e, nos anos 1990, pela aversão neoliberal à ideia de planejamento, sendo substituída, na melhor das hipóteses, pelos exercícios de cenarização de riscos e oportunidades aos quais o Brasil deveria simplesmente se adaptar. Só recentemente o longo prazo tem voltado a ter alguma importância, com os planos decenais, de forma setorial.
Finalmente, o terceiro aspecto importante que mudou é que a mediação existente entre economistas com vinculação partidária e a formulação dos programas de governo teve seus laços rompidos. Nesse último aspecto, cada vez mais se vê que esta interlocução é mais pragmática do que programática.
Tais mudanças tiraram dos partidos a condição de espaço de debate e fonte de embates que, em outros momentos, foram importantes para aprimorar a compreensão da sociedade sobre o que estava acontecendo na economia e para engajá-la na mudança de rumos”.
DEMOCRATIZAÇÃO DO ESTADO O tom de todo o documento é claramente influenciado pelas proposições de Raul Prebisch (1901-1986) e Celso Furtado (1920-2004) na Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), com a tônica das relações internacionais expressas nas contradições entre centro e periferia do sistema capitalista. Além disso, as ideias de Roberto Simonsen (1889-1948), sobre a necessidade de um planejamento de longo alcance transparecem naquelas linhas. “Também há traços de Schumpeter, de Marx e de Keynes no texto”, lembra Luiz Gonzaga Belluzzo.
Para concretizar suas diretrizes econômicas, o programa aponta a democratização do Estado como “o único caminho adequado para colocar, definitivamente, a política econômica e social a serviço dos interesses da sociedade”. A tradução política das mudanças era a convocação de uma “Assembléia Nacional Constituinte como solução-síntese”. Ou seja, o documento via nos desarranjos econômicos uma expressão de problemas que só poderiam ser resolvidos no âmbito político. Um grande peso era dado à necessidade da participação dos movimentos sociais na vida nacional e ao fortalecimento dos partidos políticos.
As políticas sociais As iniciativas sociais seriam divididas em três grandes vertentes:
Políticas sociais clássicas, como a salarial, previdenciária, de abastecimento alimentar, saúde, educação, que atuam diretamente sobre o atendimento às necessidades básicas da população.
Políticas de reordenamento do espaço urbano, regional e do meio ambiente. (...)
(...) Políticas estratégicas de reordenamento do sistema produtivo que devem ajustar-se às prioridades redistributivas.
Para controlar a inflação, que em 1982 alcançava a marca de 100% ao ano, o texto propunha:
A reimposição imediata e rigorosa dos controles de preços, com mecanismos antecipatórios de detecção dos aumentos de custo;
A adoção de uma política seletiva de crédito, com mecanismos penalizadores para as empresas que ultrapassem os tetos fixados;
A adoção de uma política de estímulo da oferta de alimentos e gêneros industriais básicos, com controle das margens de lucro industriais e comerciais;
A redução firme e gradativa dos coeficientes de correção monetária e queda imediata da taxa de juros.
Década perdida ou ganha?
A disputa que se abriu na sociedade brasileira entre 1985 e 2002 teve como agentes principais os partidos políticos. A seguir vieram entidades trabalhistas, empresariais, estudantis etc., além de universidades e outras instituições. A grande imprensa, que em sua maior parte apoiou a implantação da ditadura no país, também fez parte dos debates.
O pensamento conservador chama os anos 1980 de década perdida, por ter representado um tempo em que as classes dominantes não conseguiam materializar seu projeto de poder para a sociedade brasileira. Além disso, pesa na apreciação o fato do Brasil ter literalmente quebrado em 1982 e da alta inflação ter se tornado um problema virtualmente crônico.
De outra parte, do ponto de vista dos movimentos democráticos da sociedade brasileira, aquela foi uma década ganha. Não apenas nasceram e se firmaram inúmeras entidades e partidos populares, como se abriu uma nova fase histórica para o país, através do fim da ditadura e da promulgação da Constituição, em 1988.
Ao se voltar para a questão trabalhista, o PMDB propunha “A reposição gradativa do poder real de compra do salário mínimo (...) visando duplicar seu valor real num prazo o mais curto possível”. Concomitantemente a tal medida, o programa advogava a adoção da estabilidade no emprego e de uma reforma na Previdência Social que ampliasse direitos. Outra medida apontada pelo texto seria a realização de uma reforma agrária, que reduzisse o fluxo migratório campo-cidade.
As formulações alcançavam ainda políticas de energia e de transportes, de desenvolvimento científico e tecnológico e de política agrícola. A dada altura, apresentava “Diretrizes para o financiamento da nova etapa de expansão”. Como aspecto central, reafirmava ser “essencial reverter a ‘privatização’ do Estado com uma Reforma Administrativa que recoloque em seus devidos lugares uma grande parte dos organismos e funções que se elidiram da administração direta”.
CONSTITUINTE E REGULAÇÃO O programa teve expressões na ação partidária durante a formulação da Carta de 1988. “Havia ecos do Esperança e mudança no PMDB daquela época, embora o partido já fosse governo e tivesse a experiência de participar dos planos econômicos da gestão Sarney” (1985- 1990), aponta Belluzzo. Em seu primeiro discurso como presidente da Assembléia Nacional Constituinte, em 2 de fevereiro de 1987, Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, vocalizava as diretrizes básicas do programa:
A ação reguladora do Estado na atividade econômica: a livre iniciativa, necessária ao desenvolvimento do país, deverá exercer- -se sem o sacrifício dos trabalhadores, e a riqueza não poderá acumular-se ao mesmo tempo em que aumentam a miséria e a fome em benefício dos privilegiados.
Em nossos dias, quando o Brasil procura retomar uma rota de desenvolvimento sustentável, torna-se importante voltar-se ao Esperança e mudança e examinar suas linhas em detalhe. Isso deve ser feito menos pelas questões político-partidárias ou pelo estudo do passado recente e mais para se avaliar os dilemas e contradições atuais da economia brasileira.
Década perdida ou ganha?
O PMDB, fundado em 1980, é caudatário do antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), criado em 1966. À época vigorava o bipartidarismo consentido pela ditadura. O governo era sustentado pela Aliança Renovadora Nacional (Arena).
O PMDB abrigou entre os anos 1970 e 1980 um amplo espectro de forças políticas, que ia de liberais de direita até comunistas. Representava também anseios dos setores industriais paulistas, da grande e da média burguesia, das classes médias e de setores do movimento popular.
Com o fim da ditadura e o surgimento de novas agremiações, o partido perdeu seu caráter de frente de oposições.
Somos todos idiotas?'
Referência de sucesso da privatização tucana, a Vale distribuiu em 2011 US$ 4 bilhões a seus acionistas, mas não instalou buzinas que salvariam pessoas da lama.
por: Saul Leblon
A ilusão de que a barbárie é um processo incremental que se desenvolve em algum ponto remoto do planeta, ou do calendário, ofusca uma rotina de convívio com a sua plena vigência nos dias que correm.
A matança em Paris na última sexta-feira, o avanço de um mar de lama assassina no interior brasileiro, são ilustrações de uma transição de ciclo histórico, cuja raiz é sonegada ao discernimento social pela semi-informação emitida do aparelho midiático conservador.
A cada soluço do inaceitável ergue-se, assim, a boa vontade dos que farejam algo estranho arranhando a porta do lado de fora.
Em janeiro, dizíamos ‘Somos todos Charlie’.
Em setembro dissemos ‘Somos todos Aylan Kurdi’ ( o menino curdo de três anos, morto em uma praia na Turquia).
Em novembro estamos dizendo ‘Somos todos franceses’, pranteando a centena e meia de jovens assassinados em uma única noite em Paris.
Por que estamos sendo jogados periodicamente a nos identificarmos com vítimas de uma tragédia que se abate sem que se possa detê-la, nem explicar de onde se origina e por que se repete em formas diversas com a mesma gravidade?
A lista é interminável.
Se a mídia desse a ênfase adequada a outros dramas equivalentes, por certo teríamos dito também ‘somos todos gregos’, ‘somos todos sírios’, ‘somos todos africanos’, ’somos todos desempregados europeus’, somos todos despejados espanhóis, somos todos líbios, iraquianos, iranianos, pretos americanos pobres...
Se desse hoje o alarme suficiente à lamacenta catástrofe promovida pela Vale, em Minas Gerais, estaríamos dizendo ‘Somos todos rio Doce’....
A solidariedade exclamativa é importante ao evidenciar a nossa inquietação.
Mas é insuficiente.
Quando o que está em jogo é a incompatibilidade entre a ganância estrutural dos mercados e a dos impérios, de um lado; e a sobrevivência do interesse público, de outro, a boa intenção exclamativa, a exemplo da caridade cristã, não é capaz de afrontar os perigos que acossam as bases da sociedade e o seu futuro.
A desordem mundial, movida a incertezas, brutalidades psicopatas, insegurança social permanente e colapsos recorrentes movidos a forças intangiveis, não retrocederá se não for afrontada com anteparos do interesse público dotado de ferramentas à altura do desafio: Estados nacionais democraticamente fortalecidos.
A ausência de coordenação global entre economias, a subordinação da democracia a interesses financeiros que se dedicam a esvaziá-la, a incompatibilidade entre a acumulação irracional e a sobrevivência dos recursos que formam as bases da vida na terra, não serão superados com boas intenções de organismos não governamentais.
A crise de 2008 foi o sintoma desse corredor estreito da história para onde estão sendo tangidas referências e conquistas acumuladas pelas lutas democráticas e populares desde os primórdios do século 20 e antes dele.
Ao contrário do que recitam colunistas agendados pelos departamentos de economia dos bancos, ela não acabou.
O cerco em marcha se estreita, como evidenciam os acontecimentos de Paris, ou seus equivalentes na Síria.
A emergência do ciclo neoliberal nos anos 70 deu carta branca à ganância rentista, confiante na expertise do dinheiro para alocar recursos com maior eficiência ao menor custo, tendo o globo como tabuleiro cativo.
Os alicerces da democracia social (o pleno emprego, direitos universais, Estado, partidos e sindicatos forte) foram corroídos.
Sob explosões de bolhas, bombas, desemprego, náufragos, governos e nações acuadas por defenderem a destinação social do desenvolvimento, o século 21 assiste agora aos efeitos colaterais dessa troca.
Um poder de chantagem ímpar, dotado de mobilidade sem igual na história do capitalismo ungiu o bunker financeiro em carrasco das nações.
O preço da mutação é o novo normal sistêmico.
A desigualdade cresce, o emprego definha, o endividamento asfixia famílias e Estados, a política se desmoraliza, fundos e acionistas enriquecem em uma sociedade que vegeta, e sobretudo, quando ela empobrece.
A barragem acumula rejeitos de todas as raças, cores e religiões.
Não há lugar para todos serem a mesma coisa em parte alguma nessa engrenagem seccionada por diques que separam vidas sólidas de massas líquidas lamacentas.
Se o Estado é capturado integralmente pelos mercados, as pontes para a construção de laços de valores compartilhados entre as nações e dentro das nações ficam intransitáveis.
Os terroristas que mataram 127 jovens em uma só noite em Paris diziam exatamente isso enquanto disparavam:
‘Vamos fazer com vocês o que vocês fazem na Síria’, em alusão ao intervencionismo aberto do governo Hollande que se estende da Síria ao Iraque, do Iraque a nações africanas.
Estamos falando de um governo socialista, ou melhor, de mais um sintoma da doença maligna que faz da política o novo idioma do caos.
A chave religiosa apenas reforça esse hospício ordenado pela razão financeira, que instala uma guerra social aberta de abrangência global, em nosso tempo.
Frentes conflagradas espalham-se pelos mapas das nações e dentro de cada uma delas, nas periferias urbanas onde os rejeitos humanos dos embates se acumulam.
