Carta Maior
Alemanha e França, que reestruturaram suas dívidas após a guerra, explicam hoje ao sul da Europa que as dívidas públicas devem ser pagas até o último euro.
Thomas Piketty - Libération
Para alguns, a resposta é óbvia: dívidas devem sempre ser reembolsadas, não havendo alternativas à penitência, especialmente quando gravadas no mármore dos tratados europeus. No entanto, basta olhar para a história das dívidas públicas, assunto fascinante e injustamente negligenciado, para notar que as coisas são bem mais complexas.
Primeira boa notícia: houve, no passado, dívidas públicas maiores que as de hoje e, de diversas maneiras, sempre foi possível superá-las. Podemos distinguir, de um lado, o método lento, que visa a acumular pacientemente excedentes orçamentários para, gradualmente, pagar os juros e o principal da dívida. Por outro lado, há uma série de métodos que visam a acelerar o processo: inflação, impostos excepcionais, ou anulação pura e simples.
Um caso particularmente interessante é o da Alemanha e da França em 1945, quando os dois países encontram-se com dívidas públicas da ordem de dois anos de produto interno bruto (200% do PIB), ou seja, níveis maiores de endividamento do que os da Grécia ou da Itália hoje. No início dos anos 1950, porém, aquela dívida havia caído para menos de 30% do PIB. Evidentemente, uma redução tão rápida jamais teria sido possível com o acúmulo de excedentes orçamentários. Ambos os países utilizaram, em vez disso, todo o conjunto de métodos rápidos. A inflação, muito alta dos dois lados do Reno entre 1945 e 1950, desempenha o papel central. Com a liberação, a França também institui um imposto excepcional sobre o capital privado, de até 25% sobre os grandes patrimônios, e de até 100% sobre os maiores casos de enriquecimento ocorridos entre 1940 e 1945.
Os dois países também utilizam diversas formas de “reestruturação da dívida”, nome técnico dado pelo mercado para a anulação pura e simples da totalidade ou de parte da dívida (também chamada, de forma mais prosaica, de haircut). Como, por exemplo, nos famosos acordos de Londres de 1953, quando foi anulada a maior parte da dívida externa alemã. Foram estes métodos rápidos de redução da dívida – incluindo a inflação – que permitiram à França e à Alemanha iniciar a reconstrução e retomar o crescimento no pós-guerra, sem o fardo da dívida. Foi assim que estes dois países puderam, nos anos 1950 e 1960, investir em infraestrutura pública, educação e desenvolvimento. E são estes mesmos dois países que explicam hoje ao sul da Europa que as dívidas públicas devem ser pagas até o último euro, sem inflação e sem medidas excepcionais.
Atualmente, a Grécia estaria com um leve superávit primário: os gregos pagam um pouco mais de impostos do que recebem em gastos públicos. De acordo com os acordos europeus de 2012, a Grécia deverá destinar um enorme superávit de 4% do PIB ao longo de décadas para pagar suas dívidas. Trata-se de uma estratégia absurda, que a França e a Alemanha nunca aplicaram a si mesmas.
Nesta amnésia histórica extraordinária, a Alemanha tem, obviamente, uma enorme responsabilidade. Mas suas decisões nunca teriam sido adotadas sem a aprovação da França. Os sucessivos governos franceses, de direita e depois de esquerda, provaram-se incapazes de reconhecer a complexidade da situação e propor uma refundação democrática verdadeira da Europa.
Com seu egoísmo míope, Alemanha e França maltratam o sul da Europa e, dessa forma, maltratam a si mesmas. Com dívidas públicas se aproximando de 100% do PIB, inflação zero e baixo crescimento, os dois países também levarão décadas para recuperar a capacidade de agir e investir no futuro. O mais absurdo é que, em 2015, as dívidas europeias são essencialmente dívidas internas, assim como em 1945. As detenções cruzadas entre os países atingiram de fato proporções inéditas: os poupadores dos bancos franceses detêm uma parte das dívidas alemã e italiana, e as instituições financeiras alemãs e italianas possuem uma boa parte da dívida francesa, e assim por diante. Mas se considerarmos a área do euro como um todo, nós possuímos a nós mesmos. E mais: os ativos financeiros detidos por nós fora da zona euro são maiores do que detidos pelo resto do mundo na zona euro.
Mais do que continuar a reembolsar nossas dívidas a nós mesmos durante décadas, depende apenas de nós começarmos a nos organizar de forma diferente.
Thomas Piketty é diretor de estudos na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) e professor da École d’économie de Paris.
Tradução de Clarisse Meireles
O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
segunda-feira, abril 27, 2015
domingo, abril 26, 2015
quarta-feira, abril 22, 2015
O império norte-americano apodrecendo por dentro
Carta Maior
Em 1980, 50% dos estadunidenses pensavam que a próxima geração viveria pior que a sua. Hoje a cifra subiu para um assustador 80%.
Luis Matías López - público.es
Este artigo fala sobre como o império norte-americano está afundando, podre por dentro, mas estufando o peito e com uma enganosa aparência de boa saúde. Como na Trilogia USA, de John Dos Passos, cheio daquele aroma esquerdista das primeiras três décadas do Século XX, o livro Desagregação – Por Dentro de Uma Nova América, de George Packer, jornalista oriundo da escola do The New Yorker, fala dos trinta anos de lenta decadência ianque, com os momentos decisivos desse processo, a partir da crise do petróleo em 1973 (“o último ano da Década de 50”, segundo um dos personagens do libro). Naquele momento, os Estados Unidos submergiu numa crise existencial e de identidade, uma fratura interna cujo resgate requer mais que a simples recuperação econômica.
Se Dos Passos apresentava doze personagens de ficção representativos da realidade social da época (desde um tipógrafo, a uma empregada, um mecânico ou um jornalista e ativista), Packer expõe a experiência vital de um punhado de personagens reais. Através deles reflete as luzes e sombras de um país no divã do psiquiatra, fragmentado e dividido, das cidades sem alma e em processo de descomposição, cada vez mais dependente do veículo privado, sem redes de transporte que facilitem a integração e a atividade comunitária, com bairros arrasados pelo tsunami dos despejados desabrigados.
Trata-se de um país que, enquanto ostenta ainda a supremacia tecnológica e científica, poderá manter a liderança mundial, e dar lições de moralidade e democracia. Apesar disso, o país vai descobrindo que é mais desigual que nunca, discrimina seus cidadãos, rouba seu dinheiro e seus serviços essenciais, destrói a classe média, o tecido social com o que, durante muitas décadas, vestiu seu modelo de grandeza. Com uma analogia extrema, pode-se dizer que as opções hoje estão entre ganhar um milhão de dólares por ano ou nove dólares por hora trabalhando no Wal-Mart.
Packer expõe este lamentável panorama em Desagregações, mas sem o mesmo fôlego ideológico esquerdista de Dos Passos, deixando uma certa margem, para que nem todos os leitores tirem as mesmas conclusões, mas com uma eficácia similar. Seus personagens são parecidos e ao mesmo tempo diferentes dos da Trilogia USA. O fato de serem reais agrega um pouco mais de força como categoria. O livro segue suas rotinas através dos tempos, vê como eles evoluem, se derrubam e se levantam, enfrentam dificuldades, os vê confiar e se decepcionar com os políticos, a ilusão com projetos empresariais condenados ao fracasso, e também os casos excepcionais onde se faz realidade o individualista e quase nunca solidário sonho americano.
Gente comum, pode ser um jornalista cheio de ideais que vasculha a sujeira das hipotecas do subprime que destruíram milhões de famílias indefesas diante das entidades financeiras; uma operária negra, mãe solteira e filha de uma viciada em drogas, expulsa do mercado de trabalho pela crise da indústria metalúrgica, e que se transforma em ativista comunitária; um visionário empreendedor que combate a crise da gasolina cara (uma tragédia para o estilo de vida norte-americano, hoje contornada pela queda no preço do petróleo) desenvolvendo a produção de biodiesel, usando até mesmo óleo jogado fora pelos restaurantes; um magnata do Silicon Valley que se tornou rico com Facebook, PayPal e outros projetos tecnológicos, mas que logo vai às bordas da ruína e reclama das universidades que não ensinam como gerir uma empresa; um assessor político e lobista testemunha das misérias da política, mas que mantêm durante décadas uma lealdade a Joe Biden (atual vice-presidente) que não sintoniza com o perfil egoísta que se conhece dele; um magnata corresponsável pelo crash financeiro que, apesar de tudo, termina sendo Secretário do Tesouro do Governo Obama… e um Obama que representou a esperança quando foi eleito, mas que, a cada dia que passa, se revela mais parecido com outro presidente vendido (ou acolhido) pelos poderes fáticos, a começar pelo financeiro.
Não somente os cidadãos são personagens em Desagregação. As cidades também, e duas muito em particular: Youngstown (Ohio) e Tampa (Florida). A primeira foi sempre irrespirável, e não no sentido figurado, já que há anos as chaminés dos altos-fornos formam parte da paisagem urbana, e sujam o ambiente com suas pestilentes emanações. Ao mesmo tempo, esse veneno inevitável era o símbolo da prosperidade, garantia o pleno emprego e bons salários, dando aos habitantes a oportunidade de organizar suas vidas sem angústias materiais. Até que a crise veio e esvaziou muitos bairros, atingiu milhares de famílias que não podiam pagar hipotecas a preços irreais, multiplicou as cotas de delinquência e a proporção de pobres dependentes da assistência social, e forçou a uma diminuição da população de forma brutal e irreversível.
Algo parecido ocorreu em Tampa, embora essa região da Florida o impacto no desenvolvimento não foi na indústria metalúrgica, mas sim na do sol fonte de qualidade de vida que deveria atrair os endinheirados de todo o país, o que provocou uma descontrolada bolha imobiliária, com novos bairros se proliferando como fungos, os preços das propriedades dobrando de valor de um dia pro outro, onde quem não tinha onde cair morto embarcava na compra imobiliária em prestações, com a confiança de que em pouco tempo poderia vender e ganhar lucros fabulosos. Algo parecido ao que aconteceu na Espanha, mas numa escala ainda mais brutal. Porque a consequência foi uma epidemia de despejos. Quando a bolha estourou, o vazio destruiu as ilusões de milhares. O peso da falta de consciência, estimulada sem escrúpulos pelos especuladores, fez com que tantos sofressem um golpe do qual a maioria não conseguiria se recuperar jamais.
O sonho de Tampa era o de se transformar na “próxima grande cidade americana”, promovido inclusive com duas finais do Super Bowl e uma convenção do Partido Republicano, e não restou nada. Enquanto isso, a política, sempre a maldita política, e a emergência explosiva do Tea Party, impediam que surgissem projetos de regeneração da qualidade de vida para os cidadãos, como o de uma linha ferroviária urbana que reduzisse a dependência do automóvel privado, a reabilitação do centro como ponto de encontro dos moradores, para acabar com o isolamento dos bairros mais distantes, nascidos da péssima planificação urbanística e privados de serviços mais essenciais.
Assim como nos livros de John Dos Passos, Packer mescla as histórias individuais, fruto de centenas de entrevistas, com os retratos nem sempre condescendentes (e às vezes destrutivos) confeccionados a partir de fontes secundárias, de personagens conhecidos como o escritor Raymond Carver, o cronista da desesperança operária durante a Era Reagan, transformado em clássico moderno; o político republicano Newt Gingrich, personificação do conservadorismo mais reacionário; o empresário San Walton, dono do gigante das vendas baratas, criador do Wal-Mart, referência em termos de salários miseráveis e intolerância com os sindicatos; a apresentadora Oprah Winfrey, o rapper Jay-Z, o economista e Secretário do Tesouro Robert Rubin, a ativista Elisabeth Warren e a paladina da comida saudável e ecológica Alice Waters. Junto com eles, vários perdedores sem esperança de redenção, sempre na luta desesperada por conseguir uma assistência médica adequada, um covil onde se possa viver mal em troca de uns poucos dólares e ter o suficiente para comprar algumas roupas e dar de comer aos filhos, com a necessidade vez ou outra de ter que aceitar as humilhações da sempre insuficiente caridade pública ou privada.
Essa Desagregação, citada no título livro, trouxe paradoxalmente “muito mais liberdade”, segundo Packer. Liberdade de ganhar ou perder (“o esporte favorito dos norte-americanos”), para superar o fracasso e refazer a vida na terra das oportunidades, onde qualquer um pode chegar a ser presidente. Mas, sobretudo, liberdade para que te despeçam, te droguem, te levem à bancarrota, para que você fracasse, fique sozinho (a porcentagem de famílias de uma só pessoa é a mais alta da história)…Liberdade que faz desaparecer o tecido industrial, arrasa as cidades e os pilares da cidadania, das igrejas aos sindicatos e as organizações cívicas.
Pode-se argumentar que, de toda forma, e muito mais claramente que na Espanha, esse desmoronamento social foi contido, que a economia dos Estados Unidos leva vários anos em expansão, que a taxa de desemprego foi tão reduzida que quase se pode falar em pleno emprego, que o pior já passou, que chegou de novo a hora do otimismo. Mas se trata de uma ilusão, porque a forma com que políticos, banqueiros e grandes empresários enfrentaram essa crise não curou as feridas, não ha reconstruiu o tecido social que havia antes. Até porque ter um emprego, na era da precariedade e do arrocho salarial, já não és garantia de uma vida digna. Nem lá nem cá.
Após a II Guerra Mundial, houve nos EUA uma espécie de época dourada do capitalismo, mais de duas décadas em que o contrato social implícito estabelecia uma distribuição da riqueza que não chegava a ser equitativa, mas tampouco era abusiva demais, um sistema onde todos ganhavam (ainda que alguns poucos levassem muito mais que a grande maioria) e a paz social se mantinha com o desenvolvimento econômico. Mas a paisagem atual é bem diferente, mostra uma degradação sem volta atrás, que começa na Era Reagan e se manteve ininterrupta durante as administrações dos democratas – nem Carter, nem Clinton e muito menos o Obama do yes, we can puderam reverter.
