Da Folha
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Sua retórica dá a impressão de que ele vá implantar o socialismo, mas seus atos deixam claro que não
Se as liberdades e o sufrágio universal estão assegurados, a democracia, garantida, e os cidadãos não estão ameaçados de expropriação por políticos revolucionários, não há razão para cidadãos com espírito republicano votarem em candidatos que defendem interesses dos ricos.
Eles estarão agindo de acordo com princípios de justiça se escolherem candidatos razoavelmente competentes que estejam comprometidos com os interesses dos pobres.
Estas considerações podem ser relevantes para eleitores de classe média decidirem seu voto, mas o que decide eleições é o voto dos pobres, como acabamos de ver na reeleição de Hugo Chávez na Venezuela.
Sua nova vitória comprova que a Venezuela é uma democracia e que os pobres lograram votar de acordo com seus interesses. Mas mostra também que os venezuelanos de classe média que nele votaram não defenderam seus interesses oligárquicos, mas os da maioria. Agiram conforme o critério republicano.
Chávez não é um revolucionário, mas um reformador. Sua retórica relativa ao "socialismo bolivariano" dá a impressão de que está prestes a implantar o socialismo no país, mas seus atos deixam claro que não tem essa intenção nem esse poder.
Essa mesma retórica alimenta a oposição local e dos Estados Unidos -uma potência imperial que, desde que ele foi eleito pela primeira vez, procura desestabilizá-lo.
Mais importantes, porém, são suas ações de governo. Essas apresentaram resultados impressionantes.
A renda per capita, que em 1999 era de US$ 4.105, passou a US$ 10.810 em 2011; a pobreza extrema foi de 23,4% da população para apenas 8,8%; e o índice de desigualdade caiu de 55,4% em 1998 para 28%, em 2008, com Chávez.
A Venezuela é um país muito difícil de governar porque é pobre e heterogêneo. E os interesses em torno do petróleo são enormes.
Nesse quadro de dificuldades, Chávez vem representando de forma exemplar a luta de uma coalizão política desenvolvimentista formada por empresários (poucos), trabalhadores e burocracia pública contra uma coalizão liberal e dependente formada por capitalistas rentistas, financistas, e pelos interesses estrangeiros. A luta de um país pobre para realizar sua revolução nacional e capitalista e melhorar o padrão de vida de seu povo.
Nas últimas eleições, o establishment internacional voltou a apoiar o candidato da oposição. Mas o que tem sido a oposição "liberal" na Venezuela desde a Segunda Guerra?
Essencialmente, uma oligarquia corrupta que se alternou no poder por 50 anos em um simulacro de democracia; uma elite econômica que reduziu a política à partilha das rendas do petróleo entre seus membros; um governo de ricos que sempre se submeteu às recomendações de política econômica do Norte, e exibiu, entre 1950 e 1999, o mais baixo crescimento de PIB da América Latina.
O establishment internacional ainda não foi vencido, e a nação venezuelana não está consolidada. Chávez contou com a ajuda dos preços elevados do petróleo para realizar um governo desenvolvimentista e social. Não a terá sempre.
Mas as últimas eleições mostraram que o povo venezuelano construiu uma democracia melhor do que aquela que o nível de desenvolvimento do país deixaria prever.
E que esta democracia é o melhor antídoto contra a oligarquia interna e o neoliberalismo importado.
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