segunda-feira, outubro 29, 2012

LULA, O CONSTRUTOR DE VITÓRIAS


Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Do Conversa Afiada

Desde o interior da empresa de entretenimento, notícias e desinformação Globo, o partido de fato cujo norte político tem sido atacar o governo petista da maneira que puder

Saiu na Carta Maior:

LULA, O CONSTRUTOR DE VITÓRIAS
Nas eleições municipais de São Paulo vencidas ontem pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva confirmou ser o único presidente latino-americano que mantem intacta sua influência e a capacidade de conduzir as linhas de um projeto de poder de longo prazo. Basta fazer uma comparação rápida pelo continente para demonstrar a tese. Se a eleição de Dilma Rousseff há dois anos se deveu em grande parte ao ex-mandatário, a de Haddad foi uma obra que ele projetou e montou peça por peça desde o início, sob o olhar incrédulo da maioria, inclusive dentro do PT. O artigo é de Darío Pignotti, do Página/12.

Brasília – Nas eleições municipais de São Paulo vencidas ontem pelo PT, seu líder Luiz Inácio Lula da Silva confirmou ser o único presidente latino-americano que mantem intacta sua influência e a capacidade de conduzir as linhas de um projeto de poder de longo prazo. Basta fazer uma comparação rápida pelo continente para demonstrar a tese. Há três meses, o presidente mexicano Felipe Calderón Hinojosa fracassou em sua tentativa de fazer com que sua agrupação, o direitista Partido Ação nacional, continuasse no poder no próximo mandato. Na Colômbia, o ex-presidente Álvaro Uribe viu seu projeto de poder belicista ser arquivado por seu sucessor, Juan Manuel Santos, um direitista envolvido hoje no diálogo de paz com a guerrilha das FARC.

A eleição de Fernando Haddad foi, sem dúvida, um triunfo da perspicácia política do ex-mandatário.

Comunicando-se por momentos com sinais devido a um tumor na laringe, Lula convenceu a cúpula do PT, há um ano, para que o até então pouco conhecido Fernando Haddad, fosse o candidato à prefeitura de São Paulo. Estava só. Os médicos tinham diagnosticado seu câncer no dia 28 de outubro de 2011. No dia 30 começou as sessões de quimioterapia e, na mesma semana, chamou seus companheiros para conversar sobre a ideia que vários viam como um capricho: a postulação desse graduado em Direito, Economia e Filosofia, autor de uma tese de doutorado sobre novas leituras de Marx, que nunca havia disputado um cargo majoritário. Finalmente, a direção petista acatou a candidatura do afilhado político de Lula em novembro do ano passado e a oposição ligada ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, líder do Partido da Socialdemocracia Brasileira (PSDB) comemorou antecipadamente o que imaginou seria uma derrota humilhante do PT nas eleições nesta cidade-estado de 11 milhões de habitantes que é São Paulo.

Dono se uma sensibilidade política impar, Lula se envolveu não só na defesa desse professor de 49 anos, que foi eleito ontem com mais de 56% dos votos, mas na nacionalização da eleição. Era praticamente o único petista convencido que seu partido era capaz de vencer em São Paulo e desferir assim um golpe no fígado da direita que havia feito da maior metrópole sulamericana uma trincheira ao projeto iniciado em 2003 com a chegada do maior partido da esquerda latino-americana ao Palácio do Planalto.

Essa obstinação colocou Lula a beira do ridículo midiático.

Desde o interior da empresa de entretenimento, notícias e desinformação Globo, o partido de fato cujo norte político tem sido atacar o governo petista da maneira que puder, surgiu a interpretação disseminada com força viral nos círculos políticos, de que o ex-torneiro mecânico estava debilitado por sua enfermidade e isso tinha feito feito com que ele perdesse o sentido da realidade ao pretender que o “poste” Haddad se tornasse um candidato viável.

A Globo baseava sua argumentação em um dado correto, o de que o postulante à prefeitura era um nada eleitoralmente, já que há 90 dias,
somente 3% dos paulistanos sabia de sua existência.

Ao longo da campanha, a Globo tratou Haddad com o mesmo script adotado em 2010 quando sua linha editorial foi mostrar a então candidata presidencial Dilma Rousseff como uma “ex-terrorista” sem luzes, tese urdida por Fernando Henrique Cardoso que a tratou como uma “marionete de Lula”. Cardoso e a Globo erraram o diagnóstico: Dilma demonstrou ter identidade própria e venceu as eleições presidenciais com 56 milhões de votos, derrotando Serra, do PSDB, o mesmo candidato que ontem foi derrotado por Fernando Haddad, em São Paulo.

Se a eleição de Dilma Rousseff há dois anos se deveu em grande parte ao ex-mandatário, a de Haddad foi uma obra que ele projetou e montou peça por peça desde o início, sem contar com a visibilidade que lhe dava o exercício da presidência.

Lula é um construtor obcecado e é o verdadeiro vencedor da eleição de ontem, a qual chegou a definir como uma “guerra” diante do bloco conservador que havia tomado como bandeira de campanha o escândalo de corrupção conhecido como “mensalão”, ocorrido durante seu governo entre 2003 e 2005.

A quimioterapia afetou o timbre de sua voz, mas isso não o impediu de participar como um militante de base em dezenas de atos em favor de Haddad e de dezenas de candidatos a prefeituras em todo o país antes do primeiro turno de 7 de outubro. Após um breve recesso em 17 de outubro quando viajou a Buenos Aires para reunir-se com a presidenta Cristina Fernández de Kirchner, no dia 19 Lula já estava animando outro comício em São Paulo na reta final do segundo turno realizado neste domingo.

A vigência política de Lula logo depois de deixar o governo é outro dado pouco usual na América Latina: nas recentes eleições presidenciais do México, o presidente Felipe Calderón foi derrotado pela oposição. Algo similar ocorre na Colômbia, onde o ex-presidente Álvaro Uribe viu seu projeto de guerra ser deixado de lado por seu sucessor Juan Manuel Santos em troca dos incipientes diálogos de paz com as FARC.

“Quero agradecer do fundo do meu coração ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sou grato ao presidente Lula pela confiança e o apoio sem os quais teria sido impossível vencer essa eleição”, disse Haddad diante de seus correligionários que se preparavam para os festejos na Avenida Paulista.

Haddad também agradeceu à presidenta Dilma que, na sexta-feira, havia
participado de uma festa privada por ocasião do aniversário de Lula que, no sábado, completou 67 anos.

O triunfo em São Paulo e o bom desempenho do partido governante nos 5.568 municípios que realizaram eleições em 7 de outubro, dos quais 50 tiveram segundo turno ontem, também foi uma vitória para Dilma, de 64 anos, ao cumprir a primeira metade de seu governo.

Haddad conquistou a confiança de Lula graças à sua gestão como ministro da Educação entre 2005 e 2012, quando implementou um programa de bolsas para estudantes pobres, o Prouni, que permitiu que cerca de um milhão de jovens chegassem à universidade. Agora deverá demonstrar que é competente para governar São Paulo e, se o fizer, confirmará seu nome como uma referência da nova geração petista, essa que Lula imagina, poderá governar o país na próxima década. Essa é a aposta de longo prazo do fundador do PT.

@DarioPignotti

Tradução: Katarina Peixoto

quinta-feira, outubro 25, 2012

A última eleição sob a tutela da Globo





A sólida dianteira de Haddad em SP, reafirmada pelo Ibope e o Datafolha desta 5ª feira, deixa ao conservadorismo pouca margem para reverter uma vitória histórica do PT; talvez a derradeira derrota política do seu eterno delfim, José Serra. Ainda assim há riscos. Não são pequenos. Eles advém menos da vontade aparentemente definida do eleitor, do que da disposição midiática para manipulá-la, nas poucas horas que antecedem o pleito de domingo.

Há alguma coisa de profundamente errado com a liberdade de expressão num país quando, a cada escrutínio eleitoral, a maior preocupação de uma parte da opinião pública e dos partidos, nos estertores de uma campanha como agora, não se concentra propriamente no embate final de idéias, mas em prevenir-se contra a 'emboscada da véspera''.

Não se argui se ela virá; apenas como e quando a maior emissora de televisão agirá na tentativa de raptar o discernimento soberano da população, sobrepondo-lhe seus critérios, preferências e interditos.
Tornou-se uma aflita tradição nacional acompanhar a contagem regressiva dessa fatalidade.

A colisão entre a festa democrática e a usurpação da vontade das urnas por um interdito que se pronuncia de véspera, desgraçadamente instalou-se no calendário eleitoral. E o corrói por dentro, como uma doença maligna que pode invalidar a democracia e desfibrar a sociedade.

A evidencia mais grave dessa anomalia infecciosa é que todos sabem de que país se fala; qual o nome do poder midiático retratado e que interesses ele dissemina.
Nem é preciso nominá-los. E isso é pouco menos que uma tragédia na vida de uma Nação.
De novo, a maleita de pontualidade afiada rodeia o ambiente eleitoral no estreito espaço que nos separa das urnas deste 28 de outubro.

Em qualquer sociedade democrática uma vantagem de 15 pontos como a de Haddad hoje, seria suficiente para configurar um pleito sereno e definido.
Mas não quando uma única empresa possui 26 canais de televisão, dezenas de rádios, jornal impresso, editora, produção de cinema, vídeo, internet e distribuição de sinal e dados.

Tudo isso regado por uma hegemônica participação no mercado publicitário, inclusive de verbas públicas: a TV Globo, sozinha, receberá este ano mais de 50% da verba publicitária de televisão do governo Dilma.

Essa concentração anômala de munição midiática desenha um cerco de incerteza e apreensão em torno da democracia brasileira.

Explica porque, a três dias das eleições municipais de 2012, pairam dúvidas sobre o que ainda pode acontecer em São Paulo, capaz de fraudar a eletrizante vitória petista contra o adversário que tem a preferência do conservadorismo e da plutocracia.
Não há nessa apreensão qualquer traço de fobia persecutória.
Há antecedentes. E são abundantes a ponto de justificá-la.

Múltiplas referenciais históricas estão documentadas. Há recorrência na intervenção indevida que mancha, enfraquece e humilha a democracia,como um torniquete que comprime a liberdade das urnas.

Mencione-se apenas a título ilustrativo três exemplos de assalto ao território que deveria ser inviolável, pelo menos muitos lutaram para que fosse assim; e não poucos morreram por isso.

Em 1982, a Rede Globo e o jornal O Globo arquitetaram um sistema paralelo de apuração de votos nas eleições estaduais do Rio de Janeiro.
Leonel Brizola era favorito, mas o candidato das Organizações Globo, Moreira Franco, recebera privilégios de cobertura e atenção que antecipavam o estupro em marcha das urnas.
Ele veio na forma de um contagem paralela - contratada pela Globo - que privilegiaria colégios do interior onde seu candidato liderava, a ponto de se criar um 'consenso' de vitória em torno do seu nome.

O assédio só não se consumou porque Brizola recusou o papel de hímen complacente à fraude.

O gaúcho recém chegado do exílio saiu a campo, convocou a imprensa internacional, denunciou o golpe em marcha e brigou pelo seu mandato. Em entrevista histórica --ao vivo, por sua arguta exigência, Brizola denunciou a manobra da Globo falando à população através das câmeras da própria emissora.

Venceu por uma margem de 4 pontos. Não fosse a resistência desassombrada, a margem pequena seria dissolvida no contubérnio entre apurações oficiais e paralelas.
Em 1983 os comícios contra a ditadura e por eleições diretas arrastavam multidões às ruas e grandes praças do país.

A Rede Globo boicotou as manifestações enquanto pode, mantendo esférico silêncio sobre o assunto. O Brasil retratado em seu noticioso era um lago suíço de resignação.
No dia 25 de janeiro de 1984, aniversário da cidade, São Paulo assistiu a um comício monstro na praça da Sé. Mais de 300 mil vozes exigiam democracia, pediam igualdade, cobravam eleições.

O lago tornara-se um maremoto incontrolável. A direção editorial do grupo que hoje é um dos mais aguerridos vigilantes contra a 'censura' na Argentina, Venezuela e outros pagos populistas, abriu espaço então no JN para uma reportagem sobre a manifestação. Destinou-lhe dois minutos e 17 segundos.

Compare-se: na cobertura do julgamento em curso da Ação penal 470, no STF, o mesmo telejornal dispensou mais de 18 minutos nesta terça-feira a despejar ataques e exibicionismos togados contra o PT, suas lideranças e o governo Lula.
Naquele 25 de janeiro estava em causa, de um lado, a democracia; de outro, a continuidade da ditadura.