Em 1980, 50% dos estadunidenses pensavam que a próxima geração viveria pior que a sua. Hoje a cifra subiu para um assustador 80%. O câncer da desigualdade chegou ao ponto de metástase, corroendo a sociedade inteira. Os ricos são mias ricos que nunca. Os pobres, muito mais pobres. Packer não tenta fazer pregação ideológica, se limita a contar histórias e refletir os fatos. Oficialmente, não toma partido. E não faz falta, porque as conclusões são evidentes.
Desagregação não é o primeiro livro que ilustra uma tragédia existencial, nem será o último. Contudo, posso estar muito enganado, mas creio que deverá se tornar referência sobre a crise mais destrutiva da história dos EUA. No fim das contas, esse foi o grande mérito de John Dos Passos na Trilogia USA: que é inevitável se referir às suas novelas para analisar aquela época conturbada, mas não tanto quanto a atual, em que o império ainda pretende ditar a pauta no mundo enquanto a podridão corrói suas entranhas.
____________________
Luis Matías López é ex redator-chefe e ex-correspondente em Moscou do El País da Espanha, membro do Conselho Editorial de PÚBLICO até a desaparição de sua edição em papel.
Em 1980, 50% dos estadunidenses pensavam que a próxima geração viveria pior que a sua. Hoje a cifra subiu para um assustador 80%.
Luis Matías López - público.es
Este artigo fala sobre como o império norte-americano está afundando, podre por dentro, mas estufando o peito e com uma enganosa aparência de boa saúde. Como na Trilogia USA, de John Dos Passos, cheio daquele aroma esquerdista das primeiras três décadas do Século XX, o livro Desagregação – Por Dentro de Uma Nova América, de George Packer, jornalista oriundo da escola do The New Yorker, fala dos trinta anos de lenta decadência ianque, com os momentos decisivos desse processo, a partir da crise do petróleo em 1973 (“o último ano da Década de 50”, segundo um dos personagens do libro). Naquele momento, os Estados Unidos submergiu numa crise existencial e de identidade, uma fratura interna cujo resgate requer mais que a simples recuperação econômica.
Se Dos Passos apresentava doze personagens de ficção representativos da realidade social da época (desde um tipógrafo, a uma empregada, um mecânico ou um jornalista e ativista), Packer expõe a experiência vital de um punhado de personagens reais. Através deles reflete as luzes e sombras de um país no divã do psiquiatra, fragmentado e dividido, das cidades sem alma e em processo de descomposição, cada vez mais dependente do veículo privado, sem redes de transporte que facilitem a integração e a atividade comunitária, com bairros arrasados pelo tsunami dos despejados desabrigados.
Trata-se de um país que, enquanto ostenta ainda a supremacia tecnológica e científica, poderá manter a liderança mundial, e dar lições de moralidade e democracia. Apesar disso, o país vai descobrindo que é mais desigual que nunca, discrimina seus cidadãos, rouba seu dinheiro e seus serviços essenciais, destrói a classe média, o tecido social com o que, durante muitas décadas, vestiu seu modelo de grandeza. Com uma analogia extrema, pode-se dizer que as opções hoje estão entre ganhar um milhão de dólares por ano ou nove dólares por hora trabalhando no Wal-Mart.
Packer expõe este lamentável panorama em Desagregações, mas sem o mesmo fôlego ideológico esquerdista de Dos Passos, deixando uma certa margem, para que nem todos os leitores tirem as mesmas conclusões, mas com uma eficácia similar. Seus personagens são parecidos e ao mesmo tempo diferentes dos da Trilogia USA. O fato de serem reais agrega um pouco mais de força como categoria. O livro segue suas rotinas através dos tempos, vê como eles evoluem, se derrubam e se levantam, enfrentam dificuldades, os vê confiar e se decepcionar com os políticos, a ilusão com projetos empresariais condenados ao fracasso, e também os casos excepcionais onde se faz realidade o individualista e quase nunca solidário sonho americano.
Gente comum, pode ser um jornalista cheio de ideais que vasculha a sujeira das hipotecas do subprime que destruíram milhões de famílias indefesas diante das entidades financeiras; uma operária negra, mãe solteira e filha de uma viciada em drogas, expulsa do mercado de trabalho pela crise da indústria metalúrgica, e que se transforma em ativista comunitária; um visionário empreendedor que combate a crise da gasolina cara (uma tragédia para o estilo de vida norte-americano, hoje contornada pela queda no preço do petróleo) desenvolvendo a produção de biodiesel, usando até mesmo óleo jogado fora pelos restaurantes; um magnata do Silicon Valley que se tornou rico com Facebook, PayPal e outros projetos tecnológicos, mas que logo vai às bordas da ruína e reclama das universidades que não ensinam como gerir uma empresa; um assessor político e lobista testemunha das misérias da política, mas que mantêm durante décadas uma lealdade a Joe Biden (atual vice-presidente) que não sintoniza com o perfil egoísta que se conhece dele; um magnata corresponsável pelo crash financeiro que, apesar de tudo, termina sendo Secretário do Tesouro do Governo Obama… e um Obama que representou a esperança quando foi eleito, mas que, a cada dia que passa, se revela mais parecido com outro presidente vendido (ou acolhido) pelos poderes fáticos, a começar pelo financeiro.
Não somente os cidadãos são personagens em Desagregação. As cidades também, e duas muito em particular: Youngstown (Ohio) e Tampa (Florida). A primeira foi sempre irrespirável, e não no sentido figurado, já que há anos as chaminés dos altos-fornos formam parte da paisagem urbana, e sujam o ambiente com suas pestilentes emanações. Ao mesmo tempo, esse veneno inevitável era o símbolo da prosperidade, garantia o pleno emprego e bons salários, dando aos habitantes a oportunidade de organizar suas vidas sem angústias materiais. Até que a crise veio e esvaziou muitos bairros, atingiu milhares de famílias que não podiam pagar hipotecas a preços irreais, multiplicou as cotas de delinquência e a proporção de pobres dependentes da assistência social, e forçou a uma diminuição da população de forma brutal e irreversível.
Algo parecido ocorreu em Tampa, embora essa região da Florida o impacto no desenvolvimento não foi na indústria metalúrgica, mas sim na do sol fonte de qualidade de vida que deveria atrair os endinheirados de todo o país, o que provocou uma descontrolada bolha imobiliária, com novos bairros se proliferando como fungos, os preços das propriedades dobrando de valor de um dia pro outro, onde quem não tinha onde cair morto embarcava na compra imobiliária em prestações, com a confiança de que em pouco tempo poderia vender e ganhar lucros fabulosos. Algo parecido ao que aconteceu na Espanha, mas numa escala ainda mais brutal. Porque a consequência foi uma epidemia de despejos. Quando a bolha estourou, o vazio destruiu as ilusões de milhares. O peso da falta de consciência, estimulada sem escrúpulos pelos especuladores, fez com que tantos sofressem um golpe do qual a maioria não conseguiria se recuperar jamais.
O sonho de Tampa era o de se transformar na “próxima grande cidade americana”, promovido inclusive com duas finais do Super Bowl e uma convenção do Partido Republicano, e não restou nada. Enquanto isso, a política, sempre a maldita política, e a emergência explosiva do Tea Party, impediam que surgissem projetos de regeneração da qualidade de vida para os cidadãos, como o de uma linha ferroviária urbana que reduzisse a dependência do automóvel privado, a reabilitação do centro como ponto de encontro dos moradores, para acabar com o isolamento dos bairros mais distantes, nascidos da péssima planificação urbanística e privados de serviços mais essenciais.
Assim como nos livros de John Dos Passos, Packer mescla as histórias individuais, fruto de centenas de entrevistas, com os retratos nem sempre condescendentes (e às vezes destrutivos) confeccionados a partir de fontes secundárias, de personagens conhecidos como o escritor Raymond Carver, o cronista da desesperança operária durante a Era Reagan, transformado em clássico moderno; o político republicano Newt Gingrich, personificação do conservadorismo mais reacionário; o empresário San Walton, dono do gigante das vendas baratas, criador do Wal-Mart, referência em termos de salários miseráveis e intolerância com os sindicatos; a apresentadora Oprah Winfrey, o rapper Jay-Z, o economista e Secretário do Tesouro Robert Rubin, a ativista Elisabeth Warren e a paladina da comida saudável e ecológica Alice Waters. Junto com eles, vários perdedores sem esperança de redenção, sempre na luta desesperada por conseguir uma assistência médica adequada, um covil onde se possa viver mal em troca de uns poucos dólares e ter o suficiente para comprar algumas roupas e dar de comer aos filhos, com a necessidade vez ou outra de ter que aceitar as humilhações da sempre insuficiente caridade pública ou privada.
Essa Desagregação, citada no título livro, trouxe paradoxalmente “muito mais liberdade”, segundo Packer. Liberdade de ganhar ou perder (“o esporte favorito dos norte-americanos”), para superar o fracasso e refazer a vida na terra das oportunidades, onde qualquer um pode chegar a ser presidente. Mas, sobretudo, liberdade para que te despeçam, te droguem, te levem à bancarrota, para que você fracasse, fique sozinho (a porcentagem de famílias de uma só pessoa é a mais alta da história)…Liberdade que faz desaparecer o tecido industrial, arrasa as cidades e os pilares da cidadania, das igrejas aos sindicatos e as organizações cívicas.
Pode-se argumentar que, de toda forma, e muito mais claramente que na Espanha, esse desmoronamento social foi contido, que a economia dos Estados Unidos leva vários anos em expansão, que a taxa de desemprego foi tão reduzida que quase se pode falar em pleno emprego, que o pior já passou, que chegou de novo a hora do otimismo. Mas se trata de uma ilusão, porque a forma com que políticos, banqueiros e grandes empresários enfrentaram essa crise não curou as feridas, não ha reconstruiu o tecido social que havia antes. Até porque ter um emprego, na era da precariedade e do arrocho salarial, já não és garantia de uma vida digna. Nem lá nem cá.
Após a II Guerra Mundial, houve nos EUA uma espécie de época dourada do capitalismo, mais de duas décadas em que o contrato social implícito estabelecia uma distribuição da riqueza que não chegava a ser equitativa, mas tampouco era abusiva demais, um sistema onde todos ganhavam (ainda que alguns poucos levassem muito mais que a grande maioria) e a paz social se mantinha com o desenvolvimento econômico. Mas a paisagem atual é bem diferente, mostra uma degradação sem volta atrás, que começa na Era Reagan e se manteve ininterrupta durante as administrações dos democratas – nem Carter, nem Clinton e muito menos o Obama do yes, we can puderam reverter.
Em 1980, 50% dos estadunidenses pensavam que a próxima geração viveria pior que a sua. Hoje a cifra subiu para um assustador 80%. O câncer da desigualdade chegou ao ponto de metástase, corroendo a sociedade inteira. Os ricos são mias ricos que nunca. Os pobres, muito mais pobres. Packer não tenta fazer pregação ideológica, se limita a contar histórias e refletir os fatos. Oficialmente, não toma partido. E não faz falta, porque as conclusões são evidentes.
Desagregação não é o primeiro livro que ilustra uma tragédia existencial, nem será o último. Contudo, posso estar muito enganado, mas creio que deverá se tornar referência sobre a crise mais destrutiva da história dos EUA. No fim das contas, esse foi o grande mérito de John Dos Passos na Trilogia USA: que é inevitável se referir às suas novelas para analisar aquela época conturbada, mas não tanto quanto a atual, em que o império ainda pretende ditar a pauta no mundo enquanto a podridão corrói suas entranhas.
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Luis Matías López é ex redator-chefe e ex-correspondente em Moscou do El País da Espanha, membro do Conselho Editorial de PÚBLICO até a desaparição de sua edição em papel.
Esude: a despentagonização posta em prática
Carta Maior
A Esude formará quadros civis e militares ligados às forças armadas dos governos sul-americanos.
Daniel Martins Silva
Em fevereiro de 2014, líderes de governo aprovaram a criação da Escola Sul-Americana de Defesa (Esude) durante reunião executiva do Conselho de Defesa Sul-Americano da Unasul ocorrida no Suriname. Agora a Escola inaugura suas atividades, dando um novo passo para além daquele dado com o Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (Ceed).
De acordo com a Declaracão do Conselho de chefes de estado e de governo da Unasul de dezembro de 2014, a iniciativa deverá ser “um centro de altos estudos do Conselho de Defesa Sul-americano (CDS), de articulação das iniciativas nacionais dos Estados Membros, formação e capacitação de civis e militares em matéria de defesa e segurança regional de nivel político-estratégico”.
A entidade funcionaria em rede, seguindo princípios da pluralidade e representação equitativa de membros, gradualidade e flexibilidade, e também consenso, complementariedade, cooperação e qualidade. Quatro importantes eixos de ação conduziriam os estudos: 1) geração de estratégias focadas na construção da ciberpaz sobre a base de uma ciberdefesa de proteção contra espionagem, 2) consolidação de politicas de defesa, 3) cooperação militar, ações humanitárias e operações de paz; 4) desenvolvimento da indústria de defesa na região, bem como a capacitação para garanti-la.
A inauguração oficial da escola aconteceu hoje (17/04) na sede da UNASUL em Quito, no Equador, quando tomou posse o primeiro diretor-geral da ESUDE, Antônio Jorge Ramalho, eleito por consenso entre os vice-ministros de Defesa que se reuniram ontem (16/04). Antônio Jorge é doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo e professor do Instituito de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Também atuou no Ministério da Defesa dirigindo o Departamento de Cooperação, e colaborou com o Itamaraty na implantação do Centro de Estudos Brasileiros em Porto Príncipe, no Haiti. Entre 2009 e 2011, foi assessor da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República na área de defesa. O comando da escola também era concorrido com a indicação da Argentina de Jorge Battaglino, diretor da Escola de Defesa Nacional do país.
De acordo com o prof. Héctor Luis Saint-Pierre, ex-assessor do departamento de relações internacionais do Ministério da Defesa do Equador, as instituições participantes serão indicadas pelos ministérios de defesa dos países. Ernesto Samper, secretário-geral da Unasul em recente coletiva de imprensa, mencionou que as entidades integrantes seriam as "acadêmicas militares", o que quer dizer que a curto prazo ainda não se tem a expectativa de que universidades e academias civis sejam incluídas.
