O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
quarta-feira, junho 15, 2016
Moniz Bandeira denuncia apoio dos EUA a golpe no Brasil
do PT na Câmara
O cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira alertou nesta terça-feira (14) que por trás do processo golpista no Brasil, que levou à ascensão do presidente interino Michel Temer no lugar da presidenta legítima Dilma Rousseff, há poderosos interesses dos Estados Unidos, para ampliar sua presença econômica e geopolítica na América do Sul.
“Esse golpe deve ser compreendido dentro do contexto internacional, em que os EUA tratam de recompor sua hegemonia sobre a América do Sul, ao ponto de negociar e estabelecer acordos com o presidente Maurício Macri para a instalação de duas bases militares em regiões estratégicas da Argentina. O processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff não se tratou, portanto, de um ato isolado, por motivos domésticos, internos do Brasil”, afirmou Moniz Bandeira, em entrevista concedida por e-mail ao PT na Câmara.
Moniz, que é autor de mais de 20 obras, entre elas A Segunda Guerra Fria — Geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos (2013, Civilização Brasileira) e está lançando agora A Desordem Internacional, entende que o processo golpista no Brasil recebeu apoio dos EUA e de outros setores estrangeiros com interesse nas riquezas do País.
Ele criticou também setores da burocracia do Estado (como Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal e Judiciário) por atuarem para solapar a democracia brasileira, prejudicar empresas nacionais e abrir caminho para a consolidação de interesses estrangeiros no País, em especial dos EUA.
“Muito dinheiro correu na campanha pelo impeachment. E a influência dos EUA transparece nos vínculos do juiz Sérgio Moro, que conduz o processo da Lava-Jato. Ele realizou cursos no Departamento de Estado, em 2007”, disse.
Leia a entrevista completa:
Como o senhor avalia o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff?
O fato de que o presidente interino Michel Temer e seus acólitos, nomeados ministros, atuarem como definitivos, mudando toda a política da presidenta Dilma Roussefff, evidencia nitidamente a farsa montada para encobrir o golpe de Estado, um golpe frio contra a democracia, desfechado sob o manto de impeachment.
Esse golpe, entretanto, deve ser compreendido dentro do contexto internacional, em que os Estados Unidos tratam de recompor sua hegemonia sobre a América do Sul, ao ponto de negociar e estabelecer acordos com o presidente Maurício Macri para a instalação de duas bases militares em regiões estratégicas da Argentina.
O processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff não se tratou, portanto, de um ato isolado, por motivos domésticos, internos do Brasil.
Onde seriam implantadas tais bases?
Uma seria em Ushuaia, na província da Terra do Fogo, cujos limites se estendem até a Antártida; a outra na Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai), antiga ambição de Washington, a título de combater o terrorismo e o narcotráfico. Mas o grande interesse, inter alia, é, provavelmente, o Aquífero Guarani, o maior manancial subterrâneo de água doce do mundo, com um total de 200.000 km2, um manancial transfronteiriço, que abrange o Brasil (840.000l Km²), Paraguai (58.500 Km²), Uruguai (58.500 Km²) e Argentina (255.000 Km²).
Aí os grandes bancos dos Estados Unidos e da Europa — Citigroup, UBS, Deutsche Bank, Credit Suisse, Macquarie Bank, Barclays Bank, the Blackstone Group, Allianz, e HSBC Bank e outros –compraram vastas extensões de terra.
A eleição de Maurício Macri significa que a Argentina vai voltar ao tempo em que o ex-presidente Carlos Menem, com a doutrina do “realismo periférico”, desejava manter “relações carnais” com os Estados Unidos?
Os EUA estão a buscar a recuperação de sua hegemonia na América do Sul, hegemonia que começaram a perder com o fracasso das políticas neoliberais na década de 1990. Com a eleição de Maurício Macri, na Argentina, conseguiram grande vitória.
E, na Venezuela, o Estado encontra-se na iminência do colapso, devido à conjugação de desastrosas políticas dos governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro com a queda do preço do petróleo e as operações para a mudança de regime, implementadas pela CIA, USAID, NED e ONGs financiadas por essas e outras entidades.