Esse confronto mereceu menos de 1/6 do tempo dedicado agora ao julgamento em curso no STF. Com um agravante fraudulento: na escalada do JN, a multidão na praça da Sé foi associada, "por engano", explicou depois a emissora, 'a um show em comemoração aos 430 anos da cidade'. Passemos...

Em 1989, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello realizariam o debate final de uma disputa acirrada e histórica: era o primeiro pleito presidencial a consolidar o fim da ditadura militar.

No confronto do dia 14 de dezembro Collor teve desempenho pouco superior ao de Lula. Mas não a ponto de reverter uma tendência de crescimento do ex-líder metalúrgico; tampouco suficiente para collorir os indecisos ainda em número significativo.
A Globo editou o debate duas vezes. Até deixá-lo 'ao dente', para ser exibido no Jornal Nacional.

Collor teve um minuto e oito segundos a mais que Lula; as falas do petista foram escolhidas entre as suas intervenções mais fracas; as do oponente, entre as suas melhores.

Antes do debate a diferença de votos entre os dois era da ordem de 1%, a favor de Collor; mas Lula crescia. Depois do cinzel da Globo, Collor ampliou essa margem para 4 pontos e venceu com quase 50% dos votos;Lula teve 44%. As consequências históricas dessa maquinação são sabidas.

São amplamente conhecidas também as reiterações desse tipo de interferência nos passos posteriores que marcaram a trajetória da democracia brasileira.

Ela se fez presente como obstaculo à vitória de Lula em 2002; catalisou a crise de seu governo em 2005 --quando se ensaiou um movimento de impeachment generosamente ecoado e co-liderado pelo dispositivo midiático conservador; atuou no levante contra a reeleição de Lula em 2006 e agiu na campanha ostensiva contra Dilma, em 2010.
A indevida interferência avulta mais ainda agora. Há sofreguidão de revide e um clima de 'agora ou nunca' no quase linchamento midiático promovido contra o PT, em sintonia com o calendário e o enredo desfrutáveis, protagonizados por togas engajadas no julgamento em curso do chamado mensalão'.

Pouca dúvida pode haver quanto aos objetivos e a determinação férrea que vertem desse repertório de maquinações, sabotagens e calúnias disseminadas.
Sua ação corrosiva arremete contra tudo e todos cuja agenda e biografia se associem à defesa do interesse público, do bem comum e da democracia social.Ou, dito de outro modo, visa enfraquecer o Estado soberano, desqualificar valores e princípios solidários que sustentam a convivência compartilhada.

Os governantes e as forças progressistas brasileiras não tem mais o direito --depois de 11 anos no comando do Estado- de ignorar esse cerco que mantem a democracia refém de um poder que só a respeita enquanto servir como lacre de chumbo de seus interesses e privilégios.

Os requintes de linchamento que arrematam o espetáculo eleitoral em que se transformou a ação Penal 470, ademais da apreensão com a 'bala de prata midiática' que possa abalar a vitória do PT de SP, não são fenômenos da exclusiva cepa conservadora.

A conivência federal com o obsoleto aparato regulador do sistema nacional de comunicações explica um pedaço desse enredo. Ele esgotou a cota de tolerância das forças que elegeram Lula e sustentam Dilma no poder.

O país não avançará nas trasformações econômicas e sociais requeridas pela desordem neoliberal se não capacitar o discernimento político de mais de 40 milhões de homens e mulheres que sairam da pobreza, ascenderam na pirâmide de renda e agora aspiram à plena cidadania.
A histórica obra de emancipação social iniciada por Lula não se completará com a preservação do atual poder de veto que o dispositivo midiático conservador detém no Brasil.

Persistir na chave da cumplicidade, acomodação e medo diante desse aparato tangencia a irresponsabilidade política.

Mais que isso: é uma assinatura de contrato com a regressão histórica que o governo Dilma e as forças que o sustentam não tem o direito de empenhar em nome do povo brasileiro.

Que a votação deste domingo seja a última tendo as urnas como refém da rede Globo, dos seus anexos, ventríloquos e assemelhados. Diretas, já! Esse é um desejo histórico da luta democrática brasileira. Carta Maior tem a certeza de compartilhá-lo com seus leitores e com a imensa maioria dos homens e mulheres que caminharão para a urna neste domingo dispostos a impulsionar com o seu voto esse novo e inadiável divisor da nossa história.
Bom voto.
Postado por Saul Leblon

Carta Maior

terça-feira, outubro 23, 2012

Supremo político


No Estado Novo esta mesma corte autorizou a entrega de uma judia comunista para morrer nas Câmaras de Gás de Hitler. Esteve dentro da estrita legalidade de uma Ditadura. Em 1988 recebemos um ordenamento jurídico resultante da luta contra o terrorismo de Estado que imperou no Brasil depois de 1964. A condenação de José Dirceu mostra que o consenso de 1988 mudou. Doravante, empresários, políticos e lideres de movimentos sociais terão grande dificuldade de se defender no STF. A não ser que o julgamento tenha sido de exceção! O artigo é de Lincoln Secco.
Lincoln Secco (*) - Vi o Mundo



(*) Artigo especial para o Viomundo.

Conta-nos George Duby que no século XII o cavaleiro Guilherme Marechal descobriu uma jovem dama e um monge em fuga. Ao saber que se dirigiam a uma cidade para empregar seu dinheiro a juros, ele ordenou a seu escudeiro que lhes retirassem o dinheiro. Para ele aquilo não era roubo! Ele não tocou na jovem, não impediu que continuassem e nem lhes tomou a bagagem. Nem mesmo quis ficar com o dinheiro tomado pelo escudeiro. É que para a moral da cavalaria o metal era vil, a acumulação desonrada e a usura um pecado.

Ninguém nos dias de hoje concordaria com aquele “Direito Medieval”. Todo o Direito corresponde ao seu tempo e à leitura política que predomina numa sociedade.

No caso do Supremo Tribunal Federal, a sua natureza política se torna quase transparente. É que os juízes do STF não fazem concurso, eles são indicados. A Constituição garante ao Presidente da República e à maioria que ele constitui no Senado Federal, o poder de interferir na sua composição.

Dessa forma é dever constitucional do presidente nomear pessoas que estejam de acordo com a correlação de forças políticas que a população livremente estabeleceu pelo voto. Quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito, ele nomeou juízes que estavam afinados com o seu projeto liberal de privatizações. Nomeou pessoas que deveriam criar o ordenamento jurídico dentro do qual ele ergueu o modelo econômico escolhido pelo povo. Caberia aos juízes inviabilizar questionamentos que duvidassem das privatizações, por exemplo.

Em 2002 o povo escolheu um novo modelo de desenvolvimento oposto ao anterior e era esperado do presidente que nomeasse para o STF juízes que calçariam o sua opção pelo social com uma segurança jurídica mínima que impedisse ações contra sua política de cotas ou seus programas de transferência de renda, por exemplo. Mas, ao contrário de FHC, Lula seguiu uma interpretação errônea do que seria a República.

Ocorre que se o STF não é politizado pelo presidente ele o é pela oposição. É que o Direito não é só um conjunto de fatos ou normas, como rezam os positivistas, mas a expressão de uma relação de poder. Se um lado hesita em exercê-lo o outro o fará. Nada disso atenta contra a Democracia. Esta é apenas a forma de um domínio encoberto pelo consenso da sociedade. A violação do direito ocorre se um dos lados usa a força e se põe fora da legalidade.

Até ontem, o consenso jurídico era o de que na dúvida prevalecia a absolvição do réu. Cabia ao acusador fornecer a prova, e não o contrário. Provas não podiam ser substituídas pela crença espírita de que uma pessoa devia necessariamente conhecer determinado fato. Todo cidadão tinha o direito de ser julgado em mais de uma instância.

No século XIX havia escravos que iam às barras do tribunal para requerer a liberdade alegando que teriam ingressado cativos no Brasil depois da proibição do tráfico. E quando perdiam num Tribunal da Relação, podiam recorrer até a última instância, embora a nossa mais alta corte defendesse a escravidão.

No Estado Novo esta mesma corte autorizou a entrega de uma judia comunista para morrer nas Câmaras de Gás de Hitler. Esteve dentro da estrita legalidade de uma Ditadura. Em 1988 recebemos um ordenamento jurídico resultante da luta contra o terrorismo de Estado que imperou no Brasil depois de 1964.

A condenação de José Dirceu mostra que o consenso de 1988 mudou. Doravante, empresários, políticos e lideres de movimentos sociais terão grande dificuldade de se defender no STF.

A não ser que o julgamento tenha sido de exceção!

Neste caso, tudo voltará a ser como antes. Mas então a ilusão que a esquerda acalentou na democracia será posta em causa e ela poderá se voltar aos exemplos tão temidos pela oposição, como a Argentina, a Bolívia, o Equador e a Venezuela.

(*) Lincoln Secco é professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

O fato é que o seu sonho é curto e a duração não ultrapassará a quantidade de tempo que as elites considerarem necessário para desconstruir um governo e um ex-presidente que lhes incomoda profundamente.


O Conversa Afiada reproduz artigo de Jacinto Ramatis no Viomundo:


RAMATIS JACINO: O SONHO DO MINISTRO JOAQUIM BARBOSA PODE VIRAR PESADELO


por Ramatis Jacino


Negros que escravizam e vendem negros na África, não são meus irmãos
Negros senhores na América a serviço do capital, não são meus irmãos
Negros opressores, em qualquer parte do mundo, não são meus irmãos…
Solano Trindade


O racismo, adotado pelas oligarquias brasileiras para justificar a exclusão dos negros no período de transição do modo de produção escravista para o modo de produção capitalista, foi introjetado pelos trabalhadores europeus e seus descendentes, que aqui aportaram beneficiados pelo projeto de branqueamento da população brasileira, gestado por aquelas elites.

Impediu-se, assim, alianças do proletariado europeu com os históricos produtores da riqueza nacional, mantendo-os com ações e organizações paralelas, sem diálogos e estratégias de combate ao inimigo comum. Contudo, não há como negar que o conjunto de organizações sindicais, populares e partidárias, além das elaborações teóricas classificadas como “de esquerda”, sejam aliadas naturais dos homens e mulheres negros, na sua luta contra o racismo, a discriminação e a marginalização a que foram relegados.

No campo oposto do espectro ideológico e social, as organizações patronais, seus partidos políticos e as teorias que defendem a exploração do homem pelo homem, que classificamos de “direita”, se baseiam na manutenção de uma sociedade estamental e na justificativa da escravidão negra, como decorrência “natural” da relação estabelecida entre os “civilizados e culturalmente superiores europeus” e os “selvagens africanos”.

É equivocada, portanto, a frase de uma brilhante e respeitada filósofa negra paulistana de que “entre direita e esquerda, eu sou preta”, uma vez que coloca no mesmo patamar os interesses de quem pretende concentrar a riqueza e poder e àqueles que sonham em distribuí-la e democratizá-la. Afirmação esta, que pressupõe alienação da população negra em relação às disputas políticas e ideológicas, como se suas demandas tivessem uma singularidade tal que estariam à margem das concepções econômicas, de organização social, políticas e culturais, que os conceitos de direita e esquerda carregam.

As elites brasileiras sempre utilizaram indivíduos ou grupos, oriundos dos segmentos oprimidos para reprimir os demais e mantê-los sob controle. Capitães de mato negros que caçavam seus irmãos fugidos, capoeiristas pagos para atacarem terreiros de candomblé, incorporação de grande quantidade de jovens negros nas polícias e forças armadas, convocação para combater rebeliões, como a de Canudos e Contestado, são exemplos da utilização de negros contra negros ao longo da nossa história.

Havia entre eles quem acreditasse ter conquistado de maneira individual o espaço que, coletivamente, era negado para o seu povo, iludindo-se com a idéia de que estaria sendo aceito e incluído naquela sociedade. Ansiosos pela suposta aceitação, sentiam necessidade de se mostrarem confiáveis, cumprindo a risca o que se esperava deles, radicalizando nas ações, na defesa dos valores dos poderosos e da ideologia do “establishment” com mais vigor e paixão do que os próprios membros das elites. A tragédia, para estes indivíduos – de ontem e de hoje -, se estabelece quando, depois de cumprida a função para a qual foram cooptados são devolvidos à mesma exclusão e subalternidade social dos seus irmãos.

