O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
segunda-feira, setembro 29, 2014
domingo, setembro 28, 2014
terça-feira, setembro 23, 2014
Petrobrás: O último trem para Paris?
Evaristo Almeida*
A frase “trem para Paris” foi cunhada décadas atrás com o significado de fazer parte do Clube de Paris, isto é, ser um país rico e desenvolvido social e economicamente.
Neste artigo a abordagem é sobre a Petrobras, que é uma das poucas possibilidades de efetivamente conseguirmos desenvolver o Brasil para que nosso povo desfrute de uma vida cada dia melhor. Afinal, desenvolvimento deve representar isso para os povos que o alcançaram.
E os povos que se desenvolveram não o conseguiram jogando oportunidades fora como de fato a Petrobras e o pré-sal.
Como sabemos a criação da Petrobras foi um parto de montanha em 1953. Já naquela ocasião a grande imprensa brasileira e os Estados Unidos se posicionaram contra e causaram uma grave crise política que teve como conseqüência a morte de Getúlio Vargas em 1954.
Desde então, apesar da grande contribuição que a Petrobras vem dando ao povo brasileiro na criação de empregos, renda e desenvolvimento, a empresa sofre intensa campanha da grande imprensa brasileira e dos que ela representa.
Só para lembrar, no governo de Fernando Henrique Cardoso houve uma grande lambança na gestão da empresa. Foi o pior período na história da Petrobras. O objetivo do tucano era fatiá-la e vendê-la com o nome Petrobrax.
Para facilitar a privatização da empresa, junto com a má-gestão, houve uma série de acidentes como derramamento de petróleo na baia da Guanabara e o mais grave de todos, o afundamento da P 36, a maior plataforma de petróleo do mundo na época, com 11 vítimas fatais em março de 2001.
Recentemente, a empresa vem sofrendo intenso bombardeio da imprensa e da oposição, pela compra em Pasadena de uma refinaria nos Estados Unidos, que na época foi um bom negócio e vem dando lucros para a empresa.
O mesmo empenho não foi observado num estranho negócio envolvendo a Petrobras e a Repsol em 2001, que segundo os petroleiros em ação contra essa negociação no Supremo Tribunal de Justiça - STJ, a Petrobras recebeu ativos no valor de US$ 750 milhões e cedeu US$ 3 bilhões, em valores atualizados.
Mas o maior risco à existência da empresa está embutida nas propostas eleitorais de Marina Silva e Aécio Neves.
Os dois candidatos embarcaram na onda do mercado e da grande imprensa brasileira de que a Petrobras está em crise e a corrupção corre solta na empresa.
Quanto à corrupção é bom frisar que ela foi descoberta graças a ação da Polícia Federal, envolvendo um funcionário concursado que estava na empresa desde 1978. Ele foi prontamente demitido. É a primeira vez no Brasil que a corrupção não é engavetada.
Vale ressaltar que a suposta crise da Petrobras é o sonho de qualquer empresa petrolífera do mundo ter os números apresentados pela brasileira.
Os números são superlativos, primeiro a valorização que atingiu um montante seis vezes maior do que valia em 2002, de US 15 bilhões foi para US$ 90 bilhões em 2014. Encontrou a maior bacia petrolífera do século XXI e foi a empresa que mais teve crescimento das suas reservas nos últimos anos.
Como está em crise uma empresa que lucrou no primeiro semestre deste ano R$ 16,4 bilhões? Que produz diariamente 2,4 milhões de barris de petróleo?
Na verdade, a grande imprensa brasileira, junto com as candidaturas de oposição à presidente Dilma, fazem um trabalho diuturno para desacreditar a maior empresa do país e uma das maiores do mundo, junto à população para que a Petrobras possa ser privatizada e abra mão de explorar o pré-sal.
O pré-sal representa um bilhete de loteria premiado, que o povo brasileiro ganhou. Trilhões de dólares que irrigarão a economia brasileira e possibilitará o desenvolvimento social e econômico do nosso Brasil.
Para possibilitar que o prêmio sorteado seja repartido por todos os brasileiros o governo Lula criou, em 2010, o sistema de partilha; não permitindo que os lucros sejam todos canalizados para o exterior ou fiquem apenas para uma minoria dos brasileiros.
Como no início da história do nosso país, no Brasil colonial, com o ciclo do açúcar, em que além dos portugueses, os holandeses se deram bem e com o ciclo do ouro, que financiou a opulência da corte portuguesa e a Revolução Industrial Inglesa.
Esses recursos não foram usados para desenvolver o nosso país com a criação de empregos e renda. Mas serviram a outros povos.
Os Estados Unidos, por exemplo, usaram todo o ouro descoberto na Califórnia no século XIX e o petróleo do Texas, no século XX, para se tornarem um grande país e oferecer condições de vida melhor ao seu povo. Eles não sofreram oposição dos economistas neoliberais ou da grande imprensa estadunidense.
Com o sistema de partilha criado pelo governo Lula, em substituição ao de concessão, quem sai ganhando é o povo brasileiro. Somente para a educação e saúde será R$ 1,3 trilhão.
Outro tema muito sensível que o mercado não gostou muito é a política de conteúdo nacional, ou seja, de que parte dos equipamentos usados para o pré-sal sejam fabricados no Brasil. Alguns acham que é doutrinária, mas a Noruega fez disso um grande achado para desenvolver uma indústria naval poderosa.
Lembrar que antes do governo Lula quase tudo era construído no exterior. Tinham o complexo de vira - lata de que não conseguíamos construir no Brasil os navios e as plataformas para exploração de nosso petróleo.
Tudo mudou a partir de 2003 e houve o renascimento da indústria naval que multiplicou por 14 vezes o número de empregos diretos de qualidade. Eram 7 mil trabalhadores e atualmente são 100 mil. Isso se chama política industrial e nenhum país do mundo se desenvolveu sem fazer essas políticas.
Os países que se dizem liberais, como os Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Japão, foram protecionistas por mais de um século e aplicaram políticas que permitiram que fossem os países desenvolvidos da atualidade.
O resto é ideologia, pois passam para ao resto do mundo uma visão histórica distorcida do liberalismo econômico, para que os países que a aceitem nunca possam se desenvolver e sejam eternamente dependentes.
A lei 12.351/2010 que mudou o regime de concessão para partilha, também inova ao fazer da Petrobras a única operadora dos campos do pré-sal. Isso garante maior segurança ao país no controle da sua riqueza.
Se tivéssemos privatizado a Petrobras como a Argentina fez com a Yacimentos Petroliferos e Fiscales – YPF em 1999, para a Repsol, o destino seria o mesmo dessa empresa, que teve a produção em queda, sucateamento da estrutura, queda das reservas, lucros canalizados para a Espanha e não criaram nenhuma base industrial no país. Não entregaram o que o mercado prometeu ao povo argentino.
O mercado funciona no curto prazo, não tem compromisso com nenhum país e nenhum povo e traz no seu bojo os interesses dos países capitalistas centrais, que são os Estados Unidos, a Europa e o Japão.
Pelo mercado, a gasolina vendida pela Petrobras teria um tarifaço, com o litro possivelmente indo para a casa dos R$ 4, que beneficiaria os acionistas, uma minoria do povo brasileiro, mas prejudicaria o povão, que veria subir o custo de vida, a inflação e jogaria os juros para o alto.
Outra proposta do mercado seria o fim do regime de partilha na exploração do pré-sal, voltando ao regime de concessão em que o país fica com muito pouco, como sempre aconteceu na história do Brasil; o fim da exigência de produção nacional dos equipamentos do pré-sal, acabando com a nossa indústria e a Petrobras não ser mais a única operadora.
As candidaturas oposicionistas de Marina Silva e Aécio Neves já se posicionaram de acordo com o mercado, que é formado por 1% da população brasileira e pelos seus sócios estrangeiros, que tem na grande imprensa brasileira e internacional o instrumento de defesa dos seus interesses.
O desenvolvimento de um país exige engajamento e defesa da soberania do seu povo.
É importante para o povo brasileiro a defesa enfática da Petrobras dos ataques sorrateiros que a empresa recebe diariamente. É bom frisar que atacam a Petrobrás muito mais pelos seus méritos.
O pré-sal representa um bilhete premiado para o nosso povo e a possibilidade real para que possamos desenvolver social e economicamente o Brasil. Não podemos dispensar essa oportunidade de implantarmos um projeto de nação com oportunidades e prosperidades para todos.
O momento é esse, pois o cavalo está passando apeado. E pode ser o último trem para Paris.
·Evaristo Almeida – Mestre em Economia Política pela PUC-SP e membro do Coletivo Casa dos Galos de Economia Política, que defende a economia pela ótica do trabalhador e pelo desenvolvimento soberano do Brasil
quinta-feira, setembro 18, 2014
Programa econômico da Marina: direita volver?
Evaristo Almeida*
Recentemente a candidata Marina Silva apresentou o programa de governo para a campanha presidencial de 2014. A novidade é que a linha ideológica apresentada pela Marina é mais conservadora que a do candidato Aécio Neves, do PSDB, vem defendendo. Não porque Aécio não comungue dos mesmos ideais, mas haveria repulsa imediata do povo para várias questões polêmicas como autonomia do Banco Central, flexibilização dos direitos trabalhistas, tarifaço em alguns preços públicos, reforma política, privilegiando o poder econômico, entre outros.
Vamos trabalhar nesse artigo com quem faz a cabeça dos economistas da Marina e a matriz ideológica dos que escreveram o programa econômico da candidata do PSB que é a mesma dos economistas do PSDB. São economistas neoliberais, com doutoramento nos Estados Unidos ou na Inglaterra. Vale lembrar que esses dois países passam por crises econômicas profundas, com desemprego crônico e falta de perspectiva para os trabalhadores.
Depois da crise de 2008, os economistas mais comprometidos com o desenvolvimento social e econômico, achavam que o neoliberalismo perderia força; pelo fato dos fundamentos defendidos por essa escola não serem científicos e sim ideológicos, à luz da crise de proporção gigantesca nos Estados Unidos e na Europa, que provocaram ao propor a desregulamentação geral da economia e referenciarem o mercado como um deus. Mas como essa linha de pensamento defende interesses poderosos de empresas transnacionais, principalmente do ramo financeiro, dos Estados Unidos, Europa e Japão; é defendido 24 horas por dia pela mídia mundial comprometida com esses interesses. Interesses esses que beneficiam apenas 1% da população do mundo. No Brasil não é diferente e a grande imprensa brasileira é toda neoliberal.
Você nunca verá um economista neoliberal defendendo distribuição de renda, crescimento econômico, aumento salarial, igualdade social nem qualquer outro valor humanista e civilizatório.
Os preceitos defendidos pelos neoliberais são baseados em Adam Smith e David Ricardo, grandes ideólogos ingleses dos séculos XVIII e XIX, por Thomas Malthus, que não tinha nenhuma consideração pelos pobres, pois segundo Malthus, não adiantaria fazer nenhuma política econômica para ajudar classes mais desfavorecidas, pois eles gastariam tudo e continuariam pobres. Pelo contrário pregava que os pobres morassem nas áreas mais insalubres, para que a população seja reduzida. E por fim, Hayek e Milton Friedman, que deram uma nova roupagem ao pensamento conservador no século XXI e ficaram eufóricos quando Pinochet, ditador do Chile acusado de prisão, tortura e assassinato contra seus críticos, aplicou a doutrina neoliberal. Esse “aprendizado” custou dezenas de milhares de vida e transformou o Chile num país destinado a produzir cobre, frutas e peixes. O resultado foi a pauperização da população chilena, concentração de renda e desemprego de 1/3 dos trabalhadores.
Mas nada disso importou para os ideólogos do neoliberalismo, pois a democracia e o bem-estar social não estão nas preocupações dos apóstolos dessa doutrina.
Foi o economista alemão Georg Friedrich List quem desmascarou as idéias de Smith e Ricardo, que difundiram a ideologia do livre comércio e das vantagens comparativas, que beneficiavam a economia inglesa. Para List um país não pode desenvolver suas indústrias num mercado em que sofre concorrência de outra economia mais avançada tecnologicamente, como acontecia com a Inglaterra a partir do século XVIII. Portugal que o diga, pois cometeu o erro de assinar o tratado de Methuen, que impediu a industrialização desse país por séculos. Tratado semelhante a esse foi apresentado pelos Estados Unidos, no final do século XX, com a criação do Acordo de Livre Comércio das Américas - ALCA, que teria o mesmo efeito nefasto no continente que o acordo assinado por Portugal em 1703. Acabaria com qualquer iniciativa industrial dos países que nele adentrassem. Os governos Lula, Chávez e Kirchner não deixaram isso ir em frente.
Os Estados Unidos maquiaram a Alca na Chamada Aliança do Pacífico do governo Obama, que prevê livre comércio e já é composta pelo Chile, Colômbia, México e Peru. Essa aliança transformará os países que nele entraram em importadores de produtos industrializados estadunidenses e exportadores de matérias-primas, a preços aviltados para os Estados Unidos. Será o retorno à condição de colônia que congelará o desenvolvimento e impossibilitará a melhoria de vida dos seus povos. Está no programa da Marina a adesão a esse tipo de aliança de livre comércio.
Essa é a receita dos economistas de matriz neoliberal, subordinação colonial e atraso social.
Eles tratam o grau de desenvolvimento de um país como se todos fossem iguais e tivessem atingido a mesma produtividade. São contra políticas desenvolvimentistas como a feita pela Petrobras, em exigir participação nacional na produção das plataformas e equipamentos para o pré-sal. Vamos lembrar que esses equipamentos no governo de Fernando Henrique Cardoso eram construídos em Cingapura, na Coréia e na China. Como resultado, a nossa indústria naval estava minguando e empregava somente sete mil trabalhadores. Os empregos ficavam lá fora.
O Brasil, nos governos Lula e Dilma, adotando a mesma política feita pela Noruega, que desenvolveu uma poderosa indústria naval, estão exigindo que navios e equipamentos sejam construídos aqui, no nosso país. Essa política é exitosa, pois a indústria naval brasileira já emprega 80 mil trabalhadores que estão melhorando de vida com melhores empregos e aumento da renda.
Anteriormente o curso de engenheiro naval estava acabando no país, atualmente está em alta. Isso mostra que uma política desenvolvimentista melhora a qualidade do emprego e da renda da população.
Ao contrário de política desenvolvimentista, os economistas da Marina, querem uma nova rodada de abertura econômica, a mesma que causou o grande nível de desemprego nos anos 1990 no Brasil, feitas nos governos de Collor e Fernando Henrique Cardoso, que quebraram milhares de empresas e fecharam milhões de empregos.
Outra política econômica, defendida por eles, que ameaça quebrar o país é o câmbio livre, ou seja, deixar a moeda flutuar livremente ao sabor do mercado. O livre cambismo não é praticado desde o padrão-ouro, que vingou até a crise de 1929 e arrasou o mundo. Nos dias atuais seria haraquiri econômico, porque as moedas deixaram de ter lastro e flutuam ao sabor da especulação financeira.
Os Estados Unidos atualmente tem uma dívida de 20 trilhões de dólares que é rolada via emissão monetária e de títulos públicos, jogando 80 bilhões de dólares mensalmente no mercado mundial, o que causa valorização das demais moedas para que os produtos estadunidenses fiquem mais baratos e possam ser exportados.
Se o Brasil fosse seguir a política livre cambista preconizada pelos neoliberais da Marina, milhares de empresas teriam fechado, assim como milhões de empregos, pois o real seria sobrevalorizado mais do que foi nesse período.
Isso prova que é mais uma grande bobagem defendida por economistas conservadores e apoiados pela grande imprensa brasileira.
Os adestrados nessa escola são os preferidos para receber o prêmio Nobel de Economia, o que indica que esse prêmio é dado muito mais pelos valores ideológicos defendidos do que pela validade da ciência econômica. No mundo, que me lembre, de economistas progressistas, apenas Amartya Sen, Gunnar Myrdal, Paul Krugman e Joseph Stiglitz, o receberam. Deixaram de lado economistas do quilate de Celso Furtado e Raul Prebisch, para falar apenas da Amércia Latina, que deram grandes contribuições à teoria desenvolvimentista.
O Nobel de Economia é usado politicamente para favorecer a escola conservadora como foi o Nobel da Paz, dado a Barack Obama para legitimar as ações bushinianas do presidente dos Estados Unidos.
A “nova política” preconizada pelos economistas neoliberais que escreveram o programa econômico da Marina é o repaginamento de velhos dogmas, que já causaram desemprego e crise econômica no Brasil.
O programa mostra que a candidata desistiu do Brasil, sim, pois o que está implícito é o retorno à continuação da política econômica implantada por Fernando Henrique Cardoso entre 1995-2002, que não melhorou a vida da população brasileira.
O país vive atualmente a melhor condição social e econômica desde Cabral, com pleno emprego e possibilidade de ascensão social.
Diariamente somos bombardeados, 24 horas do dia, de que o país passa por grave crise, pela grande imprensa brasileira, o que não é verdade. Todas as classes sociais melhoraram de vida, como mostra a qualidade da política econômica implantada no país desde 2003.
Não é preciso que a população brasileira entenda de economia, mas é só recordar o que foi sua vida nos governos anteriores ao de Lula e de Dilma, e a que é hoje.
Se nos deixarmos levar pela grande imprensa brasileira e o terrorismo econômico diariamente jogado nos jornais impressos e televisivos, poderemos perder todas as conquistas desses 12 anos.
Segundo os existencialistas somos frutos de nossas escolhas e agora mais do que nunca poderemos seguir a frente construindo uma nação soberana com desenvolvimento social e econômico ou entrar na lábia dos neoliberais que tudo está ruim e de fato com as políticas por eles defendidas, a vida piorar e o Brasil perder a sua autonomia como nação.
São esses dois projetos que estão sendo apresentados ao nosso povo, um que ele já conhece e está dando certo e o outro mera abstração e promessas que transformariam para pior a vida de milhões de brasileiros e brasileiras.
*Evaristo Almeida - Mestre em Economia Política pela PUC-SP e membro do Instituto Casa dos Galos de Economia Política, que defende a economia sob a ótica do trabalhador e dos interesses do povo brasileiro
LEBLON À BLÁBLÁ: DISCURSO DO MEDO, UMA OVA!
“Para Marina não há conflito entre o fastígio dos banqueiros e os interesses populares. O conflito é entre corruptos e elites”
O Conversa Afiada reproduz editorial de Saul Leblon, extraído da Carta Maior:
DISCURSO DO MEDO, UMA OVA!