A implantação de bases militares em Ushuaia e na Tríplice Fronteira, além de ferir a soberania da Argentina, significa séria ameaça à segurança nacional não só do Brasil como dos demais países da região.
Os EUA possuem bases na Colômbia e alguns contingentes militares no Peru, a ostentarem sua presença nos Andes e no Pacifico Ocidental. E com as bases na Argentina completariam um cerco virtual da região, ao norte e ao sul, ao lado do Pacífico e do Atlântico.
Que implicações teria o estabelecimento de tais bases na Argentina?
Quaisquer que sejam as mais diversas justificativas, inclusive científicas, a presença militar dos EUA na Argentina implicaria maior infiltração da OTAN, na América do Sul, penetrada já, sorrateiramente, pela Grã-Bretanha no arquipélago das Malvinas, e anularia de facto e definitivamente a resolução 41/11 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que, em 1986, estabeleceu o Atlântico Sul como Zona de Paz e Cooperação (ZPCAS).
E o Brasil jamais aceitou que a OTAN estendesse ao Atlântico Sul sua área de influência e atuação.
Em 2011, durante o governo da presidente Dilma Rousseff, o então ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim (do PMDB, o mesmo partido do presidente provisório Temer), atacou a estratégia de ampliar a área de ingerência da OTAN ao Atlântico Sul, afirmando que nem o Brasil nem a América do Sul podem aceitar que os Estados Unidos “se arvorem” o direito de intervir em “qualquer teatro de operação” sob “os mais variados pretextos”, com a OTAN “a servir de instrumento para o avanço dos interesses de seu membro exponencial, os Estados Unidos da América, e, subsidiariamente, dos aliados europeus”.
Mas estabelecer uma base militar na região da Antártida não é uma antiga pretensão dos EUA?
Sim. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial esse é um objetivo estratégico do Pentágono a fim de dominar a entrada no Atlântico Sul. E, possivelmente, tal pretensão agora ainda mais se acentuou devido ao fato de que a China, que está a construir em Paraje de Quintuco, na província de Neuquén, coração da Patagônia, a mais moderna estação interplanetária e a primeira fora de seu próprio território, com poderosa antena de 35 metros para pesquisas do “espaço profundo”, como parte do Programa Nacional de Exploração da Lua e Marte.
A previsão é de que comece a operar em fins de 2016. Mas a fim de recuperar a hegemonia sobre toda a América do Sul, na disputa cada vez mais acirrada com a China era necessário controlar, sobretudo, o Brasil, e acabar o Mercosul, a Unasul e outros órgãos criados juntamente com a Argentina, seu principal sócio e parceiro estratégico, a envolver os demais países da América do Sul.
A derrubada da presidente Dilma Rousseff poderia permitir a Washington colocar um preposto para substituí-la.
A mudança na situação econômica e política tanto da Argentina como do Brasil afigura-se, entretanto, muito difícil para os EUA. A China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil, com investimentos previstos superiores a US$54 bilhões, e o segundo maior parceiro comercial da Argentina, depois do Brasil.
O Brasil, ao desenvolver uma política exterior com maior autonomia, fora da órbita de Washington, e de não intervenção nos países vizinhos e de integração da América do Sul, conforme a Constituição de 1988, constituía um obstáculo aos desígnios hegemônicos dos EUA, que pretendem impor a todos os países da América tratados de livre comércio similares aos firmados com as repúblicas do Pacífico.
Os EUA não se conformam com o fato de o Brasil integrar o bloco conhecido como BRICs e seja um dos membros do banco em Shangai, que visa a concorrer com o FMI e o Banco Mundial.
Como o senhor vê a degradação da democracia no Brasil, com a atuação de setores da burocracia do Estado (Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário) que agem de modo a rasgar a Constituição, achicanando o país?