Volta e meia ali também as barragens se rompem.
A UE tem hoje 8 milhões de imigrantes sem papéis; 120 milhões de pobres e 27 milhões de desempregados.
Após seis anos de arrocho neoliberal para curar a trombose de 2008, o desemprego, a desigualdade, o futuro obscuro, o esfarelamento do padrão de vida dos trabalhadores e da classe média –condensado em uma geração de jovens que dificilmente repetirá a faixa de renda dos pais-- turbinou a rejeição ao estrangeiro, criou o medo da 'islamização, alimentou a extrema direita e liberou a demência terrorista dos alijados.
Não necessariamente nessa ordem, mas com essa octanagem.
A consciência dessa longa travessia é um dado fundamental para renovar a ação política num tempo de supremacia das finanças desreguladas, ungidas à condição de um templo sagrado, dotado de leis próprias, revestido de esférica coerência endógena, avesso ao ruído das ruas, das urnas e das aspirações por cidadania plena.
Corta. Feche o foco agora no Brasil dos dias que correm.
É nesse cenário de guerra aberta que o conservadorismo e seu jornalismo de propagação ‘acusam’ o governo de não ter jogado o país ao mar em 2008, como tantos ‘estadistas’ do ajuste fizeram.
O custo de não tê-lo afogado na hora certa –vertem boquirrotos economistas de bancos-- acarretou os custos insustentáveis que ora explodem em desequilíbrios fiscais e orçamentários
O ‘voluntarismo lulopopulista’ terá que ser pago a ferro e fogo, lambuza nossos ouvidos a voz pastosa do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, com seu conhecido domínio da macroeconomia.
Recomenda-se vivamente beber a cota do dilúvio desdenhada em 2008 de uma talagada só, como Joaquim Levy gostaria, encorajado pelo poleiro de tucanos da Casa das Garças.
Só há um jeito de escapar da loucura disfarçada de racionalidade: tirar a economia do altar sagrado da ortodoxia e expô-la ao debate democrático do qual participem todas as forças sociais, unidas em uma frente de propósitos específicos.
Novo corte para um close na gosma em movimento no Brasil.
Pode-se identifica-la literalmente na massa de lama derramada de uma barragem da mineradora Vale, que já atingiu nove municípios de Minas e do Espírito Santo e avança para matar 880 kms de rios, riachos, ribeirões e fontes.
Referência de sucesso da privatização tucana, recordista em distribuir dividendos a seus acionistas, a Vale durante anos só deixou 1% do lucro obtido na mineração de Mariana/MG ao município.
Em compensação, despejou agora 60 bilhões de litros de lama tóxica no seu entorno, uma lava que viaja pelo Rio Doce para compartilhar com o Espírito Santo a maior catástrofe ambiental da história brasileira.
A devastação está apenas no começo.
A convalescença pode demorar séculos.
Esse é o tempo –advertem geólogos-- para que a lama cuspida pela incúria gananciosa se transforme em solo fértil outra vez.
A Vale não vai cuidar do interesse público nessa longa mutação.
O governo Dilma já deveria ter montado um gabinete de crise para enfrenta-la e coagi-la a assumir custos, no limite com intervenção na empresa para saber a extensão das ameaças que esconde.
No vácuo, o prefeito Neto Barros (PCdoB-ES), de B.Guandu (ES), fez o que cabe diante das dimensões de um roteiro que começa com o colapso do abastecimento de água, avança para doenças, inclusive câncer, encerra a destruição de cadeias alimentares, representa a falência de agricultores e de cidades, e desemboca em desemprego, revolta e migrações para periferias conflagradas.
Neto Barros fechou a ferrovia da Vale com a patrulha de máquinas da prefeitura até que a presidência da empresa aceite negociar.
Pergunta: isso é terrorismo? É atentado?
Não.
Mutatis mutante isso é a reação desesperada à supremacia dos interesses de mercado sobre a segurança da sociedade, o bem-estar das populações, a preservação das fontes da vida e o direito ao futuro sonegados por um bombardeio de lama.
Numa entrevista famosa em 2009, ao portal da revista Veja, FHC justificou a venda da Vale do Rio Doce – que tinha em Serra o defensor mais entusiasmado, entregou o ex-presidente-- entre outras razões, ao fato de a 2ª maior empresa de minério do mundo ter se reduzido - na sua douta avaliação - a um cabide empregos estatal, 'que não pagava imposto, nem investia'.
Filho dileto do ciclo tucano das grandes alienações públicas, Roger Agnelli -presidente da Vale do Rio Doce de 2001 a 2011 -- foi durante anos reportado ao país como a personificação da eficiência privada reconhecida nessa transação.
Com ele, graças a ele, e em decorrência da privatização-símbolo que ele encarnou, a Vale tornou-se uma campeã na distribuição de lucros a acionistas.
Vedete das Bolsas, com faturamento turbinado pela demanda chinesa por minério bruto, que o Brasil depois reimportava, na forma de trilhos, por exemplo, --a única laminação para esse fim foi desativada pelo governo FHC-- a Vale tornou-se o paradigma de desempenho corporativo aos olhos dos mercados.
Um banho de loja assegurado pelo colunismo econômico, ocultava a face de um negócio rudimentar, um raspa-tacho do patrimônio mineral alçado à condição de referência exemplar da narrativa privatista.
Agora se vê o mar de lama acumulado por debaixo do veludo.
A 'eficiência à la Agnelli' lambuzou o noticiário pró-mercadista durante uma década de fastígio.
Da cobertura econômica à eleitoral, era o argumento vivo a exorcizar ameaças à hegemonia dos 'livres mercados' pelo lulopopulismo.
Projetos soberanos de desenvolvimento, como o da área de petróleo, eram fuzilados com a munição generosa da menina dos olhos do neoliberalismo: a Vale de balancetes nas nuvens.
A política agressiva de distribuição de lucros aos acionistas --na verdade um rentismo ostensivo, apoiado na lixiviação de recursos existentes, sem agregar capacidade produtiva ao sistema econômico-- punha na Petrobrás o cabresto do mau exemplo.
Era a resiliência estatista nacionalisteira, evidenciada em planos de investimento encharcados de preocupação industrializante e 'onerosas' regras de conteúdo local.
A teia de acionistas da Vale, formada por carteiras gordas de endinheirados, bancos e fundos, com notável capilaridade midiática, nunca sonegou gratidão .
Enquanto o mundo mastigava avidamente o minério de teor de ferro mais elevado do planeta, a Vale era incensada a cada balanço, seguido de robustas rodadas de distribuição de lucros e champanhe.
No primeiro soluço da crise mundial, em 2008, a empresa administrada pela lógica pró-cíclica dos rentistas reagiu como tal e inverteu o bote: foi a primeira grande empresa a cortar 1.300 trabalhadores em dezembro daquele ano, exatamente quando o governo Lula tomava medidas contracíclicas na frente do crédito, do consumo e do investimento.
A Petrobrás não demitiu; reafirmou seus investimentos no pré-sal, da ordem de US$ 200 bilhões até 2014.
Se a dirigisse um herói dos acionistas, teria rifado o pré-sal na mesma roleta da Vale: predação imediatista, fastígio dos acionistas e prejuízos para o país.
Em seu último ano na empresa, Agnelli --apoiador confesso da candidatura derrotada de Serra contra Dilma, em 2010-- distribuiu US$ 4 bi aos acionistas.
Saiu carregado nos ombros da república dos dividendos.
Indiferente aos apelos de Lula, manteve-se até o fim fiel à lógica que o ungiu: recusou-se a investir US$ 1,5 bi numa laminadora de trilhos que agregasse valor a um naco das quase 300 milhões de toneladas de minério bruto exportadas anualmente pela empresa.
Com a derrota de Serra, o conselho da Vale destituiu o camafeu ostensivo da coalizão tucanorentista, em abril de 2011.
Agora se sabe que o centurião de alardeada proficiência administrativa, além de recolher apenas 2% de royalties ao país, nunca conseguiu reunir recursos para instalar uma simples buzina, que poderia ter salvo vidas levadas pelo mar de lama que legou ao país, enquanto brindava os acionistas com bilhões.
Estamos diante de um exemplo em ponto pequeno da desordem global, que à falta de melhor conceito, pode ser batizada de barbárie de mercado.
É rudimentar conceito. Porém é mais encorajador do que dizer apenas e tristemente ‘somos todos idiotas’.
por: Saul Leblon
A ilusão de que a barbárie é um processo incremental que se desenvolve em algum ponto remoto do planeta, ou do calendário, ofusca uma rotina de convívio com a sua plena vigência nos dias que correm.
A matança em Paris na última sexta-feira, o avanço de um mar de lama assassina no interior brasileiro, são ilustrações de uma transição de ciclo histórico, cuja raiz é sonegada ao discernimento social pela semi-informação emitida do aparelho midiático conservador.
A cada soluço do inaceitável ergue-se, assim, a boa vontade dos que farejam algo estranho arranhando a porta do lado de fora.
Em janeiro, dizíamos ‘Somos todos Charlie’.
Em setembro dissemos ‘Somos todos Aylan Kurdi’ ( o menino curdo de três anos, morto em uma praia na Turquia).
Em novembro estamos dizendo ‘Somos todos franceses’, pranteando a centena e meia de jovens assassinados em uma única noite em Paris.
Por que estamos sendo jogados periodicamente a nos identificarmos com vítimas de uma tragédia que se abate sem que se possa detê-la, nem explicar de onde se origina e por que se repete em formas diversas com a mesma gravidade?
A lista é interminável.
Se a mídia desse a ênfase adequada a outros dramas equivalentes, por certo teríamos dito também ‘somos todos gregos’, ‘somos todos sírios’, ‘somos todos africanos’, ’somos todos desempregados europeus’, somos todos despejados espanhóis, somos todos líbios, iraquianos, iranianos, pretos americanos pobres...
Se desse hoje o alarme suficiente à lamacenta catástrofe promovida pela Vale, em Minas Gerais, estaríamos dizendo ‘Somos todos rio Doce’....
A solidariedade exclamativa é importante ao evidenciar a nossa inquietação.
Mas é insuficiente.
Quando o que está em jogo é a incompatibilidade entre a ganância estrutural dos mercados e a dos impérios, de um lado; e a sobrevivência do interesse público, de outro, a boa intenção exclamativa, a exemplo da caridade cristã, não é capaz de afrontar os perigos que acossam as bases da sociedade e o seu futuro.
A desordem mundial, movida a incertezas, brutalidades psicopatas, insegurança social permanente e colapsos recorrentes movidos a forças intangiveis, não retrocederá se não for afrontada com anteparos do interesse público dotado de ferramentas à altura do desafio: Estados nacionais democraticamente fortalecidos.
A ausência de coordenação global entre economias, a subordinação da democracia a interesses financeiros que se dedicam a esvaziá-la, a incompatibilidade entre a acumulação irracional e a sobrevivência dos recursos que formam as bases da vida na terra, não serão superados com boas intenções de organismos não governamentais.
A crise de 2008 foi o sintoma desse corredor estreito da história para onde estão sendo tangidas referências e conquistas acumuladas pelas lutas democráticas e populares desde os primórdios do século 20 e antes dele.
Ao contrário do que recitam colunistas agendados pelos departamentos de economia dos bancos, ela não acabou.
O cerco em marcha se estreita, como evidenciam os acontecimentos de Paris, ou seus equivalentes na Síria.
A emergência do ciclo neoliberal nos anos 70 deu carta branca à ganância rentista, confiante na expertise do dinheiro para alocar recursos com maior eficiência ao menor custo, tendo o globo como tabuleiro cativo.
Os alicerces da democracia social (o pleno emprego, direitos universais, Estado, partidos e sindicatos forte) foram corroídos.
Sob explosões de bolhas, bombas, desemprego, náufragos, governos e nações acuadas por defenderem a destinação social do desenvolvimento, o século 21 assiste agora aos efeitos colaterais dessa troca.