São inúmeros os exemplos deste descarte e o mais notório é a história de Celso Pitta, eleito prefeito da maior cidade do país, apoiado pelos setores reacionários, com a tarefa de implementar sua política excludente.

Depois de alçado aos céus, derrotando uma candidata de esquerda que, quando prefeita privilegiou a população mais pobre – portanto, negra – foi atirado ao inferno por aqueles que anteriormente apoiaram sua candidatura e sua administração. Execrado pela mídia que ajudou a elegê-lo, abandonado por seus padrinhos políticos, acabou processado e preso, de forma

humilhante, de pijama, algemado em frente às câmeras de televisão. Morreu no ostracismo, sepultado física e politicamente, levando consigo as ilusões daqueles que consideram que a questão racial passa ao largo das opções político/ideológicas.

A esquerda, por suas origens e compromissos, em que pese o fato de existirem pessoas racistas que se auto intitulam de esquerda, comporta-se de maneira diversa: foi um governo de esquerda que nomeou cinco ministros de Estado negros; promulgou a lei 10.639, que inclui a história da África e dos negros brasileiros nos currículos escolares; criou cotas em universidades públicas; titulou terras de comunidades quilombolas e aprofundou relações diplomáticas, econômicas e culturais com o continente africano.

Joaquim Barbosa se tornou o primeiro ministro negro do STF como decorrência do extraordinário currículo profissional e acadêmico, da sua carreira e bela história de superação pessoal. Todavia, jamais teria se tornado ministro se o Brasil não tivesse eleito, em 2003, um Presidente da República convicto que a composição da Suprema Corte precisaria representar a mistura étnica do povo brasileiro.

Com certeza, desde a proclamação da República e reestruturação do STF, existiram centenas, talvez milhares de homens e mulheres negras com currículo e história tão ou mais brilhantes do que a do ministro Barbosa.

Contudo, nunca passou pela cabeça dos presidentes da República – todos oriundos ou a serviço das oligarquias herdeiras do escravismo – a possibilidade de indicar um jurista negro para aquela Corte. Foi necessário um governo de esquerda, com todos os compromissos inerentes à esquerda verdadeira, para que seu mérito fosse reconhecido.

A despeito disso, o ministro Barbosa, em uníssono com o Procurador Geral da República, considera não haver necessidade de provas para condenar os réus da Ação Penal 470. Solidariza-se com as posições conservadoras e evidentemente ideológicas de alguns dos demais ministros e, em diversas ocasiões procura ser “mais realista do que o próprio rei”.

Cumpre exatamente o roteiro escrito pela grande mídia ao optar por condenar não uma prática criminosa, mas um partido e um governo de esquerda em um julgamento escandalosamente político, que despreza a presunção de inocência dos réus, do instituto do contraditório e a falta de provas, como explicitamente já manifestaram mais de um dos integrantes daquela Corte.

Por causa “desses serviços prestados” é alçado aos céus pela mesma mídia que, faz uma década, milita contra todas as iniciativas promotoras da inclusão social protagonizadas por aquele governo, inclusive e principalmente, àquelas que tentam reparar as conseqüências de 350 anos de escravidão e mais de um século de discriminação racial no nosso país.

O ministro vive agora o sonho da inclusão plena, do poder de fato, da capacidade de fazer valer a sua vontade. Vive o sonho da aceitação total e do consenso pátrio, pois foi transformado pela mídia em um semideus, que “brandindo o cajado da lei, pune os poderosos”.

Não há como saber se a maximização do sonho do ministro Joaquim Barbosa é entrar para a história como um juiz implacável, como o mais duro presidente do STF ou como o primeiro presidente da República negro, como já alardeiam, nas redes sociais e conversas informais, alguns ingênuos, apressados e “desideologizados” militantes do movimento negro.

O fato é que o seu sonho é curto e a duração não ultrapassará a quantidade de tempo que as elites considerarem necessário para desconstruir um governo e um ex-presidente que lhes incomoda profundamente.

Elaborar o maior programa de transferência de renda do mundo, construir mais de um milhão de moradias populares, criar 15 milhões de empregos, quase triplicar o salário mínimo e incluir no mercado de consumo 40 milhões de pessoas, que segundo pesquisas recentes é composto de 80% de negros, é imperdoável para os herdeiros da Casa Grande. Contar com um ministro negro no Supremo Tribunal Federal para promover a condenação daquele governo é a solução ideal para as elites, que tentam transformá-lo em instrumento para alcançarem seus objetivos.

O sonho de Joaquim Barbosa e a obsessão em demonstrar que incorporou, na íntegra, as bases ideológicas conservadoras daquele tribunal e dos setores da sociedade que ainda detém o “poder por trás do poder” está levando-o a atropelar regras básicas do direito, em consonância com os demais ministros, comprometidos com a manutenção de uma sociedade excludente, onde a Justiça é aplicada de maneira discricionária.

A aproximação com estes setores e o distanciamento dos segmentos a quem sua presença no Supremo orgulha e serve de exemplo, contribuirão para transformar seu sonho em pesadelo, quando àqueles que o promoveram à condição de herói protagonizarem sua queda, no momento que não for mais útil aos interesses dos defensores do “apartheid social e étnico” que ainda persiste no país.

Certamente não encontrará apoio e solidariedade nos meios de esquerda, que são a origem e razão de ser daquele que, na Presidência da República, homologou sua justa ascensão à instância máxima do Poder Judiciário. Dos trabalhadores das fábricas e dos campos, dos moradores das periferias e dos rincões do norte e nordeste, das mulheres e da juventude, diretamente beneficiados pelas políticas do governo que agora é atingido injustamente pela postura draconiana do ministro, não receberá o apoio e o axé que todos nós negros – sem exceção – necessitamos para sobreviver nessa sociedade marcadamente racista.


Ramatis Jacino é professor, mestre e doutorando em História Econômica pela USP e presidente do INSPIR – Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial.

segunda-feira, outubro 22, 2012

A luta de Chávez

Da Folha


Luiz Carlos Bresser-Pereira

Sua retórica dá a impressão de que ele vá implantar o socialismo, mas seus atos deixam claro que não

Se as liberdades e o sufrágio universal estão assegurados, a democracia, garantida, e os cidadãos não estão ameaçados de expropriação por políticos revolucionários, não há razão para cidadãos com espírito republicano votarem em candidatos que defendem interesses dos ricos.

Eles estarão agindo de acordo com princípios de justiça se escolherem candidatos razoavelmente competentes que estejam comprometidos com os interesses dos pobres.

Estas considerações podem ser relevantes para eleitores de classe média decidirem seu voto, mas o que decide eleições é o voto dos pobres, como acabamos de ver na reeleição de Hugo Chávez na Venezuela.

Sua nova vitória comprova que a Venezuela é uma democracia e que os pobres lograram votar de acordo com seus interesses. Mas mostra também que os venezuelanos de classe média que nele votaram não defenderam seus interesses oligárquicos, mas os da maioria. Agiram conforme o critério republicano.

Chávez não é um revolucionário, mas um reformador. Sua retórica relativa ao "socialismo bolivariano" dá a impressão de que está prestes a implantar o socialismo no país, mas seus atos deixam claro que não tem essa intenção nem esse poder.

Essa mesma retórica alimenta a oposição local e dos Estados Unidos -uma potência imperial que, desde que ele foi eleito pela primeira vez, procura desestabilizá-lo.

Mais importantes, porém, são suas ações de governo. Essas apresentaram resultados impressionantes.

A renda per capita, que em 1999 era de US$ 4.105, passou a US$ 10.810 em 2011; a pobreza extrema foi de 23,4% da população para apenas 8,8%; e o índice de desigualdade caiu de 55,4% em 1998 para 28%, em 2008, com Chávez.

A Venezuela é um país muito difícil de governar porque é pobre e heterogêneo. E os interesses em torno do petróleo são enormes.

Nesse quadro de dificuldades, Chávez vem representando de forma exemplar a luta de uma coalizão política desenvolvimentista formada por empresários (poucos), trabalhadores e burocracia pública contra uma coalizão liberal e dependente formada por capitalistas rentistas, financistas, e pelos interesses estrangeiros. A luta de um país pobre para realizar sua revolução nacional e capitalista e melhorar o padrão de vida de seu povo.

Nas últimas eleições, o establishment internacional voltou a apoiar o candidato da oposição. Mas o que tem sido a oposição "liberal" na Venezuela desde a Segunda Guerra?

Essencialmente, uma oligarquia corrupta que se alternou no poder por 50 anos em um simulacro de democracia; uma elite econômica que reduziu a política à partilha das rendas do petróleo entre seus membros; um governo de ricos que sempre se submeteu às recomendações de política econômica do Norte, e exibiu, entre 1950 e 1999, o mais baixo crescimento de PIB da América Latina.

O establishment internacional ainda não foi vencido, e a nação venezuelana não está consolidada. Chávez contou com a ajuda dos preços elevados do petróleo para realizar um governo desenvolvimentista e social. Não a terá sempre.

Mas as últimas eleições mostraram que o povo venezuelano construiu uma democracia melhor do que aquela que o nível de desenvolvimento do país deixaria prever.

E que esta democracia é o melhor antídoto contra a oligarquia interna e o neoliberalismo importado.

Quem não tem voto diz que eleitor está cansado


Paulo Moreira Leite

Da Revista Época

Pergunto o que leva nossos coveiros de sorriso amarelo a produzir tantas análises e raciocínios sofisticadíssimos para esconder o dado óbvio desta eleição municipal.

Apesar do julgamento do mensalão, apesar do tratamento ora irônico, ora pedante, que a maioria dos meios de comunicação dispensa ao ex-presidente Lula, está cada vez mais difícil esconder o bom desempenho do PT neste pleito.

Quem profetizou um fiasco de Lula precisa improvisar teorias para justificar verdades óbvias.

Quem chegou ao exagero de anunciar um duelo entre Lula e Geraldo Alckmin, em São Paulo, precisa fazer um curso supletivo de liderança política.

O mais novo argumento é dizer que o eleitor está desanimado, cansou-se da polarização entre PT e PSDB.

É preocupante. Nem faz muito tempo assim que os brasileiros recuperaram o direito de votar para prefeito de capital, que fora suprimido pela ditadura, e já tem gente que acha que esse tipo de coisa é cansativa e tediosa. É a mesma turma que, em dia de eleição, só consegue olhar para os santinhos na calçada e dizer que eles emporcalham a cidade. Eu acho que nada emporcalha mais uma cidade do que o autoritarismo, a falta de eleição, os prefeitos escolhidos de forma indireta.

E eu acho que a boca-de-urna ajuda a ampliar o debate numa eleição. E quem é a favor de proibi-la poderia dar uma chance ao próprio QI e perguntar-se se ela não tem a ver com a liberdade de expressão.

Voltando ao cansaço dos eleitores.

A teoria da baixa representatividade se apoia num fato real mas interpretado de forma interesseira.

É certo que o número de brancos e nulos nunca foi tão alto. O problema é usar este dado como prova de que nosso sistema político não expressa a vontade dos brasileiros e blá-blá-bla…

Nós sabemos muito bem onde esse tipo de conversa sobre falta de representatividade da democracia começa e onde costuma terminar, não é mesmo?

Estrela principal do pleito que centraliza as atenções no segundo turno, Fernando Haddad não enfrenta o menor problema com sua representatividade. Ilustre desconhecido há seis meses, já conquistou 49% das intenções de voto e lidera a eleição com uma diferença de 17 pontos. Falta de representatividade?

Se você comparar com outras eleições, municipais, estaduais e federais, verá que a ordem de grandeza é a mesma.

E se você se interessar pela temperatura da campanha, verá que Haddad tem empolgado a juventude e mesmo antigos militantes que pareciam ter pendurado a chuteira da luta política.

Estes números ajudam a mostrar que não há crise nenhuma com o regime democrático nem com o eleitor.

A doença envolve um candidato específico, José Serra, que exibe um desempenho muito abaixo daquilo que seus aliados prometiam no inicio da campanha.

O grande número de nulos e brancos, em São Paulo, expressa sua dificuldade para atrair apoio junto a eleitores do PSDB e mesmo adversários do PT. São estes nulos e brancos que deixaram de ir para a Serra, o que é natural num candidato com uma rejeição que chegou a 52%.

Lançado como última esperança para salvar a pátria do PSDB, o problema real da campanha de Serra não é a perpectiva de derrota. É o tamanho da diferença a favor de Haddad. Superior a qualquer previsão de nossos sábios, a vantagem do candidato do PT mostra um adversário que sequer tem-se mostrado competitivo.