A campanha contra a corrupção, nos termos em que o procurador-geral Rodrigo Janot e o juiz Sérgio Moro executam, visou, objetivamente, a desmoralizar a Petrobras e as grandes construtoras nacionais, tanto que nem sequer as empresas estrangeiras foram investigadas, e elas estão, de certo, envolvidas também na corrupção de políticos brasileiros.
Ao mesmo tempo se criou o clima para o golpe frio contra o governo da presidente Dilma Rousseff, adensado pelas demonstrações de junho de 2013 e as vaias contra ela na Copa do Mundo.
A estratégia inspirou-se no manual do professor Gene Sharp, intitulado Da Ditadura à Democracia, para treinamento de agitadores, ativistas, em universidades americanas e até mesmo nas embaixadas dos Estados Unidos, para liderar ONGs, entre as quais Estudantes pela Liberdade e o Movimento Brasil Livre, financiadas com recursos dos bilionários David e Charles Koch, sustentáculo do Tea Party, bem como pelos bilionários Warren Buffett e Jorge Paulo Lemann, proprietários dos grupos Heinz Ketchup, Budweiser e Burger King, e sócios de Verônica Allende Serra, filha do ex-governador de São Paulo José Serra, na sorveteria Diletto.
Outras ONGs são sustentadas pelo especulador George Soros, que igualmente financiou a campanha “Venha para as ruas”.
Os pedidos de prisão de próceres do PMDB e do presidente do Senado, encaminhados pelo procurador-geral da República, podem desestabilizar o Estado brasileiro?
Os motivos alegados, que vazaram para a mídia, não justificariam medida tão radical, a atingir toda linha sucessória do governo brasileiro.
O objetivo do PGR poderia ser de promoção pessoal, porém tanto ele como o juiz Sérgio Moro atuam, praticamente, para desmoralizar ainda mais todo o Estado brasileiro, como se estivessem a serviço de interesses estrangeiros.
E não só desmoralizar o Estado brasileiro. Vão muito mais longe nos seus objetivos antinacionais.
As suspeitas levantadas contra a fábrica de submarinos, onde se constrói, inclusive, o submarino nuclear, todos com transferência para o Brasil de tecnologia francesa, permitem perceber o intuito de desmontar o programa de rearmamento das Forças Armadas, reiniciado pelo presidente Lula e continuado pela presidente Dilma Rousseff.
E é muito possível que, em seguida, o alvo seja a fabricação de jatos, com transferência de tecnologia da Suécia, o que os EUA não fazem, como no caso do submarino nuclear.
É preciso lembrar que, desde o governo de Collor de Melo e, principalmente, durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil foi virtualmente desarmado, o Exército nem recursos tinha para alimentar os recrutas e foi desmantelada a indústria bélica, que o governo do general Ernesto Geisel havia incentivado, após romper o Acordo Militar com os Estados Unidos, na segunda metade dos anos 1970.
O senhor julga que os Estados Unidos estiveram por trás da campanha para derrubar o governo da presidente Dilma Rousseff?
Há fortes indícios de que o capital financeiro internacional, isto é, de que Wall Street e Washington nutriram a crise política e institucional, aguçando feroz luta de classes no Brasil.
Ocorreu algo similar ao que o presidente Getúlio Vargas denunciou na carta-testamento, antes de suicidar-se, em 24 de agosto de 1954: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de liberdade e garantia do trabalho”.
Muito dinheiro correu na campanha pelo impeachment. E a influência dos EUA transparece nos vínculos do juiz Sérgio Moro, que conduz o processo da Lava-Jato.
Ele realizou cursos no Departamento de Estado, em 2007.
No ano seguinte, em 2008, passou um mês num programa especial de treinamento na Escola de Direito de Harvard, em conjunto com sua colega Gisele Lemke. E, em outubro de 2009, participou da conferência regional sobre “Illicit Financial Crimes”, promovida no Rio de Janeiro pela Embaixada dos Estados Unidos.