A Esude poderá ser uma alternativa ao pensamento de defesa que ainda ronda a América do Sul, que responde as novas ameaças com as velhas abordagens há muito desenhadas pela Escola das Américas (U.S. Army School of the Americas - SOA): centro norte-americano de formação militar, fundado em 1946, com atual sede na base de Fort Benning, no estado da Geórgia, EUA. Desde sua fundação até hoje mudou de nome e sede por três vezes. Até 1950 estaria registrada como “Centro de Adestramento Latino-americano- Divisão da Terra”, sendo depois substituido por “US Army Caribbean School” (Escola Caribenha do Exército dos Estados Unidos). Inicialmente alocada em Fort Amador, no Panamá, permaneceu naquele país até 1984, quando uma petição do presidente panamenho, Jorge Illueca, ordenou o fechamento das atividades no território do Panamá. Só então a organização foi transferida para os Estados Unidos.
Diante da expansão do comunismo no ocidente que se materializava na Revolução Cubana de 1963, várias foram as formas de contenção de uma possível ameaça soviética. Na busca patológica contra o regime, os Estados Unidos (governo e também atores não-governamentais, tais como corporações multinacionais) financiaram atividades para repreensão da resistência e legitimação dos regimes militares que derrubaram governos populares e nacionalistas, bem como massacraram lutas sociais no campo, nas fábricas e nas universidades. Fazia-se necessário intensificar a cooperação entre as forças armadas de diversas nacionalidades da América Latina. Afirma-se que cerca de 64 mil militares latino-americanos[1] teriam sido treinados em técnicas de contra-insurgência, comando e guerra psicológica, inteligência militar e táticas de interrogatório (como revelam os manuais de ensino da instituição liberados pelo Pentágono em 1996[2]). Os princípios que sustentaram o projeto de formação desta escola estavam fortemente conformados pela lógica da Doutrina de Segurança Nacional - pensamento que ganhou proeminência após a Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos, e que entendia que a defesa deveria se basear não somente na proteção de fronteiras, mas no controle de "forças internas de agitação".
O relatório da Comissão Nacional da Verdade (2014) revela que a participação dos Estados Unidos no golpe de 1964, além do apoio logístico-militar (já amplamente revelados nosr documentos em domínio público liberados pelo governo norte-americano[3]), por meio da Operação Brother Sam, também se deu intensamente "na formação e especialização dos agentes". Os cursos realizados, não apenas na Escola das Américas, prepararam funcionários de diversos organismos ligados à repressão no Estado brasileiro.
A gestão de John Kennedy expandiu enormemente os treinamentos militares para latino-americanos. De acordo com Schimidili[4], os oficiais também eram convidados a participar de cursos em bases militares nos Estados Unidos, tendo inclusive criado, em 1960, um programa especial para os militares da região no Army Special Warfare Center (situado em Fort Bragg, na Carolina do Norte). Cabe também mencionar o Colégio Inter-americano de Defesa, criado em 1962, em Fort McNair, em Washignton, no âmbito da Junta Inter-americana de Defesa (1947). Os cursos oferecidos nestas "escolas" ensinavam técnicas e analisavam os diversos aspectos da estratégia contra-insurgente (psicológico, sociológico, paramilitar, etc.).
Em 1999, o deputado John Joseph Moakley, da Casa dos Representantes (House of Representatives) enviou uma proposta legislativa[5] para o fechamento da Escola das Américas, que ocorreu em dezembro de 2000. A SOA foi renomeada como Instituto de Cooperacão e Segurança do Hemisfério Ocidental (texto_detalhe Hemisphere Institute for Security Cooperation - WHINSEC) em 2001, embora tenha mantido a função e vários de seus princípios. A WHINSEC foi e continua sendo centro de formação policial contra o tráfico de drogas em países na América Central, como a Costa Rica e México. Os resultados desastrosos da abordagem militarizante para lidar com o narcotráfico na América Latina repercutem nos desaparecimentos forçados dos 43 estudantes de Ayotzinapa ou na revelação do Ministério de Defesa mexicano de que um dos mais violentos cartéis de droga teria recrutado ex-oficiais graduados na WHINSEC[6].
A constatada participação de diversos ex-formandos da Escola das Américas em recentes golpes de Estados promovidos na região (em Honduras e na Venezuela), comprovam o teor da herança que permanece em alguns setores do ambiente militar latino-americano. Em 2007, Evo Morales anunciou que o governo iria paulatinamente deixar de enviar militares bolivianos para treinamento na instituição. Antes dela, a Argentina, Uruguai e Venezuela anunciaram a retirada de seu corpo militar em treinamentos na instituição.
Resquícios da lógica de segurança norte-americana também se refletem na permanência de bases militares na América do Sul. Uma nova unidade de força tarefa militar dos Estados Unidos para a região, com sede em Soto Cano, base aérea em Honduras, deverá se instalar neste ano com 250 marines. O Special Purpose Marine Air-Ground Task Force-South, de acordo com o site Defensa[7], deverá colaborar no treinamento com as forças militares dos países sul-americanos, em missões de assistência humanitária e operações anti-droga. No clima de caça às bruxas, a tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina foi incorporada ao discurso da guerra contra o terror sem evidências concretas.
Se despentagonizar já é mote conhecido, no entendimento de que a soberania do espaço e de seus recursos tem maior importância para a agenda da região, cabe enfatizar que a formação e a capacitação em defesa sul-americana precisa responder os desafios regionais com autonomia, proposição, mas também enfrentando os obstáculos que se colocam para a participação democrática e cidadã na construção da política de defesa regional. Em tempos em que revelam-se exercícios militares ao som de apologia à tortura é sintomático o que nos disse uma vez o diplomata e escritor brasileiro Guimarães Rosa: o passado também é urgente.
A Esude formará quadros civis e militares ligados às forças armadas dos governos sul-americanos.
Daniel Martins Silva
Em fevereiro de 2014, líderes de governo aprovaram a criação da Escola Sul-Americana de Defesa (Esude) durante reunião executiva do Conselho de Defesa Sul-Americano da Unasul ocorrida no Suriname. Agora a Escola inaugura suas atividades, dando um novo passo para além daquele dado com o Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (Ceed).
De acordo com a Declaracão do Conselho de chefes de estado e de governo da Unasul de dezembro de 2014, a iniciativa deverá ser “um centro de altos estudos do Conselho de Defesa Sul-americano (CDS), de articulação das iniciativas nacionais dos Estados Membros, formação e capacitação de civis e militares em matéria de defesa e segurança regional de nivel político-estratégico”.
A entidade funcionaria em rede, seguindo princípios da pluralidade e representação equitativa de membros, gradualidade e flexibilidade, e também consenso, complementariedade, cooperação e qualidade. Quatro importantes eixos de ação conduziriam os estudos: 1) geração de estratégias focadas na construção da ciberpaz sobre a base de uma ciberdefesa de proteção contra espionagem, 2) consolidação de politicas de defesa, 3) cooperação militar, ações humanitárias e operações de paz; 4) desenvolvimento da indústria de defesa na região, bem como a capacitação para garanti-la.
A inauguração oficial da escola aconteceu hoje (17/04) na sede da UNASUL em Quito, no Equador, quando tomou posse o primeiro diretor-geral da ESUDE, Antônio Jorge Ramalho, eleito por consenso entre os vice-ministros de Defesa que se reuniram ontem (16/04). Antônio Jorge é doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo e professor do Instituito de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Também atuou no Ministério da Defesa dirigindo o Departamento de Cooperação, e colaborou com o Itamaraty na implantação do Centro de Estudos Brasileiros em Porto Príncipe, no Haiti. Entre 2009 e 2011, foi assessor da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República na área de defesa. O comando da escola também era concorrido com a indicação da Argentina de Jorge Battaglino, diretor da Escola de Defesa Nacional do país.
De acordo com o prof. Héctor Luis Saint-Pierre, ex-assessor do departamento de relações internacionais do Ministério da Defesa do Equador, as instituições participantes serão indicadas pelos ministérios de defesa dos países. Ernesto Samper, secretário-geral da Unasul em recente coletiva de imprensa, mencionou que as entidades integrantes seriam as "acadêmicas militares", o que quer dizer que a curto prazo ainda não se tem a expectativa de que universidades e academias civis sejam incluídas.
A Esude poderá ser uma alternativa ao pensamento de defesa que ainda ronda a América do Sul, que responde as novas ameaças com as velhas abordagens há muito desenhadas pela Escola das Américas (U.S. Army School of the Americas - SOA): centro norte-americano de formação militar, fundado em 1946, com atual sede na base de Fort Benning, no estado da Geórgia, EUA. Desde sua fundação até hoje mudou de nome e sede por três vezes. Até 1950 estaria registrada como “Centro de Adestramento Latino-americano- Divisão da Terra”, sendo depois substituido por “US Army Caribbean School” (Escola Caribenha do Exército dos Estados Unidos). Inicialmente alocada em Fort Amador, no Panamá, permaneceu naquele país até 1984, quando uma petição do presidente panamenho, Jorge Illueca, ordenou o fechamento das atividades no território do Panamá. Só então a organização foi transferida para os Estados Unidos.
Diante da expansão do comunismo no ocidente que se materializava na Revolução Cubana de 1963, várias foram as formas de contenção de uma possível ameaça soviética. Na busca patológica contra o regime, os Estados Unidos (governo e também atores não-governamentais, tais como corporações multinacionais) financiaram atividades para repreensão da resistência e legitimação dos regimes militares que derrubaram governos populares e nacionalistas, bem como massacraram lutas sociais no campo, nas fábricas e nas universidades. Fazia-se necessário intensificar a cooperação entre as forças armadas de diversas nacionalidades da América Latina. Afirma-se que cerca de 64 mil militares latino-americanos[1] teriam sido treinados em técnicas de contra-insurgência, comando e guerra psicológica, inteligência militar e táticas de interrogatório (como revelam os manuais de ensino da instituição liberados pelo Pentágono em 1996[2]). Os princípios que sustentaram o projeto de formação desta escola estavam fortemente conformados pela lógica da Doutrina de Segurança Nacional - pensamento que ganhou proeminência após a Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos, e que entendia que a defesa deveria se basear não somente na proteção de fronteiras, mas no controle de "forças internas de agitação".
O relatório da Comissão Nacional da Verdade (2014) revela que a participação dos Estados Unidos no golpe de 1964, além do apoio logístico-militar (já amplamente revelados nosr documentos em domínio público liberados pelo governo norte-americano[3]), por meio da Operação Brother Sam, também se deu intensamente "na formação e especialização dos agentes". Os cursos realizados, não apenas na Escola das Américas, prepararam funcionários de diversos organismos ligados à repressão no Estado brasileiro.
A gestão de John Kennedy expandiu enormemente os treinamentos militares para latino-americanos. De acordo com Schimidili[4], os oficiais também eram convidados a participar de cursos em bases militares nos Estados Unidos, tendo inclusive criado, em 1960, um programa especial para os militares da região no Army Special Warfare Center (situado em Fort Bragg, na Carolina do Norte). Cabe também mencionar o Colégio Inter-americano de Defesa, criado em 1962, em Fort McNair, em Washignton, no âmbito da Junta Inter-americana de Defesa (1947). Os cursos oferecidos nestas "escolas" ensinavam técnicas e analisavam os diversos aspectos da estratégia contra-insurgente (psicológico, sociológico, paramilitar, etc.).
Em 1999, o deputado John Joseph Moakley, da Casa dos Representantes (House of Representatives) enviou uma proposta legislativa[5] para o fechamento da Escola das Américas, que ocorreu em dezembro de 2000. A SOA foi renomeada como Instituto de Cooperacão e Segurança do Hemisfério Ocidental (texto_detalhe Hemisphere Institute for Security Cooperation - WHINSEC) em 2001, embora tenha mantido a função e vários de seus princípios. A WHINSEC foi e continua sendo centro de formação policial contra o tráfico de drogas em países na América Central, como a Costa Rica e México. Os resultados desastrosos da abordagem militarizante para lidar com o narcotráfico na América Latina repercutem nos desaparecimentos forçados dos 43 estudantes de Ayotzinapa ou na revelação do Ministério de Defesa mexicano de que um dos mais violentos cartéis de droga teria recrutado ex-oficiais graduados na WHINSEC[6].
A constatada participação de diversos ex-formandos da Escola das Américas em recentes golpes de Estados promovidos na região (em Honduras e na Venezuela), comprovam o teor da herança que permanece em alguns setores do ambiente militar latino-americano. Em 2007, Evo Morales anunciou que o governo iria paulatinamente deixar de enviar militares bolivianos para treinamento na instituição. Antes dela, a Argentina, Uruguai e Venezuela anunciaram a retirada de seu corpo militar em treinamentos na instituição.
Resquícios da lógica de segurança norte-americana também se refletem na permanência de bases militares na América do Sul. Uma nova unidade de força tarefa militar dos Estados Unidos para a região, com sede em Soto Cano, base aérea em Honduras, deverá se instalar neste ano com 250 marines. O Special Purpose Marine Air-Ground Task Force-South, de acordo com o site Defensa[7], deverá colaborar no treinamento com as forças militares dos países sul-americanos, em missões de assistência humanitária e operações anti-droga. No clima de caça às bruxas, a tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina foi incorporada ao discurso da guerra contra o terror sem evidências concretas.