Esta é a crise, o susto de 2012.

Temos uma oposição sem representatividade, inclusive em São Paulo, que sempre considerou como sua fortaleza.

Após a terceira derrota na sucessão presidencial, não é uma boa notícia para o PSDB.

O referendum islandês e os silêncios da mídia

A grande mídia fecha os olhos para o processo de mudança que vem ocorrendo em Reykjavik, na Islândia

Os cidadãos da Islândia referendaram, no sábado, com cerca de 70% dos votos, o texto básico de sua nova Constituição, redigido por 25 delegados, quase todos homens comuns, escolhidos pelo voto direto da população, incluindo a estatização de seus recursos naturais. A Islândia é um desses enigmas da História. Situada em uma área aquecida pela Corrente do Golfo, que serpenteia no Atlântico Norte, a ilha, de 103.000 qm2, só é ocupada em seu litoral. O interior, de montes elevados, com 200 vulcões em atividade, é inteiramente hostil – mas se trata de uma das mais antigas democracias do mundo, com seu parlamento (Althingi) funcionando há mais de mil anos. Mesmo sob a soberania da Noruega e da Dinamarca, até o fim do século 19, os islandeses sempre mantiveram confortável autonomia em seus assuntos internos.

Em 2003, sob a pressão neoliberal, a Islândia privatizou o seu sistema bancário, até então estatal. Como lhes conviesse, os grandes bancos norte-americanos e ingleses, que já operavam no mercado derivativo, na espiral das subprimes, transformaram Reykjavik em um grande centro financeiro internacional e uma das maiores vítimas do neoliberalismo. Com apenas 320.000 habitantes, a ilha se tornou um cômodo paraíso fiscal para os grandes bancos.

Instituições como o Lehman Brothers usavam o crédito internacional do país a fim de atrair investimentos europeus, sobretudo britânicos. Esse dinheiro era aplicado na ciranda financeira, comandada pelos bancos norte-americanos. A quebra do Lehman Brothers expôs a Islândia que assumiu, assim, dívida superior a dez vezes o seu produto interno bruto. O governo foi obrigado a reestatizar os seus três bancos, cujos executivos foram processados e alguns condenados à prisão.

A fim de fazer frente ao imenso débito, o governo decidiu que cada um dos islandeses – de todas as idades – pagaria 130 euros mensais durante 15 anos. O povo exigiu um referendum e, com 93% dos votos, decidiu não pagar dívida que era responsabilidade do sistema financeiro internacional, a partir de Wall Street e da City de Londres.
A dívida externa do país, construída pela irresponsabilidade dos bancos associados às maiores instituições financeiras mundiais, levou a nação à insolvência e os islandeses ao desespero. A crise se tornou política, com a decisão de seu povo de mudar tudo. Uma assembléia popular, reunida espontaneamente, decidiu eleger corpo constituinte de 25 cidadãos, que não tivessem qualquer atividade partidária, a fim de redigir a Carta Constitucional do país. Para candidatar-se ao corpo legislativo bastava a indicação de 30 pessoas. Houve 500 candidatos. Os escolhidos ouviram a população adulta, que se manifestou via internet, com sugestões para o texto. O governo encampou a iniciativa e oficializou a comissão, ao submeter o documento ao referendum realizado ontem.

Ao ser aprovado ontem, por mais de dois terços da população, o texto constitucional deverá ser ratificado pelo Parlamento.
Embora a Islândia seja uma nação pequena, distante da Europa e da América, e com a economia dependente dos mercados externos (exporta peixes, principalmente o bacalhau), seu exemplo pode servir aos outros povos, sufocados pela irracionalidade da ditadura financeira.

Durante estes poucos anos, nos quais os islandeses resistiram contra o acosso dos grandes bancos internacionais, os meios de comunicação internacional fizeram conveniente silêncio sobre o que vem ocorrendo em Reykjavik. É eloqüente sinal de que os islandeses podem estar abrindo caminho a uma pacífica revolução mundial dos povos.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

sábado, outubro 20, 2012

Jingle - Onde o PT governa dá Certo!

Por que a Europa do euro afunda na crise que ela própria alimenta


A Europa do euro, pela ideologia de seus dirigentes e por sua institucionalidade, mergulhou nas tramas de um oximoro: com a decisão do BCE, ela pode ter uma maior capacidade de gasto público, sim, mas desde que não use essa capacidade do lado fiscal, já que tem que reduzir o déficit e a dívida pública. Enquanto isso, a demanda continua estagnada, o desemprego se eleva às nuvens – 13% em média, 25% na Espanha e na Grécia, 50% entre jovens, contração na maioria dos países e queda da taxa de crescimento até na Alemanha. O artigo é de J. Carlos de Assis.
J. Carlos de Assis (*)


Qualquer pessoa com nível razoável de reflexão é capaz de entender a essência da crise financeira mundial que se concentra, sobretudo, nos países mais ricos do mundo, e principalmente na área do euro. Entretanto, essa percepção fica comprometida por um bombardeio ideológico de mídia que se manifesta ora pela distorção dos fatos ora pela manipulação de conceitos econômicos tendo em vista a defesa de interesses específicos de grupos. Vejamos como isso tem funcionado.

A crise originou-se de uma bacanal especulativa nos Estados Unidos e na Europa pela qual trilhões de dólares emprestados e rolados no mercado virtual de tomadores essencialmente insolventes revelaram-se impagáveis. Diante da quebra iminente, o Governo norte-americano, isto é, o Tesouro e o Fed intervieram no mercado para salvar os bancos ilíquidos. A crise financeira privada migrou para a Europa, forçando os governos locais a também intervirem para salvar os bancos.

A contrapartida do socorro aos bancos foi a absorção das suas dívidas pelos governos. No caso norte-americano, o Fed e o Tesouro atuaram conjuntamente, no primeiro caso através de trilhões de dólares de empréstimos de liquidez, e no segundo através de um programa especial (TARF) adotado ainda no Governo Bush, da ordem de 700 bilhões. Além disso, no caso americano, já no Governo Obama aprovou-se um programa adicional de 767 bilhões de dólares de estímulos fiscais, que em parte funcionou.

Disso tudo resultou um aumento vertiginoso do déficit e da dívida pública norte-americana, esta alcançando cerca de 90% do PIB. Não é uma dívida nada extraordinária, considerando-se o tamanho da recessão e do desemprego. Contudo, é uma dívida muito grande para o Partido Republicano. Tendo este último ganhado as eleições para a Câmara em 2009, tratou imediatamente de bloquear no Congresso um novo programa de estímulo proposto por Obama em 2010 de 400 bilhões de dólares.

Portanto, os Estados Unidos poderiam ter perfeitamente insistido no programa de recuperação não fosse a postura fundamentalmente ideológica republicana. Isso teria custado alguns pontos percentuais adicionais da dívida pública, os quais seriam provavelmente recuperados com uma aceleração do crescimento e da receita pública, como acontece em todos os ciclos de crises. Afinal, a despeito do valor absoluto da dívida, o país continua financiando-a a taxas extremamente baixas (3,5%). De qualquer modo, é preciso esperar o resultado das eleições para especular sobre qual destino os Estados Unidos escolherão levando boa parte do mundo consigo.

Na área do euro a situação tornou-se bem mais complexa. Os governos, para salvar os bancos, tiveram de levar a níveis recordes o déficit e a dívida pública. O que surgiu como crise financeira devida à pornográfica especulação foi transformada em crise fiscal pelos governos neoliberais. Assim mesmo, teria sido possível enfrentar a crise mediante um programa de estímulo fiscal caso esses governos, justamente por serem neoliberais, não estivessem obcecados pela idéia de cortar o déficit e a dívida.

E aqui não se trata apenas de ideologia, mas da institucionalidade européia estabelecida a partir da ideologia neoliberal. A Europa do euro criou um Banco Central independente (BCE) que se subordina aos mercados privados, não aos governos. Quando um governo, digamos, a Espanha, decide captar empréstimos, aumentando a dívida pública, fica exclusivamente em mãos do mercado financeiro, que exige a taxa de juros que quiser. Diferentemente do Fed americano, que irriga o mercado de moeda para facilitar a colocação desses títulos a taxas mais baixas, o BCE mantém rígida a oferta monetária, não prestando qualquer ajuda aos governos.

Mais recentemente, Mario Draghi, o presidente do BCE, anunciou a disposição do banco de adquirir títulos dos governos em dificuldade de forma ilimitada desde que subordinem sua política fiscal a programas de austeridade. Isso ajuda muito pouco. É que a compra será no mercado secundário, criando grande conforto para os investidores, mas não liberando dinheiro diretamente para os governos A hipótese é que os donos privados dos títulos no mercado secundário vendam esses títulos ao BCE criando espaço para a compra de títulos novos emitidos pelos governos. Contudo, atenção: os governos não poderão fazer gastos novos financiados por esses títulos porque estarão limitados pelo programa de austeridade.

Assim, a Europa do euro, pela ideologia de seus dirigentes e por sua institucionalidade, mergulhou nas tramas de um oximoro: com a decisão do BCE, ela pode ter uma maior capacidade de gasto público, sim, mas desde que não use essa capacidade do lado fiscal, já que tem que reduzir o déficit e a dívida pública. Enquanto isso, a demanda continua estagnada, o desemprego se eleva às nuvens – 13% em média, 25% na Espanha e na Grécia, 50% entre jovens, contração na maioria dos paises e queda da taxa de crescimento até na orgulhosa Alemanha, que tem feito tudo para matar o seu mercado impondo-lhe políticas restritivas do gasto público!

(*) Economista, professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros, do recém-lançado “A Razão de Deus”, pela editora Civilização Brasileira. Esta coluna sai também nos sites Brasilianas e Rumos do Brasil, e, às terças, no jornal carioca “Monitor Mercantil”.

sexta-feira, outubro 19, 2012

Aprovado na França imposto de 75% sobre grandes fortunas


Mundo - Laboral/Economia Publica

França - RFI - Os deputados franceses aprovaram nesta sexta-feira um imposto especial de 75% sobre os altos rendimentos, proposto por François Hollande durante sua campanha presidencial. O tributo vai ser aplicado durante dois anos para os rendimentos superiores a um milhão de euros por ano e por contribuinte.

A nova taxa deve atingir cerca de 1,5 mil pessoas, que pagarão uma média de 140 mil euros, o que deve gerar um total de 210 milhões de euros por anos. O ministro francês do Orçamento, Jérôme Cahuzac, assegura que trata-se de uma contribuição “legitima”, e não “confiscatória”. Segundo ele, cada francês deve contribuir de acordo com os seus meios. A respeito do tempo determinado de dois anos, Cahuzac diz que é o período de recuperação da economia.

As críticas contra a nova tributação foram imediatas. O ex-ministro Benoist Apparu, de direita, declarou que “todo mundo sabe que isso não vai dar em nada e que só vai provocar a fuga das pessoas que ganham esse montante”. Para o ex-ministro do Orçamento de Nicolas Sarkozy, Eric Woerth, “75% é uma taxa punitiva” e um “paradoxo muito forte, pois vai tributar em excesso uma categoria muito pequena, vai arrecadar pouco e com certeza afugentar alguns”.

Desde a chegada dos socialistas ao poder na França, após a eleição de François Hollande em maio, muitas vozes vindas da direita e do patronato vêm alertando contra o risco de exílio fiscal das grandes fortunas. Em junho, o premiê britânico, David Cameron, chegou a dizer que o Reino Unido estava pronto para acolher esses exilados. Cameron também lembrou que o seu governo inclusive abaixou os impostos das grandes fortunas britânicas.

Em 2013, os franceses serão submetidos a políticas econômicas de rigor históricas a fim de reduzir o déficit público para 3% do PIB.

Economistas da Unicamp lançam Manifesto em Defesa da Civilização




http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21110

Diante do quadro de regressão social que atinge os países ditos desenvolvidos, um grupo de economistas formados pela Unicamp decidiu elaborar um "Manifesto em Defesa da Civilização". "Estamos, hoje, vivendo uma crise que nega os princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática? Quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão?" - pergunta o manifesto. As respostas para tais questões, acrescenta, não serão encontradas nos meios de comunicação de massa, "ocupados hoje por aparatos comprometidos com a força dos mais fortes e controlado pela hegemonia das banalidades".
Da Redação


São Paulo - Diante do quadro de regressão social que atinge os países ditos desenvolvidos, com supressão progressiva de direitos, um grupo de economistas formados pela Unicamp decidiu elaborar um "Manifesto em Defesa da Civilização". Assinaturas começaram a ser colhidas tambémpelo site Petição Pública e a iniciativa se espalhou. O documento pergunta:

Estamos nós, hoje, vivendo uma crise que nega os princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática? E se isso for verdade: quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão?