Para Marina não há conflito entre o fastígio dos banqueiros e os interesses populares. O conflito que existe na sua leitura do Brasil é entre corruptos e elites
por: Saul Leblon
Marina precisa esconder a questão principal em jogo nestas eleições. Por isso é crucial expô-la, como Dilma começou a fazer no debate da CNBB, nesta 3ª feira:
‘A principal lição da crise de 2008 é a necessidade de impor uma regulação ao sistema financeiro, não o contrário, não o hiperliberalismo’, resumiu a Presidenta, fuzilando o projeto do BC independente , do voto e da democracia, encampado pela candidata do PSB.
Não é um assunto palatável. Mas é traduzível. Prova-o a tentativa do PSB de interditá-lo no horário eleitoral.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encampou o pedido de Marina de suspender a propaganda petista, na qual se relaciona o impacto dessa proposta num lar assalariado.
Se agiu honestamente, Janot subestima o poder de fogo do arsenal que hoje mantem 100 milhões de desempregados no mundo.
A Europa é uma advertência em carne viva.
Outrora referencia do Estado do Bem Estar Social, o continente não resistiu ao moedor da supremacia financeira. Paga em libras de carne humana a purga da desordem neoliberal, sob o comando dos bancos que a causaram.
O saldo da reciclagem até o momento sugere que a propaganda de Dilma é até cautelosa.
São mais de 20 milhões de desempregados na zona do euro; 119,6 milhões de pessoas (24,2% da população) transitam no limiar da pobreza em toda a Europa; US$ 1,3 trilhão foram entregues aos bancos europeus para salvá-los deles mesmos, enquanto as filas da Cáritas fornecem mais de um milhão de pratos de comida só na Espanha .
A contradição que a propaganda de Dilma condensa metaforicamente pode ser constatada de outra forma e ao vivo aqui mesmo.
Quando Marina Silva sobe nas pesquisas, as bolsas disparam; as consultorias exultam; as ações de bancos escalam píncaros de valorização. Manchetes faíscam sulfurosas.
Quando a ONU informa que no ciclo de governos do PT o Brasil reduziu a miséria em 75% e praticamente erradicou a fome (restrita a 1,7% da população), qual é a receptividade do glorioso jornalismo de economia?
Modesta, para sermos generosos.
A saúde dos mercados e a deriva da sociedade, como se vê em diferentes latitudes do planeta, não são contraditórias com essa concepção de eficiência econômica excludente. A mesma encampada agora pelo PSB que um dia foi de Arraes, hoje é o cavalo onde floresce o enxerto do hiperliberalismo denunciado por Dilma.
A confusão semântica entre um partido socialista tomado pela ideologia rentista e uma ex-seringueira que a isso empresta sua biografia não é involuntária.
Sem um lubrificante à altura do estupro, seria muito difícil vender ao eleitor agenda de um neoliberalismo desmoralizado.
O mundo conspira contra Marina, mas ninguém diz.
O jornal Valor desta 4ª feira (17/09) informa-nos em rodapé discretíssimo: ‘Os Estados Unidos sofreram mais um ano de estagnação da renda, uma vez que a recuperação da economia não consegue se traduzir em aumento da prosperidade para a média das famílias (…) cuja renda real aumentou apenas 0,3% em 2013…’.
Significa dizer que a renda média na principal economia capitalista do planeta encontra-se abaixo daquela de 25 anos atrás.
Mas os níveis de desigualdade regrediram ao padrão da Europa no início do século XX. Informa o livro de Thomas Piketty (‘O capital’), estranhamente ausente do debate eleitoral brasileiro.
Não é uma tragédia sem causa.
O lucro combinado dos seis maiores bancos americanos- JPMorgan Chase, Goldman Sachs, Citigroup, Wells Fargo, Morgan Stanley e Bank of America – saltou em 2013 para o seu maior patamar desde 2006: um aumento de ganho líquido de 21% ; ou US$ 74,1 bilhões em moeda sonante , segundo informou a Bloomberg.
A dificuldade da recuperação norte-americana, a mais lenta de todas, que fez o Fed, nesta 4ª feira, sinalizar a manutenção das taxas de juros baixas por ‘tempo indeterminado’ –para decepção do rentismo local e global– , não tem têm origem, porém, na crise de 2008.
O fio que interliga a persistente disseminação da pobreza nos EUA antes, durante e depois do colapso de 2008, é a hipertrofia do poder financeiro –que Marina quer vitaminar no Brasil.
É esse o elo entre a rastejante recuperação atual sob a batuta de Obama, a etapa aguda da crise que a antecedeu — capitaneada por Bush Jr– e, antes ainda, o período de apogeu que originou o desmonte regulatório do sistema financeiro legado por Roosevelt. Obra demolidora iniciada por Reagan (1981-1989), seguida da consolidação da hegemonia rentista sob a batuta do democrata Bill Clinton (1993-2001).
Radiografar essa espiral e traduzi-la para o idioma político destas eleições não é recorrer ao discurso do medo, como querem alguns.
São fatos que a retrospectiva norte-americana ilustra exaustivamente. Por exemplo:
1. Os salários da força de trabalho nos EUA estão em queda ou estagnados desde os anos 90;
2. Para 60% dos trabalhadores americanos , o valor da hora/trabalho estagnou ou caiu;
3. Em 1996 a renda média familiar já era inferior a de 1986 (uma corrosão que persiste);
4. O emprego estável esfarelou; a fatia dos trabalhadores com cerca de 10 anos no mesmo emprego caiu de 41% em 1979 para 35,4% em 1996 ( e embicou nos anos mais recentes);
5. A desigualdade se acentuou: a renda de uma família padrão de classe média encolheu, apesar do borbulhante fastígio rentista; apenas 10% dos lares abocanharam 85% dos ganhos propiciados pela farra financeira dos anos 80/90;
6. O trabalho se degradou: ao conquistar uma nova vaga, um desempregado ganha, em média, 13% menos que no trabalho anterior; em 1997, 30% dos empregos já operavam em tempo parcial, evidenciando uma economia que simultaneamente abdicou da indústria em troca dos ‘custos chineses’;
7. Nessa mutação estrutural , enquanto a fatia da renda apropriada pelos lares mais ricos (o 1% dos aplicadores em ativos) cresceu de 37,4% para 39%, o universo de lares sem ingressos ou com rendimento negativos saltou de 15,5% para 18,5%; na população negra, 31% dos lares tinham renda zero ou negativa em 1995.
Repita-se: tudo isso antes do colapso da subprime.
Esse paradoxo feito de desmonte industrial e exploração extrema, de um lado, e bonança rentista, do outro, só não explodiu antes graças à válvula de escape do endividamento maciço das famílias, que atingiu seu limite no estouro da bolha imobiliária, em 2008.
Os antecedentes mostram que a advertência feita pela propaganda de Dilma não é descabida.
É crucial para um projeto de desenvolvimento equitativo recompor e aprofundar a regulação do sistema financeiro, incluindo-se aí o controle sobre a mobilidade de capitais.
Foi isso que Dilma começou a dizer na CNBB. E Precisa continuar a dize-lo, de forma cada vez mais clara.
É isso que faz a propaganda vetada pelo procurador Janot.
Sem desmontar a supremacia financeira –e isso significa dar ao governo, ao Estado e à democracia os instrumentos de comando sobre o capital– será impossível consolidar um novo ciclo de investimento e alterar a redistribuição do excedente econômico no país.
Esse é um dos maiores desafios do desenvolvimento no século XXI
Mas para Marina o nome da crise é PT, não capitalismo destrambelhado.
Para Marina não existe conflito entre o fastígio dos banqueiros, e dos mercados financeiros, e os interesses populares.
O conflito que existe na sua constrangedora leitura da história é entre bons e maus; entre corruptos e elites bacanas; entre dilmas gerentonas e necas solícitas; entre o PT degenerado
–que “colocou um diretor para assaltar os cofres da Petrobrás”– e a virtuosa turma de novos amigos dos mercados.
É nessa toada que Marina, Aécio e seus apêndices pretendem levar a flauta da campanha até o fim.
As candidaturas progressistas não podem sancionar essa anestesia do discernimento popular.
Discurso do medo, uma ova, é preciso dizer, mimetizando a sagaz Luciana Genro.
A crise evidenciou que na ausência de regulação estatal da finança, a genética autodestrutiva do sistema passa a operar em condições de baixa demanda efetiva, elevado desemprego e especulação suicida.
A superação do impasse só virá se e quando o Estado detiver maior poder de comando para exercer seu papel indutor do crédito e do investimento produtivo.
Contra isso se insurge o conservadorismo. E ao seu desfrute se oferece Marina Silva e o seu tripé: BC independente; desregulação do pré-sal e desmonte da CLT.
Discurso do medo? Uma ova.
quarta-feira, setembro 17, 2014
segunda-feira, setembro 01, 2014
Mitos e verdades sobre a 'independência do Banco Central'
O que é a independência do Banco Central? Por que Marina e Aécio a defendem com unhas e dentes? Não é mera coincidência que ambas as candidaturas tenham transformado esta pauta em tema de destaque nas eleições
Paulo Kliass*
Ao que tudo indica, ainda não foram suficientes todos os ensinamentos a serem retirados da profundidade da atual crise econômico-financeira internacional, que teve início nos próprios Estados Unidos. Assistimos à falência amplamente reconhecida dos principais fundamentos de natureza teórica e conceitual que dão sustentação ao regime do financismo contemporâneo. Pouco importa, pois o modelo que é considerado um paradigma a ser copiado pelos adeptos da perpetuação da desigualdade é o norte-americano. Não satisfeitos com a trombada da realidade objetiva, ainda assim eles insistem com a restauração da antiga ordem, com a reabilitação do antigo regime.
Ocorre que, para esse pessoal, a incapacidade revelada pela própria crise do mercado em encontrar soluções satisfatórias para os conflitos econômicos pouco importa. O Estado é sempre lento, ineficaz e incompetente. E ponto final! Esse pressuposto vale para os mais variados aspectos da vida social. Desde a oferta de serviços públicos básicos como saúde, educação e previdência. Até a operação de empresas como Petrobrás, Banco do Brasil ou BNDES. E passando por organismos de regulação, como as agências do tipo ANATEL, ANEEL e o Banco Central. É impressionante, mas vira e mexe esse tema volta à baila na agenda da política econômica.
Agora, à medida que avança o debate eleitoral, as candidaturas começam a estabelecer seus limites e revelar suas verdadeiras faces. A questão econômica ganha espaço em razão das dúvidas e incertezas a respeito do que fazer em 2015. E dentre os assuntos preferidos pelos defensores do financismo – sempre a postos! , diga-se de passagem – começa a despontar a tal da independência do Banco Central. Afinal se o “Federal Reserve” (conhecido por Fed, o BC dos Estados Unidos) é mesmo quase independente da Casa Branca, nada mais adequado do que importarmos esse sistema.
As concepções mais conservadoras do fenômeno econômico sempre tentaram emplacar esse tema. Na verdade, trata-se de sua preocupação em como tornar operacional o conceito de “autoridade monetária”. No modelo ideal de funcionamento da economia, algumas variáveis importantes devem ser submetidas a algum tipo de controle. É o caso, por exemplo, da quantidade ofertada de moeda na sociedade e do “preço” dessa mesma mercadoria muito especial – o dinheiro. E que vem a ser a própria taxa de juros, o chamado custo do dinheiro.
Por mais radical que seja o espírito liberal do interlocutor, a maior parte deles ainda aceita a idéia de que a moeda nacional seja um bem cuja responsabilidade é atribuição do Estado. Porém, o próprio sistema capitalista construiu um arcabouço financeiro de tal ordem, que a maior parte da oferta de “moeda” existente na sociedade é criada pelo próprio sistema bancário e demais instituições assemelhadas. O papel moeda tradicional é hoje em dia quase uma curiosidade, uma espécie em extinção. Assim, não basta mais sugerir apenas uma rígida supervisão das rotativas da Casa da Moeda. O controle efetivo sobre os meios de pagamento envolve uma ação mais incisiva da autoridade monetária sobre o universo financeiro.
Por outro lado, a definição da taxa oficial de juros (SELIC, no caso do Brasil de hoje) é também uma função do Banco Central. Ela é usada como referência mínima para a formação das taxas de juros praticadas pelos bancos em suas operações de depósito e de empréstimo. Além disso, é a taxa utilizada para remunerar a dívida pública. O BC pode atuar também no chamado “mercado cambial”, definindo a taxa de câmbio da moeda nacional em sua relação com as dos demais países. Caso deixe esse importante preço de referência ao livre sabor das forças de oferta e demanda, pode ocorrer o fenômeno que tem arrasado a realidade brasileira ao longo dos últimos anos: a sobrevalorização do real e a desindustrialização de nossa economia.
As regras institucionais também atribuem ao BC as funções de órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro. Cabe a ele a definição das condições de concessão de empréstimos e dos limites para a prática das taxas de juros nas operações de crédito. É mais do que sabido a enormidade dos spreads praticados em nossas terras, bem como o absurdo dos níveis das tarifas cobradas pelas instituições em suas relações com a clientela. O chamado “banco dos bancos” deve atuar como uma espécie de xerife do sistema financeiro, defendendo os interesses do conjunto da sociedade contra todo e qualquer tipo de abuso cometido pelos bancos
Pois bem, frente a esse significativo encargo de responsabilidades, nada mais recomendado que a nomeação dos dirigentes dessa instituição seja atribuída à Presidência da República. A indicação de nomes para ocupar essa função ainda passa pela sabatina efetuada pelo Senado Federal, em uma indicação de que o poder legislativo também possa alertar a respeito de algum exagero. No caso brasileiro mais recente, o ex-Presidente Lula contribuiu inclusive para ampliar ainda mais a autonomia existente, ao encaminhar uma Medida Provisória equiparando o cargo ocupado por Henrique Meirelles ao de Ministro da República.
Ocorre que para o financismo esse quadro é pouco; eles querem mais. Não basta a autonomia concedida a um ex-presidente internacional do Bank of Boston, que ficou exatamente 8 anos à frente do BC, atendendo a todos os interesses da banca privada. Um período em que a autoridade monetária governou mais para os bancos e menos para o conjunto da sociedade. Dois mandatos em que as taxas de juros estratosféricas eram definidas pela COPOM sem nenhuma prestação de contas, nem ao governo oe menos ainda à sociedade.
Com o argumento malandro de que o governo pode influenciar “politicamente” na definição da política monetária, o financismo agora pede um pacote completo: deseja a independência do BC. Voltam com a argumentação surrada e mal lavada de que é importante haver “técnicos” não suscetíveis de serem influenciados por quem estiver ocupando o Palácio do Planalto. Mas o presidente do BC deve ser independente de quem, cara pálida? O sonho de consumo da banca é um quadro de dirigentes no comando da autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda que não respondam a ninguém. Ou melhor, que atendam tão somente aos interesses das instituições que deveriam controlar.
Ora, todos sabemos que as decisões e as consequências relativas ao rumo da economia são de natureza absolutamente política. Daí que a responsabilidade por elas deve ser de que tem legitimidade para tanto – o Presidente da República. Não existe isenção ou neutralidade nas decisões de política econômica. Exatamente por sua natureza multidisciplinar, a economia é parte integrante das ciências sociais. Não existe apenas uma alternativa técnica e adequada para cada caminho a se trilhar.
Assim, um desenho institucional que confira independência política e administrativa a seus dirigentes é de uma irresponsabilidade inimaginável. As funções da autoridade monetária são políticas e os responsáveis por elas devem ser passíveis de remoção a qualquer instante. Conceder um mandato com prazo fixo para eles equivale a assinar um cheque em branco para atuarem da forma que bem entenderem. A tecnocracia não tem legitimidade para tanto: ela não foi eleita para nada. Cabe ao dirigente político efetuar a boa escolha de seus assessores de confiança a cada momento. E responder pelos equívocos cometidos.
Não é mera coincidência que as candidaturas de Aécio e Marina incluam este ponto como elemento de destaque. Afinal, os conselheiros econômicos de ambos foram os principais responsáveis pela condução da política econômica no auge do neoliberalismo, durante a gestão de FHC. Estiveram à frente do processo de privatização das empresas estatais, promoveram um importante desmonte do aparelho do Estado, desregulamentaram a economia concedendo todo tipo de facilidades ao chamado “mercado” e aprofundaram a hegemonia do capital financeiro em nosso sistema econômico e social. Agora, ao que tudo indica, pretendem continuar a obra inacabada. Como passaram os últimos 12 anos trabalhando diretamente no interior do financismo, propõem agora a efetivação da independência do BC. Algo como o roteiro de um filme que poderia ter como título
“A volta dos que não foram”.
*Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental
Paulo Kliass*
Ao que tudo indica, ainda não foram suficientes todos os ensinamentos a serem retirados da profundidade da atual crise econômico-financeira internacional, que teve início nos próprios Estados Unidos. Assistimos à falência amplamente reconhecida dos principais fundamentos de natureza teórica e conceitual que dão sustentação ao regime do financismo contemporâneo. Pouco importa, pois o modelo que é considerado um paradigma a ser copiado pelos adeptos da perpetuação da desigualdade é o norte-americano. Não satisfeitos com a trombada da realidade objetiva, ainda assim eles insistem com a restauração da antiga ordem, com a reabilitação do antigo regime.
Ocorre que, para esse pessoal, a incapacidade revelada pela própria crise do mercado em encontrar soluções satisfatórias para os conflitos econômicos pouco importa. O Estado é sempre lento, ineficaz e incompetente. E ponto final! Esse pressuposto vale para os mais variados aspectos da vida social. Desde a oferta de serviços públicos básicos como saúde, educação e previdência. Até a operação de empresas como Petrobrás, Banco do Brasil ou BNDES. E passando por organismos de regulação, como as agências do tipo ANATEL, ANEEL e o Banco Central. É impressionante, mas vira e mexe esse tema volta à baila na agenda da política econômica.
Agora, à medida que avança o debate eleitoral, as candidaturas começam a estabelecer seus limites e revelar suas verdadeiras faces. A questão econômica ganha espaço em razão das dúvidas e incertezas a respeito do que fazer em 2015. E dentre os assuntos preferidos pelos defensores do financismo – sempre a postos! , diga-se de passagem – começa a despontar a tal da independência do Banco Central. Afinal se o “Federal Reserve” (conhecido por Fed, o BC dos Estados Unidos) é mesmo quase independente da Casa Branca, nada mais adequado do que importarmos esse sistema.