Um poder de chantagem ímpar, dotado de mobilidade sem igual na história do capitalismo ungiu o bunker financeiro em carrasco das nações.
O preço da mutação é o novo normal sistêmico.
A desigualdade cresce, o emprego definha, o endividamento asfixia famílias e Estados, a política se desmoraliza, fundos e acionistas enriquecem em uma sociedade que vegeta, e sobretudo, quando ela empobrece.
A barragem acumula rejeitos de todas as raças, cores e religiões.
Não há lugar para todos serem a mesma coisa em parte alguma nessa engrenagem seccionada por diques que separam vidas sólidas de massas líquidas lamacentas.
Se o Estado é capturado integralmente pelos mercados, as pontes para a construção de laços de valores compartilhados entre as nações e dentro das nações ficam intransitáveis.
Os terroristas que mataram 127 jovens em uma só noite em Paris diziam exatamente isso enquanto disparavam:
‘Vamos fazer com vocês o que vocês fazem na Síria’, em alusão ao intervencionismo aberto do governo Hollande que se estende da Síria ao Iraque, do Iraque a nações africanas.
Estamos falando de um governo socialista, ou melhor, de mais um sintoma da doença maligna que faz da política o novo idioma do caos.
A chave religiosa apenas reforça esse hospício ordenado pela razão financeira, que instala uma guerra social aberta de abrangência global, em nosso tempo.
Frentes conflagradas espalham-se pelos mapas das nações e dentro de cada uma delas, nas periferias urbanas onde os rejeitos humanos dos embates se acumulam.
Volta e meia ali também as barragens se rompem.
A UE tem hoje 8 milhões de imigrantes sem papéis; 120 milhões de pobres e 27 milhões de desempregados.
Após seis anos de arrocho neoliberal para curar a trombose de 2008, o desemprego, a desigualdade, o futuro obscuro, o esfarelamento do padrão de vida dos trabalhadores e da classe média –condensado em uma geração de jovens que dificilmente repetirá a faixa de renda dos pais-- turbinou a rejeição ao estrangeiro, criou o medo da 'islamização, alimentou a extrema direita e liberou a demência terrorista dos alijados.
Não necessariamente nessa ordem, mas com essa octanagem.
A consciência dessa longa travessia é um dado fundamental para renovar a ação política num tempo de supremacia das finanças desreguladas, ungidas à condição de um templo sagrado, dotado de leis próprias, revestido de esférica coerência endógena, avesso ao ruído das ruas, das urnas e das aspirações por cidadania plena.
Corta. Feche o foco agora no Brasil dos dias que correm.
É nesse cenário de guerra aberta que o conservadorismo e seu jornalismo de propagação ‘acusam’ o governo de não ter jogado o país ao mar em 2008, como tantos ‘estadistas’ do ajuste fizeram.
O custo de não tê-lo afogado na hora certa –vertem boquirrotos economistas de bancos-- acarretou os custos insustentáveis que ora explodem em desequilíbrios fiscais e orçamentários
O ‘voluntarismo lulopopulista’ terá que ser pago a ferro e fogo, lambuza nossos ouvidos a voz pastosa do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, com seu conhecido domínio da macroeconomia.
Recomenda-se vivamente beber a cota do dilúvio desdenhada em 2008 de uma talagada só, como Joaquim Levy gostaria, encorajado pelo poleiro de tucanos da Casa das Garças.
Só há um jeito de escapar da loucura disfarçada de racionalidade: tirar a economia do altar sagrado da ortodoxia e expô-la ao debate democrático do qual participem todas as forças sociais, unidas em uma frente de propósitos específicos.
Novo corte para um close na gosma em movimento no Brasil.
Pode-se identifica-la literalmente na massa de lama derramada de uma barragem da mineradora Vale, que já atingiu nove municípios de Minas e do Espírito Santo e avança para matar 880 kms de rios, riachos, ribeirões e fontes.
Referência de sucesso da privatização tucana, recordista em distribuir dividendos a seus acionistas, a Vale durante anos só deixou 1% do lucro obtido na mineração de Mariana/MG ao município.
Em compensação, despejou agora 60 bilhões de litros de lama tóxica no seu entorno, uma lava que viaja pelo Rio Doce para compartilhar com o Espírito Santo a maior catástrofe ambiental da história brasileira.
A devastação está apenas no começo.
A convalescença pode demorar séculos.
Esse é o tempo –advertem geólogos-- para que a lama cuspida pela incúria gananciosa se transforme em solo fértil outra vez.
A Vale não vai cuidar do interesse público nessa longa mutação.
O governo Dilma já deveria ter montado um gabinete de crise para enfrenta-la e coagi-la a assumir custos, no limite com intervenção na empresa para saber a extensão das ameaças que esconde.
No vácuo, o prefeito Neto Barros (PCdoB-ES), de B.Guandu (ES), fez o que cabe diante das dimensões de um roteiro que começa com o colapso do abastecimento de água, avança para doenças, inclusive câncer, encerra a destruição de cadeias alimentares, representa a falência de agricultores e de cidades, e desemboca em desemprego, revolta e migrações para periferias conflagradas.
Neto Barros fechou a ferrovia da Vale com a patrulha de máquinas da prefeitura até que a presidência da empresa aceite negociar.
Pergunta: isso é terrorismo? É atentado?
Não.
Mutatis mutante isso é a reação desesperada à supremacia dos interesses de mercado sobre a segurança da sociedade, o bem-estar das populações, a preservação das fontes da vida e o direito ao futuro sonegados por um bombardeio de lama.
Numa entrevista famosa em 2009, ao portal da revista Veja, FHC justificou a venda da Vale do Rio Doce – que tinha em Serra o defensor mais entusiasmado, entregou o ex-presidente-- entre outras razões, ao fato de a 2ª maior empresa de minério do mundo ter se reduzido - na sua douta avaliação - a um cabide empregos estatal, 'que não pagava imposto, nem investia'.
Filho dileto do ciclo tucano das grandes alienações públicas, Roger Agnelli -presidente da Vale do Rio Doce de 2001 a 2011 -- foi durante anos reportado ao país como a personificação da eficiência privada reconhecida nessa transação.
Com ele, graças a ele, e em decorrência da privatização-símbolo que ele encarnou, a Vale tornou-se uma campeã na distribuição de lucros a acionistas.
Vedete das Bolsas, com faturamento turbinado pela demanda chinesa por minério bruto, que o Brasil depois reimportava, na forma de trilhos, por exemplo, --a única laminação para esse fim foi desativada pelo governo FHC-- a Vale tornou-se o paradigma de desempenho corporativo aos olhos dos mercados.
Um banho de loja assegurado pelo colunismo econômico, ocultava a face de um negócio rudimentar, um raspa-tacho do patrimônio mineral alçado à condição de referência exemplar da narrativa privatista.
Agora se vê o mar de lama acumulado por debaixo do veludo.
A 'eficiência à la Agnelli' lambuzou o noticiário pró-mercadista durante uma década de fastígio.
Da cobertura econômica à eleitoral, era o argumento vivo a exorcizar ameaças à hegemonia dos 'livres mercados' pelo lulopopulismo.
Projetos soberanos de desenvolvimento, como o da área de petróleo, eram fuzilados com a munição generosa da menina dos olhos do neoliberalismo: a Vale de balancetes nas nuvens.
A política agressiva de distribuição de lucros aos acionistas --na verdade um rentismo ostensivo, apoiado na lixiviação de recursos existentes, sem agregar capacidade produtiva ao sistema econômico-- punha na Petrobrás o cabresto do mau exemplo.
Era a resiliência estatista nacionalisteira, evidenciada em planos de investimento encharcados de preocupação industrializante e 'onerosas' regras de conteúdo local.
A teia de acionistas da Vale, formada por carteiras gordas de endinheirados, bancos e fundos, com notável capilaridade midiática, nunca sonegou gratidão .
Enquanto o mundo mastigava avidamente o minério de teor de ferro mais elevado do planeta, a Vale era incensada a cada balanço, seguido de robustas rodadas de distribuição de lucros e champanhe.
No primeiro soluço da crise mundial, em 2008, a empresa administrada pela lógica pró-cíclica dos rentistas reagiu como tal e inverteu o bote: foi a primeira grande empresa a cortar 1.300 trabalhadores em dezembro daquele ano, exatamente quando o governo Lula tomava medidas contracíclicas na frente do crédito, do consumo e do investimento.
A Petrobrás não demitiu; reafirmou seus investimentos no pré-sal, da ordem de US$ 200 bilhões até 2014.
Se a dirigisse um herói dos acionistas, teria rifado o pré-sal na mesma roleta da Vale: predação imediatista, fastígio dos acionistas e prejuízos para o país.
Em seu último ano na empresa, Agnelli --apoiador confesso da candidatura derrotada de Serra contra Dilma, em 2010-- distribuiu US$ 4 bi aos acionistas.
Saiu carregado nos ombros da república dos dividendos.
Indiferente aos apelos de Lula, manteve-se até o fim fiel à lógica que o ungiu: recusou-se a investir US$ 1,5 bi numa laminadora de trilhos que agregasse valor a um naco das quase 300 milhões de toneladas de minério bruto exportadas anualmente pela empresa.
Com a derrota de Serra, o conselho da Vale destituiu o camafeu ostensivo da coalizão tucanorentista, em abril de 2011.
Agora se sabe que o centurião de alardeada proficiência administrativa, além de recolher apenas 2% de royalties ao país, nunca conseguiu reunir recursos para instalar uma simples buzina, que poderia ter salvo vidas levadas pelo mar de lama que legou ao país, enquanto brindava os acionistas com bilhões.
Estamos diante de um exemplo em ponto pequeno da desordem global, que à falta de melhor conceito, pode ser batizada de barbárie de mercado.
É rudimentar conceito. Porém é mais encorajador do que dizer apenas e tristemente ‘somos todos idiotas’.
Paul Craig Roberts: A Matrix estende seus tentáculos.
O ataque terrorista de Paris: uma “versão oficial”
15.11.2015 - Paul Craig Roberts - Global Research
Tradução mberublue - publicada no Blog Btpsilveira
Apenas uma hora depois dos ataques em Paris e sem resquício de evidência, já se tornou história gravada em pedra que o perpetrador do ataque foi o Estado Islâmico. É assim que trabalha a máquina de propaganda.
Quando o ocidente age assim, normalmente é bem sucedido, porque o mundo se acostumou a seguir a liderança ocidental. Fiquei estupefato ao ver as agências de notícias russas ajudando a espalhar essa versão oficial, ainda mais se levarmos em conta que a própria Rússia já foi vítima “n” vezes de falsas histórias plantadas pela mídia ocidental.
Será possível que a mídia russa já se esqueceu do MH17? No mesmo instante que se soube que um avião de passageiros da Malaysian Airliner foi atingido e derrubado por um míssil de fabricação russa no leste ucraniano em mãos dos separatistas, a culpa foi atribuída à Rússia. E ainda é, apesar da falta absoluta de evidências.
Será possível que a mídia russa esqueceu também da “invasão da Ucrânia pela Rússia”? Essa história absurda foi aceita em todo o mundo ocidental como se fosse um evangelho.
Será possível que a mídia russa esqueceu do livro de um editor de jornal alemão o qual escreveu no livro que cada jornalista europeu era, por consequência, um ativo da CIA?
Qualquer um poderia pensar que depois dessas experiências a mídia russa deveria ter aprendido a ter um certo cuidado a respeito de explanações que têm sua origem no ocidente.
Assim, agora temos mais uma história sem pé nem cabeça adquirindo ares de verdade pétrea. Nos Estados Unidos quiseram nos impingir que alguns sauditas armados com estilete enganaram todo o aparato se segurança dos EUA. Na França, tentam demonstrar que agentes do Estado Islâmico adquiriram armas impossíveis de serem adquiridas, enganaram toda a inteligência francesa e organizaram uma série de ataques em Paris.