Segue a íntegra do manifesto:

MANIFESTO EM DEFESA DA CIVILIZAÇÃO

Vivemos hoje um período de profunda regressão social nos países ditos desenvolvidos. A crise atual apenas explicita a regressão e a torna mais dramática. Os exemplos multiplicam-se. Em Madri uma jovem de 33 anos, outrora funcionária dos Correios, vasculha o lixo colocado do lado de fora de um supermercado. Também em Girona, na Espanha, diante do mesmo problema a Prefeitura mandou colocar cadeados nas latas de lixo. O objetivo alegado é preservar a saúde das pessoas.

Em Atenas, na movimentada Praça Syntagma situada em frente ao Parlamento, Dimitris Christoulas, químico aposentado de 77 anos, atira contra a própria cabeça numa manhã de quarta-feira. Na nota de suicídio ele afirma ser essa a única solução digna possível frente a um Governo que aniquilou todas as chances de uma sobrevivência civilizada. Depois de anos de precários trabalhos temporários o italiano Angelo di Carlo, de 54 anos, ateou fogo a si próprio dentro de um carro estacionado em frente à sede de um órgão público de Bologna.

Em toda zona do euro cresce a prática medieval de anonimamente abandonar bebês dentro de caixas nas portas de hospitais e igrejas. A Inglaterra do Lord Beveridge, um dos inspiradores do Welfare State, vem cortando recorrentemente alguns serviços especializados para idosos e doentes terminais. Cortes substantivos no valor das aposentadorias e pensões constituem uma realidade cada vez mais presente para muitos integrantes da chamada comunidade europeia. Por toda a Europa, museus, teatros, bibliotecas e universidades públicas sofrem cortes sistemáticos em seus orçamentos. Em muitas empresas e órgãos públicos é cada vez mais comum a prática de trabalhar sem receber. Ainda oficialmente empregado é possível, ao menos, manter a esperança de um dia ter seus vencimentos efetivamente pagos. Em pior situação está o desempregado. Grande parte deles são jovens altamente qualificados.

A massa crescente de excluídos não é um fenômeno apenas europeu. O mesmo acontece nos EUA. Ali, mais do que em outros países, a taxa de desemprego tomada isoladamente não sintetiza mais a real situação do mercado de trabalho. A grande maioria daqueles que hoje estão empregados ocupam postos de trabalhos precários e em tempo parcial concentrados no setor de serviços. Grande parte dos postos mais qualificados e de melhor remuneração da indústria de transformação foram destruídos pela concorrência chinesa.

Nesse cenário, a classe média vai sendo espremida, a mobilidade social é para baixo e o mercado de trabalho vai ficando cada vez mais polarizado no país das oportunidades. No extremo superior, pouquíssimos executivos bem remunerados que têm sua renda diretamente atrelada ao mercado financeiro. No extremo inferior, uma massa de serviçais pessoais mal pagos sem nenhuma segurança, que vivem uma realidade não muito diferente dos mais de 100 milhões que recebem algum tipo de assistência direta do Estado. O Welfare State, ao invés de se espalhar pelo planeta, encampando as tradicionais hordas de excluídos, encolhe, aumentando a quantidade de deserdados.

Muitos dirão que essa situação será revertida com a suposta volta do crescimento econômico e a retomada do investimento na indústria de transformação nestes países. Não é verdade. É preciso aceitar rapidamente o seguinte fato: no capitalismo, o inevitável avanço do progresso tecnológico torna o trabalho redundante. O exponencial aumento da produtividade e da produção industrial é acompanhado pela constante redução da necessidade de trabalhadores diretos. Uma vez excluídos, reincorporam-se – aqueles que o conseguem – como serviçais baratos dentro de um circuito de renda comandado pelos detentores da maior parcela da riqueza disponível. Por isso mesmo, a crescente desigualdade de renda é funcional para explicar a dinâmica desse mercado de trabalho polarizado.

Diante desse quadro, uma pergunta torna-se inevitável: estamos nós, hoje, vivendo uma crise que nega os princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática? E se isso for verdade: quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão?

A angústia torna-se ainda maior quando constatamos que as possibilidades de conforto material para a grande maioria da população deste planeta são reais. É preciso agradecer ao capitalismo, e ao seu desatinado desenvolvimento, pela exuberância de riqueza gerada. Ele proporcionou ao homem o domínio da natureza e uma espantosa capacidade de produzir em larga escala os bens essenciais para as satisfações das necessidades humanas imediatas. Diante dessa riqueza, é difícil encontrar razões para explicar a escassez de comida, de transporte, de saúde, de moradia, de segurança contra a velhice, etc. Numa expressão, escassez de bem estar!

Um bem estar que marcou os conhecidos “anos dourados” do capitalismo. A dolorosa experiência de duas grandes guerras e da depressão pós 1929, nos ensinou que deveríamos limitar e controlar as livres forças do mercado. Os grilhões colocados pela sociedade na economia explicam quase 30 anos de pleno emprego, aumento de salários e lucros e, principalmente, a consolidação e a expansão do chamado Estado de Bem Estar Social. Os direitos garantidos pelo Estado não deveriam ser apenas individuais, mas também coletivos. Vale dizer: sociais. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que o direito à saúde, à previdência, à habitação, à assistência, à educação e ao trabalho eram universalizados, milhares de empregos públicos de médicos, enfermeiras, professores e tantos outros eram criados.

O Welfare State não pode ser interpretado como uma mera reforma do capitalismo, mas sim como uma grande transformação econômica, social e política. Ele é, nesse sentido, revolucionário. Não foi um presente de governos ou empresas, mas a consequência de potentes lutas sociais que conseguiram negociar a repartição da riqueza. Isso fica sintetizado na emergência de um Estado que institucionalizou a ética da solidariedade. O individuo cedeu lugar ao cidadão portador de direitos. No entanto, as gerações que cresceram sob o manto generoso da proteção social e do pleno emprego acabaram por naturalizar tais conquistas. As novas e prósperas classes médias esqueceram que seus pais e avós lutaram e morreram por isso. Um esquecimento que custa e custará muito caro às gerações atuais e futuras. Caminhamos para um Estado de Mal Estar Social!

Essa regressão social começou quando começamos a libertar a economia dos limites impostos pela sociedade, já no início dos anos 70. Sob o ideário liberal dos mercados, em nome da eficiência e da competição, a ética da solidariedade foi substituída pela ética da concorrência ou do desempenho. É o seu desempenho individual no mercado que define sua posição na sociedade: vencedor ou perdedor. Ainda que a grande maioria das pessoas seja perdedora e não concorra em condições de igualdade, não existem outras classificações possíveis. Não por acaso o principal slogan do movimento Occupy Wall Street é “somos os 99%”. Não por acaso, grande parte da população espanhola está indignada.

Mesmo em um país como o Brasil, a despeito dos importantes avanços econômicos e sociais recentes, a outrora chamada “dívida social” ainda é enorme e se expressa na precariedade que assola todos os níveis da vida nacional. Não se pode ignorar que esses caminhos tomados nos países centrais terão impactos sob essa jovem democracia que busca, ainda, universalizar os direitos de cidadania estabelecidos nos meados do século passado nas nações desenvolvidas.

Como então acreditar que precisamos escolher entre o caos e austeridade fiscal dos Estados, se essa austeridade é o próprio caos? Como aceitar que grande parte da carga tributária seja diretamente direcionada para as mãos do 1% detentor de carteiras de títulos financeiros? Por que a posse de tais papéis que representam direitos à apropriação da renda e da riqueza gerada pela totalidade da sociedade ganham preeminência diante das necessidades da vida dos cidadãos? Por que os homens do século XXI submetem aos ditames do ganho financeiro estéril o direito ao conforto, à educação e à cultura?

As respostas para tais questões não serão encontradas nos meios de comunicação de massa. Os espaços de informação e de formação da consciência política e coletiva foram ocupados por aparatos comprometidos com a força dos mais fortes e controlado pela hegemonia das banalidades. É mais importante perguntar o que o sujeito comeu no café da manhã do que promover reflexões sobre os rumos da humanidade.

A civilização precisa ser defendida! As promessas da modernidade ainda não foram entregues. A autonomia do indivíduo significa a liberdade de se auto-realizar. Algo impensável para o homem que precisa preocupar-se cotidianamente com sua sobrevivência física e material. Isso implica numa selvageria que deveria ficar restrita, por exemplo, a uma alcateia de lobos ferozes. Ao longo dos últimos de 200 anos de história do capitalismo, o homem controlou a natureza e criou um nível de riqueza capaz de garantir a sobrevivência e o bem estar de toda a população do planeta. Isso não pode ficar restrito para uma ínfima parte. Mesmo porque, o bem estar de um só é possível quando os demais à sua volta encontram-se na mesma situação. Caso contrário, a reação é inevitável, violenta e incontrolável. A liberdade só é possível com igualdade e respeito ao outro. É preciso colocar novamente em movimento as engrenagens da civilização.

Assinaturas

DAVI DONIZETI DA SILVA CARVALHO
EDUARDO FAGNANI
CAMILA LINHARES TEIXEIRA
CLAUDIO LEOPOLDO SALM
MILTON LAHUERTA
EDSON CORREA NUNES
MIRIAM DOMINGUES
WILMA PERES COSTA
NEIRI BRUNO CHIACHIO
NATÁLIA MINHOTO GENOVEZ
PEDRO GILBERTO ALVES DE LIMA
SAMIRA KAUCHAKJE
FABIO DOMINGUES WALTENBERG
ALICIA UGÁ
JULIANO SANDER MUSSE
AMÉLIA COHN
LIGIA BAHIA
MAGDA BARROS BIAVASCHI
FABRÍCIO AUGUSTO DE OLIVEIRA
ANTONIO CARLOS ROCHA
RODRIGO PEREYRA DE SOUSA COELHO
GABRIEL QUELHAS DE ALMEIDA
MARIENE GONÇALVES TUNG
AMILTON MORETTO
ANA AURELIANO SALM
MARCIO SOTELO FELIPPE
FREDERICO MAZZUCCHELLI
CELIO HIRATUKA
EDUARDO BARROS MARIUTTI
ANGELA MOULIN SIMÓES PENALVA SANTOS
ANGELA MARIA CARVALHO BORGES
JOÃO MIRANDA SILVA FAGNANI
RODOLFO AURELIANO SALM
EVA LUCIA SALM
ÉDER LUIZ MARTINS
FERNANDA MAZZONI DE OLIVEIRA
MICHELLE MAUREN DOVIGO CARVALHO
FELIPE LARA CIOFFI
ALOISIO SERGIO ROCHA BARROSO
RONEY MENDES VIEIRA
NAIRO JOSÉ BORGES LOPES
MARIA FERNANDA CARDOSO DE MELO
WILSON CANO
NEREIDE SAVIANI -
FREDERICO LOPES NETO
MARIA DE FÁTIMA BARBOSA ABDALLA
BRANCA JUREMA PONCE
LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO
ALAN GUSMÃO SILVA
JOSE ANTONIO MORONI
VANESSA CRISTINA DOS SANTOS
JOSÉ CLAUDINEI LOMBARDI
EDSON DONIZETTI XAVIÉR DE MIRANDA
MARIA EDUARDA PAULA BRITO DE PINA
MARIA DE FATIMA FELIX ROSAR
CÁSSIA HACK
DERMEVAL SAVIANI
ROBSON SANTOS DIAS
RODRIGO TAVORA GADELHA
JORGE LUIZ ALVES NATAL
LUCIANO VIANNA MUNIZ
ALUIZIO FRANCO MOREIRA
MARISE VIANNA MUNIZ
JURACI COLPANI
ALESSANDRO CESAR ORTUSO
GENILDO SIQUEIRA
CARLOS EDUARDO DE FARIAS
CARLOS ALONSO BARBOSA DE OLIVEIRA
JOSE DAMIRO DE MORAES
FERNANDO MOREIRA MORATO
CELSO JOÃO FERRETTI
SILVIA ESCOREL DE MORAES
DANIEL ARIAS VAZQUEZ
EVERTON DAB DA SILVA
JOÃO GABRIEL BARRETO SILVA ROCHA
CELSO EUGÊNIO BRETA FONTES
SARAH ESCOREL
VINICIUS GASPAR GARCIA
DENIS MARACCI GIMENEZ
DENISE DO CARMO SILVA PEREIRA
JEFFERSON CARRIELLO DO CARMO -
VAGNER SILVA DE OLIVEIRA
GABRIEL PRIOLLI
JÉSSICA MARCON DALCOL
MARINA VENÂNCIO GRANDOLPHO
PEDRO HENRIQUE DE MELLO LULA MOTA
DANIEL SANTIAGO MOREIRA
VANESSA MORAES LUGLI
SANDRA MARIA DA SILVA LIMA
CARLOS RAFAEL LONGO DE SOUZA
MARIA SILVIA POSSAS
LUCIANA RAMIREZ DA CRUZ
CAROLINA PIGNATARI MENEGHEL
PEDRO DOS SANTOS PORTUGAL JÚNIOR
JOSÉ AUGUSTO GASPAR RUAS
WELLINGTON CASTRO DOS SANTOS
ALESSANDRO FERES DURANTE
DANIEL HERRERA PINTO
PEDRO HENRIQUE VERGES
DAVI JOSÉ NARDY ANTUNES
CARLA CRISTIANE LOPES CORTE
CARLOS ALBERTO DRUMMOND MOREIRA
DANIEL DE MATTOS HÖFLING
MARCELO WEISHUPT. PRONI
ENIO PASSIANI
JOSÉ DARI KREIN
ANSELMO LUIS DOS SANTOS
FABIO EDUARDO IADEROZZA
HIGOR FABRÍCIO DE OLIVEIRA
DANER HORNICH
HELDER DE MELO MORAES
JOSE EDUARDO DE SALLES ROSELINO JUNIOR
JULIANA PINTO DE MOURA CAJUEIRO
FERNANDO CATALANI
FERNANDA PIM NASCIMENTO SERRALHA
LEANDRO PEREIRA MORAIS
MARCELO PRADO FERRARI MANZANO
OLIVIA MARIA BULLIO MATTOS
RENATO BROLEZZI
LUCAS JANNONI SOARES
MÁRCIO SAMPAIO DE CASTRO
MARIA PINON PEREIRA DIAS
LUIZ MORAES DE NIEMEYER NETO
RODRIGO COELHO SABBATINI
LÍCIO DA COSTA RAIMUNDO
FERES LOURENÇO KHOURY