As concepções mais conservadoras do fenômeno econômico sempre tentaram emplacar esse tema. Na verdade, trata-se de sua preocupação em como tornar operacional o conceito de “autoridade monetária”. No modelo ideal de funcionamento da economia, algumas variáveis importantes devem ser submetidas a algum tipo de controle. É o caso, por exemplo, da quantidade ofertada de moeda na sociedade e do “preço” dessa mesma mercadoria muito especial – o dinheiro. E que vem a ser a própria taxa de juros, o chamado custo do dinheiro.
Por mais radical que seja o espírito liberal do interlocutor, a maior parte deles ainda aceita a idéia de que a moeda nacional seja um bem cuja responsabilidade é atribuição do Estado. Porém, o próprio sistema capitalista construiu um arcabouço financeiro de tal ordem, que a maior parte da oferta de “moeda” existente na sociedade é criada pelo próprio sistema bancário e demais instituições assemelhadas. O papel moeda tradicional é hoje em dia quase uma curiosidade, uma espécie em extinção. Assim, não basta mais sugerir apenas uma rígida supervisão das rotativas da Casa da Moeda. O controle efetivo sobre os meios de pagamento envolve uma ação mais incisiva da autoridade monetária sobre o universo financeiro.
Por outro lado, a definição da taxa oficial de juros (SELIC, no caso do Brasil de hoje) é também uma função do Banco Central. Ela é usada como referência mínima para a formação das taxas de juros praticadas pelos bancos em suas operações de depósito e de empréstimo. Além disso, é a taxa utilizada para remunerar a dívida pública. O BC pode atuar também no chamado “mercado cambial”, definindo a taxa de câmbio da moeda nacional em sua relação com as dos demais países. Caso deixe esse importante preço de referência ao livre sabor das forças de oferta e demanda, pode ocorrer o fenômeno que tem arrasado a realidade brasileira ao longo dos últimos anos: a sobrevalorização do real e a desindustrialização de nossa economia.
As regras institucionais também atribuem ao BC as funções de órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro. Cabe a ele a definição das condições de concessão de empréstimos e dos limites para a prática das taxas de juros nas operações de crédito. É mais do que sabido a enormidade dos spreads praticados em nossas terras, bem como o absurdo dos níveis das tarifas cobradas pelas instituições em suas relações com a clientela. O chamado “banco dos bancos” deve atuar como uma espécie de xerife do sistema financeiro, defendendo os interesses do conjunto da sociedade contra todo e qualquer tipo de abuso cometido pelos bancos
Pois bem, frente a esse significativo encargo de responsabilidades, nada mais recomendado que a nomeação dos dirigentes dessa instituição seja atribuída à Presidência da República. A indicação de nomes para ocupar essa função ainda passa pela sabatina efetuada pelo Senado Federal, em uma indicação de que o poder legislativo também possa alertar a respeito de algum exagero. No caso brasileiro mais recente, o ex-Presidente Lula contribuiu inclusive para ampliar ainda mais a autonomia existente, ao encaminhar uma Medida Provisória equiparando o cargo ocupado por Henrique Meirelles ao de Ministro da República.
Ocorre que para o financismo esse quadro é pouco; eles querem mais. Não basta a autonomia concedida a um ex-presidente internacional do Bank of Boston, que ficou exatamente 8 anos à frente do BC, atendendo a todos os interesses da banca privada. Um período em que a autoridade monetária governou mais para os bancos e menos para o conjunto da sociedade. Dois mandatos em que as taxas de juros estratosféricas eram definidas pela COPOM sem nenhuma prestação de contas, nem ao governo oe menos ainda à sociedade.
Com o argumento malandro de que o governo pode influenciar “politicamente” na definição da política monetária, o financismo agora pede um pacote completo: deseja a independência do BC. Voltam com a argumentação surrada e mal lavada de que é importante haver “técnicos” não suscetíveis de serem influenciados por quem estiver ocupando o Palácio do Planalto. Mas o presidente do BC deve ser independente de quem, cara pálida? O sonho de consumo da banca é um quadro de dirigentes no comando da autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda que não respondam a ninguém. Ou melhor, que atendam tão somente aos interesses das instituições que deveriam controlar.
Ora, todos sabemos que as decisões e as consequências relativas ao rumo da economia são de natureza absolutamente política. Daí que a responsabilidade por elas deve ser de que tem legitimidade para tanto – o Presidente da República. Não existe isenção ou neutralidade nas decisões de política econômica. Exatamente por sua natureza multidisciplinar, a economia é parte integrante das ciências sociais. Não existe apenas uma alternativa técnica e adequada para cada caminho a se trilhar.
Assim, um desenho institucional que confira independência política e administrativa a seus dirigentes é de uma irresponsabilidade inimaginável. As funções da autoridade monetária são políticas e os responsáveis por elas devem ser passíveis de remoção a qualquer instante. Conceder um mandato com prazo fixo para eles equivale a assinar um cheque em branco para atuarem da forma que bem entenderem. A tecnocracia não tem legitimidade para tanto: ela não foi eleita para nada. Cabe ao dirigente político efetuar a boa escolha de seus assessores de confiança a cada momento. E responder pelos equívocos cometidos.
Não é mera coincidência que as candidaturas de Aécio e Marina incluam este ponto como elemento de destaque. Afinal, os conselheiros econômicos de ambos foram os principais responsáveis pela condução da política econômica no auge do neoliberalismo, durante a gestão de FHC. Estiveram à frente do processo de privatização das empresas estatais, promoveram um importante desmonte do aparelho do Estado, desregulamentaram a economia concedendo todo tipo de facilidades ao chamado “mercado” e aprofundaram a hegemonia do capital financeiro em nosso sistema econômico e social. Agora, ao que tudo indica, pretendem continuar a obra inacabada. Como passaram os últimos 12 anos trabalhando diretamente no interior do financismo, propõem agora a efetivação da independência do BC. Algo como o roteiro de um filme que poderia ter como título
“A volta dos que não foram”.
*Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental
sexta-feira, agosto 29, 2014
Pochmann diz que proposta de Marina e Aécio para BC prejudica democracia
Da Rede Brasil Atual – RBA
O economista e presidente da Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann, considera que as propostas de autonomia do Banco Central são prejudiciais à democracia brasileira, ainda em construção, e que é fundamental que a população possa influenciar diretamente nas ações de controle do sistema financeiro.
“É difícil imaginar um país que conceda na lei uma autonomia ao Banco Central. Isso a meu ver compromete ainda mais a democracia porque o povo trabalhador sempre tem poucas oportunidades de manifestar sua opinião”, avaliou Pochmann em seu comentário de desta quarta-feira (27), à Rádio Brasil Atual. “A eleição é uma demonstração de opinião, de consciência do povo. O núcleo estratégico de um governo passa a ser autônomo, sem ter voto, sem ter participação popular. Isso, obviamente, dá uma oportunidade adicional para ser um núcleo que termina contaminado pelos interesses econômicos predominantes no país.”
Entre os três principais candidatos à presidência da República, dois, Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB), defendem a independência do Banco Central em relação ao controle do Estado, ao passo que Dilma Rousseff (PT), que disputa a reeleição, entende que é fundamental que exista poder do governo de influenciar nas escolhas de diretores e em temas como câmbio e taxa de juros, ainda que exista autonomia operacional. Hoje, o presidenta da República é responsável pela indicação da diretoria do BC.
Pelas propostas de Aécio e Marina, o BC continuaria a ter presidente e diretores nomeados pelo chefe de Estado, mas com um mandato de seis anos que só poderia ser revogado em caso de envolvimento em corrupção, e não mais por atuar em dissonância com as linhas prioritárias de determinado governo. Os principais assessores econômicos dos dois candidatos, Armínio Fraga e Eduardo Giannetti, entendem que a independência deixaria a entidade de controle do sistema financeiro a salvo de pressões e oscilações políticas. Também a coordenadora-geral de campanha de Marina, Neca Setúbal, uma das herdeiras do banco Itaú, defende a proposta de tornar o BC mais alinhado a instituições financeiras como a que ela comanda.
Quem discorda desta linha de pensamento, porém, avalia que a proclamada independência simplesmente deixa o Banco Central exposto às decisões do mercado financeiro. Segundo esse ponto de vista, o governo não pode prescindir da autoridade monetária. “É fundamental que a população continue tendo participação, o poder de tirar e colocar pessoas, porque é para isso que serve a democracia, é para isso que a política é constituída: para servir à população, e não o contrário”, adverte Pochmann.
Contexto
Nos últimos meses corporações do mundo das finanças têm feito campanha contra Dilma. Além da presença de herdeira do Itaú como braço direito de Marina, o Santander enviou recentemente cartilha a clientes na qual associa a uma derrota da petista uma melhora nos investimentos em empresas estatais com ações cotadas em bolsa. O banco espanhol afirmou ter se tratado de atitude isolada, conduzida por um grupo de analistas demitidos em seguida, mas o texto de recomendação de investimento não funcionou como caso isolado: várias consultorias passaram a apostar que um triunfo da oposição nas urnas será bom para ganhar dinheiro com as empresas públicas, e algumas falaram em cenário catastrófico em caso de vitória da petista.
Uma das explicações para os humores do mercado, que acaba se refletindo em expectativas negativas entre a população como um todo, pode estar na taxa de juros. No segundo ano do governo Dilma, o BC levou a Selic a 7,25% ao ano, o nível mais baixo da história. Depois disso, as taxas voltaram a subir, até o patamar atual, de 11%. Mas, na visão de Pochmann, as instituições não perdoaram ter a margem de lucro reduzida pela remuneração que o governo dá ao setor financeiro – a taxa de juros baliza a remuneração pelos títulos da dívida pública.
“A posição diametralmente oposta à do governo, expressa por uma parte dos bancos, é de que embora estejam ganhando muito, estão ganhando menos”, avalia. Ele apresenta o cálculo de que, em 2002, ao final do governo de Fernando Henrique Cardoso, o governo entregava ao setor financeiro o equivalente a 14,2% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto no ano passado repassou 5,7% do PIB. A diferença se explica, entre outros fatores, pelo patamar da taxa de juros, que chegou a 45% na gestão de Armínio Fraga à frente do Banco Central, encerrada com uma Selic de 22% ao ano. “Os bancos não tiveram perdas, mas deixaram de ganhar uma parte, e essa parte que deixaram de ganhar foi direcionada para políticas públicas, política de investimento público, transferência de renda, salário mínimo.”
O economista e presidente da Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann, considera que as propostas de autonomia do Banco Central são prejudiciais à democracia brasileira, ainda em construção, e que é fundamental que a população possa influenciar diretamente nas ações de controle do sistema financeiro.
“É difícil imaginar um país que conceda na lei uma autonomia ao Banco Central. Isso a meu ver compromete ainda mais a democracia porque o povo trabalhador sempre tem poucas oportunidades de manifestar sua opinião”, avaliou Pochmann em seu comentário de desta quarta-feira (27), à Rádio Brasil Atual. “A eleição é uma demonstração de opinião, de consciência do povo. O núcleo estratégico de um governo passa a ser autônomo, sem ter voto, sem ter participação popular. Isso, obviamente, dá uma oportunidade adicional para ser um núcleo que termina contaminado pelos interesses econômicos predominantes no país.”
Entre os três principais candidatos à presidência da República, dois, Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB), defendem a independência do Banco Central em relação ao controle do Estado, ao passo que Dilma Rousseff (PT), que disputa a reeleição, entende que é fundamental que exista poder do governo de influenciar nas escolhas de diretores e em temas como câmbio e taxa de juros, ainda que exista autonomia operacional. Hoje, o presidenta da República é responsável pela indicação da diretoria do BC.
Pelas propostas de Aécio e Marina, o BC continuaria a ter presidente e diretores nomeados pelo chefe de Estado, mas com um mandato de seis anos que só poderia ser revogado em caso de envolvimento em corrupção, e não mais por atuar em dissonância com as linhas prioritárias de determinado governo. Os principais assessores econômicos dos dois candidatos, Armínio Fraga e Eduardo Giannetti, entendem que a independência deixaria a entidade de controle do sistema financeiro a salvo de pressões e oscilações políticas. Também a coordenadora-geral de campanha de Marina, Neca Setúbal, uma das herdeiras do banco Itaú, defende a proposta de tornar o BC mais alinhado a instituições financeiras como a que ela comanda.
Quem discorda desta linha de pensamento, porém, avalia que a proclamada independência simplesmente deixa o Banco Central exposto às decisões do mercado financeiro. Segundo esse ponto de vista, o governo não pode prescindir da autoridade monetária. “É fundamental que a população continue tendo participação, o poder de tirar e colocar pessoas, porque é para isso que serve a democracia, é para isso que a política é constituída: para servir à população, e não o contrário”, adverte Pochmann.
Contexto
Nos últimos meses corporações do mundo das finanças têm feito campanha contra Dilma. Além da presença de herdeira do Itaú como braço direito de Marina, o Santander enviou recentemente cartilha a clientes na qual associa a uma derrota da petista uma melhora nos investimentos em empresas estatais com ações cotadas em bolsa. O banco espanhol afirmou ter se tratado de atitude isolada, conduzida por um grupo de analistas demitidos em seguida, mas o texto de recomendação de investimento não funcionou como caso isolado: várias consultorias passaram a apostar que um triunfo da oposição nas urnas será bom para ganhar dinheiro com as empresas públicas, e algumas falaram em cenário catastrófico em caso de vitória da petista.
Uma das explicações para os humores do mercado, que acaba se refletindo em expectativas negativas entre a população como um todo, pode estar na taxa de juros. No segundo ano do governo Dilma, o BC levou a Selic a 7,25% ao ano, o nível mais baixo da história. Depois disso, as taxas voltaram a subir, até o patamar atual, de 11%. Mas, na visão de Pochmann, as instituições não perdoaram ter a margem de lucro reduzida pela remuneração que o governo dá ao setor financeiro – a taxa de juros baliza a remuneração pelos títulos da dívida pública.
“A posição diametralmente oposta à do governo, expressa por uma parte dos bancos, é de que embora estejam ganhando muito, estão ganhando menos”, avalia. Ele apresenta o cálculo de que, em 2002, ao final do governo de Fernando Henrique Cardoso, o governo entregava ao setor financeiro o equivalente a 14,2% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto no ano passado repassou 5,7% do PIB. A diferença se explica, entre outros fatores, pelo patamar da taxa de juros, que chegou a 45% na gestão de Armínio Fraga à frente do Banco Central, encerrada com uma Selic de 22% ao ano. “Os bancos não tiveram perdas, mas deixaram de ganhar uma parte, e essa parte que deixaram de ganhar foi direcionada para políticas públicas, política de investimento público, transferência de renda, salário mínimo.”
sexta-feira, agosto 15, 2014
LEBLON: PARA MERCADO, BLABLÁ É A JANELA DE OPORTUNIDADE
O declínio de Aécio e a morte trágica de Campos abriu para o mercado aquilo que seus operadores classificam como uma janela de oportunidade.
O Conversa Afiada reproduz editorial de Saul Leblon, extraído da Carta Maior:
TRAGÉDIA E DESESPERO
O declínio de Aécio e a morte trágica de Campos abriu para o mercado aquilo que seus operadores classificam como uma janela de oportunidade.
por: Saul Leblon
A tragédia que tirou a vida de Eduardo Campos explodiu na política brasileira em vários sentidos. Mas também em nossa cabeça ao pulsar zonas involuntariamente congeladas onde hiberna a pedagogia que existe na dor.
O imponderável da história cobra penitência do menosprezo nessas horas.
Dimensão desdenhada pela atribulação e/ou a soberba , as rupturas pessoais ou coletivas imprimem transparência curta, mas vertiginosa, à impostura das miudezas que se avocam em pétreas balizas do presente e do futuro, até emergir o rosto da catástrofe.
A finitude humana precisa ser abstraída para permitir sentido à existência social, retruca o instinto de sobrevivência. Nesse desvão o capitalismo naturaliza e arrancha as leis de mercado nas formas de viver e de produzir, anestesiando a alma e o cotidiano da sociedade.
Permuta-se angústia existencial por compulsão comercial.
Consumir para existir.
E vice-versa.
A circularidade é autossustentável.
Não é a consciência que determina a vida; a vida determina a consciência. E nela o limite do cartão de crédito é mais sagrado que o tesouro fátuo da existência.
Diante da natureza humana intrinsecamente cultural o capitalismo não se contenta com menos do que ser a respiração dessa segunda pele.
Libertá-la da servidão seria o papel da política, entendida como ponto de fusão entre a filosofia e a economia, entre a luta pela sobrevivência e a realização do potencial humano.
Para ser ruptura sem ser tragédia a política deve escancarar nas mercadorias que nos cercam as relações econômicas que nos aprisionam.
Nessa condição se torna a consciência histórica da existência social para identificar na ‘forma fantasmagórica de uma relação entre coisas’ aquilo que, na verdade, é uma relação social determinada entre os homens.
Ou seja, os produtos do engenho humano não tem ‘vontade própria’, os mercados não são racionais e os seres humanos não são objetos a serem explorados uns pelos outros.
Romper o lacre do fetiche que nos circunda e subjula: essa é a emancipação que se espera da política.
O impacto desse 13 de agosto na política brasileira ajuda a enxergar, nas breves horas que correm, o abastardamento dessa dimensão libertadora que ela deveria ter.
Em primeiro lugar, avulta a sofreguidão dos que buscam uma tapagem.
Qual? Qualquer uma desde que conjure o risco, por modesto que seja, de um passo miúdo em direção oposta à hegemonia ‘da coisa’ humanizada sobre os ‘sujeitos’ coisificados .
O mercado desabou quando soaram as primeiras informações sobre o desastre aéreo ocorrido manhã de 4ª feira em Santos.
Não porque o ex-governador Eduardo Campos estivesse entre os mortos. Mercados não choram.
Mas pelo temor de que Marina Silva não se incluísse mais entre os vivos.
Subiu, em seguida, quando se confirmou que a ex-ministra teria viajado em outro avião, de carreira.
Não porque o mercado alimente em relação a ela simpatias ideológicas ou empatias pessoais. O valor da natureza para o mercado é aquele atingido pelas commodities em Chicago.
Na nervosa preocupação manifestada com a sorte de Marina pulsava na verdade a grande confissão escancarada pela tragédia desta 4ª feira: ninguém acredita mais em Aécio no mercado.
Comprado inicialmente como o engate capaz de reconduziu os centuriões do dinheiro ao comando do Estado, o tucano depreciou-se como um avião em pane na calculadora de seus fiadores.
Desde que derrapou no aeroporto do tio Múcio, em Claudio (MG), e não mais se levantou, deixou evidente sua limitação política, moral e intelectual para levar a bom termo o roteiro contratado.
No rescaldo da tragédia de 4ª feira, o conservadorismo em peso intima Marina a se oferecer como escada para levar o projeto neoliberal ao segundo turno contra Dilma.