Por que será, por todos os diabos, que o Estado Islâmico fez isso? Impor à França, que tem um papel ínfimo no Oriente Médio, um tiro pela culatra? Por que não nos Estados Unidos, em vez disso?
Ou será possível que a intenção do Estado Islâmico era fazer cessar o fluxo de imigrantes para a Europa através do fechamento das fronteiras? Será que quer realmente manter seus inimigos perto de si mesmo, quando pode tranquilamente deixá-los fugir para a Europa? Por que eles querem ter que matar ou controlar milhões de pessoas?
Não seremos ingênuos o bastante para esperar que estas questões sejam colocadas ou explicadas pela mídia, que já gravou sua versão na pedra.
A ameaça que paira sobre as instituições políticas na Europa não é o Estado Islâmico. A ameaça real está no crescimento do sentimento anti União Europeia, nos partidos frontal e violentamente contra os imigrantes, como o Pegida na Alemanha, o Independence Party na Inglaterra e a Frente Nacional na França; As últimas pesquisas realizadas mostram a liderança da Frente Nacional, o que tornará Marine Le Pen a presidente da França.
A menos que se fizesse alguma coisa de efetivo sobre as hordas de imigrantes que invadiram a Europa, os partidos políticos que apoiaram as guerras de Washington que as geraram enfrentarão a derrota frente aos partidos que são hostis tanto aos imigrantes quanto à subserviência europeia à Washington.
As normas europeias sobre refugiados e imigrantes e a subsequente aceitação pela Alemanha de um milhão de refugiados, juntamente com as críticas severas contra os países que quiseram cercar suas fronteiras no leste europeu para impedir a chegada dos refugiados tornou o fechamento das fronteiras uma realização impossível.
Quase magicamente, com os ataques terroristas na França, o impossível se fez possível, e imediatamente o presidente francês anunciou que estava fechando a fronteiras da França. Fronteiras fechadas se espalharão com rapidez. O principal argumento dos partidos de oposição estará dirimido, a Europa estará segura e os Estados Unidos continuarão a dominar com mão de ferro a soberania europeia.
Sejam ou não os ataques de Paris uma operação de falsa bandeira com a intenção de alcançar exatamente esses objetivos, são eles que resultarão como consequências desse ataque. Esses resultados interessam e muito para os líderes políticos instalados atualmente na Europa, bem como para Washington.
É possível que o Estado Islâmico seja tão simplista que não entendeu isso? Se o Estado Islâmico é assim tão tosco, como pode enganar tão miserável e facilmente a inteligência francesa? Será que os serviços de inteligência da França são realmente inteligentes?
Podem os povos ocidentais ser tão falhos de inteligência para cair numa história gravada em pedra dessa forma sem qualquer tipo de evidência? No ocidente, os fatos são criados para servir apenas aos Estados e governantes. Uma investigação decente não faz parte do processo. Quando 90% da mídia dos Estados Unidos estão nas mãos de seis mega corporações, não poderia ser diferente.
A Matrix, no entanto, consegue se tornar cada vez mais invulnerável, na exata medida do crescimento do absurdo de suas assertivas.
Paul Craig Roberts - (nascido em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan e foi destacado como um co-fundador da Reaganomics. Ex-editor e colunista do Wall Street Journal, Business Week e Scripps Howard News Service. Testemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de política econômica. Durante o século XXI, Roberts tem frequentemente publicado em Counterpunch e no Information Clearing House, escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais como habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel contra os palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, com pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.
15.11.2015 - Paul Craig Roberts - Global Research
Tradução mberublue - publicada no Blog Btpsilveira
Apenas uma hora depois dos ataques em Paris e sem resquício de evidência, já se tornou história gravada em pedra que o perpetrador do ataque foi o Estado Islâmico. É assim que trabalha a máquina de propaganda.
Quando o ocidente age assim, normalmente é bem sucedido, porque o mundo se acostumou a seguir a liderança ocidental. Fiquei estupefato ao ver as agências de notícias russas ajudando a espalhar essa versão oficial, ainda mais se levarmos em conta que a própria Rússia já foi vítima “n” vezes de falsas histórias plantadas pela mídia ocidental.
Será possível que a mídia russa já se esqueceu do MH17? No mesmo instante que se soube que um avião de passageiros da Malaysian Airliner foi atingido e derrubado por um míssil de fabricação russa no leste ucraniano em mãos dos separatistas, a culpa foi atribuída à Rússia. E ainda é, apesar da falta absoluta de evidências.
Será possível que a mídia russa esqueceu também da “invasão da Ucrânia pela Rússia”? Essa história absurda foi aceita em todo o mundo ocidental como se fosse um evangelho.
Será possível que a mídia russa esqueceu do livro de um editor de jornal alemão o qual escreveu no livro que cada jornalista europeu era, por consequência, um ativo da CIA?
Qualquer um poderia pensar que depois dessas experiências a mídia russa deveria ter aprendido a ter um certo cuidado a respeito de explanações que têm sua origem no ocidente.
Assim, agora temos mais uma história sem pé nem cabeça adquirindo ares de verdade pétrea. Nos Estados Unidos quiseram nos impingir que alguns sauditas armados com estilete enganaram todo o aparato se segurança dos EUA. Na França, tentam demonstrar que agentes do Estado Islâmico adquiriram armas impossíveis de serem adquiridas, enganaram toda a inteligência francesa e organizaram uma série de ataques em Paris.
Por que será, por todos os diabos, que o Estado Islâmico fez isso? Impor à França, que tem um papel ínfimo no Oriente Médio, um tiro pela culatra? Por que não nos Estados Unidos, em vez disso?
Ou será possível que a intenção do Estado Islâmico era fazer cessar o fluxo de imigrantes para a Europa através do fechamento das fronteiras? Será que quer realmente manter seus inimigos perto de si mesmo, quando pode tranquilamente deixá-los fugir para a Europa? Por que eles querem ter que matar ou controlar milhões de pessoas?
Não seremos ingênuos o bastante para esperar que estas questões sejam colocadas ou explicadas pela mídia, que já gravou sua versão na pedra.
A ameaça que paira sobre as instituições políticas na Europa não é o Estado Islâmico. A ameaça real está no crescimento do sentimento anti União Europeia, nos partidos frontal e violentamente contra os imigrantes, como o Pegida na Alemanha, o Independence Party na Inglaterra e a Frente Nacional na França; As últimas pesquisas realizadas mostram a liderança da Frente Nacional, o que tornará Marine Le Pen a presidente da França.
A menos que se fizesse alguma coisa de efetivo sobre as hordas de imigrantes que invadiram a Europa, os partidos políticos que apoiaram as guerras de Washington que as geraram enfrentarão a derrota frente aos partidos que são hostis tanto aos imigrantes quanto à subserviência europeia à Washington.
As normas europeias sobre refugiados e imigrantes e a subsequente aceitação pela Alemanha de um milhão de refugiados, juntamente com as críticas severas contra os países que quiseram cercar suas fronteiras no leste europeu para impedir a chegada dos refugiados tornou o fechamento das fronteiras uma realização impossível.
Quase magicamente, com os ataques terroristas na França, o impossível se fez possível, e imediatamente o presidente francês anunciou que estava fechando a fronteiras da França. Fronteiras fechadas se espalharão com rapidez. O principal argumento dos partidos de oposição estará dirimido, a Europa estará segura e os Estados Unidos continuarão a dominar com mão de ferro a soberania europeia.
Sejam ou não os ataques de Paris uma operação de falsa bandeira com a intenção de alcançar exatamente esses objetivos, são eles que resultarão como consequências desse ataque. Esses resultados interessam e muito para os líderes políticos instalados atualmente na Europa, bem como para Washington.
É possível que o Estado Islâmico seja tão simplista que não entendeu isso? Se o Estado Islâmico é assim tão tosco, como pode enganar tão miserável e facilmente a inteligência francesa? Será que os serviços de inteligência da França são realmente inteligentes?
Podem os povos ocidentais ser tão falhos de inteligência para cair numa história gravada em pedra dessa forma sem qualquer tipo de evidência? No ocidente, os fatos são criados para servir apenas aos Estados e governantes. Uma investigação decente não faz parte do processo. Quando 90% da mídia dos Estados Unidos estão nas mãos de seis mega corporações, não poderia ser diferente.
A Matrix, no entanto, consegue se tornar cada vez mais invulnerável, na exata medida do crescimento do absurdo de suas assertivas.
Paul Craig Roberts - (nascido em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan e foi destacado como um co-fundador da Reaganomics. Ex-editor e colunista do Wall Street Journal, Business Week e Scripps Howard News Service. Testemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de política econômica. Durante o século XXI, Roberts tem frequentemente publicado em Counterpunch e no Information Clearing House, escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais como habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel contra os palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, com pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.
Mauro Santayana: A pinguela e o estábulo
O Brasil precisa de um projeto para a construção de uma nação soberana, não de uma pinguela que nos encaminhe aos estábulos de nossos novos senhores.
Mauro Santayana
Carta Maior
Os partidos políticos são como os homens.
Eles nascem, envelhecem, algumas vezes, sem ter sequer crescido, e mudam, também, de posição.
Há outros que conhecem Glória e Poder e depois murcham, fenecem, quando não desaparecem por simples inanição.
Há aqueles que surgem das circunstâncias da hora, da resistência e das barricadas, para fazer História.
Há os que se organizam – ou se reorganizam, vergonhosamente - para impedir que a História se faça, que ela avance, e que com ela caminhem os povos e a Humanidade.
E há aqueles que fazem de tudo para conservar as coisas como estão. Mesmo que se disfarcem do novo, mesmo que se disfarcem de novo, e sob seus estandartes desfilem jovens atléticos de dentes brilhantes, seus olhos serão velhos como a morte, e de sua boca exalará o ódio, a violência e a podridão.
Há os partidos ideológicos.
E há os que são circunstanciais e os fisiológicos.
Os que foram formados por uma determinada classe, como as antigas agremiações agrárias, proletárias, industriais.
E os oportunistas, que não se incomodam em mudar de nome, de marca, de história, como se trocassem de camisa - os que renegam origem e passado em troca de eventuais benesses do momento, sem nenhuma preocupação moral com o amanhã.
O MDB surgiu como uma frente de oposição ao regime militar que chegou ao poder com o Golpe de 1964.
Participou da Campanha das Diretas Já e da eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República.
Teve papel fundamental, sob a liderança do Deputado Ulisses Guimarães, na promulgação da Carta Constitucional de 1988.
Depois disso, transformou-se em esteio da governabilidade, foi negociando, com os governos de turno, apoios, em troca de cargos e benesses, e acabou, majoritariamente, transformando-se no que é agora.
Em 1982, acompanhamos, por meio de amigos do Movimento Democrático Brasileiro, a formulação e redação de um documento com o nome Esperança e Mudança.
Um texto que apresentava um programa nacional e desenvolvimentista, soberano e autônomo, que defendia a queda dos juros, o uso estratégico do estado na construção do desenvolvimento, a diminuição da desigualdade e nossa integração com a América Latina.
Agora, 33 anos depois, o PMDB acaba de lançar um documento chamado Uma Ponte para o Futuro, a ser usado, em tese, como base para seu próximo Programa de Governo.
De sua leitura, depreende-se que ele pretende inviabilizar o Estado, diminuir as conquistas sociais, entregar o que resta de patrimônio nacional aos estrangeiros, fazer com que o Brasil saía do BRICS, e vire as costas à América Latina
Ao lançar esse texto - por mais bem intencionados que possam eventualmente estar alguns de seus autores - a direção do PMDB rompe, definitivamente, com o pouco que ainda existia de seus antigos compromissos com o país e com o povo brasileiro.