Fotos: Crise dramática na Grécia, com crescentes casos de suicídios e abandono de bebês é apontada como exemplo do quadro de regressão social que ameaça a vida democrática hoje.

Brasil integra o novo mapa da ciência


Edição da revista Nature destaca País entre as nações que fazem pesquisa de alto nível, ao lado de superpotências como França e Estados Unidos


A revista Nature publicou, no dia 18 de outubro, uma edição especial sobre as mudanças que ocorrem na forma como se faz ciência hoje no mundo.

Intitulada O novo mapa da ciência, a publicação destaca que hoje mais países, como China, Índia, Cingapura, Brasil e Coreia do Sul, estão tomando assento na mesa das nações que realizam pesquisas de alto nível, ao lado de superpotências como França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos, que dominam a pesquisa científica desde 1945 e que podem perder a liderança nos próximos anos.

Uma das razões para essa mudança nessa geografia da ciência, segundo a publicação, é que a ciência está se tornando cada vez mais globalizada em função da expansão de redes de colaboração em pesquisa em todas as regiões do mundo, que estão reforçando a competência e a capacidade de pesquisa dos países emergentes e alterando o equilíbrio global da ciência.

“As fronteiras nacionais estão sendo superadas por rede de colaboração em pesquisa e ‘circulação de cérebros’, que possibilitam que os cientistas se movam de forma muito mais fluida em todo o mundo do que no passado”, aponta a publicação.

“Esse movimento de pessoas e ideias deve mudar a forma como a ciência é feita, como é financiada e as questões que aborda”, vaticina o editorial da revista.

Para ilustrar esse novo panorama, a revista cita dados da National Science Foundation (NSF) que aponta que quase um quarto dos artigos científicos publicados em 2010 tinha entre seus autores cientistas de mais de um país, contra 10% em 1990. Ainda de acordo com dados da NSF, o número médio de autores de pesquisas hoje, que é 4,5, é equivalente ao dobro do que era em 1980.

“Uma edição da Nature hoje tem um número similar de artigos científicos das edições de 60 anos atrás, mas eles têm pelos menos quatro vezes mais autores”, exemplifica a publicação.

Outros exemplos dados pela publicação para ilustrar o aumento da cooperação científica internacional foram os de alguns cientistas ganhadores do prêmio Nobel este ano.

O cientista japonês Shinya Yamanaka, vencedor do prêmio Nobel de Medicina por suas pesquisas com células-tronco pluripotentes induzidas (IPS), por exemplo, é professor da Universidade de Kyoto e ligado ao Instituto Gladstone, em San Francisco, nos Estados Unidos, onde coordena pesquisa com roedores.

Por sua vez, o francês Serge Haroche, ganhador do prêmio Nobel de Física, é professor de física do Collège de France, foi professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e das universidades Harvard e Yale, nos Estados Unidos, e mantém colaborações em pesquisa com cientistas de diferentes países, inclusive do Brasil.

“Muitas áreas da ciência estão se tornando internacionais. Os pesquisadores estão cada vez mais cruzando o mundo e se acostumando a trabalhar em dois ou três países ao mesmo tempo”, diz a revista.

Medidas para impulsionar a ciência no Brasil

A edição especial da Nature reuniu as opiniões de oito líderes de instituições, programas e agências de fomento à pesquisa de Cingapura, África do Sul, Suíça, Espanha, Rússia, Egito, Brasil e Coreia do Sul, sobre as medidas que devem ser tomadas para impulsionar a pesquisa em seus países na próxima década.

O diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, foi ouvido pela publicação para falar sobre o panorama da ciência no Brasil. Em seu artigo, publicado na seção “Comment” da edição especial, Brito Cruz destacou que o desenvolvimento científico do Brasil nos últimos 30 anos tem sido impressionante.

Em 2011, por exemplo, o país formou mais de 12 mil doutores e publicou 35 mil artigos em revistas científicas internacionais. Porém, em média, as citações de artigos científicos de autoria de pesquisadores no mesmo ano continuam sendo as mesmas de 1994, equivalendo a menos de 65% da média mundial.

“Cientistas brasileiros devem colaborar e publicar mais com pesquisadores de instituições de classe mundial no exterior”, indicou Brito Cruz.

Uma das propostas apresentadas por ele é que o governo desenvolva um plano para apoiar cerca de uma dezena de universidades na execução de programas de excelência, que possibilite situá-las entre as 100 melhores do mundo em uma década.

“O país já tem universidades altamente seletivas, que poderiam se tornar de classe mundial”, destacou Brito Cruz.

A edição especial da Nature sobre o Novo mapa da ciência pode ser acessada em www.nature.com/news/specials/global/index.html.

quinta-feira, outubro 18, 2012

A disputa pelo petróleo do Sudão do Sul


Por Adir Tavares
Do blog Informação Incorrecta

Sangue, dinheiro & petróleo


A Suíça mobiliza o exercito? Ahe? E nós falamos do Sudão.

No passado 9 de Julho de 2011, o Sudão do Sul tornou-se a 193ª nação do mundo. Grande festa, celebrações, espectáculos pirotécnicos. No Sudão, entendo, aqui não muito.

Menos de uma semana depois, nova vaga de violência com choques em Kordofan do Sul, uma área de fronteira entre o Sudão e o Sudão do Sul, controlada pelo Sudão e rica em petróleo. Petróleo, pois. E onde houver petróleo, há coisas sujas. Como os Rothschild.

Os Rothschild no Sudão? Vamos ver.

Durante décadas, as agências de inteligence ocidentais apoiaram o Exercito de Libertação do Povo do Sudão (SPLA), numa tentativa de entregar a parte do sul do Sudão aos quatro cavaleiros do petróleo. Não é um mero acaso se a região tem 75% das reservas petrolíferas de todo o Sudão.

Aquela que tem sido a mais longa guerra civil na África, finalmente terminou quando o presidente Omar Hassan al-Bashir, sob pressão internacional, entregou a parte sul do seu País aos vampiros do FMI / Banco Mundial, depois de um conflito que deixou no terreno mais de 2 milhões de mortes.
Alguns dias depois ter-se declarado uma nação soberana, a empresa estatal de petróleo do Sudão do Sul, o Nilepet, formou uma joint venture com a Glencore International Plc. para comercializar o seu petróleo. E quem controla a Glencore International? Exacto: os Rothschilds. A joint venture tem o nome de PetroNile, 51 por cento da qual é controlada pela Nilepet e 49 por cento pela Glencore.

O novo presidente do Sudão do Sul, Salva Kiir Mayardit, assinou uma lei que estabelece formalmente o Banco Central do Sudão do Sul. O Sudão é um dos cinco Países (com Cuba, Coreia do Norte, Síria e Irão) nos quais o banco central não está sob o controle das oito famílias de banqueiros lideradas pelos Rothschilds. Portanto, não é coincidência o facto da moeda do novo País chamar-se "Libra".

Já em 1993, o presidente sudanês al-Bashir tinha acusado a Arábia Saudita de fornecer armas aos rebeldes do SPLA de Johnny Garang. O Mossad de israel também forneceu o SPLA por anos através do Quénia, com a aprovação da CIA.

Em 1996, a administração Clinton anunciou que a ajuda militar para a Etiópia, Eritreia e Uganda deveria ser utilizado para ajudar o SPLA numa ofensiva contra Cartum, a capital do Sudão. Quando este esforço sangrento falhou, as oito famílias começaram a armar os rebeldes do Chad.

O Chad? Pois.

Este tem sido um País importante para a produção petrolífera de Exxon-Mobil e Chevron-Texaco na África do Norte da África. Além disso, serviu de plataforma militar para operações de desestabilização na área: os rebeldes do Chad tentaram derrubar o presidente da Líbia, Muammar Khadafi, na década dos anos '90 e, sempre com os financiamentos ocidentais, apoiaram as manobras do JEM (Justice and Equality Movement), o movimento separatista do Sudão do Sul que lançou ataques na região do Darfur, criando uma profunda crise entre os povos refugiados na zona.

Os meios de comunicação ocidentais, claro está, culparam do conflito no Darfur só o governo sudanês e a idiocrazia liberal aceitou esta versão dos factos, tal como tinha acontecido antes na ex-Jugoslávia. Em Março de 2009, o Tribunal Penal Internacional (TPI) acusou o presidente sudanês, al-Bashir por crimes de guerra, nem uma palavra acerca do JEM, dos terroristas do Chad ou dos financiamentos ocidentais.

Entretanto, em Agosto de 2006, o presidente do Chad, Idriss Deby, tinha mudado de ideias pedindo que o seu País ficasse com 60% da produção nacional de petróleo, farto de receber as migalhas das empresas estrangeiras que dirigiam a indústria. Acusou a Chevron e a Petronas de não pagar os impostos, para um total de 486,2 milhões Dólares.

Caso esquisito, em 2009 o presidente Deby entrou na classificação dos piores ditadores do mundo segundo imprensa dos Estados Unidos.

Sic transit gloria mundi, assim passa a gloria do mundo.

Em 2008, o presidente sudanês al-Bashir participou nos festejos pela reeleição de Deby, marcando assim a retoma das relações entre os dois Países e o fim do conflito no Darfur. Mas al-Bashir ainda estava sentado em cima dos enormes depósitos de petróleo, e as oito famílias da Big Oil conceberam o plano para a secessão do Sudão do Sul: exausto pelos constantes ataques, al-Bashir foi forçado ao acordo sobre a divisão do País.

A violência que explodiu recentemente na região de confim do Kordofan, parece que o SPLA e os seus patrocinadores Glencore/Rothschild não tencionem contentar-se com os campos petrolíferos do Sul. É que no Sudão há ainda muito petróleo e muito sangue para derramar.

Empresas simpáticas: a Glencore


Algumas notas acerca da Glencore.

Este é um nome pouco conhecido ao grande público mas na verdade é uma das mais importantes empresas mundiais.
Reza Wikipedia:
Glencore International AG é uma empresa mineradora da Suíça, sediada em Barr. Fundada pelo israelo-belga-espanhol Marc Rich, trabalha também com metais, produtos agrícolas e energia. O Patrinômio é de 145 bilhões de dólares.A Glencore é portanto uma multinacional anglo-suíça sediada em Baar (Suíça) e registada em Saint Helier, New Jersey (EUA): é nada mais nada menos que a mais importante empresa que comercia em commodities, dado que detém 60% do mercado do zinco, 50% daquele do cobre, 9% do cereais, 3% do petróleo.