Se despentagonizar já é mote conhecido, no entendimento de que a soberania do espaço e de seus recursos tem maior importância para a agenda da região, cabe enfatizar que a formação e a capacitação em defesa sul-americana precisa responder os desafios regionais com autonomia, proposição, mas também enfrentando os obstáculos que se colocam para a participação democrática e cidadã na construção da política de defesa regional. Em tempos em que revelam-se exercícios militares ao som de apologia à tortura é sintomático o que nos disse uma vez o diplomata e escritor brasileiro Guimarães Rosa: o passado também é urgente.
segunda-feira, abril 20, 2015
terça-feira, abril 14, 2015
Veríssimo: o fenômeno do ‘espírito golpista dos ricos contra os pobres’
De Veríssimo, no globo:
Um fenômeno novo na realidade brasileira é o ódio político, o espírito golpista dos ricos contra os pobres. O pacto nacional popular articulado pelo PT desmoronou no governo Dilma e a burguesia voltou a se unificar. Economistas liberais recomeçaram a pregar abertura comercial absoluta e a dizer que os empresários brasileiros são incompetentes e superprotegidos, quando a verdade é que têm uma desvantagem competitiva enorme. O país precisa de um novo pacto, reunindo empresários, trabalhadores e setores da baixa classe média, contra os rentistas, o setor financeiro e interesses estrangeiros. Surgiu um fenômeno nunca visto antes no Brasil, um ódio coletivo da classe alta, dos ricos, a um partido e a um presidente. Não é preocupação ou medo. É ódio. Decorre do fato de se ter, pela primeira vez, um governo de centro-esquerda que se conservou de esquerda, que fez compromissos, mas não se entregou. Continuou defendendo os pobres contra os ricos. O governo revelou uma preferência forte e clara pelos trabalhadores e pelos pobres. Não deu à classe rica, aos rentistas. Nos dois últimos anos da Dilma, a luta de classes voltou com força. Não por parte dos trabalhadores, mas por parte da burguesia insatisfeita. Dilma chamou o Joaquim Levy por uma questão de sobrevivência. Ela tinha perdido o apoio na sociedade, formada por quem tem o poder. A divisão que ocorreu nos dois últimos anos foi violenta. Quando os liberais e os ricos perderam a eleição não aceitaram isso e, antidemocraticamente, continuaram de armas em punho. E de repente, voltávamos ao udenismo e ao golpismo.
Nada do que está escrito no parágrafo anterior foi dito por um petista renitente ou por um radical de esquerda. São trechos de uma entrevista dada à “Folha de São Paulo” pelo economista Luiz Carlos Bresser Pereira, que, a não ser que tenha levado uma vida secreta todos estes anos, não é exatamente um carbonário. Para quem não se lembra, Bresser Pereira foi ministro do Sarney e do Fernando Henrique. A entrevista à “Folha” foi dada por ocasião do lançamento do seu novo livro “A construção politica do Brasil” e suas opiniões, mesmo partindo de um tucano, não chegam a surpreender: ele foi sempre um desenvolvimentista nacionalista neokeynesiano. Mas confesso que até eu, que, como o Antônio Prata, sou meio intelectual, meio de esquerda, me senti, lendo o que ele disse sobre a luta de classes mal abafada que se trava no Brasil e o ódio ao PT que impele o golpismo, um pouco como se visse meu avô dançando seminu no meio do salão — um misto de choque (“Olha o velhinho!”) e de terna admiração. Às vezes, as melhores definições de onde nós estamos e do que está nos acontecendo vem de onde menos se espera.
Outro trecho da entrevista: “Os brasileiros se revelam incapazes de formular uma visão de desenvolvimento crítica do imperialismo, crítica do processo de entrega de boa parte do nosso excedente a estrangeiros. Tudo vai para o consumo. É o paraíso da não nação.”
Um fenômeno novo na realidade brasileira é o ódio político, o espírito golpista dos ricos contra os pobres. O pacto nacional popular articulado pelo PT desmoronou no governo Dilma e a burguesia voltou a se unificar. Economistas liberais recomeçaram a pregar abertura comercial absoluta e a dizer que os empresários brasileiros são incompetentes e superprotegidos, quando a verdade é que têm uma desvantagem competitiva enorme. O país precisa de um novo pacto, reunindo empresários, trabalhadores e setores da baixa classe média, contra os rentistas, o setor financeiro e interesses estrangeiros. Surgiu um fenômeno nunca visto antes no Brasil, um ódio coletivo da classe alta, dos ricos, a um partido e a um presidente. Não é preocupação ou medo. É ódio. Decorre do fato de se ter, pela primeira vez, um governo de centro-esquerda que se conservou de esquerda, que fez compromissos, mas não se entregou. Continuou defendendo os pobres contra os ricos. O governo revelou uma preferência forte e clara pelos trabalhadores e pelos pobres. Não deu à classe rica, aos rentistas. Nos dois últimos anos da Dilma, a luta de classes voltou com força. Não por parte dos trabalhadores, mas por parte da burguesia insatisfeita. Dilma chamou o Joaquim Levy por uma questão de sobrevivência. Ela tinha perdido o apoio na sociedade, formada por quem tem o poder. A divisão que ocorreu nos dois últimos anos foi violenta. Quando os liberais e os ricos perderam a eleição não aceitaram isso e, antidemocraticamente, continuaram de armas em punho. E de repente, voltávamos ao udenismo e ao golpismo.
Nada do que está escrito no parágrafo anterior foi dito por um petista renitente ou por um radical de esquerda. São trechos de uma entrevista dada à “Folha de São Paulo” pelo economista Luiz Carlos Bresser Pereira, que, a não ser que tenha levado uma vida secreta todos estes anos, não é exatamente um carbonário. Para quem não se lembra, Bresser Pereira foi ministro do Sarney e do Fernando Henrique. A entrevista à “Folha” foi dada por ocasião do lançamento do seu novo livro “A construção politica do Brasil” e suas opiniões, mesmo partindo de um tucano, não chegam a surpreender: ele foi sempre um desenvolvimentista nacionalista neokeynesiano. Mas confesso que até eu, que, como o Antônio Prata, sou meio intelectual, meio de esquerda, me senti, lendo o que ele disse sobre a luta de classes mal abafada que se trava no Brasil e o ódio ao PT que impele o golpismo, um pouco como se visse meu avô dançando seminu no meio do salão — um misto de choque (“Olha o velhinho!”) e de terna admiração. Às vezes, as melhores definições de onde nós estamos e do que está nos acontecendo vem de onde menos se espera.
Outro trecho da entrevista: “Os brasileiros se revelam incapazes de formular uma visão de desenvolvimento crítica do imperialismo, crítica do processo de entrega de boa parte do nosso excedente a estrangeiros. Tudo vai para o consumo. É o paraíso da não nação.”
segunda-feira, abril 13, 2015
EUA tentaram derrubar Dilma temendo fortalecimento dos BRICS
Washington não se importa com os interesses das economias emergentes, considerando-as como “repúblicas das bananas”, mas já agora os institutos dos BRICS ameaçam seriamente a hegemonia do dólar, opina um historiador estadunidense.
O fortalecimento de institutos alternativos ao Sistema Bretton Woods de gerenciamento econômico internacional era previsível; o Banco de Desenvolvimento dos BRICS e o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura (AIIB, na sigla em inglês) não podiam aguentar por muito tempo a falta de vontade por parte de Washington de rever o status quo na economia mundial, acha o historiador norte-americano William Engdahl.
Na cúpula dos BRICS em Fortaleza, nota o especialista, os líderes dos cinco países criticaram duramente a política do Fundo Monetário Internacional (FMI), nomeadamente o fato de frear o programa de reformas acordado ainda em 2010. A ausência de mudanças põe em questão a legitimidade, reduz a confiança em relação ao FMI e prejudica sua eficácia. Os líderes dos BRICS propuseram dobrar a reserva monetária do FMI em troca de aumento das quotas da China, Índia, Rússia, Brasil e outros países.
“O fato de a França, com seus três trilhões de dólares de PIB, ou a Bélgica, com 500 bilhões, terem muito mais quotas na votação na direção do FMI do que a China, cujo PIB é cerca de 10 bilhões de dólares, é absurdo, o que os líderes dos BRICS já manifestaram …”, disse Engdahl à agência Sputnik.
O historiador também frisa que o Congresso dos EUA recusou rever o status do Sistema Bretton Woods, liderado por Washington, e bloqueou as reformas.
A China e uma série de outros países não podiam se resignar a tal situação e decidiram criar uma nova arquitetura financeira global, com o AIIB no centro da nova estrutura, afirma Engdahl. A resposta de Washington, nomeadamente a recusa de cooperar com o banco e o apelo aos aliados ocidentais para ignorarem o novo instituto financeiro, mostra a incapacidade das elites norte-americanas de avaliar a situação de maneira adequada. Washington literalmente “deu um tiro em ambos as pés” quando escolheu o caminho de oposição dura à iniciativa de Pequim porque a maioria dos seus aliados resolveu juntar-se ao banco, que se opõe aos institutos obsoletos do Sistema Bretton Woods.
“Quando os BRICS começaram a pretender ao papel do jogador global independente, Washington tentou jogar a antiga carta – organizar uma ‘boa velha revolução colorida’ contra a presidente do Brasil Dilma Rousseff. Mas este método já não funciona como antes”, frisa o especialista.
Em todo o caso, opina ele, são precisamente o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura e o Banco de Desenvolvimento dos BRICS que mais ameaçam o controle de Washington sobre os fluxos financeiros através do sistema do dólar e os institutos financeiros criados ainda em meados do século passado.
Fonte: Sputnik News Brasil
O fortalecimento de institutos alternativos ao Sistema Bretton Woods de gerenciamento econômico internacional era previsível; o Banco de Desenvolvimento dos BRICS e o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura (AIIB, na sigla em inglês) não podiam aguentar por muito tempo a falta de vontade por parte de Washington de rever o status quo na economia mundial, acha o historiador norte-americano William Engdahl.
Na cúpula dos BRICS em Fortaleza, nota o especialista, os líderes dos cinco países criticaram duramente a política do Fundo Monetário Internacional (FMI), nomeadamente o fato de frear o programa de reformas acordado ainda em 2010. A ausência de mudanças põe em questão a legitimidade, reduz a confiança em relação ao FMI e prejudica sua eficácia. Os líderes dos BRICS propuseram dobrar a reserva monetária do FMI em troca de aumento das quotas da China, Índia, Rússia, Brasil e outros países.
“O fato de a França, com seus três trilhões de dólares de PIB, ou a Bélgica, com 500 bilhões, terem muito mais quotas na votação na direção do FMI do que a China, cujo PIB é cerca de 10 bilhões de dólares, é absurdo, o que os líderes dos BRICS já manifestaram …”, disse Engdahl à agência Sputnik.
O historiador também frisa que o Congresso dos EUA recusou rever o status do Sistema Bretton Woods, liderado por Washington, e bloqueou as reformas.
A China e uma série de outros países não podiam se resignar a tal situação e decidiram criar uma nova arquitetura financeira global, com o AIIB no centro da nova estrutura, afirma Engdahl. A resposta de Washington, nomeadamente a recusa de cooperar com o banco e o apelo aos aliados ocidentais para ignorarem o novo instituto financeiro, mostra a incapacidade das elites norte-americanas de avaliar a situação de maneira adequada. Washington literalmente “deu um tiro em ambos as pés” quando escolheu o caminho de oposição dura à iniciativa de Pequim porque a maioria dos seus aliados resolveu juntar-se ao banco, que se opõe aos institutos obsoletos do Sistema Bretton Woods.
“Quando os BRICS começaram a pretender ao papel do jogador global independente, Washington tentou jogar a antiga carta – organizar uma ‘boa velha revolução colorida’ contra a presidente do Brasil Dilma Rousseff. Mas este método já não funciona como antes”, frisa o especialista.
Em todo o caso, opina ele, são precisamente o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura e o Banco de Desenvolvimento dos BRICS que mais ameaçam o controle de Washington sobre os fluxos financeiros através do sistema do dólar e os institutos financeiros criados ainda em meados do século passado.
Fonte: Sputnik News Brasil
terça-feira, abril 07, 2015
Dos BRICS à bricolagem chinesa no mundo ocidental
Carta Maior
A China sustenta e apoia negócios que, além de serem de seu próprio proveito, contribuem seguramente para o desenvolvimento mundial.
José Carlos Peliano*
Em inglês, “brics” significa tijolos, enquanto, em francês, “bricolage” ou, em português, “bricolagem”, significa unir vários elementos para formação de um conjunto único. Assim, uma interpretação livre, reunindo as duas palavras, seria tijolos colocados acima e ao lado de outros para montagem, a bricolagem, de uma arquitetura única e comum a partir de uma engenharia concertada a uma ou várias mãos.
Esta arquitetura e engenharia vem sendo feita por um grupo de países tendo como membro mais significativo a China. De início, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, os BRICS, com uma proposta de trabalho e operação comum e um acordo em fase de aprovação final. Posteriormente, um país aqui, outro ali, e a China vai arrebanhando aliados para uma nova e ousada concertação nas décadas vindouras. Sinais nesta direção foram dados pela Venezuela e Argentina.
Com os BRICS nasce um banco de desenvolvimento, acoplado a um forte fundo de financiamento a projetos de infraestrutura em países emergentes. Vem a ser uma resposta à engrenagem emperrada do FMI que ainda não consentiu o aumento da participação dos 5 países em seu capital. Enquanto os EUA detém 17% do poder de voto na instituição, Japão 6%, Alemanha, França e Reino Unido 14%, e os BRICS com somente 11% e a China 3,8%. A governança financeira mundial não conta há tempos com uma posição melhor dos BRICS no FMI.
Num primeiro momento US$ 100 bilhões, denominados Arranjo Contingente de Reservas, estarão à disposição dos membros do grupo, para servir de fundo destinado a ser acionado e a socorrer os membros que sofram riscos de calote e problemas com seus balanços de pagamentos. Num segundo momento, a ideia é usar o fundo para também adquirir participação nos empreendimentos (“equities”), dar garantias, liberar crédito de longo prazo e não simplesmente empréstimos bancários em resgate parcelado. As atuais organizações multilaterais, como o BID e a CAF (Comissão Andina de Fomento), não têm tido recursos suficientes, tampouco reformulam e atualizam seus sistemas.
O banco dos BRICS vem a ser uma alternativa promissora ao FMI e ao Banco Mundial para acesso a crédito disponível em condições mais vantajosas, prazos mais longos e juros mais baixos. Além do que o novo banco deverá diminuir a influência internacional dos Estados Unidos e da União Europeia tanto nos negócios de grande vulto, quanto na influência nos fluxos de capitais e dinheiro.
Desde a Conferência de Bretton Woods, em 1944, quando foram lançadas as bases do sistema financeiro internacional, incluindo a criação do FMI e do Banco Mundial, o controle efetivo das transações está nas mãos dos EUA e parceiros aliados. Os países emergentes, entre eles os BRICS, não têm tido vez nem voz.