A legenda escreve um claro, inequívoco, definitivo atestado de abandono dos ideais que lhe deram origem.
E deixa uma prova incontestável, para a História, de sua rendição e de sua entrega àqueles que, do exterior, cobiçam e pretendem se assenhorear definitivamente do Brasil, de nossos recursos naturais, de nosso mercado interno, de nossa população, de nossas perspectivas de futuro.
No momento em que a China, com 4 trilhões de dólares em reservas internacionais em caixa, se prepara para assumir – com uma economia majoritariamente estatal e nacionalizada, sem rendição ao discurso único ou ao TPP - a posição de maior economia do mundo; em que Pequim estabelece uma aliança com Moscou para a “construção” e o desenvolvimento de todo um novo continente, a Eurásia, com todas as oportunidades que esse projeto oferece; que o primeiro-ministro hindu – país que acaba de enviar, por méritos próprios, uma sonda à órbita de Marte - é recebido como o líder de uma potência mundial, na Grã-Bretanha; que o Brasil constrói com a Suécia uma nova geração de caças supersônicos para sua Força Aérea e forja o casco de seu primeiro submarino atômico; boa parte da atual geração de brasileiros se acovarda e se submete, entusiasta e pateticamente, – com base em um discurso tão frouxo, quanto mentiroso e hipócrita - à acoplagem secundária e abjeta da quinta maior nação do mundo ao projeto de domínio “ocidental”, como um mero mercado de produtos e serviços e fornecedor de commodities, defendendo o abandono do projeto do BRICS e de nossa liderança na América Latina, para fazer o país retornar, inapelavelmente, em pleno século XXI, à condição de colônia.
O que o Brasil precisa, neste momento – como no momento da redemocratização - é de um programa de união nacional, desenvolvimentista e socialmente justo, que estabeleça um caminho próprio para o país, em um novo mundo cada vez mais desafiante, multipolar e competitivo.
De um projeto para a construção de uma nação soberana e forte - que nas áreas de defesa e de infra-estrutura e de energia já está em andamento - e não de uma pinguela que nos encaminhe como cordeiros para o estábulo de nossos novos senhores de Washington e de Bruxelas.
Mauro Santayana
Carta Maior
Os partidos políticos são como os homens.
Eles nascem, envelhecem, algumas vezes, sem ter sequer crescido, e mudam, também, de posição.
Há outros que conhecem Glória e Poder e depois murcham, fenecem, quando não desaparecem por simples inanição.
Há aqueles que surgem das circunstâncias da hora, da resistência e das barricadas, para fazer História.
Há os que se organizam – ou se reorganizam, vergonhosamente - para impedir que a História se faça, que ela avance, e que com ela caminhem os povos e a Humanidade.
E há aqueles que fazem de tudo para conservar as coisas como estão. Mesmo que se disfarcem do novo, mesmo que se disfarcem de novo, e sob seus estandartes desfilem jovens atléticos de dentes brilhantes, seus olhos serão velhos como a morte, e de sua boca exalará o ódio, a violência e a podridão.
Há os partidos ideológicos.
E há os que são circunstanciais e os fisiológicos.
Os que foram formados por uma determinada classe, como as antigas agremiações agrárias, proletárias, industriais.
E os oportunistas, que não se incomodam em mudar de nome, de marca, de história, como se trocassem de camisa - os que renegam origem e passado em troca de eventuais benesses do momento, sem nenhuma preocupação moral com o amanhã.
O MDB surgiu como uma frente de oposição ao regime militar que chegou ao poder com o Golpe de 1964.
Participou da Campanha das Diretas Já e da eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República.
Teve papel fundamental, sob a liderança do Deputado Ulisses Guimarães, na promulgação da Carta Constitucional de 1988.
Depois disso, transformou-se em esteio da governabilidade, foi negociando, com os governos de turno, apoios, em troca de cargos e benesses, e acabou, majoritariamente, transformando-se no que é agora.
Em 1982, acompanhamos, por meio de amigos do Movimento Democrático Brasileiro, a formulação e redação de um documento com o nome Esperança e Mudança.
Um texto que apresentava um programa nacional e desenvolvimentista, soberano e autônomo, que defendia a queda dos juros, o uso estratégico do estado na construção do desenvolvimento, a diminuição da desigualdade e nossa integração com a América Latina.
Agora, 33 anos depois, o PMDB acaba de lançar um documento chamado Uma Ponte para o Futuro, a ser usado, em tese, como base para seu próximo Programa de Governo.
De sua leitura, depreende-se que ele pretende inviabilizar o Estado, diminuir as conquistas sociais, entregar o que resta de patrimônio nacional aos estrangeiros, fazer com que o Brasil saía do BRICS, e vire as costas à América Latina
Ao lançar esse texto - por mais bem intencionados que possam eventualmente estar alguns de seus autores - a direção do PMDB rompe, definitivamente, com o pouco que ainda existia de seus antigos compromissos com o país e com o povo brasileiro.
A legenda escreve um claro, inequívoco, definitivo atestado de abandono dos ideais que lhe deram origem.
E deixa uma prova incontestável, para a História, de sua rendição e de sua entrega àqueles que, do exterior, cobiçam e pretendem se assenhorear definitivamente do Brasil, de nossos recursos naturais, de nosso mercado interno, de nossa população, de nossas perspectivas de futuro.
No momento em que a China, com 4 trilhões de dólares em reservas internacionais em caixa, se prepara para assumir – com uma economia majoritariamente estatal e nacionalizada, sem rendição ao discurso único ou ao TPP - a posição de maior economia do mundo; em que Pequim estabelece uma aliança com Moscou para a “construção” e o desenvolvimento de todo um novo continente, a Eurásia, com todas as oportunidades que esse projeto oferece; que o primeiro-ministro hindu – país que acaba de enviar, por méritos próprios, uma sonda à órbita de Marte - é recebido como o líder de uma potência mundial, na Grã-Bretanha; que o Brasil constrói com a Suécia uma nova geração de caças supersônicos para sua Força Aérea e forja o casco de seu primeiro submarino atômico; boa parte da atual geração de brasileiros se acovarda e se submete, entusiasta e pateticamente, – com base em um discurso tão frouxo, quanto mentiroso e hipócrita - à acoplagem secundária e abjeta da quinta maior nação do mundo ao projeto de domínio “ocidental”, como um mero mercado de produtos e serviços e fornecedor de commodities, defendendo o abandono do projeto do BRICS e de nossa liderança na América Latina, para fazer o país retornar, inapelavelmente, em pleno século XXI, à condição de colônia.
O que o Brasil precisa, neste momento – como no momento da redemocratização - é de um programa de união nacional, desenvolvimentista e socialmente justo, que estabeleça um caminho próprio para o país, em um novo mundo cada vez mais desafiante, multipolar e competitivo.
De um projeto para a construção de uma nação soberana e forte - que nas áreas de defesa e de infra-estrutura e de energia já está em andamento - e não de uma pinguela que nos encaminhe como cordeiros para o estábulo de nossos novos senhores de Washington e de Bruxelas.
A absoluta centralidade da Síria
É virtualmente a norma na Europa e EUA ver a Síria através de uma única lente paradigmática: por essa lente, prosperidade, ordem, segurança e ausência de conflito são definidas como função direta da disseminação da 'democracia'; e 'democracia', por sua vez, é conceito econômico – uma classe média global, (neo)liberal, secular e consumista, que cria um sistema 'financeirizado' de ordem. Nesse sentido 'democracia' já nada tem a ver com, por exemplo, o tradicional "nós o povo"/"do povo, pelo povo, para o povo".
A antítese dessa 'visão da época' [orig. zeitgeist] insiste na autenticidade e mérito de valores nacionais não ocidentais e no concomitante direito de as nações viverem cada uma o seu próprio modo de ser; e quem rejeite especificadamente a hegemonia supra-soberania de que tanto fala a acima citada 'ordem liberal'– é visto no ocidente como ameaça à paz, à ordem, aos próprios valores pelos quais, na avaliação de muitos no ocidente, todo o mundo deve deixar-se reger. O governo sírio, claro, foi deliberadamente convertido numa encarnação de tudo que haveria de errado no pensamento 'não ocidental'.
É um modo de olhar para a Síria – o modo que prevalece em grande parte da Europa. E assim considerada, a Síria, como tal, torna-se extensão da Guerra Fria: mais uma rodada nesse conflito civilizacional, no qual a Rússia é mostrada como se defendesse (e representasse) um sistema não liberal, sem graça, de ameaça à segurança de pessoas e povos (a perfeita antítese do paradigma da ordem liberal). E matando os chamados sírios 'moderados', não o ISIS/ISIL/Daesh/Estado Islâmico (como o ocidente alega), a Rússia não estaria, pela narrativa da 'ordem liberal', promovendo algum 'futuro' democrático, de ordem liberal, para a Síria – mas destruindo-o.
É um modo de ver as coisas. Mas é modo que, avaliado pelos seus próprios termos simplesmente deixa passar, como se não existissem, os motivos (absolutamente não liberais) que levam aliados do 'ocidente' como Arábia Saudita, Turquia e Qatar a guerrear para destruir o estado sírio. Podem até ser aliados do ocidente, mas absolutamente não dão nenhuma importância a qualquer formulação de ordem liberal. É também 'um modo' de dar claro impulso àqueles ocidentais que se assentam na premissa de sua 'vitória' de Guerra Fria sobre os soviéticos, para que se unam contra a Rússia. Há aqui risco real de esse impulso vir a dominar o pensamento nos EUA e na Europa sobre a Síria. Nesse caso, o risco é de que vejam a árvore, mas não vejam o bosque: a absoluta centralidade da Síria.
Em resumo, esse paradigma liberal/não liberal simplesmente encobre e obscurece a centralidade da Síria para o futuro do mundo da geopolítica (dado que 'ordem' não é a palavra certa nesse caso – que já está esgotada).
Outro modo para ver a intervenção russa na Síria, seria em termos de 'assuntos não resolvidos' – de velhos 'nós' que jamais foram cuidados e desatados. Em resumo, nós podemos perceber a Síria em termos do choque entre a ordem liberal e o não liberalismo, mas a Rússia vê a mesma Síria de modo diferente. O problema com o pensamento binário é, precisamente, que ele encobre a centralidade do significado da Síria – na percepção de russos e seus aliados. Ao não ver esse aspecto crucialmente importante, o pensamento binário gera risco muito maior, para o futuro.
Por 'assuntos não resolvidos', referimo-nos às dores herdadas e aos traumas enterrados que são restos das duas Grandes Guerras. A Alemanha, traumaticamente, perdeu uma geração de homens mortos no massacre de Stalingrado (a Rússia perdeu mais gente). A batalha de Stalingrado é frequentemente citada como a mais sangrenta na história das guerras. Ali (em Stalingrado), a Alemanha essencialmente foi derrotada (adiante foi novamente derrotada na Normandia). Depois, a Alemanha deliberadamente buscou alívio psicológico ligando-se à França (ato que viria a ser a pedra inaugural da União Europeia); mas a ferida que Stalingrado abriu – no ocidente – não foi nunca curada pela Alemanha, nem psicologicamente nem politicamente. Ela permanece enterrada na memória coletiva das duas nações, como ferida que não cicatriza.
A Rússia, em especial, tendo experimentado a perda dolorosa de tantas vidas, nunca viu sua perda ser reconhecida e honrada. Em vez disso, foi posta em ostracismo pelos ex-aliados e tornou-se objeto de longo isolamento e constante atrito na Guerra Fria. Quando a Rússia aceitou, ainda consciente dos nós não desatados e sempre doloridos desde Stalingrado, de deixar que o Muro de Berlin caísse, nem assim passou a ser mais bem acolhida pela Europa. Ao contrário. A Rússia imediatamente sentiu que estava sendo encurralada pela OTAN que nunca desistiu de tentar avançar para o leste, diretamente para junto das fronteiras russas. Assim também, quando a União Soviética tentou desescalar a Guerra Fria, supondo que passaria a ser tratada como par dos europeus, logo percebeu, amargamente, o quanto se enganara. Diferente do que supunham os russos, o gesto foi denegrido, e os ex-inimigos da Rússia avançaram sobre o palco, aos gritos de que teriam alcançado uma vitória civilizacional.