A Agência Nacional de Segurança (NSA), que monitorou as comunicações da Petrobras, descobriu a ocorrência de irregularidades e corrupção de alguns militantes do PT e, possivelmente, passou informação sobre o doleiro Alberto Yousseff a um delegado da Polícia Federal e ao juiz Sérgio Moro, de Curitiba, já treinado em ação multi-jurisdicional e práticas de investigação, inclusive com demonstrações reais (como preparar testemunhas para delatar terceiros).
Não sem motivo o juiz Sérgio Moro foi eleito como um dos dez homens mais influentes do mundo pela revista Time.
Ele dirigiu a Operação Lava-Jato, coadjuvado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, como um reality show, sem qualquer discrição, vazando seletivamente informações para a mídia, com base em delações obtidas sob ameaças e coerção, e prisões ilegais, com o fito de macular e incriminar, sobretudo, o ex-presidente Lula. E a campanha continua.
Aonde vai?
Vai longe. Visa a atingir todo o Brasil como Nação.
E daí que se prenuncia uma campanha contra a indústria bélica, a começar contra a construção dos submarinos, com tecnologia transferida da França, o único país que concordou em fazê-lo, e vai chegar à construção dos jatos, com tecnologia da Suécia e outras indústrias.
Essas iniciativas dos presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff afetaram e afetam os interesses dos Estados Unidos, cuja economia se sustenta, largamente, com a exportação de armamentos.
Apesar de toda a pressão de Washington, o Brasil não comprou os jatos F/A-18 Super Hornets da Boeing, o que contribuiu, juntamente com o cancelamento das encomendas pela Coréia do Sul, para que ela tivesse de fechar sua planta em Long Beach, na Califórnia.
A decisão da presidente Dilma Rousseff de optar pelos jatos da Suécia representou duro golpe na divisão de defesa da Boeing, com a perda de um negócio no valor US$4,5 bilhões.
Esse e outros fatores concorreram para a armação do golpe no Brasil.
E qual a perspectiva?
É sombria. O governo interino de Michel Temer não tem legitimidade, é impopular e, ao que tudo indica, não há de perdurar até 2018. É fraco. Não contenta a gregos e troianos.
E, ainda que o presidente interino Michel Temer não consiga o voto de 54 senadores para efetivar o impeachment, será muito difícil a presidenta Dilma Rousseff governar com um Congresso, em grande parte corrompido, e o STF comprometido pela desavergonhada atuação, abertamente político-partidária, de certos ministros.
Novas eleições, portanto, creio que só as Forças Armadas, cujo comando do Exército, Marinha e Aeronáutica até agora está imune e isento, podem organizar e presidir o processo.
Também só elas podem impedir que o Estado brasileiro seja desmantelado, em meio a esse clima de inquisição, criado e mantido no País, em colaboração com a mídia corporativa, por elementos do Judiciário, como se estivessem acima de qualquer suspeita. E não estão. Não são deuses no Olimpo.
segunda-feira, junho 13, 2016
AS INTENÇÕES RACISTAS NO PEDIDO DE IMPEACHMENT
Por *Dennis de Oliveira, para a Agência Áfricas
Por trás do discurso legalista do impeachment, as reais intenções racistas
O filósofo italiano Giorgio Aganbem lembra que o pensamento grego clássico tinha duas palavras para definir a vida: bios, que se refere a dimensão da vida qualificada, que busca a felicidade por meio da Política (ação no espaço público) e, portanto, pertencente ao contrato de cidadania; e zoe, que é a dimensão da vida comunal, da mera existência, fora do Ágora e do contrato de cidadania. O conceito de Foucault, de biopolítica se origina disto: o poder é o gerenciamento das fronteiras entre os que estão na bios e os que ficam na zoe.
Vários pensadores tem falado em uma zoepolítica (como o mineiro Idelber Avelar) ou da necropolítica (o camaronês Achille Mbembe). O gerenciamento do poder está na contenção e controle dos que estão fora da dimensão da bios. De fato, quando se observa que trinta anos de fim da ditadura militar no Brasil, persistem situações como a que ocorreu no Rio de Janeiro, no dia 1º. de dezembro, em que policiais fuzilaram cinco jovens negros a sangue frio, bem como vários outros episódios que consolidam o genocídio da juventude negra, estas percepções fazem sentido.