De fato, ou os países se submetem ao estado de coisas, ou o estado de coisas submetem os países. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Os termos dos empréstimos e socorros aos balanços de pagamentos são ditados pelo Banco Mundial e FMI, assim como os distúrbios financeiros internacionais, que derrubam as moedas dos países emergentes, os mais pobres e fracos em reservas e volume de comércio, são manipulados pelas transações das nações mais ricas e fortes.
Grécia, Portugal, Espanha, Itália e Irlanda são exemplos de anos recentes. Foram empurrados pelo rolo financeiro em conluio com desgovernos de suas autoridades monetárias e agora sofrem o arrocho da Troika - FMI, Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE). O Brasil já esteve nas cordas por conta do FMI em anos passados quando este ditava as regras para controle da economia e liberação dos recursos de empréstimos reparatórios. Hoje, felizmente o país está fora das cordas e no meio do ringue graças à política econômica dos três últimos governos federais.
Surgem temores de que a hegemonia americana através do Banco Mundial e do FMI será substituída pela chinesa através do banco dos BRICS. Ocorre que até agora os chineses não têm agido da mesma maneira que americanos e europeus ao não condicionarem termos restritivos aos seus empréstimos, por exemplo, como se dá na África. Ademais, a China não tem o modus operandi neoliberal, sendo o Estado o dono da maior parte de seu sistema financeiro, ao contrário dos demais países capitalistas ocidentais onde as grandes companhias dominam o sistema e o Estado.
O banco dos BRICS vem a ser igualmente um primeiro teste em direção à diminuição da dolarização do sistema econômico mundial, o qual está ao fim e ao cabo nas mãos de seis bancos americanos que controlam praticamente 2/3 de todos os ativos bancários mundiais (JP Morgan, Bank of America, Citigroup, Wells Fargo, Goldman Sachs, Morgan Stanley). O que significa que as turbulências e as crises financeiras internacionais acabam governadas ou desgovernadas por esses seis bancos. Os EUA se tornam na realidade o banqueiro internacional.
Em contraposição à hegemonia americana, a importância do novo banco pode ser avaliada pela soma do PIB dos 5 países membros em torno de US$ 16 trilhões. Esta cifra supera a soma dos produtos de todos os países que fazem parte da Zona do Euro e atinge 14% do produto bruto mundial. Ademais, os 5 países detém 35% do total das reservas internacionais em moeda.
A presidência rotativa do banco dos BRICS foi recém assumida pela Rússia, o que certamente deverá refletir em movimentos políticos e diplomáticos para fazerem frente à hegemonia americana. Arranjos diferenciados para o desenvolvimento e a segurança poderão ser implementados que redundem em iniciativas promissoras nas áreas comercial, econômica e diplomática para o grupo de países.
A Rússia, em particular, se beneficia face ao embargo que sofre dos EUA e aliados europeus, funcionando os 4 países restantes do grupo como sua janela temporária de oportunidade comercial e econômica. A próxima reunião do grupo em julho na Rússia deverá consolidar as medidas tomadas até agora bem como expandir e detalhar novas ações e atividades.
Antes disso, no entanto, o empresariado brasileiro já se mobiliza para apressar as definições oficiais de instalação do banco dos BRICS. Reunidos recentemente na Confederação Nacional da Indústria (CNI) pediram agilidade na liberação dos recursos para projetos públicos e privados de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Os pleitos serão levados à reunião dos representantes dos BRICS na Rússia. As limitações financeiras nacionais e internacionais estão pesando no andamento dos portfólios de investimentos industriais.
A China tomou a frente e deu início à liberação de recursos, se não sob a égide do banco, pelo menos em sua direção ao se comprometer com a Petrobras no financiamento de US$ 3,5 bilhões através do Banco de Desenvolvimento chinês. O documento é o primeiro de um acordo de cooperação que será levado a efeito de 2015 a 2016. Sob o espírito da cooperação entre países do grupo dos BRICS, a iniciativa mostra que a Petrobras, apesar das denúncias de corrupção, é uma empresa sólida e recebe a confiança de credor internacional fora do âmbito dos bancos americanos e europeus.
A confiança da China no acordo de cooperação da Petrobras não só mostra ao mundo sua disposição em garantir condições de expansão da maior empresa brasileira, como também aprova a condução de seus negócios na área do petróleo. Ao contrário de grupos da opinião pública nacional que querem desabonar e desqualificar a empresa mesmo sabendo de sua vitalidade, resultados e capacidade de tecnologia e produção.
Se o banco dos BRICS mostra sua força e poder de influir positivamente no cenário financeiro internacional, a China sozinha com sua bricolagem econômica e financeira sustenta e apoia negócios que, além de serem de seu próprio proveito, contribuem seguramente para o desenvolvimento mundial.
*Economista, colaborador da Carta Maior
A China sustenta e apoia negócios que, além de serem de seu próprio proveito, contribuem seguramente para o desenvolvimento mundial.
José Carlos Peliano*
Em inglês, “brics” significa tijolos, enquanto, em francês, “bricolage” ou, em português, “bricolagem”, significa unir vários elementos para formação de um conjunto único. Assim, uma interpretação livre, reunindo as duas palavras, seria tijolos colocados acima e ao lado de outros para montagem, a bricolagem, de uma arquitetura única e comum a partir de uma engenharia concertada a uma ou várias mãos.
Esta arquitetura e engenharia vem sendo feita por um grupo de países tendo como membro mais significativo a China. De início, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, os BRICS, com uma proposta de trabalho e operação comum e um acordo em fase de aprovação final. Posteriormente, um país aqui, outro ali, e a China vai arrebanhando aliados para uma nova e ousada concertação nas décadas vindouras. Sinais nesta direção foram dados pela Venezuela e Argentina.
Com os BRICS nasce um banco de desenvolvimento, acoplado a um forte fundo de financiamento a projetos de infraestrutura em países emergentes. Vem a ser uma resposta à engrenagem emperrada do FMI que ainda não consentiu o aumento da participação dos 5 países em seu capital. Enquanto os EUA detém 17% do poder de voto na instituição, Japão 6%, Alemanha, França e Reino Unido 14%, e os BRICS com somente 11% e a China 3,8%. A governança financeira mundial não conta há tempos com uma posição melhor dos BRICS no FMI.
Num primeiro momento US$ 100 bilhões, denominados Arranjo Contingente de Reservas, estarão à disposição dos membros do grupo, para servir de fundo destinado a ser acionado e a socorrer os membros que sofram riscos de calote e problemas com seus balanços de pagamentos. Num segundo momento, a ideia é usar o fundo para também adquirir participação nos empreendimentos (“equities”), dar garantias, liberar crédito de longo prazo e não simplesmente empréstimos bancários em resgate parcelado. As atuais organizações multilaterais, como o BID e a CAF (Comissão Andina de Fomento), não têm tido recursos suficientes, tampouco reformulam e atualizam seus sistemas.
O banco dos BRICS vem a ser uma alternativa promissora ao FMI e ao Banco Mundial para acesso a crédito disponível em condições mais vantajosas, prazos mais longos e juros mais baixos. Além do que o novo banco deverá diminuir a influência internacional dos Estados Unidos e da União Europeia tanto nos negócios de grande vulto, quanto na influência nos fluxos de capitais e dinheiro.
Desde a Conferência de Bretton Woods, em 1944, quando foram lançadas as bases do sistema financeiro internacional, incluindo a criação do FMI e do Banco Mundial, o controle efetivo das transações está nas mãos dos EUA e parceiros aliados. Os países emergentes, entre eles os BRICS, não têm tido vez nem voz.
De fato, ou os países se submetem ao estado de coisas, ou o estado de coisas submetem os países. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Os termos dos empréstimos e socorros aos balanços de pagamentos são ditados pelo Banco Mundial e FMI, assim como os distúrbios financeiros internacionais, que derrubam as moedas dos países emergentes, os mais pobres e fracos em reservas e volume de comércio, são manipulados pelas transações das nações mais ricas e fortes.
Grécia, Portugal, Espanha, Itália e Irlanda são exemplos de anos recentes. Foram empurrados pelo rolo financeiro em conluio com desgovernos de suas autoridades monetárias e agora sofrem o arrocho da Troika - FMI, Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE). O Brasil já esteve nas cordas por conta do FMI em anos passados quando este ditava as regras para controle da economia e liberação dos recursos de empréstimos reparatórios. Hoje, felizmente o país está fora das cordas e no meio do ringue graças à política econômica dos três últimos governos federais.
Surgem temores de que a hegemonia americana através do Banco Mundial e do FMI será substituída pela chinesa através do banco dos BRICS. Ocorre que até agora os chineses não têm agido da mesma maneira que americanos e europeus ao não condicionarem termos restritivos aos seus empréstimos, por exemplo, como se dá na África. Ademais, a China não tem o modus operandi neoliberal, sendo o Estado o dono da maior parte de seu sistema financeiro, ao contrário dos demais países capitalistas ocidentais onde as grandes companhias dominam o sistema e o Estado.
O banco dos BRICS vem a ser igualmente um primeiro teste em direção à diminuição da dolarização do sistema econômico mundial, o qual está ao fim e ao cabo nas mãos de seis bancos americanos que controlam praticamente 2/3 de todos os ativos bancários mundiais (JP Morgan, Bank of America, Citigroup, Wells Fargo, Goldman Sachs, Morgan Stanley). O que significa que as turbulências e as crises financeiras internacionais acabam governadas ou desgovernadas por esses seis bancos. Os EUA se tornam na realidade o banqueiro internacional.
Em contraposição à hegemonia americana, a importância do novo banco pode ser avaliada pela soma do PIB dos 5 países membros em torno de US$ 16 trilhões. Esta cifra supera a soma dos produtos de todos os países que fazem parte da Zona do Euro e atinge 14% do produto bruto mundial. Ademais, os 5 países detém 35% do total das reservas internacionais em moeda.
A presidência rotativa do banco dos BRICS foi recém assumida pela Rússia, o que certamente deverá refletir em movimentos políticos e diplomáticos para fazerem frente à hegemonia americana. Arranjos diferenciados para o desenvolvimento e a segurança poderão ser implementados que redundem em iniciativas promissoras nas áreas comercial, econômica e diplomática para o grupo de países.
A Rússia, em particular, se beneficia face ao embargo que sofre dos EUA e aliados europeus, funcionando os 4 países restantes do grupo como sua janela temporária de oportunidade comercial e econômica. A próxima reunião do grupo em julho na Rússia deverá consolidar as medidas tomadas até agora bem como expandir e detalhar novas ações e atividades.
Antes disso, no entanto, o empresariado brasileiro já se mobiliza para apressar as definições oficiais de instalação do banco dos BRICS. Reunidos recentemente na Confederação Nacional da Indústria (CNI) pediram agilidade na liberação dos recursos para projetos públicos e privados de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Os pleitos serão levados à reunião dos representantes dos BRICS na Rússia. As limitações financeiras nacionais e internacionais estão pesando no andamento dos portfólios de investimentos industriais.
A China tomou a frente e deu início à liberação de recursos, se não sob a égide do banco, pelo menos em sua direção ao se comprometer com a Petrobras no financiamento de US$ 3,5 bilhões através do Banco de Desenvolvimento chinês. O documento é o primeiro de um acordo de cooperação que será levado a efeito de 2015 a 2016. Sob o espírito da cooperação entre países do grupo dos BRICS, a iniciativa mostra que a Petrobras, apesar das denúncias de corrupção, é uma empresa sólida e recebe a confiança de credor internacional fora do âmbito dos bancos americanos e europeus.
A confiança da China no acordo de cooperação da Petrobras não só mostra ao mundo sua disposição em garantir condições de expansão da maior empresa brasileira, como também aprova a condução de seus negócios na área do petróleo. Ao contrário de grupos da opinião pública nacional que querem desabonar e desqualificar a empresa mesmo sabendo de sua vitalidade, resultados e capacidade de tecnologia e produção.
Se o banco dos BRICS mostra sua força e poder de influir positivamente no cenário financeiro internacional, a China sozinha com sua bricolagem econômica e financeira sustenta e apoia negócios que, além de serem de seu próprio proveito, contribuem seguramente para o desenvolvimento mundial.
*Economista, colaborador da Carta Maior
Impeachment, golpe de Estado e ditadura de 'mercado'
Carta Maior
O impeachment é o golpe de Estado do 'mercado', das classes privilegiadas que temem o progresso e os resultados da democracia.
Samuel Pinheiro Guimarães
O impeachment é a tentativa de anular, por via legislativa, pelo voto de 513 deputados e 81 senadores, os resultados das eleições de novembro de 2014 que refletiram a vontade da maioria do povo brasileiro ao reeleger a Presidenta Dilma Rousseff, por 53 milhões de votos.
Desde 2003, as televisões, em especial a TV Globo; os maiores jornais, como o Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo e o Globo; e as principais revistas, quais sejam a Veja, Isto É e Época, se empenham em uma campanha sistemática para desmoralizar o Partido dos Trabalhadores e os partidos progressistas e para tentar “provar” a ineficiência, o descalabro e a corrupção dos Governos do PT, inclusive de seus programas sociais, que retiraram 40 milhões de brasileiros da miséria e da pobreza.
Agora, com a ajuda de membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal, os meios de comunicação, tendo seu candidato perdido as eleições, tentam criar um clima político e de opinião que venha a derrubar ou imobilizar a Presidenta e, assim, anular a vontade da maioria do povo brasileiro.
Fazem isto divulgando dia a dia as declarações de delatores, criminosos confessos, e de procuradores, policiais e juízes que as “vazam”, seletivamente, para os meios de comunicação, cometendo notória ilegalidade, e publicando notícias sobre o extraordinário descalabro e corrupção em que viveria o país.
Diante da instabilidade política gerada por esta campanha, a Presidenta Dilma, com o objetivo de conter as manobras golpistas (recontagem de votos, acusações de fraude, ameaças diversas, etc.) e de apaziguar o “mercado”, anunciou um programa de austeridade, de equilíbrio orçamentário, de contração de gastos do Estado, de redução de investimentos, na esperança de conquistar a “confiança dos investidores”, seu principal objetivo, e de “acalmar” seus opositores políticos.