Essa pode não ser a percepção ocidental da história, mas, sim, é a percepção que os russos têm da história deles. Não é questão de argumentos e contra-argumentos: é questão psicológica, de alma. E, então, veio a Ucrânia. Ficou imediatamente claro para os líderes russos que a qualquer momento – sem mais nem menos – qualquer questão externa poderá ser incendiada, a ponto de a Rússia ser empurrada para a guerra. (Há muitas e muitas provas de que esses medos, sobre a Ucrânia, foram muito reais entre os russos).
E o que tudo isso tem a ver com a Síria? É que a Rússia sente que tem de sair dessa 'caixa' de paredes que sempre desabam para dentro, com a OTAN sempre desgastando as forças da Rússia. A Rússia decidiu que teria de forçar a questão; insistir em ser reconhecida como parceiro confiável na ordem internacional, ou reconciliar-se com a possibilidade de que aqueles eventos (talvez novamente surgidos do nada) acabariam por levar o país a algum tipo de confronto com os EUA e, talvez, também com a Europa.
Não que a Rússia não tenha qualquer interesse na Síria. O país crê que está vendo a situação do Oriente Médio com total clareza.
Putin vê todos os estados-nação de toda a região em acelerado processo de erosão e enfraquecimento: o Iraque fraturado; a Síria em conflito; o Líbano sem estado funcional; a Líbia em caos total; o norte da África vulnerável, o Iêmen em anarquia e a Arábia Saudita varrida por múltiplas crises. A menos que o ISIS/ISIL/Daesh/Estado Islâmico e seus aliados wahhabistas sejam detidos – efetivamente detidos, decisivamente detidos – toda a região está vulnerável a degradar-se cada vez mais rumo ao caos cada vez mais profundo.
A Síria é a verdadeira linha de frente da Rússia. A Rússia recorda como, depois da guerra afegã, os wahhabistas espalharam-se a partir do Afeganistão, alcançando a Ásia Central; e recorda também como a CIA e a Arábia Saudita inflamaram a insurgência chechena e a usaram para enfraquecer a Rússia.
E por que a Síria? Será que a Rússia tem interesses ali? Não. A Síria tem – e isso, sim, realmente interessa à Rússia – presidência efetiva e exército que já está engajado na luta contra o wahhabismo. De fato, a Síria é o eixo-pivô em torno do qual essa 'guerra' girará.
Mas o presidente Putin também partilha a percepção de muitos na região, de que os EUA (e aliados) não estão seriamente empenhados em derrotar o ISIS/ISIL/Daesh/Estado Islâmico. Ao sentir que o ocidente finalmente estava sendo atraído pela Turquia para a ideia de uma zona aérea de exclusão, que só faria na Síria o mesmo que fez na Líbia, e só acabaria em caos, Putin jogou sua mão surpresa: e entrou na guerra 'contra o terror', bloqueando o projeto turco (ver também nosso "Comentário Semanal" anterior) – e desafiou o 'ocidente' a aliar-se a ele na aventura.
Ao fazê-lo, Putin muito evidentemente deixou aberta a porta para os EUA – convidando-os repetidas vezes a unirem-se à Rússia, embora talvez contando com que os EUA, inicialmente, teriam de resistir (por causa dos laços dos EUA com o Golfo).
A estratégia de Putin para a Síria é, essencialmente, que nenhum acordo político surgiria simplesmente porque enxames de inimigos tivessem sido forçados, como rebanho, para dentro de uma sala de reuniões em Genebra. A pré-condição inicial dos EUA para as conversas, insistindo na deposição de Assad, absolutamente não incentivou a oposição a negociar com seriedade qualquer partilha de poder com o estado sírio. Dado que os EUA exigiam a deposição de Assad, bastaria que a oposição esperasse, e receberia de bandeja, das mãos de EUA e aliados, um Estado sem presidente.
O cálculo de Putin foi diferente. Para ele, nesse caso, algum acordo político só seria viabilizado pela força das armas: a influência dominante, nociva, dos terroristas tinha de ser esvaziada, antes de que os 'reconciliáveis' (na terminologia Rumsfeldiana) criassem coragem para se mostrar à discussão.
Em resumo, se o 'ocidente' vê a força militar russa como inimiga, seja como for, de algum acordo político, o presidente Putin (e também o presidente Assad) dizem que a dominação pelos terroristas, para a qual o 'ocidente' contribuiu, de fato veda completamente a possibilidade de acordo político. O recente convite de Putin ao Presidente Assad, para visitar Moscou parece ter sido concebido para 'dizer' e sublinhar duas coisas ao 'ocidente': que o presidente Assad está, sim, realmente comprometido com uma reforma política; e para descartar completamente qualquer ideia de que a Rússia veria o presidente Assad como componente 'descartável' em alguma solução política.
Por enquanto, parece que o governo dos EUA vai deixar o trabalho pesado, na Síria, para os russos. Esperarão e observarão, ao mesmo tempo em que arrebanham uma coalizão internacional para pressionar a Rússia no sentido de que respeite os interesses norte-americanos, seja qual for o encaminhamento político.
O que parece, hoje, ainda mal avaliado em alguns setores ocidentais é que o efetivo poder aéreo que está sendo reunido, combinado com forças em solo que têm vasta experiência naquela região, realmente alterará os fatos em campo. E fatos em campo alterados, alterarão também, dramaticamente, a equação política.
Silenciosamente, os EUA provavelmente expandirão a cooperação com a Rússia. Parece provável que o presidente Putin não espere, nesse estágio, mais que isso. Mas se a Síria for um sucesso, ele talvez espere que floresça uma parceria ocidental, na sequência, quando chegar a hora do Iraque.
O risco em tudo isso é que o 'ocidente' se volte contra Putin – quando as percepções recaírem viciosamente nos velhos termos do meme 'liberal/não liberal' da Guerra Fria.
Nesse caso, o significado da iniciativa de Putin para a Síria terá sido desperdiçado, e as hostilidades escalarão. Putin não está só enfrentando a questão da política ocidental para a Síria. Está tentando enfrentar a própria questão do lugar da própria Rússia no mundo contemporâneo: livrar-se de vez do paradigma do pensamento do pós-guerra no qual a Rússia viu-se presa.
É um jogo, porque o gesto em si – se for bem-sucedido – modelará mais amplamente o Oriente Médio e toda a geopolítica global.
Se falhar, e prevalecer a dinâmica doméstica dos EUA, inevitavelmente os norte-americanos caminharão na direção de confronto com a Rússia (e com a China). Muito empenho de bastidores foi investido pela Rússia nessa reaproximação com a China, para que a Rússia admita sem reação uma volta à antiquada doutrina da triangulação de Kissinger (de manter Rússia e China sempre em situação de tensão, uma contra a outra).
Na Síria, Putin está forçando a mão, mas também está oferecendo aos EUA uma via para escapar de inevitável escalada contra ambos os países, Rússia e China, às vésperas da eleição de novo presidente dos EUA, que talvez seja eleito para 'endurecer'. E essa iniciativa provocou profundo choque no establishment militar 'ocidental'.
Presumia-se que a Rússia estivesse muito atrás do 'ocidente' em termos de armamento convencional e de suas plataformas aéreas; e seus exércitos sempre foram tratados como, de certo modo, 'de segunda classe'. Mas o que o 'gesto' de Putin na Síria tornou também muito visível é a revolução que o mesmo Putin conduziu, em termos de reorganizar as forças armadas e atualizar o armamento disponível, depois da guerra na Geórgia em 2008.
Como Pepe Escobar observou:
"O Novo Grande Jogo na Eurásia avançou saltos e saltos semana passada, depois que a Rússia disparou 26 mísseis cruzadores, do Mar Cáspio, contra 11 alvos no ISIS/ISIL/Daesh por toda a Síria e destruiu todos. Esses ataques do mar foram a primeira vez, que se saiba, em que foram usados operacionalmente os mísseis cruzadores estado-da-arte SSN-30A Kalibr.
"O Pentágono está apoplético, porque essa mostra da tecnologia russa revelou ao mundo que acabou o monopólio dos EUA sobre os mísseis de longo alcance. Os analistas do Pentágono ainda trabalhavam sob o pressuposto de que o alcance desses mísseis não ultrapassaria 300 quilômetros.
"Além do mais, a OTAN foi avisada: a Rússia pode acabar com eles, num flash – como a vi ser avisada em conversas na Alemanha, semana passada. A retórica furiosa, do tipo "você está violando o meu espaço aéreo" tampouco tem qualquer serventia."
Sejamos claros: a Rússia já mostrou que não apenas alcançou, mas possivelmente já ultrapassou os EUA em termos de tecnologia de mísseis, e que tem capacidade para interferir nos sistemas de comando, controle e orientação da OTAN (novamente, se viu claramente na Síria). Se a coalizão dos 4+Hezbollah avançar para além da Síria (com o sempre ativo suporte dos chineses), todas as bases militares e porta-aviões dos EUA que cercam o Irã e estão planejados para atuar na Eurásia não se tornam apenas redundantes – tornam-se também reféns vulneráveis.
OTAN já não pode sequer contar com automática superioridade aérea. Não surpreende que os EUA já tenham retirado seu porta-aviões do Golfo Persa.
A 'mensagem' de Putin para a Síria tem portanto uma centralidade que ultrapassa em muito a questão de se alguns sírios moderados foram ou deixaram de ser mortos, se cooperavam com a Frente Al-Nusra (al-Qaeda) e os detalhes de qualquer governo de transição na Síria. Todas essas são iniciativas no âmbito do microcosmo.
O macrocosmo aí é o repetido convite que Putin fez e repete, para desescalar todos os conflitos com o 'ocidente' – oferta que balançou até uma surpreendida OTAN, agora que já sentiu no lombo o peso do novo grande porrete da Rússia. Aí está a floresta que grande parte do 'ocidente' não consegue ver, porque só vê 'árvores' individuais e outros detalhes da situação síria. O que resultar da guerra síria modelará muitas, muitas outras grandes coisas.
* Esse comentário, em versão mais curta, foi publicado em WorldPost / Huffington Post: Why Russia Perceives Syria as Its Front Line [Por que a Rússia vê a Síria como sua linha de frente], Alastair Crooke, 28/10/2015).
O 11 de setembro europeu
Jeferson Miola
Carta Maior
A estupefação com os atentados terroristas em Paris é proporcional à incapacidade de se admitir as verdadeiras causas desta barbárie.
A estupefação com os atentados terroristas em Paris é proporcional à incapacidade de se admitir as verdadeiras causas desta barbárie.
O mundo inteiro é afetado pelos desdobramentos da guerra travada pelas potências mundiais contra o Estado Islâmico, a Al Qaeda e outras organizações terroristas. Mas esta não é uma guerra mundial, e os países que estão no seu centro causal e na arena dos combates não enchem duas mãos: EUA, França, Espanha, Inglaterra e alguns aliados.
Com suas guerras de dominação e de exploração no norte da África e no Oriente Médio realizadas a pretexto de combater regimes tirânicos, as grandes potências esgarçaram completamente a relação com o mundo árabe-muçulmano. E, com isso, trouxeram para o continente europeu o mesmo inferno que instalaram nas ex-colônias.
Há poucos dias, Tony Blair se desculpou pela “pequena falha” cometida na ocupação criminosa e ilegal do Iraque em 2003. Ele reconheceu que eram falsos os pretextos de George W. Bush de que o regime de Saddam estocava armas químicas de destruição massiva.