Trabalha directamente ou com subsidiárias nos seguintes Países: Estados Unidos, Austrália, Jamaica, Colômbia, Peru, Bolívia, Argentina, Italia, Suécia, Irlanda, Zâmbia, África do Sul, Congo, Rússia, Cazaquistão, Filipinas. E, naturalmente, Sudão do Sul.

No curriculum da empresa, realce para:

Manipulações financeiras e contabilísticas
Cinco organizações não-governamentais apresentaram uma queixa junto da OCDE contra uma filial da Glencore pelo facto duma mina que possui no Zâmbia não pagar os imposto sobre os seus lucros, com acusações de manipulações financeiras e contabilisticas realizadas pela subsidiária Cobre Mopani Minas Plc com o fim de evitar a tributação na Zâmbia. Em 2011 o consultor Grant Thornton descobriu que a evasão fiscal da Glencore na Zâmbia custava ao governo local centenas de milhões de Dólares em receitas perdidas. As minas Mopani são controladas através das Ilhas Virgens Britânicas, um offshore.

Relações com Países hostis

Rádio ABC informou que a Glencore foi acusada de transacções ilegais com Países hostis: ao tempo do apartheidcom a África do Sul, com a URSS, mais recentemente com o Iraque de Saddam Hussein, com o Irão. Mais especificamente, a Glencore foi acusada de ter pago 3.222.780 de Dólares como meio para facilitar a obtenção de petróleo no curso do programa Food for Oil da ONU no Iraque.

Investimentos na Colômbia
A televisão pública suíça (TSR) relatou em 2006 as alegações de corrupção e graves violações dos direitos humanos levantadas contra a subsidiária colombiana da Glencore, a Cerrejón. O presidente do sindicato local, Francisco Ramirez, relatou as expropriações forçadas e as evacuações de aldeias inteiras, com o fim de permitir a expansão da mina, com a cumplicidade de autoridades colombianas. De acordo com a TSR, um representante dos índios Wayuu também acusou as unidades paramilitares e militares colombiana, incluindo os responsáveis pela segurança da Cerrejón mineração, de "massacre".

Uma investigação da BBC, em 2012, apresentou documentos que mostram como a empresa havia pago assassinos na Colômbia.

Investimentos no Equador
No Equador, o actual governo tentou reduzir o papel dos intermediários, como a Glencore, nos negócios com a petrolífera estatal Petroecuador, devido a questões sobre a transparência.

Investimentos em Zâmbia
Investigações na Zâmbia, pois as autoridades locais acreditam que a poluição das minas da Glencore estão a causar a chuva ácida e os problemas de saúde numa área onde 5 milhões de pessoas residem.

Investimentos na República Democrática do Congo
A refinaria da subsidiária Luilu utiliza ácido para extrair o cobre. Ao longo de três anos após ter assumido o controlo da mina, a empresa continuou a despejar o ácido resíduos num rio próximo. O presidente-executivo, Ivan Glasenberg, foi entrevistado pelo jornalista John Sweeney:
Era impossível remediar de forma mais rápida.E se era impossível, era mesmo impossível.
A empresa está também sob investigação por causa de falhas na transparência das operações que levaram à concessão da exploração (corrupção de elementos do governo local).

Pois é, a Glencore não brinca em serviço.

quarta-feira, outubro 17, 2012

Ato de Apoio dos Movimentos Populares ao Haddad


Figurão da equipe econômica tucana reclama da queda de juros

O ex-presidente do Banco Central no governo FHC, Armínio Fraga, teceu duras críticas à política de redução de juros do governo federal em entrevista nesta segunda-feira (15) ao jornal Folha de S.Paulo. Segundo o ex-czar do tucanato, a queda deveria ser mais lenta, para não ameaçar as metas de inflação. Fraga parece não notar que desde o ano passado, quando iniciou-se esse ciclo de queda da taxa básica de juros, as mesmas críticas vem sendo lançadas, e nenhuma "profecia" dos gurus da economia se concretizou.

Ao contrário da Folha, o Jornal do Brasil teve a curiosidade de ouvir outras opiniões. Outros economistas viram por trás do "choro" de Armínio Fraga, a redução do lucro fácil na aplicação em títulos públicos, sem risco. Fraga opera fundos de investimentos, com aplicação nestes títulos. A queda dos juros destes títulos, corresponde à queda na rentabilidade dos fundos.

O pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Gabriel Leal de Barros, especialista em finanças públicas, considera positivo para a economia: "Faz parte do desenvolvimento do país. Ficou mais difícil ganhar dinheiro fácil (...) Faz bem para as contas públicas, que estavam muito vinculadas ao pagamento da dívida".

Outro economista, que preferiu não se identificar, mesmo ressalvando que "a posição dele é coerente com uma linha econômica que ele mesmo vem seguindo desde que assumiu o BC", afirmou que "senão a maior parte, pelo menos grande parte das críticas dele estão conectadas a esta perda de remuneração do fundo de investimento dele".

Outro consultado, que também não quis se identificar, também considerou "óbvio" o fato de que a queda nos juros "é muito ruim para Armínio já que tem atrapalhado o lucro dos bancos e dos fundos".

Assim como Fraga, banqueiros e investidores do mercado financeiro têm reclamado do que chamam de "intervenção do governo na economia", quando o Banco Central atua ativamente na queda dos juros. Curioso que ninguém chamava de "intervenção" quando o mesmo Banco Central subiu juros no passado.

A queda de juros torna mais atrativo investimentos em setores produtivos da economia, como o financiamento imobiliário, em infraestrutura, em empreendimentos industriais e comerciais – e desestimula a aplicação em mera especulação financeira. Alguns destes investimentos produtivos trazem maior risco do que títulos públicos.

Não há o que reclamar: quem deseja a zona de conforto do rendimento sem risco, contente-se com rentabilidades baixas; quem busca taxas de retorno mais altas, invista nas oportunidades que se abrem no Brasil com o crescimento da economia e do mercado interno. Nada além dos fundamentos básicos do capitalismo, onde o lucro deve ser proporcional ao risco.


Comentário E & P

A subelite brasileira da qual Armínio Fraga é um exímio representante se locupletou por décadas com os juros estratosféricos pagos no Brasil. O próprio Armínio Fraga jogou a taxa a 45% anualmente no (des) governo Efeagácê, de triste memória para o povo, mas de festa para os representados por Fraga! Esse dinheiro é tirado dos trabalhadores que pagam proporcionalmente mais impostos do que os ricos e via taxa de juros vai para os rentistas que são as 20.000 famílias mais ricas do país. É uma distribuição de renda ao inverso, tirar dos mais pobres e dar aos mais ricos. Armínio Fraga foi adestrado em economia nos Estados Unidos. O que ele aprendeu lá, segundo o renomado economista John Kenneth Galbraith não se aplica nem nos Estados Unidos, para se saber da inutilidade do que é ensinado nas universidades estadunidenses. Na verdade essas teorias econômicas importadas são amplamente ensinadas na PUC-Rio, FGV-Rio e na USP, chamadas popularmente de neoliberais defendem a desigualdade social e a entrega do patrimônio público ao capital internacional. Armínio Fraga que foi funcionário do megaespeculador Soros, está de má-fé, visto que opera fundos de investimentos que ganham mais se os juros subirem está defendendo os interesses dele em detrimento do povo brasileiro. Fraga está na verdade defendendo que retire dinheiro da educação, saúde, transportes, segurança e infraestrutura para, via juros altos, irem remunerar os detentores de fundos,operados por ele, e se transformar em ferraris, bmws, apartamentos em Miami e outras regalias para a subelite brasileira, vassala da elite dos Estados Unidos e da Europa e cujo projeto é manter a desigualdade social e o povo na pobreza. Para ela tanto faz, desde que se mantenha os juros altos e a subelite continue se divertindo.

terça-feira, outubro 16, 2012

Boas razões para a presidenta Dilma não ter ido à SIP


As famílias que controlam os meios de comunicação na região, sem aliados importantes além dos Estados Unidos, ambicionavam aval implícito de Dilma Rousseff para sua ofensiva contra políticas de democratização e regulação levadas a cabo por diversos governos progressistas. Estes veículos, mais recentemente, apoiaram o golpe contra o presidente Hugo Chávez (2002), a derrocada do hondurenho Manuel Zelaya (2009) e o afastamento ilegal do paraguaio Fernando Lugo (2012). Funcionam como uma aliança intercontinental do conservadorismo. O artigo é de Breno Altman.
Breno Altman - Opera Mundi


(*) Artigo publicado originalmente no Opera Mundi

O dirigente do Grupo Estado, Júlio César Mesquita, não escondeu sua frustração. Diante da cadeira vazia na cerimônia de abertura da 68ª Assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa, comparou a atitude da atual presidente a de seus antecessores, Ernesto Geisel e Fernando Collor, nos dois convescotes da agremiação anteriormente por aqui realizados.

A comparação pode ser estapafúrdia, mas o rancor tem sua razão de ser. As famílias que controlam os meios de comunicação na região, sem aliados importantes além dos Estados Unidos, ambicionavam aval implícito de Dilma Rousseff para sua ofensiva contra políticas de democratização e regulação levadas a cabo por diversos governos progressistas.

Apesar de sua administração manter intactos os privilégios dos monopólios de imprensa, a presidente pode ter sido eloquente ao dar silencioso bolo no evento dos marajás da informação. Como não foram tornados públicos os motivos dessa decisão, é natural que provoquem especulações. Uma abordagem possível remete à trajetória da associação. A SIP, afinal, congrega a fatia mais ativa e influente das elites continentais, com expressiva folha de serviços prestados às ditaduras.

Fundada nos EUA em 1946, a entidade teve papel fundamental durante a Guerra Fria. Empenhou-se com afinco a etiquetar como “antidemocráticos” os governos latino-americanos que não se alinhavam com a Casa Branca. Constituiu-se em peça decisiva do clima psicológico que antecedeu levantes militares no continente entre os anos 60 e 80.

Entre seus membros mais proeminentes, por exemplo, está o diário chileno El Mercurio, comprometido até a medula com a derrubada do presidente constitucional Salvador Allende, em 1973, e a ditadura do general Augusto Pinochet. Outros grupos filiados são os argentinos La Nación e El Clarín, apoiadores de primeira hora do sanguinário golpe de 1976.

A lista é longa. O vetusto matutino da família Mesquita, O Estado de S.Paulo, também foi adepto estridente das fileiras anticonstitucionais, clamando e aplaudindo, em 1964, complô contra o presidente João Goulart. Mas não foi atitude solitária: outras empresas brasileiras de comunicação, igualmente inscritas na SIP, seguiram a mesma trilha.

Seus feitos, porém, não fazem parte apenas da história. Estes veículos, mais recentemente, apoiaram o golpe contra o presidente Hugo Chávez (2002), a derrocada do hondurenho Manuel Zelaya (2009) e o afastamento ilegal do paraguaio Fernando Lugo (2012). Funcionam, a bem da verdade, como uma aliança intercontinental do conservadorismo.

Às vésperas das eleições de 2010, em julho, o então presidente da SIP, Alejandro Aguirre, afirmou que Lula “não poderia ser chamado de democrata” e o incluiu entre os líderes que “se beneficiam de eleições livres para destruir as instituições democráticas”. Seu objetivo era evidente: como porta-voz dos barões da mídia, queria colaborar no esforço de guerra contra a condução de Dilma Rousseff, pelo sufrágio popular, ao Palácio do Planalto.

A SIP, no entanto, vai além de movimentos pontuais, ainda que constantes, para a desestabilização das experiências de esquerda. Trata-se de um laboratório para estratégias de terceirização política dos Estados nacionais, na qual as corporações privadas de imprensa ditam a agenda, articulam-se com esferas do poder público e se consolidam como partidos orgânicos da oligarquia.

Diante deste inventário de símbolos e realizações, fez bem a presidente ao se recusar a emprestar o prestígio de seu mandato e a honradez de sua biografia. Ainda mais em um momento no qual sócios nacionais da associação animam julgamento de exceção contra dirigentes históricos de seu partido e integrantes de proa do governo Lula.

