Da Rede Brasil Atual – RBA
O economista e presidente da Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann, considera que as propostas de autonomia do Banco Central são prejudiciais à democracia brasileira, ainda em construção, e que é fundamental que a população possa influenciar diretamente nas ações de controle do sistema financeiro.
“É difícil imaginar um país que conceda na lei uma autonomia ao Banco Central. Isso a meu ver compromete ainda mais a democracia porque o povo trabalhador sempre tem poucas oportunidades de manifestar sua opinião”, avaliou Pochmann em seu comentário de desta quarta-feira (27), à Rádio Brasil Atual. “A eleição é uma demonstração de opinião, de consciência do povo. O núcleo estratégico de um governo passa a ser autônomo, sem ter voto, sem ter participação popular. Isso, obviamente, dá uma oportunidade adicional para ser um núcleo que termina contaminado pelos interesses econômicos predominantes no país.”
Entre os três principais candidatos à presidência da República, dois, Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB), defendem a independência do Banco Central em relação ao controle do Estado, ao passo que Dilma Rousseff (PT), que disputa a reeleição, entende que é fundamental que exista poder do governo de influenciar nas escolhas de diretores e em temas como câmbio e taxa de juros, ainda que exista autonomia operacional. Hoje, o presidenta da República é responsável pela indicação da diretoria do BC.
Pelas propostas de Aécio e Marina, o BC continuaria a ter presidente e diretores nomeados pelo chefe de Estado, mas com um mandato de seis anos que só poderia ser revogado em caso de envolvimento em corrupção, e não mais por atuar em dissonância com as linhas prioritárias de determinado governo. Os principais assessores econômicos dos dois candidatos, Armínio Fraga e Eduardo Giannetti, entendem que a independência deixaria a entidade de controle do sistema financeiro a salvo de pressões e oscilações políticas. Também a coordenadora-geral de campanha de Marina, Neca Setúbal, uma das herdeiras do banco Itaú, defende a proposta de tornar o BC mais alinhado a instituições financeiras como a que ela comanda.
Quem discorda desta linha de pensamento, porém, avalia que a proclamada independência simplesmente deixa o Banco Central exposto às decisões do mercado financeiro. Segundo esse ponto de vista, o governo não pode prescindir da autoridade monetária. “É fundamental que a população continue tendo participação, o poder de tirar e colocar pessoas, porque é para isso que serve a democracia, é para isso que a política é constituída: para servir à população, e não o contrário”, adverte Pochmann.
Contexto
Nos últimos meses corporações do mundo das finanças têm feito campanha contra Dilma. Além da presença de herdeira do Itaú como braço direito de Marina, o Santander enviou recentemente cartilha a clientes na qual associa a uma derrota da petista uma melhora nos investimentos em empresas estatais com ações cotadas em bolsa. O banco espanhol afirmou ter se tratado de atitude isolada, conduzida por um grupo de analistas demitidos em seguida, mas o texto de recomendação de investimento não funcionou como caso isolado: várias consultorias passaram a apostar que um triunfo da oposição nas urnas será bom para ganhar dinheiro com as empresas públicas, e algumas falaram em cenário catastrófico em caso de vitória da petista.
Uma das explicações para os humores do mercado, que acaba se refletindo em expectativas negativas entre a população como um todo, pode estar na taxa de juros. No segundo ano do governo Dilma, o BC levou a Selic a 7,25% ao ano, o nível mais baixo da história. Depois disso, as taxas voltaram a subir, até o patamar atual, de 11%. Mas, na visão de Pochmann, as instituições não perdoaram ter a margem de lucro reduzida pela remuneração que o governo dá ao setor financeiro – a taxa de juros baliza a remuneração pelos títulos da dívida pública.
“A posição diametralmente oposta à do governo, expressa por uma parte dos bancos, é de que embora estejam ganhando muito, estão ganhando menos”, avalia. Ele apresenta o cálculo de que, em 2002, ao final do governo de Fernando Henrique Cardoso, o governo entregava ao setor financeiro o equivalente a 14,2% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto no ano passado repassou 5,7% do PIB. A diferença se explica, entre outros fatores, pelo patamar da taxa de juros, que chegou a 45% na gestão de Armínio Fraga à frente do Banco Central, encerrada com uma Selic de 22% ao ano. “Os bancos não tiveram perdas, mas deixaram de ganhar uma parte, e essa parte que deixaram de ganhar foi direcionada para políticas públicas, política de investimento público, transferência de renda, salário mínimo.”
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