Apesar desta fraude, Blair [que com a confissão deveria ser julgado pela Corte Internacional de Haia] mesmo assim considera válida a guerra não autorizada pela ONU contra o Iraque, que visava se apropriar das reservas petrolíferas e devastar totalmente a infraestrutura do país, para depois os capitais estadunidenses e ingleses “reconstruírem-no”.
No início da “guerra preventiva”, como ficou conhecida a cruzada contra o “eixo do mal” desatada por Bush após o 11 de setembro de 2001, apenas a Inglaterra, a Austrália e a Polônia atuaram diretamente na invasão do Iraque. Outros 45 países declararam apoio não-material e não-militar, e não condenaram o descumprimento da decisão da ONU.
Nos anos subsequentes, vários países – dentre eles, de modo marcante a França – passaram a buscar participação na partilha do butim das guerras. O país governado por François Hollande inclusive foi com sede ao pote; foi mais realista que o próprio rei: em 2011, convocou uma coalizão bélica da OTAN para invadir a Líbia e assassinar Muamar Kadafi, antes mesmo de Obama tentar obter autorização congressual para atacar aquele país.
As incursões das potências mundiais para combater o “eixo do mal” se replicaram nos últimos anos, multiplicando a violência, os conflitos e a diáspora de milhões de imigrantes desesperados que tentam chegar à Europa, onde são repelidos com insuportável inumanidade e desprezo. Aylan Kurdi, o menino sírio de 5 anos, emborcado morto nas areias do litoral grego, é a imagem tenebrosa desta realidade.
Este processo reabre feridas históricas, e reacende a memória da humilhação ancestral dos descendentes árabes e muçulmanos que, na França, representam parcela significativa da população total francesa. A cadeia de transmissão hereditária reserva aos descendentes árabes e muçulmanos o pior dos mundos na Europa: primeiro os avós e bisavós, depois seus pais, agora eles e seus filhos, assim como seus netos e bisnetos, estarão condenados à classe de sub-cidadãos.
As políticas xenofóbicas e segregacionistas, juntamente com a inexistência de oportunidades iguais para os imigrantes e para os descendentes de imigrantes, ajudam a legitimar a cantilena doutrinária do Estado Islâmico, que é cada vez mais eficiente na cooptação de jovens destituídos de perspectivas de futuro.
O ataque à revista Charlie Hebdo em janeiro deste ano, também em Paris, foi um sinal da mudança de padrão da ação terrorista. A partir deste episódio, foram aperfeiçoados e integrados os serviços de inteligência e de monitoramento da União Europeia e dos EUA. Apesar disso, no último dia 13 o Estado Islâmico logrou perpetrar sete ataques praticamente simultâneos num intervalo de apenas 40 minutos. Isso evidencia a complexidade e a inteligência operacional desta organização, capaz de driblar os mais especializados serviços de inteligência do mundo.
A resposta impulsiva das potências à barbárie terrorista da sexta-feira 13 de novembro é mais guerra, mesmo que não se saiba qual nação será o alvo ao certo. A espiral belicista, sozinha, além de ineficiente, agrava consideravelmente a violência e os revides terroristas. O assassinato de Bin Laden não arrefeceu o ímpeto da Al Qaeda, como tampouco diminuiu a capacidade operacional do terrorismo.
Ao invés de promover a guerra de civilizações entre o ocidente e o islamismo, as potências dominantes deveriam entender que o inimigo principal está nas políticas empreendidas pelos seus governos com despotismo em todo o mundo, e de maneira mais acentuada no norte da África e no Oriente Médio.
Estas políticas são o verdadeiro ninho da serpente; são laboratórios de multiplicação do Estado Islâmico e de versões deturpadas do Islã. O problema não está no outro lado do Mar Mediterrâneo, mas dentro das fronteiras do próprio continente europeu, como revela a identidade dos terroristas. Dos cerca de 30 mil militantes do Estado Islâmico, mais de 2 mil deles são nacionais europeus. O horror desembocou na Europa de uma maneira perturbadora.
Carta Maior
A estupefação com os atentados terroristas em Paris é proporcional à incapacidade de se admitir as verdadeiras causas desta barbárie.
A estupefação com os atentados terroristas em Paris é proporcional à incapacidade de se admitir as verdadeiras causas desta barbárie.
O mundo inteiro é afetado pelos desdobramentos da guerra travada pelas potências mundiais contra o Estado Islâmico, a Al Qaeda e outras organizações terroristas. Mas esta não é uma guerra mundial, e os países que estão no seu centro causal e na arena dos combates não enchem duas mãos: EUA, França, Espanha, Inglaterra e alguns aliados.
Com suas guerras de dominação e de exploração no norte da África e no Oriente Médio realizadas a pretexto de combater regimes tirânicos, as grandes potências esgarçaram completamente a relação com o mundo árabe-muçulmano. E, com isso, trouxeram para o continente europeu o mesmo inferno que instalaram nas ex-colônias.
Há poucos dias, Tony Blair se desculpou pela “pequena falha” cometida na ocupação criminosa e ilegal do Iraque em 2003. Ele reconheceu que eram falsos os pretextos de George W. Bush de que o regime de Saddam estocava armas químicas de destruição massiva.
Apesar desta fraude, Blair [que com a confissão deveria ser julgado pela Corte Internacional de Haia] mesmo assim considera válida a guerra não autorizada pela ONU contra o Iraque, que visava se apropriar das reservas petrolíferas e devastar totalmente a infraestrutura do país, para depois os capitais estadunidenses e ingleses “reconstruírem-no”.
No início da “guerra preventiva”, como ficou conhecida a cruzada contra o “eixo do mal” desatada por Bush após o 11 de setembro de 2001, apenas a Inglaterra, a Austrália e a Polônia atuaram diretamente na invasão do Iraque. Outros 45 países declararam apoio não-material e não-militar, e não condenaram o descumprimento da decisão da ONU.
Nos anos subsequentes, vários países – dentre eles, de modo marcante a França – passaram a buscar participação na partilha do butim das guerras. O país governado por François Hollande inclusive foi com sede ao pote; foi mais realista que o próprio rei: em 2011, convocou uma coalizão bélica da OTAN para invadir a Líbia e assassinar Muamar Kadafi, antes mesmo de Obama tentar obter autorização congressual para atacar aquele país.
As incursões das potências mundiais para combater o “eixo do mal” se replicaram nos últimos anos, multiplicando a violência, os conflitos e a diáspora de milhões de imigrantes desesperados que tentam chegar à Europa, onde são repelidos com insuportável inumanidade e desprezo. Aylan Kurdi, o menino sírio de 5 anos, emborcado morto nas areias do litoral grego, é a imagem tenebrosa desta realidade.
Este processo reabre feridas históricas, e reacende a memória da humilhação ancestral dos descendentes árabes e muçulmanos que, na França, representam parcela significativa da população total francesa. A cadeia de transmissão hereditária reserva aos descendentes árabes e muçulmanos o pior dos mundos na Europa: primeiro os avós e bisavós, depois seus pais, agora eles e seus filhos, assim como seus netos e bisnetos, estarão condenados à classe de sub-cidadãos.
As políticas xenofóbicas e segregacionistas, juntamente com a inexistência de oportunidades iguais para os imigrantes e para os descendentes de imigrantes, ajudam a legitimar a cantilena doutrinária do Estado Islâmico, que é cada vez mais eficiente na cooptação de jovens destituídos de perspectivas de futuro.
O ataque à revista Charlie Hebdo em janeiro deste ano, também em Paris, foi um sinal da mudança de padrão da ação terrorista. A partir deste episódio, foram aperfeiçoados e integrados os serviços de inteligência e de monitoramento da União Europeia e dos EUA. Apesar disso, no último dia 13 o Estado Islâmico logrou perpetrar sete ataques praticamente simultâneos num intervalo de apenas 40 minutos. Isso evidencia a complexidade e a inteligência operacional desta organização, capaz de driblar os mais especializados serviços de inteligência do mundo.
A resposta impulsiva das potências à barbárie terrorista da sexta-feira 13 de novembro é mais guerra, mesmo que não se saiba qual nação será o alvo ao certo. A espiral belicista, sozinha, além de ineficiente, agrava consideravelmente a violência e os revides terroristas. O assassinato de Bin Laden não arrefeceu o ímpeto da Al Qaeda, como tampouco diminuiu a capacidade operacional do terrorismo.
Ao invés de promover a guerra de civilizações entre o ocidente e o islamismo, as potências dominantes deveriam entender que o inimigo principal está nas políticas empreendidas pelos seus governos com despotismo em todo o mundo, e de maneira mais acentuada no norte da África e no Oriente Médio.
Estas políticas são o verdadeiro ninho da serpente; são laboratórios de multiplicação do Estado Islâmico e de versões deturpadas do Islã. O problema não está no outro lado do Mar Mediterrâneo, mas dentro das fronteiras do próprio continente europeu, como revela a identidade dos terroristas. Dos cerca de 30 mil militantes do Estado Islâmico, mais de 2 mil deles são nacionais europeus. O horror desembocou na Europa de uma maneira perturbadora.
Belluzzo: Governo precisa puxar aceleração da economia
Destravar o investimento em infraestrutura e reativar o setor de petróleo e gás: estas são as duas medida para ajudar o Brasil a enfrentar a crise.
“Não teve nenhuma iniciativa do governo de dizer: vamos combinar, você prende quem você quer prender [na Operação Lava Jato], mas vamos soltar as empresas para elas funcionarem. Porque isso que está acontecendo… Esses promotores de Curitiba são completamente insensatos, um bando de loucos, gente que não sabe nada”, condenou.
Belluzzo referia-se aos impactos que os desdobramentos da Lava Jato estão tendo na atividade econômica brasileira. Ao atingir a estratégica cadeia de óleo e gás e as maiores empreiteiras do país, a operação desencadeou uma espécie de efeito dominó, imobilizando obras e projetos. Um estudo do Ministério da Fazenda, divulgado em outubro, indicou que apenas a redução de investimentos na Petrobras poderia provocar uma contração acima de 2 pontos percentuais do PIB este ano.
“E não é só a Petrobras, são as empresas chamadas de empreiteiras – que na verdade são conglomerados empresariais -, que têm fornecedores, e há os fornecedores desses fornecedores e por aí vai. Então é todo um circuito que você foi e cortou”, disse Belluzzo.
O diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, André Calixtre, também já havia chamado a atenção para as repercussões da operação. “Não podemos ignorar o fato de as empresas investigadas não poderem mais operar negócios, terem acesso ao crédito e às licitações. A verdade é que a cadeia de petróleo e gás sofreu um imenso impacto”, afirmou, lembrando também seu reflexo sobre a construção civil.
De acordo com Belluzzo, nesse cenário, o governo precisa sair do imobilismo para evitar um aprofundamento dos problemas. “A gente precisa ter coragem de fazer as coisas. Se você ficar acoelhado, não faz nada. Você tem esses projetos de concessão de infraestrutura, mais o setor de óleo e gás. Precisa então resolver o problema da Petrobras, porque esse é um dos centros do afundamento da economia, está paralisando tudo. Tem que reativar isso, botar isso aí para funcionar”, opinou.
O economista avaliou que esta seria uma forma de puxar a aceleração da economia e, caso isso não aconteça, há chances de a crise contaminar outras áreas. “Você corre o risco de ter uma crise bancária, porque as empresas estão assim: ninguém paga ninguém. Eles não pagam nem os juros da dívida. Sabe quanto tem no ativo dos bancos brasileiros? Praticamente R$1 trilhão, que é desse sistema [afetado pela Lava Jato]. E, se o banco não paga, o que acontece? O banco é obrigado a registrar como empréstimos que precisam de provisão e, como resultado, as agências de risco vão e rebaixam [as notas de crédito]”, declarou.