É preciso notar que o “mercado” não é uma entidade da sociedade civil, mas sim, na realidade, um ínfimo grupo de multimilionários, investidores, especuladores e rentistas, e seus “funcionários”, quais sejam os chamados economistas-chefe de bancos e fundos, os jornalistas e articulistas de economia, e seus associados no exterior.
Há economistas e jornalistas que são notável exceção a esta afirmação, mas são eles pequena minoria.
Quando foi apresentado o programa de ajuste, declarou-se, com ênfase, que ele não iria afetar as conquistas dos trabalhadores (a legislação sobre horário de trabalho, férias, aposentadoria, seguro desemprego etc.), nem os programas sociais, mas que iria ele equilibrar o orçamento através do contingenciamento, da contenção de despesas e do aumento de impostos, com o objetivo de fazer um superávit primário que permitisse pagar os juros da dívida pública e conquistar a “confiança do mercado, a confiança dos investidores”.
Conquistar a “confiança dos investidores” significa fazer com que tomem a decisão de realizar investimentos (para obter lucros) e assim ampliar a capacidade instalada, gerar empregos, condição para a retomada do desenvolvimento.
A “confiança dos investidores”, todavia, tem a ver com a expansão da demanda, pois só com essa expansão (sustentada) podem surgir oportunidades de investimentos lucrativos.
A construção de “confiança” e a realização de investimentos são improváveis em uma conjuntura em que se elevam os juros dos títulos públicos e das aplicações financeiras para torná-los os mais altos do mundo, o que atrai os capitais para o setor financeiro, especulativo ou rentista, e os afasta do setor produtivo e, portanto, dos investimentos.
Outros fatores que afetam negativamente a “confiança” dos investidores são a competição predatória e destrutiva das importações; taxas cambiais inadequadas; a redução dos investimentos públicos em infraestrutura; o aumento das taxas de juros dos financiamentos de longo prazo do BNDES; a redução da demanda e o aumento do desemprego (que alguns esperam poderia criar as condições políticas para um clima favorável ao impeachment) devido à redução da atividade econômica.
Há um mantra, repetido sem cessar, sobre competitividade e produtividade, entoado por muitas autoridades públicas, acadêmicos, jornalistas “especializados”, economistas-chefe de consultoras, de empresas, de bancos, que são, na realidade, empregados do “mercado”.
Segundo esses “especialistas”, a solução dos problemas internos, isto é a retomada do crescimento, e o afastamento para longe da crise externa latente e cada vez mais ameaçadora, dependeriam não somente da “confiança dos investidores” nas também do aumento da produtividade (isto é, da produção por trabalhador) e do aumento da competitividade das empresas brasileiras diante das chinesas, americanas e europeias, e da redução do “Custo Brasil”.
No caso da produtividade, alguns afirmam que seu aumento resultaria de um grande investimento sustentado em educação, como teriam, segundo argumentam, feito os países desenvolvidos, tais como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Coréia e que teria sido, segundo eles, uma razão importante, e talvez a principal, para explicar o seu desenvolvimento.
Os paladinos da educação defendem a educação primária geral, a atenção especial à primeira infância, a inclusão de todas as crianças e jovens (e os adultos?) no sistema. Não se fala muito na preparação de professores nem no horário integral nem nos efeitos, negativos, da televisão e da internet sobre o sistema de ensino em seu cerne, que é o tempo dedicado aos estudos pelos jovens. Pode-se perguntar quando estes brasileiros, hoje infantes e jovens, entrariam no mercado de trabalho para tornar a mão de obra mais produtiva e o Brasil mais competitivo: daqui a 10 anos? Daqui a 15? E até lá?
Outros argumentam que os “custos do trabalho” (parte do “Custo Brasil”) seriam muito elevados (em comparação com os “custos” em que países? Na China? Nos Estados Unidos? Na Alemanha?) e que, portanto, seria necessário reduzir esses “custos”, impedindo aumentos “artificiais” do salário mínimo (já que não haveria escassez de mão de obra), reduzindo os benefícios da legislação trabalhista, estimulando a rotatividade da mão de obra, etc.
Quanto ao “Custo Brasil”, argumentam com os altos custos de transporte e de energia, com a carga tributária elevada, com a multiplicidade de impostos, com a burocracia “infernal”.
Reclamam, também, da intervenção “excessiva” do Estado (empresas estatais e regulamentação) e pedem, ainda que até agora apenas insinuem, a privatização dessas empresas e a “desburocratização”, isto é, menos lei e mais liberdade para o capital.
Segundo os defensores do programa de austeridade, em decorrência do aumento da produtividade interna, a competitividade internacional seria alcançada, com todas as suas vantagens, tais como um superávit comercial estável, a diversificação dos mercados e o aumento das exportações de manufaturados.
Assim, a crise atual seria superada. Todavia, a verdade é outra.
A crise atual, em parte verdadeira e em parte fabricada, decorre da revolta conservadora devido ao fato de a Presidenta Dilma ter cometido dois “pecados mortais” à luz dos interesses do “mercado”, isto é, daqueles indivíduos beneficiários da concentração de riqueza, de renda e de poder político no Brasil, que são os grandes multimilionários, os latifundiários rurais e urbanos, os rentistas, os banqueiros, e seus representantes na mídia, no Congresso, no Judiciário.
O primeiro “pecado” foi a política de redução, ainda que temporária, das taxas de juros; o segundo “pecado” foi o apoio, ainda que tímido, à democratização dos meios de comunicação.
O sistema financeiro e bancário é o principal instrumento de concentração de riqueza no Brasil. Ao reduzir as taxas de juros dos bancos públicos e ao forçar a redução dos juros dos bancos privados (que foi logo compensada pelo aumento das “taxas” de administração) a Presidenta diminuiu a transferência de riqueza da sociedade e do Estado para os bancos privados, seus acionistas e os detentores de títulos públicos. A Presidenta atingiu o cerne do mecanismo de concentração do sistema econômico e provocou a ira dos setores conservadores que hoje pedem a privatização dos bancos públicos.
O sistema de comunicações no Brasil é o instrumento das classes dominantes para construir o imaginário do povo, para manipular as informações e para justificar o sistema econômico e social vigente e desmoralizar aqueles que lutam por mais igualdade, mais liberdade, mais fraternidade e pelos direitos das minorias, em um contexto de desenvolvimento.
A concentração do poder midiático “condena” os que ele acusa ao difundir e repetir incansavelmente “informações” antes de julgamentos e transformou o mensalão em julgamento prévio contra o qual não soube resistir o STF ao aceitar a conduta imprópria de seu Presidente da época e a campanha de imprensa.
O mesmo ocorre com a operação Lava Jato. Não há nenhuma iniciativa do Poder Judiciário para impedir a formação de uma opinião pública contra os acusados, gerada pelas denúncias, sem provas, feitas por criminosos confessos que denunciam a torto e a direito quando, no caso dos procedimentos de delação premiada, as investigações deveriam ser feitas sob o maior sigilo, já que se trata de denúncias feitas por criminosos em busca de vantagens pessoais. A mídia transformou o pedido da Procuradoria Geral da República de investigar determinados indivíduos em prova de sua culpa. Aqueles indivíduos, políticos ou não, que vierem a ser investigados e julgados culpados devem ser punidos com rigor, mas a imprensa não pode substituir o Poder Judiciário nem constrânge-lo, por motivos puramente políticos.
Ao ameaçar aqueles dois fundamentos da ordem conservadora, o sistema financeiro e a mídia, a Presidenta Dilma se tornou “culpada” e a oposição insiste, ainda veladamente, em que deve ser punida pela destituição do cargo por um processo de impeachment.
Seria importante que o Governo compreendesse que o que está de fato ocorrendo é uma manobra política cujos objetivos são pela ordem:
- fazer o Governo adotar o programa econômico e social do “mercado”, isto é, da minoria multimilionária e de seus “associados” externos;
- ocupar os cargos da administração pública (Ministérios, Secretarias executivas, agências reguladoras) com representantes do “mercado”;
- enfraquecer política e economicamente o Governo;
- enfraquecer o PT e os partidos progressistas com vistas a 2018;
- aprovar leis de interesse do “mercado”;
- e, se nada disso ocorrer, fazer o Governo “sangrar” e aí, então, se necessário e possível, exigir o impeachment da Presidenta.
Contra esta enorme e múltipla ofensiva econômica, midiática e política do “mercado”, de seus “funcionários” e representantes somente há uma estratégia possível: a ação política intensa junto aos movimentos populares, junto às organizações da sociedade civil, junto ao Congresso, junto à Administração Pública e aos Governadores, enfim, a mobilização da sociedade pelo seu esclarecimento para a defesa da democracia em toda sua integridade.
É indispensável que, na distribuição de suas verbas de publicidade, o Governo leve em consideração a existência de televisões comunitárias, universitárias, educativas, de rádios comunitárias, de blogs e sites, e dos pequenos e médios jornais e emissoras regionais e deixe de concentrar a distribuição de verbas e anúncios apenas na grande mídia, o que fortalece os oligolipólios que atuam de forma ostensivamente partidária e contra a maioria do povo, estimulando antagonismos violentos e radicalizando a sociedade.
As manifestações populares contra o Governo e contra a Presidenta Dilma têm reunido cidadãos que, em sua maioria, votaram contra a reeleição da Presidenta em 2014.
Hoje, insuflados pela mídia e por organizações de identificação e origem nebulosa, através das redes sociais, inconformados com a derrota e a pretexto da denúncia de corrupção, iniciam o processo político de “Fora Dilma”, que é, de fato, uma campanha pró-impeachment.
O impeachment é o golpe de Estado do “mercado”. Aqueles que defendem hoje o impeachment e criam o clima de instabilidade e de radicalização são os mesmos golpistas históricos de 1954 e de 1964: as classes privilegiadas que temem o progresso e os resultados da democracia e não os aceitam, apesar de ter o Brasil uma concentração de renda que se encontra entre as dez piores do mundo, enquanto seu PIB é um dos dez maiores do mundo, e de ser urgente deter o processo de concentração de renda (que a crise acentua) para que seja possível construir uma sociedade mais justa, mais democrática, mais próspera, mais estável.
Para que este objetivo possa ser alcançado, é preciso que a sociedade brasileira não se submeta à ditadura do “mercado”, cujos integrantes tem sido os grandes beneficiários da crise, que se iniciou em 2008 e não apresenta sinais sólidos de fim
O impeachment é o golpe de Estado do 'mercado', das classes privilegiadas que temem o progresso e os resultados da democracia.
Samuel Pinheiro Guimarães
O impeachment é a tentativa de anular, por via legislativa, pelo voto de 513 deputados e 81 senadores, os resultados das eleições de novembro de 2014 que refletiram a vontade da maioria do povo brasileiro ao reeleger a Presidenta Dilma Rousseff, por 53 milhões de votos.
Desde 2003, as televisões, em especial a TV Globo; os maiores jornais, como o Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo e o Globo; e as principais revistas, quais sejam a Veja, Isto É e Época, se empenham em uma campanha sistemática para desmoralizar o Partido dos Trabalhadores e os partidos progressistas e para tentar “provar” a ineficiência, o descalabro e a corrupção dos Governos do PT, inclusive de seus programas sociais, que retiraram 40 milhões de brasileiros da miséria e da pobreza.
Agora, com a ajuda de membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal, os meios de comunicação, tendo seu candidato perdido as eleições, tentam criar um clima político e de opinião que venha a derrubar ou imobilizar a Presidenta e, assim, anular a vontade da maioria do povo brasileiro.
Fazem isto divulgando dia a dia as declarações de delatores, criminosos confessos, e de procuradores, policiais e juízes que as “vazam”, seletivamente, para os meios de comunicação, cometendo notória ilegalidade, e publicando notícias sobre o extraordinário descalabro e corrupção em que viveria o país.
Diante da instabilidade política gerada por esta campanha, a Presidenta Dilma, com o objetivo de conter as manobras golpistas (recontagem de votos, acusações de fraude, ameaças diversas, etc.) e de apaziguar o “mercado”, anunciou um programa de austeridade, de equilíbrio orçamentário, de contração de gastos do Estado, de redução de investimentos, na esperança de conquistar a “confiança dos investidores”, seu principal objetivo, e de “acalmar” seus opositores políticos.
É preciso notar que o “mercado” não é uma entidade da sociedade civil, mas sim, na realidade, um ínfimo grupo de multimilionários, investidores, especuladores e rentistas, e seus “funcionários”, quais sejam os chamados economistas-chefe de bancos e fundos, os jornalistas e articulistas de economia, e seus associados no exterior.
Há economistas e jornalistas que são notável exceção a esta afirmação, mas são eles pequena minoria.
Quando foi apresentado o programa de ajuste, declarou-se, com ênfase, que ele não iria afetar as conquistas dos trabalhadores (a legislação sobre horário de trabalho, férias, aposentadoria, seguro desemprego etc.), nem os programas sociais, mas que iria ele equilibrar o orçamento através do contingenciamento, da contenção de despesas e do aumento de impostos, com o objetivo de fazer um superávit primário que permitisse pagar os juros da dívida pública e conquistar a “confiança do mercado, a confiança dos investidores”.
Conquistar a “confiança dos investidores” significa fazer com que tomem a decisão de realizar investimentos (para obter lucros) e assim ampliar a capacidade instalada, gerar empregos, condição para a retomada do desenvolvimento.
A “confiança dos investidores”, todavia, tem a ver com a expansão da demanda, pois só com essa expansão (sustentada) podem surgir oportunidades de investimentos lucrativos.
A construção de “confiança” e a realização de investimentos são improváveis em uma conjuntura em que se elevam os juros dos títulos públicos e das aplicações financeiras para torná-los os mais altos do mundo, o que atrai os capitais para o setor financeiro, especulativo ou rentista, e os afasta do setor produtivo e, portanto, dos investimentos.