Colunistas do dispositivo conservador evocam os astros na tentativa de sensibilizar o messianismo : ‘Presidência é destino’, sentenciam sacudindo com as mãos os ombros magros de Marina.
Dela não se espera nada, exceto isso: ser o suporte capaz de comboiar os centuriões do mercado que patinavam no chão mole escavado por um Aécio.
Essa a dimensão de sua sobrevivência que preocupava os mercados num primeiro momento.
No mesmo dia em que um vento traiçoeiro selava a carreira política de Eduardo Campos, um fórum em São Paulo reunia a fina flor dos interesses que agora assediam Marina Silva a ‘cumprir o seu destino’.
Organizado por uma revista de economia, no Hote Unique, na capital paulista, o evento que previa a participação de Campos, teve como debatedores, entre outros, José Berenguer , presidente Banco JP Morgan; Paulo Leme, presidente do Conselho de Administração do Banco Goldman Sachs e Armínio Fraga, representante de Aécio Neves.
O consenso das intervenções condensa a única plataforma que de fato interessa do ponto de vista do conservadorismo.
Aquela que restaura a supremacia dos mercados sobre os tímidos passos dados nos últimos anos em direção a uma democracia social que coordene os rumos da economia e o destino da sociedade.
A saber: tarifaço nos serviços sem compensação salarial; câmbio livre e arrocho fiscal; alta de juros para devolver a inflação à meta e elevar o superávit primário.
Uma agenda à procura de um portador eleitoralmente capaz de leva-la ao segundo turno da disputa presidencial de outubro.
O declínio de Aécio e a morte trágica de Eduardo Campos abriu para o mercado aquilo que seus operadores costumam classificar como ‘uma janela de oportunidade’.
A janela é Marina.
A oportunidade é fazer dela o cavalo de Tróia da restauração neoliberal no Brasil.
Falta combinar com a ex-senadora que um dia foi parceira de Chico Mendes, fundadora do PT e referência da esquerda na luta ambiental.
Façam suas apostas, a roleta vai girar. E tem muito dinheiro em jogo nessa rodada.
O Conversa Afiada reproduz editorial de Saul Leblon, extraído da Carta Maior:
TRAGÉDIA E DESESPERO
O declínio de Aécio e a morte trágica de Campos abriu para o mercado aquilo que seus operadores classificam como uma janela de oportunidade.
por: Saul Leblon
A tragédia que tirou a vida de Eduardo Campos explodiu na política brasileira em vários sentidos. Mas também em nossa cabeça ao pulsar zonas involuntariamente congeladas onde hiberna a pedagogia que existe na dor.
O imponderável da história cobra penitência do menosprezo nessas horas.
Dimensão desdenhada pela atribulação e/ou a soberba , as rupturas pessoais ou coletivas imprimem transparência curta, mas vertiginosa, à impostura das miudezas que se avocam em pétreas balizas do presente e do futuro, até emergir o rosto da catástrofe.
A finitude humana precisa ser abstraída para permitir sentido à existência social, retruca o instinto de sobrevivência. Nesse desvão o capitalismo naturaliza e arrancha as leis de mercado nas formas de viver e de produzir, anestesiando a alma e o cotidiano da sociedade.
Permuta-se angústia existencial por compulsão comercial.
Consumir para existir.
E vice-versa.
A circularidade é autossustentável.
Não é a consciência que determina a vida; a vida determina a consciência. E nela o limite do cartão de crédito é mais sagrado que o tesouro fátuo da existência.
Diante da natureza humana intrinsecamente cultural o capitalismo não se contenta com menos do que ser a respiração dessa segunda pele.
Libertá-la da servidão seria o papel da política, entendida como ponto de fusão entre a filosofia e a economia, entre a luta pela sobrevivência e a realização do potencial humano.
Para ser ruptura sem ser tragédia a política deve escancarar nas mercadorias que nos cercam as relações econômicas que nos aprisionam.
Nessa condição se torna a consciência histórica da existência social para identificar na ‘forma fantasmagórica de uma relação entre coisas’ aquilo que, na verdade, é uma relação social determinada entre os homens.
Ou seja, os produtos do engenho humano não tem ‘vontade própria’, os mercados não são racionais e os seres humanos não são objetos a serem explorados uns pelos outros.
Romper o lacre do fetiche que nos circunda e subjula: essa é a emancipação que se espera da política.
O impacto desse 13 de agosto na política brasileira ajuda a enxergar, nas breves horas que correm, o abastardamento dessa dimensão libertadora que ela deveria ter.
Em primeiro lugar, avulta a sofreguidão dos que buscam uma tapagem.
Qual? Qualquer uma desde que conjure o risco, por modesto que seja, de um passo miúdo em direção oposta à hegemonia ‘da coisa’ humanizada sobre os ‘sujeitos’ coisificados .
O mercado desabou quando soaram as primeiras informações sobre o desastre aéreo ocorrido manhã de 4ª feira em Santos.
Não porque o ex-governador Eduardo Campos estivesse entre os mortos. Mercados não choram.
Mas pelo temor de que Marina Silva não se incluísse mais entre os vivos.
Subiu, em seguida, quando se confirmou que a ex-ministra teria viajado em outro avião, de carreira.
Não porque o mercado alimente em relação a ela simpatias ideológicas ou empatias pessoais. O valor da natureza para o mercado é aquele atingido pelas commodities em Chicago.
Na nervosa preocupação manifestada com a sorte de Marina pulsava na verdade a grande confissão escancarada pela tragédia desta 4ª feira: ninguém acredita mais em Aécio no mercado.
Comprado inicialmente como o engate capaz de reconduziu os centuriões do dinheiro ao comando do Estado, o tucano depreciou-se como um avião em pane na calculadora de seus fiadores.
Desde que derrapou no aeroporto do tio Múcio, em Claudio (MG), e não mais se levantou, deixou evidente sua limitação política, moral e intelectual para levar a bom termo o roteiro contratado.
No rescaldo da tragédia de 4ª feira, o conservadorismo em peso intima Marina a se oferecer como escada para levar o projeto neoliberal ao segundo turno contra Dilma.
Colunistas do dispositivo conservador evocam os astros na tentativa de sensibilizar o messianismo : ‘Presidência é destino’, sentenciam sacudindo com as mãos os ombros magros de Marina.
Dela não se espera nada, exceto isso: ser o suporte capaz de comboiar os centuriões do mercado que patinavam no chão mole escavado por um Aécio.
Essa a dimensão de sua sobrevivência que preocupava os mercados num primeiro momento.
No mesmo dia em que um vento traiçoeiro selava a carreira política de Eduardo Campos, um fórum em São Paulo reunia a fina flor dos interesses que agora assediam Marina Silva a ‘cumprir o seu destino’.
Organizado por uma revista de economia, no Hote Unique, na capital paulista, o evento que previa a participação de Campos, teve como debatedores, entre outros, José Berenguer , presidente Banco JP Morgan; Paulo Leme, presidente do Conselho de Administração do Banco Goldman Sachs e Armínio Fraga, representante de Aécio Neves.
O consenso das intervenções condensa a única plataforma que de fato interessa do ponto de vista do conservadorismo.
Aquela que restaura a supremacia dos mercados sobre os tímidos passos dados nos últimos anos em direção a uma democracia social que coordene os rumos da economia e o destino da sociedade.
A saber: tarifaço nos serviços sem compensação salarial; câmbio livre e arrocho fiscal; alta de juros para devolver a inflação à meta e elevar o superávit primário.
Uma agenda à procura de um portador eleitoralmente capaz de leva-la ao segundo turno da disputa presidencial de outubro.
O declínio de Aécio e a morte trágica de Eduardo Campos abriu para o mercado aquilo que seus operadores costumam classificar como ‘uma janela de oportunidade’.
A janela é Marina.
A oportunidade é fazer dela o cavalo de Tróia da restauração neoliberal no Brasil.
Falta combinar com a ex-senadora que um dia foi parceira de Chico Mendes, fundadora do PT e referência da esquerda na luta ambiental.
Façam suas apostas, a roleta vai girar. E tem muito dinheiro em jogo nessa rodada.
Há que fazer
ESCRITO POR AMIR KHAIR
O modelo econômico que vem sendo adotado no país desde o Plano Real é o de subordinar as decisões econômicas ao fantasma da inflação, apesar de ter passado vinte anos de vida deste plano.
Para combater a inflação, o Banco Central usa dois instrumentos principais: baixa liquidez e alta taxa básica de juros. A primeira, uma das mais baixas do mundo, exerce a função de encarecer o crédito para esfriar o consumo. A segunda atrai o capital especulativo internacional inundando o mercado de dólares e, com isso, apreciando o câmbio para baratear as importações. Só de juros esse capital leva US$ 10 bilhões todo ano e os sucessivos governos vivem cortejando-o, com Selic elevada e isentando-o de impostos.
O Plano Real deu certo ao baratear as importações, fazendo o câmbio apreciar. Contribuiu mais ainda para baratear as importações a decisão, pouco lembrada, do então ministro da Fazenda Ciro Gomes, que numa canetada derrubou as tarifas de importação. O Plano Real sem isso poderia fracassar.
A âncora cambial é o instrumento que o Banco Central adota para segurar os preços internos barrados pelos externos que são subsidiados pelo câmbio irreal. A consequência dessa política de controle da inflação é jogar no lixo qualquer tentativa de crescimento econômico, pois a expansão do consumo das famílias acaba sendo atendida em boa parte pelo produto importado, o que reduz o Produto Interno Bruto.
Para retomar o crescimento é necessário mudar esse modelo econômico, deixando de subordiná-lo à política de controle inflacionário. Não significa, no entanto, que se deixará de preocupar com o controle da inflação. Pelo contrário, esse controle se fará sem jogar por terra o crescimento econômico. E isso é possível? Creio que sim. Vejamos.
A maior parte dos países no mundo consegue conviver com razoável crescimento econômico e baixa inflação. A globalização deu golpe mortal na escalada sem controle de preços devido ao acirramento da concorrência. Não há mais casos de hiperinflação como antigamente. Além disso, avanços no comércio eletrônico, ainda pouco usado por aqui, e na logística tendem a puxar os preços para baixo. Os consumidores são beneficiados ao verem ampliadas suas opções de compra.
Esse processo está longe de ser esgotado e a tendência é continuar a expansão do comércio eletrônico, os avanços tecnológicos e logísticos, buscando atender às exigências crescentes dos consumidores. Há busca frenética por redução de custos e preços em escala internacional.
Por aqui, ao invés de contenção da demanda para conter a inflação, que tem sido o carro chefe da visão monetarista, o que se impõe é a elevação da oferta pelo estímulo ao investimento e à produção. O realismo cambial cumpre papel importante no rol de estímulos à produção.
Competir no mercado brasileiro tendo o empresário contra si a alta carga tributária e de juros, a burocracia em excesso e insumos básicos com preços bem acima do padrão internacional é missão ingrata. Se ainda por cima é encurralado pelo câmbio, esse empresário tem que jogar a toalha na lona e cair fora para escapar da falência. Não há inovação nem produtividade que resistam a esse ambiente.
O combate à inflação tem de ser feito não pela contenção do consumo, mas, sim, pela ampliação da oferta, que só se consegue com políticas firmes de estímulo ao crescimento e de redução dos custos de produção, com destaque para preços mais competitivos nos insumos básicos. O que envolve nova política tarifária para a importação, expondo os monopólios que dominam esses insumos à competição internacional. Chega de proteção do governo a eles.
É fundamental na política de crescimento econômico e de controle da inflação saber usar da vantagem estratégica de que dispõe o país na produção de alimentos. Ao se reduzirem seus preços, amplia-se o poder de compra de vastas camadas da população, que passam a consumir mais e melhor e, com isso, atraem a oferta e geram produção e investimento. O preço dos alimentos nos últimos quatro anos cresceu 9% por ano e elevou o IPCA em 2,2 pontos percentuais, numa inflação média anual nesse período de 6%, ou seja, 37% da inflação. Caso isso não tivesse ocorrido, a inflação média no período teria sido de 3,8% (!), abaixo do centro da meta de 4,5%.
Existem várias políticas de redução de preços dos alimentos. Entre elas as exitosas em várias prefeituras que procuram aproximar produtores de consumidores eliminando/reduzindo a intermediação onerosa que responde por parcela importante dos preços. Trata-se de estimular políticas de abastecimento em nível local e aí devem ser cobrados os prefeitos que ainda não se preocuparam com a questão do abastecimento. O resultado dessa política traz maior ganho ao produtor e menor preço ao consumidor.
Os governadores de estado devem ser cobrados pelo excesso que causa nos preços o pior tributo do país, que é o ICMS, com alíquotas elevadas. Majoram entre 20% e 40% os preços dos alimentos, vestuário e demais produtos de consumo, além das contas de telefone, energia elétrica, gasolina, diesel e demais combustíveis.
Outra política de combate à inflação e, mais importante ainda, de redução dos preços da economia, é atuar na redução de custos comerciais, financeiros e tributários nos bens e serviços que afetam o orçamento doméstico de amplas camadas da população. Além dos alimentos, o transporte coletivo, a moradia, os medicamentos etc. Ao se reduzirem custos, há o impacto sobre os preços e se abre o espaço para novos consumos, o que ativa o crescimento.
Enfim, não faltam políticas de fácil e rápida implementação que podem permitir o relançamento da economia com maior estabilidade de preços. Há que fazer!
Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor.
O modelo econômico que vem sendo adotado no país desde o Plano Real é o de subordinar as decisões econômicas ao fantasma da inflação, apesar de ter passado vinte anos de vida deste plano.
Para combater a inflação, o Banco Central usa dois instrumentos principais: baixa liquidez e alta taxa básica de juros. A primeira, uma das mais baixas do mundo, exerce a função de encarecer o crédito para esfriar o consumo. A segunda atrai o capital especulativo internacional inundando o mercado de dólares e, com isso, apreciando o câmbio para baratear as importações. Só de juros esse capital leva US$ 10 bilhões todo ano e os sucessivos governos vivem cortejando-o, com Selic elevada e isentando-o de impostos.
O Plano Real deu certo ao baratear as importações, fazendo o câmbio apreciar. Contribuiu mais ainda para baratear as importações a decisão, pouco lembrada, do então ministro da Fazenda Ciro Gomes, que numa canetada derrubou as tarifas de importação. O Plano Real sem isso poderia fracassar.
A âncora cambial é o instrumento que o Banco Central adota para segurar os preços internos barrados pelos externos que são subsidiados pelo câmbio irreal. A consequência dessa política de controle da inflação é jogar no lixo qualquer tentativa de crescimento econômico, pois a expansão do consumo das famílias acaba sendo atendida em boa parte pelo produto importado, o que reduz o Produto Interno Bruto.
Para retomar o crescimento é necessário mudar esse modelo econômico, deixando de subordiná-lo à política de controle inflacionário. Não significa, no entanto, que se deixará de preocupar com o controle da inflação. Pelo contrário, esse controle se fará sem jogar por terra o crescimento econômico. E isso é possível? Creio que sim. Vejamos.
A maior parte dos países no mundo consegue conviver com razoável crescimento econômico e baixa inflação. A globalização deu golpe mortal na escalada sem controle de preços devido ao acirramento da concorrência. Não há mais casos de hiperinflação como antigamente. Além disso, avanços no comércio eletrônico, ainda pouco usado por aqui, e na logística tendem a puxar os preços para baixo. Os consumidores são beneficiados ao verem ampliadas suas opções de compra.
Esse processo está longe de ser esgotado e a tendência é continuar a expansão do comércio eletrônico, os avanços tecnológicos e logísticos, buscando atender às exigências crescentes dos consumidores. Há busca frenética por redução de custos e preços em escala internacional.
Por aqui, ao invés de contenção da demanda para conter a inflação, que tem sido o carro chefe da visão monetarista, o que se impõe é a elevação da oferta pelo estímulo ao investimento e à produção. O realismo cambial cumpre papel importante no rol de estímulos à produção.
Competir no mercado brasileiro tendo o empresário contra si a alta carga tributária e de juros, a burocracia em excesso e insumos básicos com preços bem acima do padrão internacional é missão ingrata. Se ainda por cima é encurralado pelo câmbio, esse empresário tem que jogar a toalha na lona e cair fora para escapar da falência. Não há inovação nem produtividade que resistam a esse ambiente.
O combate à inflação tem de ser feito não pela contenção do consumo, mas, sim, pela ampliação da oferta, que só se consegue com políticas firmes de estímulo ao crescimento e de redução dos custos de produção, com destaque para preços mais competitivos nos insumos básicos. O que envolve nova política tarifária para a importação, expondo os monopólios que dominam esses insumos à competição internacional. Chega de proteção do governo a eles.
É fundamental na política de crescimento econômico e de controle da inflação saber usar da vantagem estratégica de que dispõe o país na produção de alimentos. Ao se reduzirem seus preços, amplia-se o poder de compra de vastas camadas da população, que passam a consumir mais e melhor e, com isso, atraem a oferta e geram produção e investimento. O preço dos alimentos nos últimos quatro anos cresceu 9% por ano e elevou o IPCA em 2,2 pontos percentuais, numa inflação média anual nesse período de 6%, ou seja, 37% da inflação. Caso isso não tivesse ocorrido, a inflação média no período teria sido de 3,8% (!), abaixo do centro da meta de 4,5%.
Existem várias políticas de redução de preços dos alimentos. Entre elas as exitosas em várias prefeituras que procuram aproximar produtores de consumidores eliminando/reduzindo a intermediação onerosa que responde por parcela importante dos preços. Trata-se de estimular políticas de abastecimento em nível local e aí devem ser cobrados os prefeitos que ainda não se preocuparam com a questão do abastecimento. O resultado dessa política traz maior ganho ao produtor e menor preço ao consumidor.
Os governadores de estado devem ser cobrados pelo excesso que causa nos preços o pior tributo do país, que é o ICMS, com alíquotas elevadas. Majoram entre 20% e 40% os preços dos alimentos, vestuário e demais produtos de consumo, além das contas de telefone, energia elétrica, gasolina, diesel e demais combustíveis.
Outra política de combate à inflação e, mais importante ainda, de redução dos preços da economia, é atuar na redução de custos comerciais, financeiros e tributários nos bens e serviços que afetam o orçamento doméstico de amplas camadas da população. Além dos alimentos, o transporte coletivo, a moradia, os medicamentos etc. Ao se reduzirem custos, há o impacto sobre os preços e se abre o espaço para novos consumos, o que ativa o crescimento.
Enfim, não faltam políticas de fácil e rápida implementação que podem permitir o relançamento da economia com maior estabilidade de preços. Há que fazer!
Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor.
terça-feira, agosto 12, 2014
sexta-feira, julho 11, 2014
Com banco e fundo anticrise, Brics quer alternativa a FMI e Banco Mundial
Mesmo após a Copa, o Brasil continuará no foco internacional, com o encontro de cúpula do Brics. Em debate estará a criação de mecanismos de apoio a países emergentes.
A criação de um banco de desenvolvimento e de um fundo de reserva alternativo – uma espécie de fundo anticrise – são os projetos mais importantes nos três dias do próximo encontro dos líderes do grupo Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – que começa nesta segunda-feira (14/07) em Fortaleza e, depois, prossegue em Brasília.
"A criação dessas instituições financeiras mostra que os países do Brics querem ter mais influência, e de forma construtiva. Eles se espelham no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional (FMI)", afirma o subsecretário de Política do Ministério das Relações Exteriores, embaixador José Alfredo Graça Lima.
O novo banco de desenvolvimento, que terá à disposição um capital inicial de 50 bilhões de dólares e capital autorizado de até 100 bilhões de dólares, deverá financiar projetos de infraestrutura tanto nos cinco membros do Brics como em países em desenvolvimento.
O novo "fundo monetário" deverá ajudar Estados que têm problemas com a balança de pagamentos. Na mídia brasileira especula-se que a Argentina poderá ser a primeira a pedir um empréstimo de emergência à nova instituição. A presidente Cristina Kirchner já confirmou sua presença na reunião de 16 de julho, em Brasília.
China entra com maior parcela
Mesmo assim, ainda existem muitas questões em aberto. Nem a localização da sede da nova instituição, nem os critérios e o nome dos países que vão receber os créditos estão definidos. Somente o volume de crédito disponível já está fechado.
De acordo com o Itamaraty, o fundo contará com 100 bilhões de dólares. A China entrará com a maior parte: 41 bilhões de dólares. Brasil, Rússia e Índia vão disponibilizar 18 bilhões de dólares cada; e a África do Sul, 5 bilhões de dólares.
Não apenas no Brasil a criação do fundo é vista como uma resposta ao impasse do Fundo Monetário Internacional (FMI). Na reunião de abril deste ano entre Banco Mundial e FMI, a reforma da estrutura de cotas do Fundo fracassou, devido ao veto do Congresso americano. A reforma incluía o aumento de 6% do peso dos votos do grupo de países-membros em desenvolvimento e emergentes.
Em busca de uma identidade comum
"Todos querem mais flexibilidade. O Brics mostra aos EUA que mudanças são possíveis", afirma a economista Lia Valls Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A criação de um fundo e de um banco de desenvolvimento pode contribuir para a formação de uma identidade comum no grupo.
Argentina de Cristina Kirchner pode ser primeiro país a receber ajuda do Brics
José Alfredo Graça Lima, do Itamaraty, observa que a busca dessa identidade está ainda no começo. "É mais fácil dizer o que o Brics não é, do que dizer o que ele é. Ele não é nenhuma organização internacional, união aduaneira ou zona de livre-comércio. Ele é um mecanismo que tem se provado útil na cooperação recíproca."
Até o momento, a cooperação dos países-membros se concentra no comércio com a China. A exportação brasileira destinada ao país asiático aumentou de cerca de 1 bilhão de dólares em 2000 para 46 bilhões de dólares em 2013. Já em 2012, a China ultrapassou os EUA como maior parceiro comercial do Brasil, e continua avançando.
Em contrapartida, são modestas as vendas brasileiras para os demais países do Brics – Rússia, África do Sul e Índia. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), as exportações do país para a Índia, em 2013, foram de aproximadamente 1,3 bilhão de dólares; para a Rússia, cerca de 3 bilhões de dólares; e para a África do Sul, 1,8 bilhão de dólares.
Encontro histórico
Um dos objetivos dessa união política de países emergentes é mudar a ordem mundial atual, em que os EUA são tidos como força hegemônica. A criação de instituições financeiras que pretendem romper com o Sistema Bretton Woods – criado após a Segunda Guerra Mundial e, desde então, ordem monetária internacional – poderia tornar o encontro de Fortaleza um acontecimento histórico.
Após a realização da Copa do Mundo, seria o segundo evento de peso internacional no prazo de poucos dias no Brasil, pois até agora, tudo indica que a cúpula deverá entrar para a história. A presença do presidente chinês Xi Jinping, do primeiro-ministro indiano Narendra Modi e do presidente russo Vladimir Putin transforma o Brasil, por quatro dias, em palco político mundial.
É questionável, porém, se em Fortaleza serão discutidos temas políticos mundiais. Não somente a Rússia e a China, mas também a Índia, África do Sul e Brasil seguem em suas políticas externas a máxima da não interferência. Neste sentido, a mensagem do chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo Machado, é curta e clara.
"Não vejo nenhuma relação entre a questão da Crimeia e a reunião do Brics", afirmou numa coletiva de imprensa no final de abril deste ano. "São assuntos que não se comunicam entre si e, portanto, o tema não traz nenhuma incidência para a reunião."
http://www.dw.de/com-banco-e-fundo-anticrise-brics-quer-alternativa-a-fmi-e-banco-mundial/a-17780021
A criação de um banco de desenvolvimento e de um fundo de reserva alternativo – uma espécie de fundo anticrise – são os projetos mais importantes nos três dias do próximo encontro dos líderes do grupo Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – que começa nesta segunda-feira (14/07) em Fortaleza e, depois, prossegue em Brasília.
"A criação dessas instituições financeiras mostra que os países do Brics querem ter mais influência, e de forma construtiva. Eles se espelham no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional (FMI)", afirma o subsecretário de Política do Ministério das Relações Exteriores, embaixador José Alfredo Graça Lima.
O novo banco de desenvolvimento, que terá à disposição um capital inicial de 50 bilhões de dólares e capital autorizado de até 100 bilhões de dólares, deverá financiar projetos de infraestrutura tanto nos cinco membros do Brics como em países em desenvolvimento.
O novo "fundo monetário" deverá ajudar Estados que têm problemas com a balança de pagamentos. Na mídia brasileira especula-se que a Argentina poderá ser a primeira a pedir um empréstimo de emergência à nova instituição. A presidente Cristina Kirchner já confirmou sua presença na reunião de 16 de julho, em Brasília.
China entra com maior parcela
Mesmo assim, ainda existem muitas questões em aberto. Nem a localização da sede da nova instituição, nem os critérios e o nome dos países que vão receber os créditos estão definidos. Somente o volume de crédito disponível já está fechado.
De acordo com o Itamaraty, o fundo contará com 100 bilhões de dólares. A China entrará com a maior parte: 41 bilhões de dólares. Brasil, Rússia e Índia vão disponibilizar 18 bilhões de dólares cada; e a África do Sul, 5 bilhões de dólares.
Não apenas no Brasil a criação do fundo é vista como uma resposta ao impasse do Fundo Monetário Internacional (FMI). Na reunião de abril deste ano entre Banco Mundial e FMI, a reforma da estrutura de cotas do Fundo fracassou, devido ao veto do Congresso americano. A reforma incluía o aumento de 6% do peso dos votos do grupo de países-membros em desenvolvimento e emergentes.
Em busca de uma identidade comum
"Todos querem mais flexibilidade. O Brics mostra aos EUA que mudanças são possíveis", afirma a economista Lia Valls Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A criação de um fundo e de um banco de desenvolvimento pode contribuir para a formação de uma identidade comum no grupo.
Argentina de Cristina Kirchner pode ser primeiro país a receber ajuda do Brics
José Alfredo Graça Lima, do Itamaraty, observa que a busca dessa identidade está ainda no começo. "É mais fácil dizer o que o Brics não é, do que dizer o que ele é. Ele não é nenhuma organização internacional, união aduaneira ou zona de livre-comércio. Ele é um mecanismo que tem se provado útil na cooperação recíproca."
Até o momento, a cooperação dos países-membros se concentra no comércio com a China. A exportação brasileira destinada ao país asiático aumentou de cerca de 1 bilhão de dólares em 2000 para 46 bilhões de dólares em 2013. Já em 2012, a China ultrapassou os EUA como maior parceiro comercial do Brasil, e continua avançando.
Em contrapartida, são modestas as vendas brasileiras para os demais países do Brics – Rússia, África do Sul e Índia. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), as exportações do país para a Índia, em 2013, foram de aproximadamente 1,3 bilhão de dólares; para a Rússia, cerca de 3 bilhões de dólares; e para a África do Sul, 1,8 bilhão de dólares.
Encontro histórico
Um dos objetivos dessa união política de países emergentes é mudar a ordem mundial atual, em que os EUA são tidos como força hegemônica. A criação de instituições financeiras que pretendem romper com o Sistema Bretton Woods – criado após a Segunda Guerra Mundial e, desde então, ordem monetária internacional – poderia tornar o encontro de Fortaleza um acontecimento histórico.
Após a realização da Copa do Mundo, seria o segundo evento de peso internacional no prazo de poucos dias no Brasil, pois até agora, tudo indica que a cúpula deverá entrar para a história. A presença do presidente chinês Xi Jinping, do primeiro-ministro indiano Narendra Modi e do presidente russo Vladimir Putin transforma o Brasil, por quatro dias, em palco político mundial.
É questionável, porém, se em Fortaleza serão discutidos temas políticos mundiais. Não somente a Rússia e a China, mas também a Índia, África do Sul e Brasil seguem em suas políticas externas a máxima da não interferência. Neste sentido, a mensagem do chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo Machado, é curta e clara.
"Não vejo nenhuma relação entre a questão da Crimeia e a reunião do Brics", afirmou numa coletiva de imprensa no final de abril deste ano. "São assuntos que não se comunicam entre si e, portanto, o tema não traz nenhuma incidência para a reunião."
http://www.dw.de/com-banco-e-fundo-anticrise-brics-quer-alternativa-a-fmi-e-banco-mundial/a-17780021
segunda-feira, julho 07, 2014
VI Cúpula dos BRICS: as “sementes” de uma nova “arquitetura financeira”
*Ariel Noyola Rodríguez - No dia seguinte do final da Copa do Mundo de futebol no Brasil, acontecerá a VI Cúpula dos BRICS (sigla de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Fortaleza e Brasília serão as cidades anfitriãs do encontro, que acontecerá dias 14, 15 e 16 de julho, para assentar afinal uma arquitetura financeira de novo perfil, sob o slogan: “Crescimento inclusivo e soluções sustentáveis”.
Diferentes das iniciativas de regionalização financeira asiática e sul-americana, os países BRICS, ao não definir espaço geográfico comum, ao tempo em que estão menos expostos a sofrer turbulências financeiras todos ao mesmo tempo, aumentam a efetividade de seus instrumentos defensivos.
Um fundo monetário de estabilização, denominado “Acordo de Reservas de Contingência” (CRA, do inglês Contingent Reserve Arrangement) e um banco de desenvolvimento, chamado Banco BRICS, exercerão funções de mecanismo multilateral de apoio às balanças de pagamento e fundo de financiamento para o investimento. De fato, os BRICS estão se afastando do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, instituições criada há 70 anos, sob a órbita do Departamento do Tesouro dos EUA. Em meio à crise, as duas iniciativas abrem espaços de cooperação financeira frente à volatilidade do dólar, e alternativas de financiamento para países em situação crítica, sem submeter-se a condicionalidades mediante programas de ajuste estrutural e reconversão econômica.
Como consequência da crescente desaceleração econômica mundial, tornou-se mais complicado para os países BRICS alcançar taxas de crescimento superiores a 5%. A queda sustentada do preço das matérias primas para uso industrial, derivada de uma menor demanda do continente asiático e a volta dos capitais de prazo para Wall Street impactaram negativamente o comércio exterior e os tipos de câmbio.
Exceto uma pequena apreciação do yuan, as moedas dos países BRICS perderam, de 8,80 (rúpia indiana) e até 16 (rand sul-africano) pontos percentuais frente ao dólar, entre maio de 2013 e junho do ano em curso. Nesse sentido, o CRA BRICS – dotado de um total de 100 bilhões de dólares, anunciados em março de 2013, com aportes da China, de 41 bilhões de dólares; de Brasil, Índia e Rússia, 18 bilhões cada um; e África do Sul, com 5 bilhões de dólares –, uma vez posto em andamento, reduzirá substantivamente a volatilidade cambial sobre os fluxos de comércio e investimento, entre os membros do grupo.
Os céticos argumentam que o CRA terá importância secundária e só terá funções complementares às do FMI. Deixam sem considerar que, em contraste com a Iniciativa Chiang Mai, por exemplo (integrada por China, Japão, Coreia do Sul e dez economias da ASEAN, Associação de Nações do Sudeste Asiático), o CRA BRICS poderá prescindir do aval do FMI para fazer seus empréstimos, com o que garante maior autonomia política frente a Washington. A guerra de divisas das economias centrais contra as economias da periferia capitalista exige que esse CRA BRICS seja executado, e com a máxima rapidez.
Por outro lado, o Banco BRICS despertou muitas expectativas. O Banco que começará a operar com um capital de 50 bilhões de dólares (aportes de 20 bi e 40 bi em garantias, de cada um dos membros), terá possibilidades de ampliar-se em dois anos, para 100 bi de dólares; e em cinco anos, para 200 bi; terá capacidade de financiamento de até 350 bi de dólares para projetos de infraestrutura, educação, saúde, ciência e tecnologia, meio ambiente, etc. Contudo, para o caso da América do Sul, os efeitos no médio prazo têm caráter duplo. Nem tudo é mel sobre açúcar nos mercados de crédito. Por um lado, o Banco BRICS bem poderia contribuir para diminuir os custos de financiamento e fortalecer a função contracíclica da Corporación Andina de Fomento (CAF), mediante o aumento de créditos em momentos de crise, e assim descartar os empréstimos do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Por outro lado, porém, como ofertador de crédito, o Banco BRICS entraria em concorrência com outras entidades financeiras de influência considerável na região, como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, brasileiro), a CAF e os bancos chineses com maior potencial (China Development Bank e Exim Bank of China). É inverossímil que as instituições financeiras façam convergir suas ofertas de crédito, de modo complementar, sem afetar as respectivas carteiras de credores.
Também há atritos entre os próprios países BRICS. A elite chinesa pretende fazer o aporte majoritário (a proposta russa é que os aportes sejam feitos por alíquotas) e que o organismo tenha sede em Xangai (não em Nova Delhi, Moscou ou Johannesburgo). No caso de os empréstimos do Banco BRICS serem denominados em yuans, a moeda chinesa estará avançando na própria internacionalização e reforçará gradualmente sua posição, como meio de pagamento e moeda de reserva , em detrimento de outras divisas.
Mas, além da consolidação de um mundo multipolar, o CRA e o Banco BRICS representam as sementes de uma arquitetura financeira que emerge numa etapa da crise cheia de contradições, ao mesmo tempo caracterizada pela cooperação e pela rivalidade financeira.
*Ariel Noyola Rodríguez é Assistente de Investigación no Observatório Económico de América Latina (OBELA) e Colunista na Contralínea
Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Vudu
Diferentes das iniciativas de regionalização financeira asiática e sul-americana, os países BRICS, ao não definir espaço geográfico comum, ao tempo em que estão menos expostos a sofrer turbulências financeiras todos ao mesmo tempo, aumentam a efetividade de seus instrumentos defensivos.
Um fundo monetário de estabilização, denominado “Acordo de Reservas de Contingência” (CRA, do inglês Contingent Reserve Arrangement) e um banco de desenvolvimento, chamado Banco BRICS, exercerão funções de mecanismo multilateral de apoio às balanças de pagamento e fundo de financiamento para o investimento. De fato, os BRICS estão se afastando do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, instituições criada há 70 anos, sob a órbita do Departamento do Tesouro dos EUA. Em meio à crise, as duas iniciativas abrem espaços de cooperação financeira frente à volatilidade do dólar, e alternativas de financiamento para países em situação crítica, sem submeter-se a condicionalidades mediante programas de ajuste estrutural e reconversão econômica.
Como consequência da crescente desaceleração econômica mundial, tornou-se mais complicado para os países BRICS alcançar taxas de crescimento superiores a 5%. A queda sustentada do preço das matérias primas para uso industrial, derivada de uma menor demanda do continente asiático e a volta dos capitais de prazo para Wall Street impactaram negativamente o comércio exterior e os tipos de câmbio.
Exceto uma pequena apreciação do yuan, as moedas dos países BRICS perderam, de 8,80 (rúpia indiana) e até 16 (rand sul-africano) pontos percentuais frente ao dólar, entre maio de 2013 e junho do ano em curso. Nesse sentido, o CRA BRICS – dotado de um total de 100 bilhões de dólares, anunciados em março de 2013, com aportes da China, de 41 bilhões de dólares; de Brasil, Índia e Rússia, 18 bilhões cada um; e África do Sul, com 5 bilhões de dólares –, uma vez posto em andamento, reduzirá substantivamente a volatilidade cambial sobre os fluxos de comércio e investimento, entre os membros do grupo.
Os céticos argumentam que o CRA terá importância secundária e só terá funções complementares às do FMI. Deixam sem considerar que, em contraste com a Iniciativa Chiang Mai, por exemplo (integrada por China, Japão, Coreia do Sul e dez economias da ASEAN, Associação de Nações do Sudeste Asiático), o CRA BRICS poderá prescindir do aval do FMI para fazer seus empréstimos, com o que garante maior autonomia política frente a Washington. A guerra de divisas das economias centrais contra as economias da periferia capitalista exige que esse CRA BRICS seja executado, e com a máxima rapidez.
Por outro lado, o Banco BRICS despertou muitas expectativas. O Banco que começará a operar com um capital de 50 bilhões de dólares (aportes de 20 bi e 40 bi em garantias, de cada um dos membros), terá possibilidades de ampliar-se em dois anos, para 100 bi de dólares; e em cinco anos, para 200 bi; terá capacidade de financiamento de até 350 bi de dólares para projetos de infraestrutura, educação, saúde, ciência e tecnologia, meio ambiente, etc. Contudo, para o caso da América do Sul, os efeitos no médio prazo têm caráter duplo. Nem tudo é mel sobre açúcar nos mercados de crédito. Por um lado, o Banco BRICS bem poderia contribuir para diminuir os custos de financiamento e fortalecer a função contracíclica da Corporación Andina de Fomento (CAF), mediante o aumento de créditos em momentos de crise, e assim descartar os empréstimos do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Por outro lado, porém, como ofertador de crédito, o Banco BRICS entraria em concorrência com outras entidades financeiras de influência considerável na região, como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, brasileiro), a CAF e os bancos chineses com maior potencial (China Development Bank e Exim Bank of China). É inverossímil que as instituições financeiras façam convergir suas ofertas de crédito, de modo complementar, sem afetar as respectivas carteiras de credores.