Oxalá esse gesto possa dar início a uma batalha firme pela democratização da imprensa e a adoção de marco regulatório que rompa com o feudalismo midiático.

(*) Breno Altman é diretor do site Opera Mundi e da revista Samuel

Queda da Selic e a folga nos gastos financeiros


Por Gustavo Belic Cherubine
Da Folha

R$ 30 bilhões: o que fazer?

LINDBERGH FARIAS

A Selic continua caindo. Agora o governo tem de aproveitar tal folga nos gastos financeiros para aumentar investimentos e também cortar carga tributária

Uma revolução está acontecendo no Brasil. É a redução para patamares civilizados da taxa de juros básica da economia, a taxa Selic. Em 1999, a Selic alcançou o pico de 45% ao ano. No início do governo Lula, em 2003, era 26,5%. Na última semana, chegou em 7,25%, após novo corte. Ela pode ser reduzida ainda mais: a taxa de juros básica real nos países desenvolvidos está negativa.

Há no país, porém, uma anomalia. Aliás, só encontrada aqui. Parte dos títulos da dívida pública remunera seus detentores de acordo com a taxa de juros Selic. Logo, quando a Selic cai, as despesas governamentais são reduzidas.

O contrário também ocorre: quando a taxa Selic sobe, as despesas públicas aumentam, praticamente desperdiçando recursos. Esses gastos não criam emprego, renda ou bem-estar social.

Tais recursos só não são totalmente desperdiçados porque cumprem a função de remunerar os credores do governo. Mas credores podem ser remunerados com juros mais baixos e com menos recursos públicos. O governo tem pago volumes elevados de recursos aos detentores de títulos. Em 2010, pagou R$ 195,4 bilhões e, em 2011, R$ 236,6 bilhões. Até julho deste ano, pagou R$ 128,5 bilhões.

Com a revolução da redução da Selic, muitos recursos estão sendo economizados. Novas quedas trarão mais economia para o governo federal. Em 2012, o Departamento Econômico do Banco Central espera que haja uma economia de R$ 30 bilhões graças à redução da Selic. Em 2013, a folga orçamentária será maior.

Há várias formas de o governo utilizar esses R$ 30 bilhões. Pode reduzir a carga tributária. Pode, ainda, aumentar os investimentos em infraestrutura. E pode aumentar os gastos com educação, segurança pública ou saúde, por exemplo.

A economia dos países avançados está semiestagnada. Paira no ar a possibilidade de desaceleração de países em desenvolvimento. É hora de o governo fazer a economia brasileira subir a ladeira acelerando, em marcha de força. Para tanto, deveria aumentar os seus investimentos e reduzir a carga tributária, principalmente sobre o ato empresarial de investir.

Se não for gasta, a economia esperada de R$ 30 bilhões se transformará em redução do déficit público, que é a diferença entre as receitas e as despesas de juros somadas às despesas primárias (gastos de custeio e investimento).

Para que os R$ 30 bilhões sejam transformados em investimentos, o governo precisará realizar uma importante operação contábil: reduzir o superávit primário, que é a diferença entre as receitas e as despesas primárias. Haveria redução do superávit porque ocorreria o aumento de despesas primárias (devido ao aumento do investimento público).

Tal redução do superávit não provocaria um aumento do déficit público previsto para 2012. O déficit seria mantido, já que as despesas totais teriam a mesma magnitude -o que haveria seria uma mera mudança de composição dos gastos: despesas de juros seriam transformadas em despesas primárias (o novo investimento público).

Mais ainda, a economia com o pagamento dos juros é alta e crescente. Parte dela poderia também ser transformada em redução de carga tributária, ou seja, haveria redução da receita do governo. Apesar da queda da arrecadação, o déficit público previsto para o final do ano seria mantido: a desoneração tributária seria sincronizada com a queda das despesas de juros e o aumento do investimento público.

A questão crucial é que a redução de despesas de pagamento de juros seria transformada em aumento do investimento e redução da carga tributária. Portanto, a implicação dessa recomposição seria neutra sobre a contabilidade orçamentária. Todavia, as mudanças reais que ocorreriam teriam alto impacto: haveria melhoria da infraestrutura, redução de custos de produção e aumento da competitividade das empresas. Portanto, o governo tem munição para não deixar a economia desacelerar.

LINDBERGH FARIAS, 42, é senador pelo PT-RJ

Vídeo - A Privataria Tucana

domingo, outubro 14, 2012

COMPARATO E OS JUÍZES DO STF: SÃO CULPADOS !

Do Conversa Afiada

E o mensalão mais antigo ? E os empresários ? E a reeleição do FHC ? E o Daniel Dantas ?


PARA ENTENDER O JULGAMENTO DO “MENSALÃO”

Fábio Konder Comparato


Ao se encerrar o processo penal de maior repercussão pública dos últimos anos, é preciso dele tirar as necessárias conclusões ético-políticas.

Comecemos por focalizar aquilo que representa o nervo central da vida humana em sociedade, ou seja, o poder.

No Brasil, a esfera do poder sempre se apresentou dividida em dois níveis, um oficial e outro não-oficial, sendo o último encoberto pelo primeiro.

O nível oficial de poder aparece com destaque, e é exibido a todos como prova de nosso avanço político. A Constituição, por exemplo, declara solenemente que todo poder emana do povo. Quem meditar, porém, nem que seja um instante, sobre a realidade brasileira, percebe claramente que o povo é, e sempre foi, mero figurante no teatro político.

Ainda no escalão oficial, e com grande visibilidade, atuam os órgãos clássicos do Estado: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e outros órgãos auxiliares. Finalmente, completando esse nível oficial de poder e com a mesma visibilidade, há o conjunto de todos aqueles que militam nos partidos políticos.

Para a opinião pública e os observadores menos atentos, todo o poder político concentra-se aí.

É preciso uma boa acuidade visual para enxergar, por trás dessa fachada brilhante, um segundo nível de poder, que na realidade quase sempre suplanta o primeiro. É o grupo formado pelo grande empresariado: financeiro, industrial, comercial, de serviços e do agronegócio.

No exercício desse poder dominante (embora sempre oculto), o grande empresariado conta com alguns aliados históricos, como a corporação militar e a classe média superior. Esta, aliás, tem cada vez mais sua visão de mundo moldada pela televisão, o rádio e a grande imprensa, os quais estão, desde há muito, sob o controle de um oligopólio empresarial. Ora, a opinião – autêntica ou fabricada – da classe média conservadora sempre influenciou poderosamente a mentalidade da grande maioria dos membros do nosso Poder Judiciário.

Tentemos, agora, compreender o rumoroso caso do “mensalão”.

Ele nasceu, alimentou-se e chegou ao auge exclusivamente no nível do poder político oficial. A maioria absoluta dos réus integrava o mesmo partido político; por sinal, aquele que está no poder federal há quase dez anos. Esse partido surgiu, e permaneceu durante alguns poucos anos, como uma agremiação política de defesa dos trabalhadores contra o empresariado. Depois, em grande parte por iniciativa e sob a direção de José Dirceu, foi aos poucos procurando amancebar-se com os homens de negócio.

Os grandes empresários permaneceram aparentemente alheios ao debate do “mensalão”, embora fazendo força nos bastidores para uma condenação exemplar de todos os acusados. Essa manobra tática, como em tantas outras ocasiões, teve por objetivo desviar a atenção geral sobre a Grande Corrupção da máquina estatal, por eles, empresários, mantida constantemente em atividade magistralmente desde Pedro Álvares Cabral.

Quanto à classe média conservadora, cujas opiniões influenciam grandemente os magistrados, não foi preciso grande esforço dos meios de comunicação de massa para nela suscitar a fúria punitiva dos políticos corruptos, e para saudar o relator do processo do “mensalão” como herói nacional. É que os integrantes dessa classe, muito embora nem sempre procedam de modo honesto em suas relações com as autoridades – bastando citar a compra de facilidades na obtenção de licenças de toda sorte, com ou sem despachante; ou a não-declaração de rendimentos ao Fisco –, sempre esteve convencida de que a desonestidade pecuniária dos políticos é muito pior para o povo do que a exploração empresarial dos trabalhadores e dos consumidores.

E o Judiciário nisso tudo?

Sabe-se, tradicionalmente, que nesta terra somente são condenados os 3 Ps: pretos, pobres e prostitutas. Agora, ao que parece, estas últimas (sobretudo na high society) passaram a ser substituídas pelos políticos, de modo a conservar o mesmo sistema de letra inicial.

Pouco se indaga, porém, sobre a razão pela qual um “mensalão” anterior ao do PT, e que serviu de inspiração para este, orquestrado em outro partido político (por coincidência, seu atual opositor ferrenho), ainda não tenha sido julgado, nem parece que irá sê-lo às vésperas das próximas eleições. Da mesma forma, não causou comoção, à época, o fato de que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tivesse sido publicamente acusado de haver comprado a aprovação da sua reeleição no Congresso por emenda constitucional, e a digna Procuradoria-Geral da República permanecesse muda e queda.

Tampouco houve o menor esboço de revolta popular diante da criminosa façanha de privatização de empresas estatais, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso. As poucas ações intentadas contra esse gravíssimo atentado ao patrimônio nacional, em particular a ação popular visando a anular a venda da Vale do Rio Doce na bacia das almas, jamais chegaram a ser julgadas definitivamente pelo Poder Judiciário.

Mas aí vem a pergunta indiscreta: – E os grandes empresários? Bem, estes parecem merecer especial desvelo por parte dos magistrados.

Ainda recentemente, a condenação em primeira instância por vários crimes econômicos de um desses privilegiados, provocou o imediato afastamento do Chefe da Polícia Federal, e a concessão de habeas-corpus diretamente pelo presidente do Supremo Tribunal, saltando por cima de todas as instâncias intermediárias.

Estranho também, para dizer o mínimo, o caso do ex-presidente Fernando Collor. Seu impeachment foi decidido por “atentado à dignidade do cargo” (entenda-se, a organização de uma empresa de corrupção pelo seu fac-totum, Paulo Cezar Farias). Alguns “contribuintes” para a caixinha presidencial, entrevistados na televisão, declararam candidamente terem sido constrangidos a pagar, para obter decisões governamentais que estimavam lícitas, em seu favor. E o Supremo Tribunal Federal, aí sim, chamado a decidir, não vislumbrou crime algum no episódio.

Vou mais além. Alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao votarem no processo do “mensalão”, declararam que os crimes aí denunciados eram “gravíssimos”. Ora, os mesmos Ministros que assim se pronunciaram, chamados a votar no processo da lei de anistia, não consideraram como dotados da mesma gravidade os crimes de terrorismo praticados pelos agentes da repressão, durante o regime empresarial-militar: a saber, a sistemática tortura de presos políticos, muitas vezes até à morte, ou a execução sumária de opositores ao regime, com o esquartejamento e a ocultação dos cadáveres.

Com efeito, ao julgar em abril de 2010 a ação intentada pelo Conselho Federal da OAB, para que fosse reinterpretada, à luz da nova Constituição e do sistema internacional de direitos humanos, a lei de anistia de 1979, o mesmo Supremo Tribunal, por ampla maioria, decidiu que fora válido aquele apagamento dos crimes de terrorismo de Estado, estabelecido como condição para que a corporação militar abrisse mão do poder supremo. O severíssimo relator do “mensalão”, alegando doença, não compareceu às duas sessões de julgamento.

Pois bem, foi preciso, para vergonha nossa, que alguns meses depois a Corte Interamericana de Direitos Humanos reabrisse a discussão sobre a matéria, e julgasse insustentável essa decisão do nosso mais alto tribunal.

Na verdade, o que poucos entendem – mesmo no meio jurídico – é que o julgamento de casos com importante componente político ou religioso não se faz por meio do puro silogismo jurídico tradicional: a interpretação das normas jurídicas pertinentes ao caso, como premissa maior; o exame dos fatos, como premissa menor, seguindo logicamente a conclusão.

O procedimento mental costuma ser bem outro. De imediato, em casos que tais, salvo raras e honrosas exceções, os juízes fazem interiormente um pré-julgamento, em função de sua mentalidade própria ou visão de mundo; vale dizer, de suas preferências valorativas, crenças, opiniões, ou até mesmo preconceitos. É só num segundo momento, por razões de protocolo, que entra em jogo o raciocínio jurídico-formal. E aí, quando se trata de um colegiado julgador, a discussão do caso pelos seus integrantes costuma assumir toda a confusão de um diálogo de surdos.

Foi o que sucedeu no julgamento do “mensalão”.