Outros fatores que afetam negativamente a “confiança” dos investidores são a competição predatória e destrutiva das importações; taxas cambiais inadequadas; a redução dos investimentos públicos em infraestrutura; o aumento das taxas de juros dos financiamentos de longo prazo do BNDES; a redução da demanda e o aumento do desemprego (que alguns esperam poderia criar as condições políticas para um clima favorável ao impeachment) devido à redução da atividade econômica.
Há um mantra, repetido sem cessar, sobre competitividade e produtividade, entoado por muitas autoridades públicas, acadêmicos, jornalistas “especializados”, economistas-chefe de consultoras, de empresas, de bancos, que são, na realidade, empregados do “mercado”.
Segundo esses “especialistas”, a solução dos problemas internos, isto é a retomada do crescimento, e o afastamento para longe da crise externa latente e cada vez mais ameaçadora, dependeriam não somente da “confiança dos investidores” nas também do aumento da produtividade (isto é, da produção por trabalhador) e do aumento da competitividade das empresas brasileiras diante das chinesas, americanas e europeias, e da redução do “Custo Brasil”.
No caso da produtividade, alguns afirmam que seu aumento resultaria de um grande investimento sustentado em educação, como teriam, segundo argumentam, feito os países desenvolvidos, tais como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Coréia e que teria sido, segundo eles, uma razão importante, e talvez a principal, para explicar o seu desenvolvimento.
Os paladinos da educação defendem a educação primária geral, a atenção especial à primeira infância, a inclusão de todas as crianças e jovens (e os adultos?) no sistema. Não se fala muito na preparação de professores nem no horário integral nem nos efeitos, negativos, da televisão e da internet sobre o sistema de ensino em seu cerne, que é o tempo dedicado aos estudos pelos jovens. Pode-se perguntar quando estes brasileiros, hoje infantes e jovens, entrariam no mercado de trabalho para tornar a mão de obra mais produtiva e o Brasil mais competitivo: daqui a 10 anos? Daqui a 15? E até lá?
Outros argumentam que os “custos do trabalho” (parte do “Custo Brasil”) seriam muito elevados (em comparação com os “custos” em que países? Na China? Nos Estados Unidos? Na Alemanha?) e que, portanto, seria necessário reduzir esses “custos”, impedindo aumentos “artificiais” do salário mínimo (já que não haveria escassez de mão de obra), reduzindo os benefícios da legislação trabalhista, estimulando a rotatividade da mão de obra, etc.
Quanto ao “Custo Brasil”, argumentam com os altos custos de transporte e de energia, com a carga tributária elevada, com a multiplicidade de impostos, com a burocracia “infernal”.
Reclamam, também, da intervenção “excessiva” do Estado (empresas estatais e regulamentação) e pedem, ainda que até agora apenas insinuem, a privatização dessas empresas e a “desburocratização”, isto é, menos lei e mais liberdade para o capital.
Segundo os defensores do programa de austeridade, em decorrência do aumento da produtividade interna, a competitividade internacional seria alcançada, com todas as suas vantagens, tais como um superávit comercial estável, a diversificação dos mercados e o aumento das exportações de manufaturados.
Assim, a crise atual seria superada. Todavia, a verdade é outra.
A crise atual, em parte verdadeira e em parte fabricada, decorre da revolta conservadora devido ao fato de a Presidenta Dilma ter cometido dois “pecados mortais” à luz dos interesses do “mercado”, isto é, daqueles indivíduos beneficiários da concentração de riqueza, de renda e de poder político no Brasil, que são os grandes multimilionários, os latifundiários rurais e urbanos, os rentistas, os banqueiros, e seus representantes na mídia, no Congresso, no Judiciário.
O primeiro “pecado” foi a política de redução, ainda que temporária, das taxas de juros; o segundo “pecado” foi o apoio, ainda que tímido, à democratização dos meios de comunicação.
O sistema financeiro e bancário é o principal instrumento de concentração de riqueza no Brasil. Ao reduzir as taxas de juros dos bancos públicos e ao forçar a redução dos juros dos bancos privados (que foi logo compensada pelo aumento das “taxas” de administração) a Presidenta diminuiu a transferência de riqueza da sociedade e do Estado para os bancos privados, seus acionistas e os detentores de títulos públicos. A Presidenta atingiu o cerne do mecanismo de concentração do sistema econômico e provocou a ira dos setores conservadores que hoje pedem a privatização dos bancos públicos.
O sistema de comunicações no Brasil é o instrumento das classes dominantes para construir o imaginário do povo, para manipular as informações e para justificar o sistema econômico e social vigente e desmoralizar aqueles que lutam por mais igualdade, mais liberdade, mais fraternidade e pelos direitos das minorias, em um contexto de desenvolvimento.
A concentração do poder midiático “condena” os que ele acusa ao difundir e repetir incansavelmente “informações” antes de julgamentos e transformou o mensalão em julgamento prévio contra o qual não soube resistir o STF ao aceitar a conduta imprópria de seu Presidente da época e a campanha de imprensa.
O mesmo ocorre com a operação Lava Jato. Não há nenhuma iniciativa do Poder Judiciário para impedir a formação de uma opinião pública contra os acusados, gerada pelas denúncias, sem provas, feitas por criminosos confessos que denunciam a torto e a direito quando, no caso dos procedimentos de delação premiada, as investigações deveriam ser feitas sob o maior sigilo, já que se trata de denúncias feitas por criminosos em busca de vantagens pessoais. A mídia transformou o pedido da Procuradoria Geral da República de investigar determinados indivíduos em prova de sua culpa. Aqueles indivíduos, políticos ou não, que vierem a ser investigados e julgados culpados devem ser punidos com rigor, mas a imprensa não pode substituir o Poder Judiciário nem constrânge-lo, por motivos puramente políticos.
Ao ameaçar aqueles dois fundamentos da ordem conservadora, o sistema financeiro e a mídia, a Presidenta Dilma se tornou “culpada” e a oposição insiste, ainda veladamente, em que deve ser punida pela destituição do cargo por um processo de impeachment.
Seria importante que o Governo compreendesse que o que está de fato ocorrendo é uma manobra política cujos objetivos são pela ordem:
- fazer o Governo adotar o programa econômico e social do “mercado”, isto é, da minoria multimilionária e de seus “associados” externos;
- ocupar os cargos da administração pública (Ministérios, Secretarias executivas, agências reguladoras) com representantes do “mercado”;
- enfraquecer política e economicamente o Governo;
- enfraquecer o PT e os partidos progressistas com vistas a 2018;
- aprovar leis de interesse do “mercado”;
- e, se nada disso ocorrer, fazer o Governo “sangrar” e aí, então, se necessário e possível, exigir o impeachment da Presidenta.
Contra esta enorme e múltipla ofensiva econômica, midiática e política do “mercado”, de seus “funcionários” e representantes somente há uma estratégia possível: a ação política intensa junto aos movimentos populares, junto às organizações da sociedade civil, junto ao Congresso, junto à Administração Pública e aos Governadores, enfim, a mobilização da sociedade pelo seu esclarecimento para a defesa da democracia em toda sua integridade.
É indispensável que, na distribuição de suas verbas de publicidade, o Governo leve em consideração a existência de televisões comunitárias, universitárias, educativas, de rádios comunitárias, de blogs e sites, e dos pequenos e médios jornais e emissoras regionais e deixe de concentrar a distribuição de verbas e anúncios apenas na grande mídia, o que fortalece os oligolipólios que atuam de forma ostensivamente partidária e contra a maioria do povo, estimulando antagonismos violentos e radicalizando a sociedade.
As manifestações populares contra o Governo e contra a Presidenta Dilma têm reunido cidadãos que, em sua maioria, votaram contra a reeleição da Presidenta em 2014.
Hoje, insuflados pela mídia e por organizações de identificação e origem nebulosa, através das redes sociais, inconformados com a derrota e a pretexto da denúncia de corrupção, iniciam o processo político de “Fora Dilma”, que é, de fato, uma campanha pró-impeachment.
O impeachment é o golpe de Estado do “mercado”. Aqueles que defendem hoje o impeachment e criam o clima de instabilidade e de radicalização são os mesmos golpistas históricos de 1954 e de 1964: as classes privilegiadas que temem o progresso e os resultados da democracia e não os aceitam, apesar de ter o Brasil uma concentração de renda que se encontra entre as dez piores do mundo, enquanto seu PIB é um dos dez maiores do mundo, e de ser urgente deter o processo de concentração de renda (que a crise acentua) para que seja possível construir uma sociedade mais justa, mais democrática, mais próspera, mais estável.
Para que este objetivo possa ser alcançado, é preciso que a sociedade brasileira não se submeta à ditadura do “mercado”, cujos integrantes tem sido os grandes beneficiários da crise, que se iniciou em 2008 e não apresenta sinais sólidos de fim
José Luís Fiori: 'Brasil deverá inevitavelmente competir com os EUA'
Carta Maior
Em entrevista, José Luís Fiori falou sobre os novos arranjos geopolíticos que envolvem a relação entre Estados Unidos e Brasil.
Bruna Galvão - Agência Xinhua
Leopoldo Silva / Senado Federal - Flickr
Qual foi o impacto do escândalo de espionagem dos EUA no Brasil em 2013 sobre as relações Brasil-EUA? O impacto foi apenas político?
O escândalo da espionagem denunciada por Snowden teve um impacto político e diplomático importante e imediato, na medida em provocou a suspensão de uma viagem programada da presidente Dilma Rousseff aos EUA, e um distanciamento visível nas relações pessoais entre a presidenta Dilma e o presidente Obama. Mas qualquer país que disponha de um mínimo de importância internacional e que possua um serviço de informação profissional sabe que os EUA e todas as demais “grandes potências” se espionam entre si, e espionam regularmente os governos dos estados dentro de suas áreas de influencia. Sendo que no caso dos EUA sabidamente esta espionagem é global. O episódio Snowden apenas colocou ao alcance da opinião publica em geral o que é senso comum entre governantes, estrategistas e estudiosos das relações internacionais.. Neste sentido, creio que o estiramento recentes das relações entre Brasil e EUA se deve muito mais a outros acontecimentos e tomadas de posição do governo brasileiro, como foi o caso do silêncio político do Brasil frente à crise ucraniana, e frente ao bloco de aliados incondicionais, constituído pelos EUA, para pressionar o governo russo e faze-los recuar de suas reivindicações geopolíticas; com foi também o caso da posição crítica e da tomada de posição corajosa e sem precedente da diplomacia brasileira frente aos ataques de Israel à Faixa de Gaza, em julho/agosto de 2014; como tem sido o caso da opção brasileira pelo fortalecimento do grupo BRICS, que ficou ainda mais visível na reunião do grupo, em Fortaleza, em 2014, e na aproximação promovida pelo Brasil entre o BRICS e a Unasul, durante esta mesma reunião; e assim também, com a opção brasileira na compra de material bélico e na formação dos blocos empresariais para a exploração do pré-sal brasileiro, que não favoreceram os EUA, em nenhum dos dois casos. Creio que esta nova posição de liderança que o Brasil vem assumindo na América do Sul, e seu novo posicionamento no cenário mundial de não alinhamento automático ao lado dos EUA, têm contribuído muito mais para um certo esfriamento nas relações bilaterais, entre Brasil e EUA, do que esta ”descoberta” do óbvio, ou seja, que o EUA e todas as demais potências que espionam o governo e as empresas estratégicas brasileiras.
Qual o estado das relações bilaterais hoje?
Creio que depois da recente reeleição da presidenta Dilma Rousseff, tem havido um esforço muito grande, de ambas as partes, a favor de uma reaproximação politico-diplomática, e a favor de um aprofundamento das suas relações econômicas, com o estabelecimento de um novo tipo de protocolo na relação entre os dois países. Mas acho que o progresso desta reaproximação dependerá muito mais do desdobramento dos conflitos que hoje atravessam o establishment da politica externa norte-americana, do que da própria diplomacia brasileira.
A Presidente Dilma Rousseff deve se encontrar com o Presidente Barack Obama na Cúpula das Américas. Nessa ocasião, espera-se que ela dê uma resposta ao convite norte-americano para uma visita de Estado. Em sua opinião, Dilma vai aceitar o convite? Ela deveria aceitar?
Tenho a impressão de que a presidente brasileira já respondeu à sua pergunta, esclarecendo que já aceitou o convite para ir aos EUA, ainda no ano de 2015, numa visita de trabalho, e não numa visita de Estado
Qual o futuro das relações Brasil-EUA? Nos próximos anos, o Brasil tende a se aproximar ou se afastar dos EUA no sentido econômico? E quando à política externa?
As duas coisas, mas em momentos distintos, e em áreas diferentes. De qualquer maneira o importante é ter em conta que as relações entre o Brasil e os EUA estarão sempre condicionadas pelo fato de que:
- São os dois maiores países do hemisfério ocidental;
- Os dois foram criados pelos europeus e pela sua civilização cristã;
- Historicamente, o Brasil sempre teve maior dependência dos EUA do que a inversa;
- Na medida em que o Brasil expanda e projete sua influencia internacional, dentro e fora da América do Sul, deverá inevitavelmente competir com os EUA, porque queira ou não, todo país que se propõe ascender à uma nova posição de liderança regional ou global, terá sempre que questionar os arranjos geopolíticos e institucionais que foram definidos e impostos previamente, pelas potencias que já são ou foram dominantes, dentro do sistema mundial. - Esta regra, entretanto, nunca impediu nem impedirá o estabelecimento de convergências e alianças táticas, entre a potência ascendente e uma ou várias das antigas potencias dominantes.
Ou seja, do meu ponto de vista, o mais provável é o Brasil e os EUA se aproximem e distanciem periodicamente, como se fosse numa partida de wei gi, em que a regra básica é a da “coexistência combativa” entre os parceiros envolvidos, sem que nunca se chegue à nenhuma espécie de casamento durador, ou, à alguma espécie de cheque-mate definitivo.
Em entrevista, José Luís Fiori falou sobre os novos arranjos geopolíticos que envolvem a relação entre Estados Unidos e Brasil.
Bruna Galvão - Agência Xinhua
Leopoldo Silva / Senado Federal - Flickr
Qual foi o impacto do escândalo de espionagem dos EUA no Brasil em 2013 sobre as relações Brasil-EUA? O impacto foi apenas político?