Também há atritos entre os próprios países BRICS. A elite chinesa pretende fazer o aporte majoritário (a proposta russa é que os aportes sejam feitos por alíquotas) e que o organismo tenha sede em Xangai (não em Nova Delhi, Moscou ou Johannesburgo). No caso de os empréstimos do Banco BRICS serem denominados em yuans, a moeda chinesa estará avançando na própria internacionalização e reforçará gradualmente sua posição, como meio de pagamento e moeda de reserva , em detrimento de outras divisas.
Mas, além da consolidação de um mundo multipolar, o CRA e o Banco BRICS representam as sementes de uma arquitetura financeira que emerge numa etapa da crise cheia de contradições, ao mesmo tempo caracterizada pela cooperação e pela rivalidade financeira.
*Ariel Noyola Rodríguez é Assistente de Investigación no Observatório Económico de América Latina (OBELA) e Colunista na Contralínea
Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Vudu
O polo de esquerda: a boa novidade do Rio
A grande novidade, na eleição no Rio de Janeiro, é o polo de esquerda, a frente em torno de uma lista que agrupa o PT, o PC do B, o PV, o PSB.
por Emir Sader
A grande novidade nas eleições no Rio – a única, na verdade – é o polo da esquerda, em torno da candidatura do Lindberg para governador. O Rio pós-Brizola acumulou uma serie de governos muito ruins pro Estado: Marcelo Alencar, Garotinho, Rosinha, ao que se pode somar governos igualmente ruins pra cidade, como os de Cesar Maia.
Foram governos desastrosos para o Rio, que acentuaram sua decadência, que fizeram políticas de instrumentalização do Estado para políticas clientelistas, em detrimento das políticas públicas que o Rio requer.
O governo de Sergio Cabral teve a sorte de pegar carona nas políticas sociais dos governos Lula e Dilma, mas não esteve à altura delas. Implementou essas políticas de maneira seletiva, apenas em algumas regiões do Rio, de maior visibilidade. Mas tampouco sobre controlar a polícia que, com sua brutalidade, desgastou as próprias politicas sociais implementadas pelas UPPs.
A esquerda carioca, de grande trajetória, acabou ficando refém, neutralizada por enfrentamentos em que ela saiu dos primeiros lugares da cena política. Dividida, desconcertada, marginalizada, quase que desapareceu de cena.
A grande novidade – na realidade, a única – é o polo de esquerda, a frente de esquerda, que reagrupa as principais forças populares do Rio, em torno de uma lista que agrupa o PT, o PC do B, o PV, o PSB. Uma chapa encabeçada pelo Lindberg Farias, que representa, da melhor forma, essa nova fase da esquerda do Rio.
Uma nova fase que reivindica o que de melhor teve o Rio, grande avanços do governo do Brizola, a começar pelos Cieps. Que resgata as teses históricas do PT sobre o orçamento participativo. Que traz para o Rio a análise social que o Rio precisa: da luta, antes de tudo, pelo direito dos setores mais marginalizados, mais invisibilizados, da Baixada Fluminense e do interior do Estado.
Se o polo de esquerda é a novidade, o resto do quadro eleitoral resume o que de mais antigo e fracassado existe na politica do Rio: Pezão, como o representante do governo de Sergio Cabral, tendo que carregar todo o ônus do desgaste do governo estadual. Conta com a máquina do governo, mas essa mesma máquina, num momento muito mais favorável para Cabral, foi incompetente para eleger o então todo poderoso Jorge Picciani para o Senado, relegando-o a um terceiro lugar.
De forma cada vez mais visível, a Globo apoia e promove o Pezao, depois de analisar o quadro eleitoral e se dar conta que não lhe resta outra alternativa. Detrás dele também se une grande parte da direita do Rio. Ao incorporar a Francisco Dornelles, assinala para a direita que a contempla diretamente na sua chapa. A entrada de Cesar Maia complementa a união de velhos políticos desprestigiados, sem lhe trazer apoios populares.
As tradicionais candidaturas de Garotinho e de Crivella partem do piso alto dos seus fieis eleitores, mas se chocam logo com o teto alto da sua rejeição. Garotinho pode apresentar seus governos como bandeira, o que não lhe granjeia muito apoio. Crivella, nem isso. Compõem um quadro de velhas lideranças que não representam projetos de futuro para o Rio.
Diante desse quadro eleitoral, além dos méritos próprios da sua campanha e da sua liderança, Lindberg possui a vantagem da alto nível de rejeição dos outros candidatos, o que faz com que, em um segundo turno, recai sobre ele a principal possibilidade de vitória. As candidaturas estão postas, com suas chapas completas. Assim que termine a Copa, a curta campanha eleitoral vai ganhar ritmos acelerados. Da mobilização e da politização da campanha dependem as possibilidades reais de vitória do candidato da esquerda no Rio.
por Emir Sader
A grande novidade nas eleições no Rio – a única, na verdade – é o polo da esquerda, em torno da candidatura do Lindberg para governador. O Rio pós-Brizola acumulou uma serie de governos muito ruins pro Estado: Marcelo Alencar, Garotinho, Rosinha, ao que se pode somar governos igualmente ruins pra cidade, como os de Cesar Maia.
Foram governos desastrosos para o Rio, que acentuaram sua decadência, que fizeram políticas de instrumentalização do Estado para políticas clientelistas, em detrimento das políticas públicas que o Rio requer.
O governo de Sergio Cabral teve a sorte de pegar carona nas políticas sociais dos governos Lula e Dilma, mas não esteve à altura delas. Implementou essas políticas de maneira seletiva, apenas em algumas regiões do Rio, de maior visibilidade. Mas tampouco sobre controlar a polícia que, com sua brutalidade, desgastou as próprias politicas sociais implementadas pelas UPPs.
A esquerda carioca, de grande trajetória, acabou ficando refém, neutralizada por enfrentamentos em que ela saiu dos primeiros lugares da cena política. Dividida, desconcertada, marginalizada, quase que desapareceu de cena.
A grande novidade – na realidade, a única – é o polo de esquerda, a frente de esquerda, que reagrupa as principais forças populares do Rio, em torno de uma lista que agrupa o PT, o PC do B, o PV, o PSB. Uma chapa encabeçada pelo Lindberg Farias, que representa, da melhor forma, essa nova fase da esquerda do Rio.
Uma nova fase que reivindica o que de melhor teve o Rio, grande avanços do governo do Brizola, a começar pelos Cieps. Que resgata as teses históricas do PT sobre o orçamento participativo. Que traz para o Rio a análise social que o Rio precisa: da luta, antes de tudo, pelo direito dos setores mais marginalizados, mais invisibilizados, da Baixada Fluminense e do interior do Estado.
Se o polo de esquerda é a novidade, o resto do quadro eleitoral resume o que de mais antigo e fracassado existe na politica do Rio: Pezão, como o representante do governo de Sergio Cabral, tendo que carregar todo o ônus do desgaste do governo estadual. Conta com a máquina do governo, mas essa mesma máquina, num momento muito mais favorável para Cabral, foi incompetente para eleger o então todo poderoso Jorge Picciani para o Senado, relegando-o a um terceiro lugar.
De forma cada vez mais visível, a Globo apoia e promove o Pezao, depois de analisar o quadro eleitoral e se dar conta que não lhe resta outra alternativa. Detrás dele também se une grande parte da direita do Rio. Ao incorporar a Francisco Dornelles, assinala para a direita que a contempla diretamente na sua chapa. A entrada de Cesar Maia complementa a união de velhos políticos desprestigiados, sem lhe trazer apoios populares.
As tradicionais candidaturas de Garotinho e de Crivella partem do piso alto dos seus fieis eleitores, mas se chocam logo com o teto alto da sua rejeição. Garotinho pode apresentar seus governos como bandeira, o que não lhe granjeia muito apoio. Crivella, nem isso. Compõem um quadro de velhas lideranças que não representam projetos de futuro para o Rio.
Diante desse quadro eleitoral, além dos méritos próprios da sua campanha e da sua liderança, Lindberg possui a vantagem da alto nível de rejeição dos outros candidatos, o que faz com que, em um segundo turno, recai sobre ele a principal possibilidade de vitória. As candidaturas estão postas, com suas chapas completas. Assim que termine a Copa, a curta campanha eleitoral vai ganhar ritmos acelerados. Da mobilização e da politização da campanha dependem as possibilidades reais de vitória do candidato da esquerda no Rio.
A máquina de dar joelhadas na espinha do Brasil
As linhas gerais do Programa de Governo de Dilma incluem goleadas históricas, mas se omitem diante de uma questão chave, que pode por a perder um jogo decisivo.
por: Saul Leblon
Carta Maior
As linhas gerais do Programa de Governo da candidatura Dilma Roussef, entregues à Justiça Eleitoral, no último sábado, ocupam 10 mil palavras. Compõem, mais que tudo, um painel informativo dos avanços e conquistas registrados nas diferentes áreas do país durante os 12 anos em que a sociedade escolheu ser dirigida por três governos sucessivos de centro esquerda.
O período e o feito, inéditos na história, estão ali descritos em pinceladas recheadas de números expressivos.
O conjunto retrata uma goleada histórica, raramente ou nunca exposta na mídia conservadora na forma de um acervo completo e detalhado.
Do conjunto sobressai a percepção nítida de que a ocultação, mais que isso, a desqualificação desse arcabouço –como tentou fazer o jornal O Globo, na semana passada, em cima de um discurso de Lula-- obedece a um instinto de sobrevivência.
Com todas as limitações sabidas –que não são poucas, não há, rigorosamente, nenhum saldo, em qualquer frente, que justifique a nostalgia em relação ao país legado em 2002 pelo PSDB, após oito anos em Brasília.
Fica difícil eles ganharem esse jogo na bola.
Por exemplo:
“Em 2002, a inflação anual chegou a 12,5%; em 2013, estava num patamar de 5,9%; a expectativa para 2014 estará dentro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (centro de 4,5% e teto de 6,5%).
A taxa de investimento da economia brasileira, que era de 16,4% em 2002, passou para 18,2% em 2013.
A taxa de desemprego, em dezembro de 2002, era de 10,5% da população economicamente ativa; em abril de 2014, caiu para 4,9%.
As exportações, que somavam US$ 60 bilhões em 2002, atingiram US$ 242 bilhões em 2013.
No período de doze meses encerrado em maio de 2014, o Brasil recebeu US$ 66,5 bilhões em Investimento Direto Externo (IDE), quatro vezes o montante de 2002 (US$ 16,6 bilhões).
A dívida líquida do setor público decresceu de 60,2%, em 2002, para o patamar de 34,6% em maio de 2014.
O programa Minha Casa, Minha Vida, em suas duas fases, já contratou 3,45 milhões de casas, 1,7 milhão das quais já foi entregue, o que corresponde a mais de 6 milhões de brasileiros vivendo em casa própria, o equivalente à população da cidade do Rio de Janeiro, a segunda maior do país.
O sistema de financiamento habitacional, por meio do SBPE-Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, financiou 529,8 mil moradias em 2013, 18 vezes mais do que em 2002, quando foram financiadas 28,9 mil moradias.
Ou ainda, questões pouco afeitas ao eleitor urbano, como a democratização do acesso à água no sertão nordestino: até agora, já foram entregues, no Nordeste, 937 mil cisternas, das quais 607 mil somente no governo da Presidenta Dilma. Até o final de 2014, 1,080 milhão cisternas estarão instaladas por todo o Nordeste.
“Vale destacar que, embora o Brasil tenha vivido nos últimos três anos a maior seca das últimas décadas, não houve o drama dos retirantes famintos e sem rumo que nos afligia no passado...”, lembra o texto.
São algumas das goleadas nesse clássico de 12 anos.
A autoconsciência dessa inferioridade explica o empenho virulento do conservadorismo em bloquear qualquer ensaio de regulação dos canais de comunicação, que venha a propiciar um leque mais amplo de pontos de vista nas escolhas que vão definir o passo seguinte da sociedade brasileira e de seu desenvolvimento.
O interdito ao debate em uma encruzilhada fornida de desafios --a exigir uma repactuação de prioridades, metas, prazos, concessões e salvaguardas-- constitui o grande trunfo para impedir uma mudança histórica na correlação de forças na vida nacional.
Não há, no texto levado à Justiça eleitoral, qualquer menção a esse aspecto crucial da luta política, através do qual a mídia passou a suprir a carência de projetos e lideranças conservadoras, distribuindo joelhadas cotidianas nas costas do país e de sua autoestima.
O objetivo desse Juan Zuñiga sistêmico é quebrar a espinha dorsal da resistência ao lacto purga social intrínseco às propostas dos candidatos vivamente empenhados em devolver a economia ao livre arbítrio dos mercados.
A omissão, afirma-se, reflete a natureza inconclusa do documento.
Trata-se de um couvert. Não o cardápio definitivo da candidata, ou o do PT.
Mas um aperitivo palatável à ecumênica coligação de forças políticas –do PMDB ao PCdoB, passando pelo PP e o PR—que sustentam a candidatura Dilma.
Por isso mesmo a ressalva das ‘linhas gerais’.
Ou seja, um ponto de partida que “...o Partido dos Trabalhadores (PT) propõe para debate, num processo de ampla consulta aos movimentos sociais e aos partidos aliados ( quando) será aprofundado por meio de grupo temáticos’, diz a advertência introdutória ao documento (leia a sua íntegra ao final desta nota).
É fundamental que seja assim e que assim seja.
Sem suprir as lacunas do seu ferramental político, as diretrizes progressistas explicitadas no texto correm o risco de ficar à deriva.
A principal delas diz respeito à consolidação de um Estado social no país. A outra, a determinação de reformar o sistema político e ampliar a democracia participativa.
Ambas entrelaçadas ao propósito de elevar o Brasil à condição de uma economia desenvolvida nos próximos anos.
Portanto, a economia não irá a lugar nenhum sem eles. E eles não sairão das boas intenções sem canais que facultem à sociedade o debate ponderado, informativo e formativo sobre seus desafios.
“Ampliar a democracia política é um objetivo que anda junto com o compromisso de aumentar cada vez mais a democracia econômica – a distribuição de renda e a eliminação da pobreza. Além das medidas que serão tomadas de aprofundamento da democracia, soma-se o Sistema Nacional de Participação Popular, que terá a função de consolidar as formas de participação colocadas em prática nos governos Lula e Dilma e institucionalizá-las. A proposta é transformar a participação popular em uma cultura de gestão e as novas tecnologias permitem ampliar e estimular o debate da população (...) Construir um novo ciclo de transformações significa transpor o degrau que hoje separa o Brasil do mundo desenvolvido, isso apenas pouco mais de uma década depois de termos iniciado, e estarmos vencendo, a batalha contra a miséria e a desigualdade. O Brasil não será sempre um país em desenvolvimento. Seu destino é ser um país desenvolvido. Chegou a hora de alçarmos o Brasil à condição de desenvolvido e justo (...) ”, afirma o documento.
A centralidade da questão democrática é um avanço em relação às plataformas eleitorais anteriores do PT.
Não se trata mais de cobrar um espaço para os excluídos no sistema político, mas de mudar a própria natureza desse sistema para que eles possam de fato ter voz nas decisões nacionais.
A democracia brasileira oculta, no aparente contrato de um acordo social periodicamente repactuado nas urnas, a hegemonia de uma desigualdade bruta que ainda grita sua ostensiva presença no ranking das maiores do mundo.
O Estado brasileiro é o cão de guarda dessa engrenagem, que o conservadorismo quer manter obediente à coleira dos interesses unilaterais dos endinheirados.
Os avanços registrados nos últimos anos mexeram na divisão do fluxo da riqueza no país, sem no entanto alterar o estoque que alicerça esses privilégios, bem como as estruturas que enraízam um sistema de poder ferozmente elitista defendido com unhas e dentes pela emissão conservadora.
Subverter a natureza desse aparato implica não apenas mudar o financiamento eleitoral ou oxigenar a gestão do Estado com uma bem-vinda institucionalização da participação consultiva dos movimentos sociais na gestão das políticas públicas.
É preciso dar a esse deslocamento a audiência das grandes massas, de modo a traduzi-lo em uma correlação de forças que possa sustentar um ciclo de desenvolvimento emancipador.
Isso não acontecerá sem uma democratização dos meios de comunicação. E será boicotado até o limite da ruptura democrática pelo oligopólio hoje existente.
As linhas gerais do Programa de Governo de Dilma incluem goleadas históricas encorajadoras.
Mas se omitem diante de uma questão chave, que pode por a perder o jogo decisivo do desenvolvimento brasileiro (leia o artigo de Wanderley Guilherme dos Santos; nesta pág).
O debate sobre o documento deve superar essa hesitação.
A máquina de dar joelhadas já quebrou a espinha política do país algumas vezes no passado.
E nada indica que não o fará de novo.
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Leia aqui a íntegra das Linhas Gerais do Programa de Governo de Dilma Rousseff, 'Mais Mudanças, Mais Futuro':
https://programadegoverno.dilma.com.br/pgp/index.php
"Crescimento de 2% do PIB é padrão normal", diz Fernando Nogueira Costa
Jornal Brasil Econômico
O economista da Unicamp critica a comparação do Brasil aos emergentes. Para ele, o país deve ser comparado aos que já têm indústria madura, onde o desempenho da economia está em média em 2% ao ano
Ana Paula Grabois
ana.grabois@brasileconomico.com.br
Economista da Unicamp, Fernando Nogueira Costa é otimista com os rumos que o país tem tomado e diz que o crescimento em torno de 2% é normal e comparável ao dos países maduros. Ex-professor no Doutorado da presidenta Dilma Rousseff, ele defende uma visão de longo prazo para os projetos e investimentos em curso no Brasil, citando que o pré-sal deverá tornar o país o sexto maior produtor mundial de petróleo.
Ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal e ex-diretor executivo da federação nacional das instituições bancárias, a Febraban, Nogueira Costa critica as avaliações negativas do mercado — que qualifica de “alarmismo ilusório” de motivação eleitoral. E chama os economistas-chefes dos bancos privados de “bobos da corte”: “Eles são mais realistas que o próprio rei, vendem muito mais ideologia do que o silêncio. E chega nessa época, ficam fomentando o alarmismo”.