No Brasil, historicamente, a necropolítica é a principal forma de exercício do racismo. O racismo brasileiro, realizado a partir do que Darcy Ribeiro chama de “tolerância opressiva” (tolerar o outro desde que possa reinar sobre seus corpos e mentes) se mantém com esta divisão rígida de acesso ao direito a vida qualificada. Por isto, mesmo com mais de 30 anos de democracia institucional, episódios típicos de ditaduras militares, como execuções extrajudiciais, acontecem cotidianamente nas periferias e contra jovens negros.
Agrego a isto mais um fato pouco discutido neste embate do pedido de impeachment da presidenta Dilma Roussef. O argumento que sustenta este pedido, aceito recentemente pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, são as tais “pedaladas fiscais”. O Tribunal de Contas da União entendeu que o Executivo agiu de forma irregular ao financiar gastos necessários para pagamentos de benefícios sociais – como o Bolsa Família – por meio de recursos dos bancos estatais. E esta irregularidade levou a reprovação das contas da presidenta e isto baseia o pedido de impeachment.
O que chamo atenção disto é o que está atrás deste argumento técnico: recursos para pagar benefícios sociais. No fundo, o que incomoda é justamente isto. Tenho dúvidas se estes recursos tivessem sido utilizados para socorrer bancos falidos o desfecho seria este. A tal “pedalada” fiscal contestada é o governo federal priorizar os compromissos com os benefícios sociais em detrimento das tecnicidades da “responsabilidade fiscal”.
Não é de hoje que o Bolsa Família desperta ódio nos setores mais conservadores. Mas um ódio contido, como é o ódio racial explícito, porque é “politicamente incorreto”. A necropolítica no Brasil não se expressa de forma explícita – por isto, no país, não há uma expressão explicitamente nazista, embora ela exista sutilmente no pensamento de muitos. Ela é executada pelas mãos sujas das forças de segurança e defendida sorreteiramente por parte significativa das elites, cujos privilégios são mantidos às custas da contenção da população periférica. O Bolsa Família, a medida que joga uma certa luz a estes territórios da dimensão da zoe, sinaliza para conexões pontuais com esta população. É um arranho na necropolítica.
Importante lembrar que as políticas sociais desenvolvidas nos últimos anos beneficiam a população negra. 73% dos beneficiários do Bolsa Família são negros e 68% das famílias beneficiadas são chefiadas por mulheres negras. 80% dos beneficiários do programa “Água para Todos” (construção de cisternas) são negros. No Programa Luz para Todos, o percentual de negros entre os beneficiários é também de 80%. No Pronatec, 68% das matrículas contabilizadas em 2014 eram de jovens negros. O Programa “Minha Casa, Minha Vida” tem entre os seus contemplados, 70% de famílias negras.
Desta forma, toda a armação de impeachment não passa de mais uma reação dos desejosos de que se reforce as práticas da necropolítica, de contenção das periferias e da população negra em especial. O discurso legalista não passa de uma cortina de fumaça para esconder estas reais intenções.
*Dennis de Oliveira é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e do Programa de Pós Graduação de Direitos Humanos e de Mudança Social e Participação Política da USP. Coordena o CELACC (Centro de Estudos Latino Americanos sobre Cultura e Comunicação) e é membro do Neinb (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro) e do Alterjor (Grupo de Pesquisa de Jornalismo Popular e Alternativo).
Por trás do discurso legalista do impeachment, as reais intenções racistas
O filósofo italiano Giorgio Aganbem lembra que o pensamento grego clássico tinha duas palavras para definir a vida: bios, que se refere a dimensão da vida qualificada, que busca a felicidade por meio da Política (ação no espaço público) e, portanto, pertencente ao contrato de cidadania; e zoe, que é a dimensão da vida comunal, da mera existência, fora do Ágora e do contrato de cidadania. O conceito de Foucault, de biopolítica se origina disto: o poder é o gerenciamento das fronteiras entre os que estão na bios e os que ficam na zoe.