O escândalo da espionagem denunciada por Snowden teve um impacto político e diplomático importante e imediato, na medida em provocou a suspensão de uma viagem programada da presidente Dilma Rousseff aos EUA, e um distanciamento visível nas relações pessoais entre a presidenta Dilma e o presidente Obama. Mas qualquer país que disponha de um mínimo de importância internacional e que possua um serviço de informação profissional sabe que os EUA e todas as demais “grandes potências” se espionam entre si, e espionam regularmente os governos dos estados dentro de suas áreas de influencia. Sendo que no caso dos EUA sabidamente esta espionagem é global. O episódio Snowden apenas colocou ao alcance da opinião publica em geral o que é senso comum entre governantes, estrategistas e estudiosos das relações internacionais.. Neste sentido, creio que o estiramento recentes das relações entre Brasil e EUA se deve muito mais a outros acontecimentos e tomadas de posição do governo brasileiro, como foi o caso do silêncio político do Brasil frente à crise ucraniana, e frente ao bloco de aliados incondicionais, constituído pelos EUA, para pressionar o governo russo e faze-los recuar de suas reivindicações geopolíticas; com foi também o caso da posição crítica e da tomada de posição corajosa e sem precedente da diplomacia brasileira frente aos ataques de Israel à Faixa de Gaza, em julho/agosto de 2014; como tem sido o caso da opção brasileira pelo fortalecimento do grupo BRICS, que ficou ainda mais visível na reunião do grupo, em Fortaleza, em 2014, e na aproximação promovida pelo Brasil entre o BRICS e a Unasul, durante esta mesma reunião; e assim também, com a opção brasileira na compra de material bélico e na formação dos blocos empresariais para a exploração do pré-sal brasileiro, que não favoreceram os EUA, em nenhum dos dois casos. Creio que esta nova posição de liderança que o Brasil vem assumindo na América do Sul, e seu novo posicionamento no cenário mundial de não alinhamento automático ao lado dos EUA, têm contribuído muito mais para um certo esfriamento nas relações bilaterais, entre Brasil e EUA, do que esta ”descoberta” do óbvio, ou seja, que o EUA e todas as demais potências que espionam o governo e as empresas estratégicas brasileiras.
Qual o estado das relações bilaterais hoje?
Creio que depois da recente reeleição da presidenta Dilma Rousseff, tem havido um esforço muito grande, de ambas as partes, a favor de uma reaproximação politico-diplomática, e a favor de um aprofundamento das suas relações econômicas, com o estabelecimento de um novo tipo de protocolo na relação entre os dois países. Mas acho que o progresso desta reaproximação dependerá muito mais do desdobramento dos conflitos que hoje atravessam o establishment da politica externa norte-americana, do que da própria diplomacia brasileira.
A Presidente Dilma Rousseff deve se encontrar com o Presidente Barack Obama na Cúpula das Américas. Nessa ocasião, espera-se que ela dê uma resposta ao convite norte-americano para uma visita de Estado. Em sua opinião, Dilma vai aceitar o convite? Ela deveria aceitar?
Tenho a impressão de que a presidente brasileira já respondeu à sua pergunta, esclarecendo que já aceitou o convite para ir aos EUA, ainda no ano de 2015, numa visita de trabalho, e não numa visita de Estado
Qual o futuro das relações Brasil-EUA? Nos próximos anos, o Brasil tende a se aproximar ou se afastar dos EUA no sentido econômico? E quando à política externa?
As duas coisas, mas em momentos distintos, e em áreas diferentes. De qualquer maneira o importante é ter em conta que as relações entre o Brasil e os EUA estarão sempre condicionadas pelo fato de que:
- São os dois maiores países do hemisfério ocidental;
- Os dois foram criados pelos europeus e pela sua civilização cristã;
- Historicamente, o Brasil sempre teve maior dependência dos EUA do que a inversa;
- Na medida em que o Brasil expanda e projete sua influencia internacional, dentro e fora da América do Sul, deverá inevitavelmente competir com os EUA, porque queira ou não, todo país que se propõe ascender à uma nova posição de liderança regional ou global, terá sempre que questionar os arranjos geopolíticos e institucionais que foram definidos e impostos previamente, pelas potencias que já são ou foram dominantes, dentro do sistema mundial. - Esta regra, entretanto, nunca impediu nem impedirá o estabelecimento de convergências e alianças táticas, entre a potência ascendente e uma ou várias das antigas potencias dominantes.
Ou seja, do meu ponto de vista, o mais provável é o Brasil e os EUA se aproximem e distanciem periodicamente, como se fosse numa partida de wei gi, em que a regra básica é a da “coexistência combativa” entre os parceiros envolvidos, sem que nunca se chegue à nenhuma espécie de casamento durador, ou, à alguma espécie de cheque-mate definitivo.
As Hienas e os Vira-Latas
Intelectuais progressistas, preparai-vos para o debate: os liberais de todos os matizes estão de volta, propondo até mesmo uma nova ALCA.
Carta Maior
Pensadores progressistas: alerta! Os liberais de todos os matizes estão de volta!
Aproveitando o momento de vulnerabilidade política e econômica do nosso país, os defensores de uma integração dependente do Brasil na economia internacional estão lançando uma nova ofensiva, facilitada pelas agruras do ajuste fiscal, com queda nos investimentos governamentais e o descrédito – convenientemente estimulado – das empresas estatais, na esteira do escândalo da Petrobrás. Em vez de atacar a raiz desses ilícitos, que é o financiamento empresarial das campanhas eleitorais (o que não diminui a responsabilidade dos transgressores da lei), os pós-neoliberais preferem investir contra os poucos instrumentos de política industrial que o Estado brasileiro ainda detém. A estratégia é ampla e não se limita a aspectos internos da economia. Incide diretamente sobre a forma pela qual o Brasil se insere na economia mundial.
Três linhas de ação têm sido perseguidas. Uma já faz parte do antigo receituário de boa parte dos comentaristas em matéria econômica: o Brasil deveria abandonar a sua preferência pelo sistema multilateral (representado pela Organização Mundial do Comércio) e dar mais atenção a acordos bilaterais com economias desenvolvidas, seja com a União Europeia, seja com os Estados Unidos da América. O refinamento, não totalmente novo, é o de que, para chegar a esses acordos, o Brasil deve buscar a "flexibilização" do Mercosul, privando-o de sua característica essencial de uma união aduaneira. Sem perceber que a motivação principal da integração é política - já que a Paz é o maior bem a ser preservado - os arautos da liberalização, sob o pretexto de aumentar nossa autonomia em relação aos nossos vizinhos, facilitando a abertura do mercado brasileiro, na verdade empurrarão os sócios menores (não em importância, mas em tamanho) para os braços das grandes potências. É de esperar que não venham a reclamar quando bases militares estrangeiras surgirem próximo das nossas fronteiras.
O segundo pilar do tripé, que está sendo gestado em gabinetes de peritos desprovidos de visão estratégica, consiste em tornar o Brasil membro pleno da OCDE, a organização que congrega primordialmente economias desenvolvidas. Essa atitude contraria a posição de aproximação cautelosa seguida até aqui e que nos tem permitido participar de vários grupos, sem tolher nossa liberdade de ação. A lógica para a busca ansiosa pelo status de membro pleno residiria na melhoria do nosso rating junto às agências de risco, decorrente do nosso compromisso com políticas de investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual (entre outras) estranhas ao modelo de crescimento defendido por sucessivos governos brasileiros, independentemente de partidos ou de ideologias. O ganho no curto prazo se limitaria, se tanto, a um aspecto de marketing, e seria muito pequeno quando comparado com o custo real, representado pela perda de latitude de escolha de nossas políticas (industrial, ambiental, de saúde, etc.)
Finalmente – e esse é o aspecto mais recente da ofensiva pós-neoliberal – há quem já fale em ressuscitar a Área de Livre Comércio das Américas, cujas negociações chegaram a um impasse entre 2003 e 2004, quando ficou claro que os EUA não abandonariam suas exigências em patentes farmacêuticas (inclusive no que tange ao método para a solução de controvérsias) e pouco ou nada nos ofereceriam em agricultura. A Alca, tal como proposta, previa não apenas uma ampla abertura comercial em matéria de bens e serviços, de efeitos danosos para nosso parque industrial, mas também regras muito mais estritas e desfavoráveis aos nossos interesses do que as que haviam sido negociadas multilateralmente (i.e., no sistema GATT/OMC), inclusive por governos que antecederam ao do Presidente Lula. Tudo isso, sob a hegemonia da maior potência econômica do continente americano (e, por enquanto pelo menos, do mundo).
Medidas desse tipo não constituem ajustes passageiros. São mudanças estruturais, que, caso adotadas, alterariam profundamente o caminho de desenvolvimento que, com maior ou menor ênfase, sucessivos governos escolheram trilhar. Os que propugnam por esse redirecionamento de nossa inserção no mundo parecem ignorar que mudanças desse porte, sem um mandato popular expresso nas urnas, seriam não só prejudiciais economicamente, mas constituiriam uma violência contra a democracia. Evidentemente nosso governo não se deixará levar por pressões midiáticas, mas até alguns ardorosos defensores de um Brasil independente e soberano podem não ser de todo infensos a influencias de intelectuais que granjearam alguma respeitabilidade pela obra passada. Daí a necessidade do alerta: “intelectuais progressistas, preparai-vos para o debate”. Ele vai ser duro e não se dará somente nos salões acadêmicos ou nos corredores palacianos. Terá que ir às ruas, às praças e às portas de fábrica.
Carta Maior
Pensadores progressistas: alerta! Os liberais de todos os matizes estão de volta!
Aproveitando o momento de vulnerabilidade política e econômica do nosso país, os defensores de uma integração dependente do Brasil na economia internacional estão lançando uma nova ofensiva, facilitada pelas agruras do ajuste fiscal, com queda nos investimentos governamentais e o descrédito – convenientemente estimulado – das empresas estatais, na esteira do escândalo da Petrobrás. Em vez de atacar a raiz desses ilícitos, que é o financiamento empresarial das campanhas eleitorais (o que não diminui a responsabilidade dos transgressores da lei), os pós-neoliberais preferem investir contra os poucos instrumentos de política industrial que o Estado brasileiro ainda detém. A estratégia é ampla e não se limita a aspectos internos da economia. Incide diretamente sobre a forma pela qual o Brasil se insere na economia mundial.
Três linhas de ação têm sido perseguidas. Uma já faz parte do antigo receituário de boa parte dos comentaristas em matéria econômica: o Brasil deveria abandonar a sua preferência pelo sistema multilateral (representado pela Organização Mundial do Comércio) e dar mais atenção a acordos bilaterais com economias desenvolvidas, seja com a União Europeia, seja com os Estados Unidos da América. O refinamento, não totalmente novo, é o de que, para chegar a esses acordos, o Brasil deve buscar a "flexibilização" do Mercosul, privando-o de sua característica essencial de uma união aduaneira. Sem perceber que a motivação principal da integração é política - já que a Paz é o maior bem a ser preservado - os arautos da liberalização, sob o pretexto de aumentar nossa autonomia em relação aos nossos vizinhos, facilitando a abertura do mercado brasileiro, na verdade empurrarão os sócios menores (não em importância, mas em tamanho) para os braços das grandes potências. É de esperar que não venham a reclamar quando bases militares estrangeiras surgirem próximo das nossas fronteiras.
O segundo pilar do tripé, que está sendo gestado em gabinetes de peritos desprovidos de visão estratégica, consiste em tornar o Brasil membro pleno da OCDE, a organização que congrega primordialmente economias desenvolvidas. Essa atitude contraria a posição de aproximação cautelosa seguida até aqui e que nos tem permitido participar de vários grupos, sem tolher nossa liberdade de ação. A lógica para a busca ansiosa pelo status de membro pleno residiria na melhoria do nosso rating junto às agências de risco, decorrente do nosso compromisso com políticas de investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual (entre outras) estranhas ao modelo de crescimento defendido por sucessivos governos brasileiros, independentemente de partidos ou de ideologias. O ganho no curto prazo se limitaria, se tanto, a um aspecto de marketing, e seria muito pequeno quando comparado com o custo real, representado pela perda de latitude de escolha de nossas políticas (industrial, ambiental, de saúde, etc.)
Finalmente – e esse é o aspecto mais recente da ofensiva pós-neoliberal – há quem já fale em ressuscitar a Área de Livre Comércio das Américas, cujas negociações chegaram a um impasse entre 2003 e 2004, quando ficou claro que os EUA não abandonariam suas exigências em patentes farmacêuticas (inclusive no que tange ao método para a solução de controvérsias) e pouco ou nada nos ofereceriam em agricultura. A Alca, tal como proposta, previa não apenas uma ampla abertura comercial em matéria de bens e serviços, de efeitos danosos para nosso parque industrial, mas também regras muito mais estritas e desfavoráveis aos nossos interesses do que as que haviam sido negociadas multilateralmente (i.e., no sistema GATT/OMC), inclusive por governos que antecederam ao do Presidente Lula. Tudo isso, sob a hegemonia da maior potência econômica do continente americano (e, por enquanto pelo menos, do mundo).
Medidas desse tipo não constituem ajustes passageiros. São mudanças estruturais, que, caso adotadas, alterariam profundamente o caminho de desenvolvimento que, com maior ou menor ênfase, sucessivos governos escolheram trilhar. Os que propugnam por esse redirecionamento de nossa inserção no mundo parecem ignorar que mudanças desse porte, sem um mandato popular expresso nas urnas, seriam não só prejudiciais economicamente, mas constituiriam uma violência contra a democracia. Evidentemente nosso governo não se deixará levar por pressões midiáticas, mas até alguns ardorosos defensores de um Brasil independente e soberano podem não ser de todo infensos a influencias de intelectuais que granjearam alguma respeitabilidade pela obra passada. Daí a necessidade do alerta: “intelectuais progressistas, preparai-vos para o debate”. Ele vai ser duro e não se dará somente nos salões acadêmicos ou nos corredores palacianos. Terá que ir às ruas, às praças e às portas de fábrica.
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