Entre os dias 12 e 14 de novembro deste 2007, em Salvador, pesquisadores, professores, intelectuais, jornalistas, estudantes e alguns dirigentes de partidos políticos reuniram-se para a discussão do tema Mídia, Poder e Democracia. E chegaram a conclusões que aparentemente poderão até ser rotuladas de óbvias, mas que, olhadas mais de perto, são essenciais. Se recorrentes, o são pelo fato de o País ainda não ter conseguido responder convenientemente aos desafios suscitados por elas.
Os 13 pontos do documento aprovado ao final do Fórum Internacional Mídia, Poder e Democracia começam com a constatação de que o sistema de comunicação vigente no Brasil “é altamente concentrador, monopolizado, oligárquico e antidemocrático”, o que, se é uma verdade cristalina, não aparece evidenciada de modo nenhum na própria mídia pela natural autodefesa dela. E, decorrente dessa constatação, segue-se uma quase imposição política: a democratização das mídias torna-se indispensável “para que a democracia se amplie e se aprofunde em uma sociedade cada vez mais estruturada e ambientada pelas comunicações”.
O encontro concluiu, ainda, pela necessidade da realização de uma Conferência Nacional de Comunicações para redefinir democraticamente os marcos das comunicações no País, como, também, pela urgência de um novo ordenamento jurídico, contemporâneo e democrático, que, entre tantos itens, estabeleça novos critérios para as concessões de emissoras de rádio e televisão. Considerou vital a implantação de um novo Sistema Público de Comunicação, que inclua televisão, rádio, Internet e outros meios, que se paute por uma ampla participação social, pela diversidade de conteúdos e formatos e por modos de gestão democráticos e participativos.
Considerou que a implantação de uma Rede Pública de Televisão, já em andamento, constitui um momento fundamental da democratização das comunicações no Brasil e defendeu que os critérios de utilização dos canais criados pela televisão digital devem ser revistos, abrindo-se espaços para novas concessionárias, incluindo-se organizações da sociedade civil e instituições públicas, como as universidades. O tratamento das emissoras de rádio e televisão comunitárias deve ser modificado, assegurando a legalidade de seu funcionamento, cabendo ao governo, ainda, dar especial atenção à ampliação das redes informáticas, do acesso à Internet e utilização das novas tecnologias.
A criação de Observatórios de Mídia e sua articulação em redes devem ser estimuladas, de modo a que se possa acompanhar e fiscalizar democraticamente as atividades da mídia no País. Por que, afinal, a mídia deveria ser uma exceção, constituir uma atividade sem qualquer acompanhamento social? O Estado brasileiro, segundo o documento, deve alocar recursos da publicidade governamental também com a preocupação de estimular e manter a diversidade cultural, a fim de contribuir com a existência de um largo complexo de mídias alternativas.
Por fim, concluir que governo e sociedade devem colocar o tema das políticas democráticas para as comunicações como parte essencial da agenda pública do País e que tanto um quanto outro devem se preocupar com a formação de cidadãos e cidadãs capazes de desenvolver uma relação crítica e criativa com as mídias.
Um documento, claro, é um momento de síntese. O fórum foi palco de intensos debates e contou com a participação de intelectuais como Ignácio Ramonet, do Le Monde Diplomatique; de Maria O´Donnell, da Argentina; de Marilena Chauí, Emir Sader, Teresa Cruvinel, Bob Fernandes, Leandro Fortes, Carlos Tibúrcio, Bernardo Kucinski, Roberto Amaral, Marcus Figueiredo, entre tantos jornalistas, políticos e intelectuais. Discutiu os temas da Mídia e Democracia no Brasil, Democracia e TV Pública, Os Observatórios de Mídia e Democracia, Impactos da Mídia sobre a Democracia e a Política, Sociedade Civil e Democratização da Comunicação e Mídia e Eleições na América Latina.
A realização esteve a cargo do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Cult), do Programa Multidisciplinar de Pós Graduação em Cultura e Sociedade, ambos da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, e do Observatório Brasileiro de Mídia. Não se faria justiça se não se destacasse o papel ativo do professor Albino Rubim, da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, principal estimulador e quem elaborou as primeiras idéias em torno desse fórum que, para além de sua excelência acadêmica, representou um momento político de articulação voltado para a democratização da mídia brasileira.
Não há dúvida, para dizer uma obviedade, que o caminho é longo. As resistências à democratização das mídias no Brasil são enormes, exatamente pela sua natureza monopolística, oligárquica e antidemocrática. O quartel-general da mídia, dirigido por algumas poucas famílias, talvez seja uma das mais poderosas casamatas do conservadorismo no Brasil e as últimas eleições evidenciaram isso de modo nítido. A mídia atuou como um decidido ator político, voltado para o objetivo de tentar impedir a continuidade de um projeto de reformas no Brasil, capitaneado pelo presidente Lula, pelo PT e por partidos aliados. Não realizava coberturas. Testava hipóteses, como diria o Kamel da Globo.
O teste de hipóteses não foi bem-sucedido desta feita. Se existiu uma derrota nas últimas eleições, para além do adversário direto de Lula, Alkmin, foi a da mídia. Durante mais de um ano, ela dedicou-se cotidianamente, e de modo obsceno, a desqualificar o governo, o PT e o presidente da República de modo a impor-lhes, como pretendiam, uma derrota acachapante. Ocorreu o contrário. Um susto para a mídia. Será? Nem sei se ela se assusta. Ela tem mantido uma posição coerente ao longo pelo menos dos últimos cinqüenta anos, desde Vargas pelo menos. Nunca ela será encontrada ao lado dos interesses do povo, nunca será surpreendida defendendo um governo reformista – isso, eu disse reformista, não falei em revolução ou socialismos.
Um fórum como o realizado em Salvador é mais um passo na luta da sociedade brasileira para encontrar caminhos que não permitam esse monopólio do discurso, esse privilégio de uns poucos discursarem sobre o Brasil sem que outros possam dar a sua opinião. A sociedade brasileira deve ir ganhando consciência de quem sem uma mídia democratizada, que ao menos leve em conta os manuais que a chamada grande imprensa diz cultuar, sem isso nós não teremos uma democracia consolidada. Nas últimas eleições, desconfio que o povo brasileiro começou a compreender isso, ao recusar liminarmente o discurso midiático sobre o presidente, o PT e o governo.
Emiliano José é jornalista, escritor, membro do Diretório Nacional do PT.
Artigo publicado originalmente no site da Carta Maior (www.cartamaior.com.br)
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