No embalo das 23 empreiteiras que estão sendo investigadas pela Polícia Federal, outras 51 mil empresas – responsáveis por 500 mil empregos – tiveram seus negócios prejudicados. Segundo informação do próprio presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, 32 empresas foram bloqueadas cautelarmente no trabalho com a companhia devido às investigações.
O “cavalo de pau” na política econômica
Belluzzo lembrou que o Brasil reagiu bem ao momento mais agudo da crise internacional, desencadeada em 2008, conseguindo rapidamente recuperar sua taxa de crescimento. Mas, quando os fatores favoráveis à economia brasileira começaram a se dissipar, o governo demorou a definir projetos de concessão e a promover os programas de infraestrutura, avaliou.
“O PIB caiu um pouco em 2009, mas em 2010 já cresceu, então reagiu muito bem. Só que terminou aquele frenesi do ciclo de consumo americano e de commodities chinês. Então rapidamente os efeitos positivos se dissiparam e o Brasil foi incapaz de dar uma resposta mais compatível. Demorou a definir projetos de infraestrutura e tal e a economia foi desacelerando. Não foi desacelerando tanto quanto as pessoas pensam, mas foi desacelerando e, em 2014, ela estava mal”, analisou.
De acordo com ele, o crescimento da China – principal parceiro comercial do Brasil – começou a desacelerar e o Brasil passou a ter problemas com o balanço de pagamentos e um aumento importante no déficit de conta corrente. Para Belluzzo, “a situação fiscal começou a ficar difícil, mas não catastrófica”.
“E o que o governo fez? Deu um cavalo de pau na política econômica. Deu essa subida absurda dos juros, choque fiscal, e a economia entrou em recessão. E a situação internacional é o quadro dentro do qual isso aí se desenvolveu”, afirmou.
Questionado sobre os impactos que a crise política tem sobre a economia, o economista avaliou que isso tem atrapalhado bastante a situação. “O governo ficou imobilizado. Você não consegue nem passar a CPMF, que é a coisa mais razoável que tem. Mas eles estão bloqueando”, lamentou.
Avesso ao ajuste fiscal proposto pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy, Belluzzo, criticou a política de juros altos praticada pelo Banco Central, que não ajudaria a combater uma inflação de custos. Segundo ele, falta coordenação entre as políticas do governo.
“Juntou tarifa de energia com tarifa de água e aí a inflação foi a 10%. E aí, como você vai pegar um choque de tarifas, que é um choque de custos, numa economia que tem inclinação à indexação de tudo… Então você tem o pior dos mundos: um choque inflacionário, com uma renitência ao longo do tempo, e o Banco Central pode ter a ideia de continuar aumentando os juros. E isso vai jogar a economia mais para baixo ainda”.
Para ele, a recente desvalorização do câmbio pode ajudar a dar um fôlego à indústria brasileira, apesar de a situação do comércio internacional também estar difícil. Em 2004, a participação da indústria no PIB era de 18%. Este ano, deverá ser de 9%.
“Com a recessão e a desvalorização do câmbio, você produziu uma redução das importações. Mas as exportações não estão crescendo, estão caindo. Só que as importações estão caindo mais. Por causa dos números da atividade, mais o encarecimento dos insumos importados. Isso pode dar um pouco de fôlego à indústria, porque começa a haver encomenda no mercado doméstico de coisas que eles compravam mais barato e agora estão ficando caras”.
O tripé
Na entrevista, Belluzo comentou a prevalência do chamado tripé macroeconômico, que consiste em câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário. “Eu sempre dou um exemplo: por acaso um importador francês e um exportador japonês podem denominar transação em reais? Parece que não. Vão denominar ou em euro ou em dólar. Essa circunstância faz com que o câmbio flutuante num país como o Brasil seja muito arriscado. Você tem muita volatilidade, muita instabilidade do câmbio. Por que os chineses de deram bem? Porque eles controlaram o câmbio”, avaliou.
“O tripé é uma criação dos anos 90. Tem a ver com a política econômica da globalização neoliberal e os países que se entregaram a ela. Você tem dois tipos de países: os chineses, que aproveitaram as mudanças para fazer políticas nacionais, exercer controle sobre o que era crucial – que era comércio exterior, o câmbio e o sistema financeiro – , e os países que fizeram essa abertura que o Brasil fez”, disse.
Belluzzo, contudo, não vê, hoje, condições políticas para romper com a lógica do tripé marcoeconômico. “Veja, por exemplo, com essa desvalorização do câmbio, você reduziu muito as viagens ao exterior. Tinha cabimento você estar subsidiando o cara para viajar para o exterior, ao invés de viajar para Natal? Então precisa ter condições políticas. Você precisa convencer a sua base de que isso [romper com o tripé] é importante”, concluiu.
“Não teve nenhuma iniciativa do governo de dizer: vamos combinar, você prende quem você quer prender [na Operação Lava Jato], mas vamos soltar as empresas para elas funcionarem. Porque isso que está acontecendo… Esses promotores de Curitiba são completamente insensatos, um bando de loucos, gente que não sabe nada”, condenou.
Belluzzo referia-se aos impactos que os desdobramentos da Lava Jato estão tendo na atividade econômica brasileira. Ao atingir a estratégica cadeia de óleo e gás e as maiores empreiteiras do país, a operação desencadeou uma espécie de efeito dominó, imobilizando obras e projetos. Um estudo do Ministério da Fazenda, divulgado em outubro, indicou que apenas a redução de investimentos na Petrobras poderia provocar uma contração acima de 2 pontos percentuais do PIB este ano.
“E não é só a Petrobras, são as empresas chamadas de empreiteiras – que na verdade são conglomerados empresariais -, que têm fornecedores, e há os fornecedores desses fornecedores e por aí vai. Então é todo um circuito que você foi e cortou”, disse Belluzzo.
O diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, André Calixtre, também já havia chamado a atenção para as repercussões da operação. “Não podemos ignorar o fato de as empresas investigadas não poderem mais operar negócios, terem acesso ao crédito e às licitações. A verdade é que a cadeia de petróleo e gás sofreu um imenso impacto”, afirmou, lembrando também seu reflexo sobre a construção civil.
De acordo com Belluzzo, nesse cenário, o governo precisa sair do imobilismo para evitar um aprofundamento dos problemas. “A gente precisa ter coragem de fazer as coisas. Se você ficar acoelhado, não faz nada. Você tem esses projetos de concessão de infraestrutura, mais o setor de óleo e gás. Precisa então resolver o problema da Petrobras, porque esse é um dos centros do afundamento da economia, está paralisando tudo. Tem que reativar isso, botar isso aí para funcionar”, opinou.
O economista avaliou que esta seria uma forma de puxar a aceleração da economia e, caso isso não aconteça, há chances de a crise contaminar outras áreas. “Você corre o risco de ter uma crise bancária, porque as empresas estão assim: ninguém paga ninguém. Eles não pagam nem os juros da dívida. Sabe quanto tem no ativo dos bancos brasileiros? Praticamente R$1 trilhão, que é desse sistema [afetado pela Lava Jato]. E, se o banco não paga, o que acontece? O banco é obrigado a registrar como empréstimos que precisam de provisão e, como resultado, as agências de risco vão e rebaixam [as notas de crédito]”, declarou.
No embalo das 23 empreiteiras que estão sendo investigadas pela Polícia Federal, outras 51 mil empresas – responsáveis por 500 mil empregos – tiveram seus negócios prejudicados. Segundo informação do próprio presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, 32 empresas foram bloqueadas cautelarmente no trabalho com a companhia devido às investigações.
O “cavalo de pau” na política econômica
Belluzzo lembrou que o Brasil reagiu bem ao momento mais agudo da crise internacional, desencadeada em 2008, conseguindo rapidamente recuperar sua taxa de crescimento. Mas, quando os fatores favoráveis à economia brasileira começaram a se dissipar, o governo demorou a definir projetos de concessão e a promover os programas de infraestrutura, avaliou.
“O PIB caiu um pouco em 2009, mas em 2010 já cresceu, então reagiu muito bem. Só que terminou aquele frenesi do ciclo de consumo americano e de commodities chinês. Então rapidamente os efeitos positivos se dissiparam e o Brasil foi incapaz de dar uma resposta mais compatível. Demorou a definir projetos de infraestrutura e tal e a economia foi desacelerando. Não foi desacelerando tanto quanto as pessoas pensam, mas foi desacelerando e, em 2014, ela estava mal”, analisou.
De acordo com ele, o crescimento da China – principal parceiro comercial do Brasil – começou a desacelerar e o Brasil passou a ter problemas com o balanço de pagamentos e um aumento importante no déficit de conta corrente. Para Belluzzo, “a situação fiscal começou a ficar difícil, mas não catastrófica”.
“E o que o governo fez? Deu um cavalo de pau na política econômica. Deu essa subida absurda dos juros, choque fiscal, e a economia entrou em recessão. E a situação internacional é o quadro dentro do qual isso aí se desenvolveu”, afirmou.
Questionado sobre os impactos que a crise política tem sobre a economia, o economista avaliou que isso tem atrapalhado bastante a situação. “O governo ficou imobilizado. Você não consegue nem passar a CPMF, que é a coisa mais razoável que tem. Mas eles estão bloqueando”, lamentou.
Avesso ao ajuste fiscal proposto pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy, Belluzzo, criticou a política de juros altos praticada pelo Banco Central, que não ajudaria a combater uma inflação de custos. Segundo ele, falta coordenação entre as políticas do governo.
“Juntou tarifa de energia com tarifa de água e aí a inflação foi a 10%. E aí, como você vai pegar um choque de tarifas, que é um choque de custos, numa economia que tem inclinação à indexação de tudo… Então você tem o pior dos mundos: um choque inflacionário, com uma renitência ao longo do tempo, e o Banco Central pode ter a ideia de continuar aumentando os juros. E isso vai jogar a economia mais para baixo ainda”.
Para ele, a recente desvalorização do câmbio pode ajudar a dar um fôlego à indústria brasileira, apesar de a situação do comércio internacional também estar difícil. Em 2004, a participação da indústria no PIB era de 18%. Este ano, deverá ser de 9%.
“Com a recessão e a desvalorização do câmbio, você produziu uma redução das importações. Mas as exportações não estão crescendo, estão caindo. Só que as importações estão caindo mais. Por causa dos números da atividade, mais o encarecimento dos insumos importados. Isso pode dar um pouco de fôlego à indústria, porque começa a haver encomenda no mercado doméstico de coisas que eles compravam mais barato e agora estão ficando caras”.
O tripé
Na entrevista, Belluzo comentou a prevalência do chamado tripé macroeconômico, que consiste em câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário. “Eu sempre dou um exemplo: por acaso um importador francês e um exportador japonês podem denominar transação em reais? Parece que não. Vão denominar ou em euro ou em dólar. Essa circunstância faz com que o câmbio flutuante num país como o Brasil seja muito arriscado. Você tem muita volatilidade, muita instabilidade do câmbio. Por que os chineses de deram bem? Porque eles controlaram o câmbio”, avaliou.
“O tripé é uma criação dos anos 90. Tem a ver com a política econômica da globalização neoliberal e os países que se entregaram a ela. Você tem dois tipos de países: os chineses, que aproveitaram as mudanças para fazer políticas nacionais, exercer controle sobre o que era crucial – que era comércio exterior, o câmbio e o sistema financeiro – , e os países que fizeram essa abertura que o Brasil fez”, disse.
Belluzzo, contudo, não vê, hoje, condições políticas para romper com a lógica do tripé marcoeconômico. “Veja, por exemplo, com essa desvalorização do câmbio, você reduziu muito as viagens ao exterior. Tinha cabimento você estar subsidiando o cara para viajar para o exterior, ao invés de viajar para Natal? Então precisa ter condições políticas. Você precisa convencer a sua base de que isso [romper com o tripé] é importante”, concluiu.
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