Como o sr. vê a atual situação da economia brasileira, com baixo crescimento e juro em patamar alto de 11%
Historicamente, a taxa de juro não é alta, se olharmos o juro real, de cerca de 4,5%. Sobre a economia, de 2020 a 2022, quando o Brasil comemorar o bicentenário (da independência), haverá condições para o crescimento sustentado em longo prazo e vamos entrar na próxima década em ótimas condições. Vivemos uma fase de investimentos que darão resultado em longo prazo. É uma fase de maturação de investimentos.
Em infraestrutura?
Não, falo do marco histórico do pré-sal.
Isso vai demorar um pouco para dar resultado
Já em 2018, no máximo em 2020, a Petrobras já produzirá 4 milhões de barris/dia. Com os outros produtores, chegará a 5,2 milhões de barris/dia. O Brasil vai caminhar nesse investimento desde agora, na próxima década e na década dos anos 30 deste século, e se tornará o sexto maior produtor de petróleo do mundo. Qualquer pessoa que tomar decisão econômica, seja pessoa física ou jurídica, tem que olhar o longo prazo. Não pode ficar olhando a campanha eleitoral, o curto prazo, que não vai tomar decisões para a frente. Esse é um período em que o mercado enxerga com miopia, vê de perto, mas não vê longe. O mercado precifica mal as ações da Petrobras. Para os assalariados, que não são especuladores profissionais, está na hora de comprar essas ações para ter resultado na próxima década, quando terminar o ciclo de vida profissional. Outro investimento fundamental a maturar em 2018, em 2020, é Belo Monte, a terceira maior hidrelétrica do mundo, que dará conforto ao crescimento sustentado sem carência de energia. E tem as concessões em curso na logística. Foi muito importante a Copa para ter um pacote de abrangência nacional, como a reforma dos aeroportos. Foi uma oportunidade histórica muita mal compreendida por quem tem visão de curto prazo e politiza excessivamente a economia. Nem politiza, partidariza no mal sentido. Criaram um alarmismo para tirar proveito político.
A Copa deu gás às obras de infraestrutura?
Não tenho a menor dúvida. Reformar e construir estádios em escala nacional dá um sentido de unidade. O Maracanã não tinha uma reforma como essa há 60 anos. O Mineirão também não tinha há muito tempo. No fim de semana, você ficava vendo futebol, o maior evento brasileiro, e admirando os outros países. O custo é relativamente muito baixo, ao contrário do alarmado. O BNDES financiou R$ 3,5 bilhões. Em termos relativos, é muito pouco face ao benefício. E o BNDES financiou R$ 8,5 bilhões em mobilidade urbana. É positivo para sinalizar uma nova fase, existe uma visão de estadista da presidenta Dilma. O resultado não será no mandato dela, será a partir de 2018.
O sr. fala dos resultados desses investimentos?
Sim, são decisões de longo prazo. Os economistas brasileiros e os homens de negócios ficaram muito acostumados com essa visão de conjuntura. Em termos históricos, é um alarmismo falso porque se você observar com isenção, a taxa de inflação está sob controle. Nos últimos quatro anos, ficou dentro da meta e totalmente sob controle. E aí se faz um carnaval político em torno disso.
Mas a inflação em 12 meses está no teto da meta...
Na série temporal da inflação, se olharmos o que foi no passado, está sob controle e caiu muito abaixo da média histórica. É um patamar muito baixo.
O sr. vê um exagero sobre a questão do controle de preços?
É óbvio que é por causa da campanha política, centrada para derrubar o governo. É uma união de forças para tentar vencer as eleições. O problema é o que, na economia, se chama de profecia autorrealizável. Você contamina as expectativas diariamente. Os empresários que não enxergarem com isenção, que não virem no longo prazo a oportunidade que é investir no país, acabam adiando as decisões e o resultado, no curto prazo, fica ruim. Passamos por um período muito mais difícil por causa dessas decisões paralisadas, em vez de investir.
O pessimismo, que o sr. diz ter fundo eleitoral, contaminou os empresários?
Sim, contaminou. As pessoas não têm coragem de falar. Um aspecto extremamente importante do livro do Thomas Piketty (“O capital no século 21”) é que ele mostra, em série históricas, que os países capitalistas maduros crescem muito pouco. O crescimento no mundo, historicamente, é muito baixo. Ter um crescimento do PIB de 2% ao ano é o padrão normal. Só que é desonestidade intelectual, em muitos casos, comparar com China ou Índia.
Qual seria o nosso parâmetro de comparação?
Estamos muito mais próximos de capitalismos maduros, Europa e Estados Unidos, do que dos países emergentes. O Brasil já passou desse patamar da indústria nascente. O Brasil foi o país que, até 1980, mais cresceu no século 20. Pela taxa média, foi mais de 10% ao ano. Desde então, foram duas décadas perdidas. Depois, teve algum período de taxas maiores após de anos de recessão. Foi a 7,5% em 2010, mas houve uma recessão em 2009. Em 2004, estava tendendo a 6% e o Banco Central freou e acabou crescendo 5,71%. Em 2003, tinha ocorrido a freada para arrumação e foi de 1,5%. O crescimento da renda per capita no mundo foi menor que 2% ao ano, segundo o Piketty. Isso com concentração da riqueza. Ele diz que a renda do capital cresce muito mais do que a renda das pessoas, cerca de seis ou sete vezes mais. Porque o crescimento da renda do trabalho é muito baixo.
O sr. acha que essa é uma questão esquecida na discussão econômica?
O debate no Brasil está há vários anos extremamente pobre porque essa coisa do tripé é uma bobagem. Qualquer manual de macroeconomia fala que há quatro instrumentos de política econômica. Então, qualquer política econômica de qualquer ideologia vai usar os quatro: política monetária, política cambial, política fiscal e controle de capital. Não tem mais o que fazer. Se você reduzir o debate a isso, ter que subir mais um pouco os juros ou ter que baixar mais o câmbio, é de uma pobreza intelectual tremenda e que perde essa perspectiva histórica, que é estratégica.
O crescimento baixo de hoje não tem nada de anormal?
É um padrão de crescimento que vai se sustentar no longo prazo. Não voltaremos a ter as taxas dos anos 50, ou do milagre econômico. Se forçar a economia a ir nesse ritmo de maior crescimento, de 5%, 7% ao ano, provavelmente vai ter inflação. E aí vai frear. A opção, adotada nos outros países, é manter a economia estabilizada, sem inflação, com taxa de desemprego baixo. Por que crescer muito? Qual é a lógica de demanda, de crescimento, de rendas altas? Geralmente é porque se quer taxa de desemprego baixa.
E já estamos com essa taxa baixa.
As mudanças estruturais, que o país está construindo com efeitos extremamente benéficos para a qualidade de vida, vão se consolidar na próxima década. E se faz esse alarmismo de curto prazo — se faz agora e vão fazer em 2018. Em toda época eleitoral, se faz um alarmismo ilusório.
Quais mudanças estruturais?
A diversificação setorial. Com a industrialização anterior, no pós-guerra, o Brasil se tornou uma economia altamente diversificada entre os países emergentes, com uma estrutura muito mais sofisticada do que a grande maioria desses países. E o Brasil está caminhando para se tornar um capitalismo maduro. A grande mudança estrutural que vai pegar na próxima década e nas seguintes é que o Brasil vai se tornar uma economia de petróleo. Um produtor e exportador de petróleo. Bem administrado, isso tende a resolver os problemas de balanço de pagamentos. Com a legislação já aprovada, vai se criar um fundo social com a riqueza soberana, com base nesse petróleo, e vai se dar uma oportunidade de melhorar a qualidade da educação e da saúde, não é só a quantidade. A quantidade, já estamos enfrentando. Isso tudo não se resolve em um governo, mas terá condição de se resolver a longo prazo. E com a continuidade dos programas de financiamento, o déficit habitacional deve acabar até 2030.
Ou seja, é preciso enxergar no longo prazo?
Falta essa visão de longo prazo no debate. Ano eleitoral é um ano de oportunidade para se discutir o país. O que tem que ser colocado, e a imprensa tem um papel chave nisso, é a visão de longo prazo. Vai aprovar quem vai cuidar apenas da estabilização ou quem vai investir no longo prazo? Isso é uma decisão a ser tomada. Se quer baixar a inflação de 6% para 3,5% ao ano, isso vai aumentar a taxa de desemprego. Nessa onda de demagogia política, a pessoa não é honesta intelectualmente em falar isso, porque vai provocar desemprego se baixar a inflação para 3,5%. No que a sociedade vai se beneficiar disso? Vai beneficiar quem tem emprego garantido, quem tem renda, quem tem poder de compra. É o tipo de coisa que não se fala.
Como sair desse cenário de expectativas de menos consumo e investimento?
É o que chamei de profecia autorrealizável, a pessoa mente, mente, acha que aquilo é verdade e passa a tomar decisão com base em mentira.
Isso se reverte após a eleição?
Lembre-se da experiência da eleição de 2002. O que se dizia era que ou o José Serra se elegia, ou seria o caos. Esse era o refrão durante todo o ano: “O Lula vai ser uma catástrofe, vai haver fuga de capital”. Sou testemunha ocular porque participei do governo desde janeiro de 2003.
Como vice-presidente da Caixa?
Exatamente. Eu lembro que, na Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), os banqueiros eram muito reticentes. Eu era representante da Caixa na Febraban. Imediatamente depois de arrumada a casa, começamos a conceder crédito. Começamos com o crédito consignado e o único banco que acompanhou foi o BMG. Quando o Banco Santos quebrou e os bancos privados foram comprar a sua carteira, viram que era um excelente negócio. Tínhamos feito as reformas para fazer a retomada do crédito imobiliário, paralisado desde 2004. A partir de 2005, deslanchou o crédito imobiliário e quebramos todos os recordes. Quando se assume um governo fora dessa pressão política, da eleição, e se faz políticas públicas acertadas, se colhe resultado. Ninguém achava possível acabar com a miséria no Brasil. O país já está caminhando para isso. Mas não é fazer demagogia e falar que isso se resolve em quatro anos. Nenhum problema secular vai acabar em quatro anos, nem em oito ou dez. Estou otimista porque, na próxima década, boa parte dos problemas estará caminhando para ser solucionada.
A confiança foi retomada após a posse do então novo governo?
No segundo semestre de 2003, o crédito direcionado — operações do BNDES, crédito imobiliário da Caixa e crédito agrícola do Banco do Brasil — cresceu mais que os recursos livres. Geralmente, os bancos públicos fazem também o crédito de recursos livres , mas os bancos privados têm mais peso. Quando o crédito cresce, a economia começa a funcionar e, com a demanda de crédito, os bancos privados vão atrás. Então você consegue retomar a economia e aumenta a confiança.
O mercado reage negativamente à reeleição de Dilma. Há algo que constitua um risco em um eventual segundo mandato?
Isso é pura ideologia. Conheço os meus colegas, a minha corporação. Também convivi com banqueiros durante quatro anos e meio na Febraban. Os economistas-chefe são os bobos da corte, são mais realistas que o próprio rei, eles vendem muito mais ideologia do que o silêncio, eles são os mais ideólogos. E chega nessa época, eles ficam fomentando o alarmismo. É uma coisa puramente ideológica porque eles protegem a escola deles. Eles querem derrubar a Dilma porque a Dilma não é da escola deles. Fui professor da Dilma no Doutorado da Unicamp. Claramente, eles estão derrubando uma escola de pensamento. O problema é que não é só ideologia. Os empregadores e a mídia ficam muito impressionados com as opiniões deles e passa a ser uma profecia que se autorrealiza. Isso é o mais grave: tomar decisões equivocadas baseadas em ideologia.
Vai mudar algo se a Dilma for reeleita?
Acho que vai. É necessário rejuvenescer os quadros de governo, dos ministérios.
O ministro Guido Mantega sairia da Fazenda?
É uma questão de geração. Até os próprios ministros que estão no governo desde o início do governo Lula estão desgastados pessoalmente. Politicamente, é uma coisa que chamamos de fadiga material. Faz parte da vida reconhecer que uma geração passou e que tem que abrir espaço para uma nova geração. Tem quadros novos que podem perfeitamente assumir. Por exemplo, o Nelson Barbosa (ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda). Tem experiência, passou por lá, é um quadro novo, supercompetente, pode assumir. O próprio Tombini (Alexandre Tombini, presidente do Banco Central) é um quadro novo e competente. Tem nomes dentro do PT, dos aliados, do mundo acadêmico. Posso falar por mim, posso me aposentar da Unicamp, mas já tem professores que eu formei, uma outra geração muito competente, que está assumindo responsabilidades e que tem plenas condições de trabalhar em governo. Dentro do próprio governo houve muita contratação de profissionais extremamente competentes nesse período, no Ipea, no Banco Central, nos bancos públicos, e que podem assumir. Acho que vai haver uma troca de gerações. Pelo que eu conheço da Dilma e de pessoas que ela respeita, eu acho que vai haver. É natural, não vejo com espanto, está na hora. Qualquer pessoa sensata percebe que está na hora de trocar. O ministro Guido Mantega já quebrou o recorde de permanência no cargo e superou a do ex-ministro Pedro Malan. É preciso novas ideias, novos discursos. Tem que entender que a Dilma tem essa visão de estadista, de que o ponto de chegada não vai ser em 2018, vai ser em 2022. Eu tomo isso como simbólico. O Brasil tem que estar no bicentenário como a quinta maior economia do mundo, produtora de petróleo, com recursos para investir em educação e em saúde e aproveita ainda o bônus demográfico até 2030 e que pode esticar até 2040.
Haveria alguma mudança ou ajuste na condução da política de um eventual segundo mandato?
Se espera e foi criado um certo consenso de que os preços dos combustíveis vão subir mais. No cenário mundial, há algo que todo mundo sabe, mas ignora no debate: ainda estamos em uma conjuntura de crise mundial, a maior crise desde 1929. E vai durar muitos anos a crise na Europa, e os Estados Unidos vão levar tempo para retomar a economia. A China e a Índia são outro caso, com mercados internos imensos. A China está fazendo uma coisa que a Índia ainda não fez e que o Brasil fez até os anos 60, a urbanização. A população urbana ultrapassou a população rural na China um ano ou dois anos atrás. No Brasil, isso ocorreu em 1970. É outro tipo de economia. E a China tem 400 milhões de consumidores, o maior mercado interno mundial. Não dá para comparar com outros países. Comparar o Brasil com o Chile não tem o menor sentido também, é uma economia grande e outra pequena. E se pegar economias grandes, como Estados Unidos, Brasil, e pegar o porte que vai ser a China, daqui a pouco os Estados Unidos vão estar pequenos, porque não crescem. Esse tipo de debate é o que antigamente se chamava de abordagem estruturalista, de quais são as mudanças estruturais importantes que vão dar um crescimento sustentado com decisões tomadas já no presente, mas com reflexo na próxima década.
O sr. vê algum tema que a Dilma possa mudar em um eventual segundo mandato?
Ela e todo o governo que assumir vão tentar manter taxa de desemprego baixa e a inflação sob controle. E ainda bem que a taxa de desemprego ainda está muito baixa. O crescimento habitacional está excelente em termos históricos e esse vai se manter. Depois que passar essa grita, basta ter uma retomada externa que o Brasil — o maior produtor e exportador de alimentos do mundo — vai dar uma retomada na exportação. E tem muito fôlego ainda para consumo no Brasil, porque ainda virá mais mobilidade social. Tem espaço para expandir largamente o mercado interno. Outro equívoco no debate, tanto em economia quanto em política e sociedade, é ser extremamente voltado aos centros metropolitanos. As opiniões são emitidas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Já morei anos nas duas cidades, as frequento e hoje moro em Campinas. Essa visão ultrapessimista de que a qualidade de vida está horrorosa, dos engarrafamentos, é dessas cidades. E vai melhorar porque vai ter investimento em infraestrutura e metrô. Mas isso não é a vida que predomina no resto do país. Todas as capitais têm um trânsito infernal, mas as metrópoles não chegam à metade da economia brasileira. Há críticas ao financiamento de veículos, mas somos um país que é metade da América do Sul. São 5,6 mil municípios, com um potencial de crescimento extraordinário no interior. Há interiorização do desenvolvimento, regiões desenvolvidas em São Paulo, em Minas.
A redução da desigualdade vai continuar?
Esse debate é equivocado. O livro do Piketty mostrou isso. Aconteceu algo extremamente importante, que foi a redução da desigualdade da renda do trabalho. Mas a desigualdade de riqueza, em nenhum país do mundo, seja capitalista ou socialista, se resolveu. O 1% dos mais ricos cada vez mais concentra riqueza. É preciso continuar com políticas públicas para diminuir a desigualdade de renda. Nos EUA e na China, a ênfase é de igualdade de oportunidades, de o cidadão ter condição de melhorar o padrão de vida através principalmente de uma educação maciça de qualidade. Não vai significar que ele vai enriquecer e todo mundo vai ficar igual. Na história humana, sempre tiveram os poderosos e isso nunca diminuiu. Quando diminuiu, houve duas guerras mundiais, uma grande depressão e uma hiperinflação na Europa.
Para o nível de pobreza que o Brasil tinha, as políticas sociais foram importantes?
Para aumentar a sociedade de consumo, é importante diminuir a desigualdade da renda e dar mobilidade social. Outra coisa é discutir se isso vai dar justiça social em termos de igualdade de propriedade, de riqueza. A sociedade vai mudando em qualidade à medida que vai conquistando direitos civis, políticos, sociais. Eu acho que o século 21 vai ser de conquista de direitos econômicos. Porque o capital de origem trabalhista, dos fundos de pensão, está se tornando cada vez mais importante no mundo capitalista. Os partidos de origem trabalhista, criados a partir de sindicatos, estão ficando cada vez mais importantes. A social-democracia europeia e nórdica deu as melhores condições de vida do mundo por causa de vários partidos socialistas e sociais-democratas de origem trabalhista. Isso leva, em longo prazo, a mudanças qualitativas, não é uma revolução súbita, como foi a revolução na Rússa ou na China. É uma mudança ao longo do tempo, não sei se neste ou no próximo século. Baseado na experiência histórica, as conquistas dos direitos vão aumentar cada vez mais.
O economista da Unicamp critica a comparação do Brasil aos emergentes. Para ele, o país deve ser comparado aos que já têm indústria madura, onde o desempenho da economia está em média em 2% ao ano
Ana Paula Grabois
ana.grabois@brasileconomico.com.br
Economista da Unicamp, Fernando Nogueira Costa é otimista com os rumos que o país tem tomado e diz que o crescimento em torno de 2% é normal e comparável ao dos países maduros. Ex-professor no Doutorado da presidenta Dilma Rousseff, ele defende uma visão de longo prazo para os projetos e investimentos em curso no Brasil, citando que o pré-sal deverá tornar o país o sexto maior produtor mundial de petróleo.
Ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal e ex-diretor executivo da federação nacional das instituições bancárias, a Febraban, Nogueira Costa critica as avaliações negativas do mercado — que qualifica de “alarmismo ilusório” de motivação eleitoral. E chama os economistas-chefes dos bancos privados de “bobos da corte”: “Eles são mais realistas que o próprio rei, vendem muito mais ideologia do que o silêncio. E chega nessa época, ficam fomentando o alarmismo”.
Como o sr. vê a atual situação da economia brasileira, com baixo crescimento e juro em patamar alto de 11%
Historicamente, a taxa de juro não é alta, se olharmos o juro real, de cerca de 4,5%. Sobre a economia, de 2020 a 2022, quando o Brasil comemorar o bicentenário (da independência), haverá condições para o crescimento sustentado em longo prazo e vamos entrar na próxima década em ótimas condições. Vivemos uma fase de investimentos que darão resultado em longo prazo. É uma fase de maturação de investimentos.
Em infraestrutura?
Não, falo do marco histórico do pré-sal.
Isso vai demorar um pouco para dar resultado
Já em 2018, no máximo em 2020, a Petrobras já produzirá 4 milhões de barris/dia. Com os outros produtores, chegará a 5,2 milhões de barris/dia. O Brasil vai caminhar nesse investimento desde agora, na próxima década e na década dos anos 30 deste século, e se tornará o sexto maior produtor de petróleo do mundo. Qualquer pessoa que tomar decisão econômica, seja pessoa física ou jurídica, tem que olhar o longo prazo. Não pode ficar olhando a campanha eleitoral, o curto prazo, que não vai tomar decisões para a frente. Esse é um período em que o mercado enxerga com miopia, vê de perto, mas não vê longe. O mercado precifica mal as ações da Petrobras. Para os assalariados, que não são especuladores profissionais, está na hora de comprar essas ações para ter resultado na próxima década, quando terminar o ciclo de vida profissional. Outro investimento fundamental a maturar em 2018, em 2020, é Belo Monte, a terceira maior hidrelétrica do mundo, que dará conforto ao crescimento sustentado sem carência de energia. E tem as concessões em curso na logística. Foi muito importante a Copa para ter um pacote de abrangência nacional, como a reforma dos aeroportos. Foi uma oportunidade histórica muita mal compreendida por quem tem visão de curto prazo e politiza excessivamente a economia. Nem politiza, partidariza no mal sentido. Criaram um alarmismo para tirar proveito político.
A Copa deu gás às obras de infraestrutura?
Não tenho a menor dúvida. Reformar e construir estádios em escala nacional dá um sentido de unidade. O Maracanã não tinha uma reforma como essa há 60 anos. O Mineirão também não tinha há muito tempo. No fim de semana, você ficava vendo futebol, o maior evento brasileiro, e admirando os outros países. O custo é relativamente muito baixo, ao contrário do alarmado. O BNDES financiou R$ 3,5 bilhões. Em termos relativos, é muito pouco face ao benefício. E o BNDES financiou R$ 8,5 bilhões em mobilidade urbana. É positivo para sinalizar uma nova fase, existe uma visão de estadista da presidenta Dilma. O resultado não será no mandato dela, será a partir de 2018.
O sr. fala dos resultados desses investimentos?
Sim, são decisões de longo prazo. Os economistas brasileiros e os homens de negócios ficaram muito acostumados com essa visão de conjuntura. Em termos históricos, é um alarmismo falso porque se você observar com isenção, a taxa de inflação está sob controle. Nos últimos quatro anos, ficou dentro da meta e totalmente sob controle. E aí se faz um carnaval político em torno disso.
Mas a inflação em 12 meses está no teto da meta...
Na série temporal da inflação, se olharmos o que foi no passado, está sob controle e caiu muito abaixo da média histórica. É um patamar muito baixo.
O sr. vê um exagero sobre a questão do controle de preços?
É óbvio que é por causa da campanha política, centrada para derrubar o governo. É uma união de forças para tentar vencer as eleições. O problema é o que, na economia, se chama de profecia autorrealizável. Você contamina as expectativas diariamente. Os empresários que não enxergarem com isenção, que não virem no longo prazo a oportunidade que é investir no país, acabam adiando as decisões e o resultado, no curto prazo, fica ruim. Passamos por um período muito mais difícil por causa dessas decisões paralisadas, em vez de investir.
O pessimismo, que o sr. diz ter fundo eleitoral, contaminou os empresários?
Sim, contaminou. As pessoas não têm coragem de falar. Um aspecto extremamente importante do livro do Thomas Piketty (“O capital no século 21”) é que ele mostra, em série históricas, que os países capitalistas maduros crescem muito pouco. O crescimento no mundo, historicamente, é muito baixo. Ter um crescimento do PIB de 2% ao ano é o padrão normal. Só que é desonestidade intelectual, em muitos casos, comparar com China ou Índia.
Qual seria o nosso parâmetro de comparação?
Estamos muito mais próximos de capitalismos maduros, Europa e Estados Unidos, do que dos países emergentes. O Brasil já passou desse patamar da indústria nascente. O Brasil foi o país que, até 1980, mais cresceu no século 20. Pela taxa média, foi mais de 10% ao ano. Desde então, foram duas décadas perdidas. Depois, teve algum período de taxas maiores após de anos de recessão. Foi a 7,5% em 2010, mas houve uma recessão em 2009. Em 2004, estava tendendo a 6% e o Banco Central freou e acabou crescendo 5,71%. Em 2003, tinha ocorrido a freada para arrumação e foi de 1,5%. O crescimento da renda per capita no mundo foi menor que 2% ao ano, segundo o Piketty. Isso com concentração da riqueza. Ele diz que a renda do capital cresce muito mais do que a renda das pessoas, cerca de seis ou sete vezes mais. Porque o crescimento da renda do trabalho é muito baixo.
O sr. acha que essa é uma questão esquecida na discussão econômica?
O debate no Brasil está há vários anos extremamente pobre porque essa coisa do tripé é uma bobagem. Qualquer manual de macroeconomia fala que há quatro instrumentos de política econômica. Então, qualquer política econômica de qualquer ideologia vai usar os quatro: política monetária, política cambial, política fiscal e controle de capital. Não tem mais o que fazer. Se você reduzir o debate a isso, ter que subir mais um pouco os juros ou ter que baixar mais o câmbio, é de uma pobreza intelectual tremenda e que perde essa perspectiva histórica, que é estratégica.
O crescimento baixo de hoje não tem nada de anormal?
É um padrão de crescimento que vai se sustentar no longo prazo. Não voltaremos a ter as taxas dos anos 50, ou do milagre econômico. Se forçar a economia a ir nesse ritmo de maior crescimento, de 5%, 7% ao ano, provavelmente vai ter inflação. E aí vai frear. A opção, adotada nos outros países, é manter a economia estabilizada, sem inflação, com taxa de desemprego baixo. Por que crescer muito? Qual é a lógica de demanda, de crescimento, de rendas altas? Geralmente é porque se quer taxa de desemprego baixa.
E já estamos com essa taxa baixa.
As mudanças estruturais, que o país está construindo com efeitos extremamente benéficos para a qualidade de vida, vão se consolidar na próxima década. E se faz esse alarmismo de curto prazo — se faz agora e vão fazer em 2018. Em toda época eleitoral, se faz um alarmismo ilusório.
Quais mudanças estruturais?
A diversificação setorial. Com a industrialização anterior, no pós-guerra, o Brasil se tornou uma economia altamente diversificada entre os países emergentes, com uma estrutura muito mais sofisticada do que a grande maioria desses países. E o Brasil está caminhando para se tornar um capitalismo maduro. A grande mudança estrutural que vai pegar na próxima década e nas seguintes é que o Brasil vai se tornar uma economia de petróleo. Um produtor e exportador de petróleo. Bem administrado, isso tende a resolver os problemas de balanço de pagamentos. Com a legislação já aprovada, vai se criar um fundo social com a riqueza soberana, com base nesse petróleo, e vai se dar uma oportunidade de melhorar a qualidade da educação e da saúde, não é só a quantidade. A quantidade, já estamos enfrentando. Isso tudo não se resolve em um governo, mas terá condição de se resolver a longo prazo. E com a continuidade dos programas de financiamento, o déficit habitacional deve acabar até 2030.
Ou seja, é preciso enxergar no longo prazo?
Falta essa visão de longo prazo no debate. Ano eleitoral é um ano de oportunidade para se discutir o país. O que tem que ser colocado, e a imprensa tem um papel chave nisso, é a visão de longo prazo. Vai aprovar quem vai cuidar apenas da estabilização ou quem vai investir no longo prazo? Isso é uma decisão a ser tomada. Se quer baixar a inflação de 6% para 3,5% ao ano, isso vai aumentar a taxa de desemprego. Nessa onda de demagogia política, a pessoa não é honesta intelectualmente em falar isso, porque vai provocar desemprego se baixar a inflação para 3,5%. No que a sociedade vai se beneficiar disso? Vai beneficiar quem tem emprego garantido, quem tem renda, quem tem poder de compra. É o tipo de coisa que não se fala.
Como sair desse cenário de expectativas de menos consumo e investimento?
É o que chamei de profecia autorrealizável, a pessoa mente, mente, acha que aquilo é verdade e passa a tomar decisão com base em mentira.
Isso se reverte após a eleição?
Lembre-se da experiência da eleição de 2002. O que se dizia era que ou o José Serra se elegia, ou seria o caos. Esse era o refrão durante todo o ano: “O Lula vai ser uma catástrofe, vai haver fuga de capital”. Sou testemunha ocular porque participei do governo desde janeiro de 2003.
Como vice-presidente da Caixa?
Exatamente. Eu lembro que, na Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), os banqueiros eram muito reticentes. Eu era representante da Caixa na Febraban. Imediatamente depois de arrumada a casa, começamos a conceder crédito. Começamos com o crédito consignado e o único banco que acompanhou foi o BMG. Quando o Banco Santos quebrou e os bancos privados foram comprar a sua carteira, viram que era um excelente negócio. Tínhamos feito as reformas para fazer a retomada do crédito imobiliário, paralisado desde 2004. A partir de 2005, deslanchou o crédito imobiliário e quebramos todos os recordes. Quando se assume um governo fora dessa pressão política, da eleição, e se faz políticas públicas acertadas, se colhe resultado. Ninguém achava possível acabar com a miséria no Brasil. O país já está caminhando para isso. Mas não é fazer demagogia e falar que isso se resolve em quatro anos. Nenhum problema secular vai acabar em quatro anos, nem em oito ou dez. Estou otimista porque, na próxima década, boa parte dos problemas estará caminhando para ser solucionada.
A confiança foi retomada após a posse do então novo governo?
No segundo semestre de 2003, o crédito direcionado — operações do BNDES, crédito imobiliário da Caixa e crédito agrícola do Banco do Brasil — cresceu mais que os recursos livres. Geralmente, os bancos públicos fazem também o crédito de recursos livres , mas os bancos privados têm mais peso. Quando o crédito cresce, a economia começa a funcionar e, com a demanda de crédito, os bancos privados vão atrás. Então você consegue retomar a economia e aumenta a confiança.
O mercado reage negativamente à reeleição de Dilma. Há algo que constitua um risco em um eventual segundo mandato?
Isso é pura ideologia. Conheço os meus colegas, a minha corporação. Também convivi com banqueiros durante quatro anos e meio na Febraban. Os economistas-chefe são os bobos da corte, são mais realistas que o próprio rei, eles vendem muito mais ideologia do que o silêncio, eles são os mais ideólogos. E chega nessa época, eles ficam fomentando o alarmismo. É uma coisa puramente ideológica porque eles protegem a escola deles. Eles querem derrubar a Dilma porque a Dilma não é da escola deles. Fui professor da Dilma no Doutorado da Unicamp. Claramente, eles estão derrubando uma escola de pensamento. O problema é que não é só ideologia. Os empregadores e a mídia ficam muito impressionados com as opiniões deles e passa a ser uma profecia que se autorrealiza. Isso é o mais grave: tomar decisões equivocadas baseadas em ideologia.
Vai mudar algo se a Dilma for reeleita?
Acho que vai. É necessário rejuvenescer os quadros de governo, dos ministérios.
O ministro Guido Mantega sairia da Fazenda?
É uma questão de geração. Até os próprios ministros que estão no governo desde o início do governo Lula estão desgastados pessoalmente. Politicamente, é uma coisa que chamamos de fadiga material. Faz parte da vida reconhecer que uma geração passou e que tem que abrir espaço para uma nova geração. Tem quadros novos que podem perfeitamente assumir. Por exemplo, o Nelson Barbosa (ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda). Tem experiência, passou por lá, é um quadro novo, supercompetente, pode assumir. O próprio Tombini (Alexandre Tombini, presidente do Banco Central) é um quadro novo e competente. Tem nomes dentro do PT, dos aliados, do mundo acadêmico. Posso falar por mim, posso me aposentar da Unicamp, mas já tem professores que eu formei, uma outra geração muito competente, que está assumindo responsabilidades e que tem plenas condições de trabalhar em governo. Dentro do próprio governo houve muita contratação de profissionais extremamente competentes nesse período, no Ipea, no Banco Central, nos bancos públicos, e que podem assumir. Acho que vai haver uma troca de gerações. Pelo que eu conheço da Dilma e de pessoas que ela respeita, eu acho que vai haver. É natural, não vejo com espanto, está na hora. Qualquer pessoa sensata percebe que está na hora de trocar. O ministro Guido Mantega já quebrou o recorde de permanência no cargo e superou a do ex-ministro Pedro Malan. É preciso novas ideias, novos discursos. Tem que entender que a Dilma tem essa visão de estadista, de que o ponto de chegada não vai ser em 2018, vai ser em 2022. Eu tomo isso como simbólico. O Brasil tem que estar no bicentenário como a quinta maior economia do mundo, produtora de petróleo, com recursos para investir em educação e em saúde e aproveita ainda o bônus demográfico até 2030 e que pode esticar até 2040.
Haveria alguma mudança ou ajuste na condução da política de um eventual segundo mandato?
Se espera e foi criado um certo consenso de que os preços dos combustíveis vão subir mais. No cenário mundial, há algo que todo mundo sabe, mas ignora no debate: ainda estamos em uma conjuntura de crise mundial, a maior crise desde 1929. E vai durar muitos anos a crise na Europa, e os Estados Unidos vão levar tempo para retomar a economia. A China e a Índia são outro caso, com mercados internos imensos. A China está fazendo uma coisa que a Índia ainda não fez e que o Brasil fez até os anos 60, a urbanização. A população urbana ultrapassou a população rural na China um ano ou dois anos atrás. No Brasil, isso ocorreu em 1970. É outro tipo de economia. E a China tem 400 milhões de consumidores, o maior mercado interno mundial. Não dá para comparar com outros países. Comparar o Brasil com o Chile não tem o menor sentido também, é uma economia grande e outra pequena. E se pegar economias grandes, como Estados Unidos, Brasil, e pegar o porte que vai ser a China, daqui a pouco os Estados Unidos vão estar pequenos, porque não crescem. Esse tipo de debate é o que antigamente se chamava de abordagem estruturalista, de quais são as mudanças estruturais importantes que vão dar um crescimento sustentado com decisões tomadas já no presente, mas com reflexo na próxima década.
O sr. vê algum tema que a Dilma possa mudar em um eventual segundo mandato?
Ela e todo o governo que assumir vão tentar manter taxa de desemprego baixa e a inflação sob controle. E ainda bem que a taxa de desemprego ainda está muito baixa. O crescimento habitacional está excelente em termos históricos e esse vai se manter. Depois que passar essa grita, basta ter uma retomada externa que o Brasil — o maior produtor e exportador de alimentos do mundo — vai dar uma retomada na exportação. E tem muito fôlego ainda para consumo no Brasil, porque ainda virá mais mobilidade social. Tem espaço para expandir largamente o mercado interno. Outro equívoco no debate, tanto em economia quanto em política e sociedade, é ser extremamente voltado aos centros metropolitanos. As opiniões são emitidas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Já morei anos nas duas cidades, as frequento e hoje moro em Campinas. Essa visão ultrapessimista de que a qualidade de vida está horrorosa, dos engarrafamentos, é dessas cidades. E vai melhorar porque vai ter investimento em infraestrutura e metrô. Mas isso não é a vida que predomina no resto do país. Todas as capitais têm um trânsito infernal, mas as metrópoles não chegam à metade da economia brasileira. Há críticas ao financiamento de veículos, mas somos um país que é metade da América do Sul. São 5,6 mil municípios, com um potencial de crescimento extraordinário no interior. Há interiorização do desenvolvimento, regiões desenvolvidas em São Paulo, em Minas.
A redução da desigualdade vai continuar?
Esse debate é equivocado. O livro do Piketty mostrou isso. Aconteceu algo extremamente importante, que foi a redução da desigualdade da renda do trabalho. Mas a desigualdade de riqueza, em nenhum país do mundo, seja capitalista ou socialista, se resolveu. O 1% dos mais ricos cada vez mais concentra riqueza. É preciso continuar com políticas públicas para diminuir a desigualdade de renda. Nos EUA e na China, a ênfase é de igualdade de oportunidades, de o cidadão ter condição de melhorar o padrão de vida através principalmente de uma educação maciça de qualidade. Não vai significar que ele vai enriquecer e todo mundo vai ficar igual. Na história humana, sempre tiveram os poderosos e isso nunca diminuiu. Quando diminuiu, houve duas guerras mundiais, uma grande depressão e uma hiperinflação na Europa.
Para o nível de pobreza que o Brasil tinha, as políticas sociais foram importantes?
Para aumentar a sociedade de consumo, é importante diminuir a desigualdade da renda e dar mobilidade social. Outra coisa é discutir se isso vai dar justiça social em termos de igualdade de propriedade, de riqueza. A sociedade vai mudando em qualidade à medida que vai conquistando direitos civis, políticos, sociais. Eu acho que o século 21 vai ser de conquista de direitos econômicos. Porque o capital de origem trabalhista, dos fundos de pensão, está se tornando cada vez mais importante no mundo capitalista. Os partidos de origem trabalhista, criados a partir de sindicatos, estão ficando cada vez mais importantes. A social-democracia europeia e nórdica deu as melhores condições de vida do mundo por causa de vários partidos socialistas e sociais-democratas de origem trabalhista. Isso leva, em longo prazo, a mudanças qualitativas, não é uma revolução súbita, como foi a revolução na Rússa ou na China. É uma mudança ao longo do tempo, não sei se neste ou no próximo século. Baseado na experiência histórica, as conquistas dos direitos vão aumentar cada vez mais.
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