Vários pensadores tem falado em uma zoepolítica (como o mineiro Idelber Avelar) ou da necropolítica (o camaronês Achille Mbembe). O gerenciamento do poder está na contenção e controle dos que estão fora da dimensão da bios. De fato, quando se observa que trinta anos de fim da ditadura militar no Brasil, persistem situações como a que ocorreu no Rio de Janeiro, no dia 1º. de dezembro, em que policiais fuzilaram cinco jovens negros a sangue frio, bem como vários outros episódios que consolidam o genocídio da juventude negra, estas percepções fazem sentido.
No Brasil, historicamente, a necropolítica é a principal forma de exercício do racismo. O racismo brasileiro, realizado a partir do que Darcy Ribeiro chama de “tolerância opressiva” (tolerar o outro desde que possa reinar sobre seus corpos e mentes) se mantém com esta divisão rígida de acesso ao direito a vida qualificada. Por isto, mesmo com mais de 30 anos de democracia institucional, episódios típicos de ditaduras militares, como execuções extrajudiciais, acontecem cotidianamente nas periferias e contra jovens negros.
Agrego a isto mais um fato pouco discutido neste embate do pedido de impeachment da presidenta Dilma Roussef. O argumento que sustenta este pedido, aceito recentemente pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, são as tais “pedaladas fiscais”. O Tribunal de Contas da União entendeu que o Executivo agiu de forma irregular ao financiar gastos necessários para pagamentos de benefícios sociais – como o Bolsa Família – por meio de recursos dos bancos estatais. E esta irregularidade levou a reprovação das contas da presidenta e isto baseia o pedido de impeachment.
O que chamo atenção disto é o que está atrás deste argumento técnico: recursos para pagar benefícios sociais. No fundo, o que incomoda é justamente isto. Tenho dúvidas se estes recursos tivessem sido utilizados para socorrer bancos falidos o desfecho seria este. A tal “pedalada” fiscal contestada é o governo federal priorizar os compromissos com os benefícios sociais em detrimento das tecnicidades da “responsabilidade fiscal”.
Não é de hoje que o Bolsa Família desperta ódio nos setores mais conservadores. Mas um ódio contido, como é o ódio racial explícito, porque é “politicamente incorreto”. A necropolítica no Brasil não se expressa de forma explícita – por isto, no país, não há uma expressão explicitamente nazista, embora ela exista sutilmente no pensamento de muitos. Ela é executada pelas mãos sujas das forças de segurança e defendida sorreteiramente por parte significativa das elites, cujos privilégios são mantidos às custas da contenção da população periférica. O Bolsa Família, a medida que joga uma certa luz a estes territórios da dimensão da zoe, sinaliza para conexões pontuais com esta população. É um arranho na necropolítica.
Importante lembrar que as políticas sociais desenvolvidas nos últimos anos beneficiam a população negra. 73% dos beneficiários do Bolsa Família são negros e 68% das famílias beneficiadas são chefiadas por mulheres negras. 80% dos beneficiários do programa “Água para Todos” (construção de cisternas) são negros. No Programa Luz para Todos, o percentual de negros entre os beneficiários é também de 80%. No Pronatec, 68% das matrículas contabilizadas em 2014 eram de jovens negros. O Programa “Minha Casa, Minha Vida” tem entre os seus contemplados, 70% de famílias negras.
Desta forma, toda a armação de impeachment não passa de mais uma reação dos desejosos de que se reforce as práticas da necropolítica, de contenção das periferias e da população negra em especial. O discurso legalista não passa de uma cortina de fumaça para esconder estas reais intenções.
*Dennis de Oliveira é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e do Programa de Pós Graduação de Direitos Humanos e de Mudança Social e Participação Política da USP. Coordena o CELACC (Centro de Estudos Latino Americanos sobre Cultura e Comunicação) e é membro do Neinb (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro) e do Alterjor (Grupo de Pesquisa de Jornalismo Popular e Alternativo).
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