Carta Maior
Uma ilusão muito importante é a de que tudo vai muito bem pelo mundo, só no Brasil ou na América do Sul dominada pelas esquerdas é que não.
Flávio Aguiar
As ilusões da direita no Brasil se dividem em dois grupos: o daquelas que ela quer vender para a população em geral, e o daquelas que ela mantém por si mesma, e para si.
Dentre as primeiras – aquelas à venda – destaca-se a de uma frase atribuída ao senador Aécio Neves: “para resolver o problema da corrupção no Brasil basta tirar o PT do governo”, ou algo parecido. Simplória, simplista, não li desmentido: ficou o não dito pelo dito. Vai na esteira da superstição martelada pela mídia de que a corrupção foi fundada pelo PT, alimentada por comportamentos no Judiciário de juízes como Joaquim Barbosa e Sérgio Moro.
Mas há outras no mercado. Outra muito importante é a de que nas aparências tudo vai muito bem pelo mundo, só no Brasil ou na América do Sul dominada pelas esquerdas é que não. A Europa não está em estado falimentar, os Estados Unidos não estão pressionados por uma crise sem precedentes, só há corrupção no Brasil e no Terceiro Mundo, o Japão vai muito bem, embora estagnado há décadas e por aí adiante.
Outras ilusões vendidas: caso ganhe as eleições presidenciais algum dia, a direita não vai mexer nos direitos trabalhistas. Vai sim. Vai mexer nas férias remuneradas, no salário mínimo, na Justiça do Trabalho, nas indenizações, em suma, em tudo aquilo que ela vê como elevação do “custo Brasil”, quer dizer, as obrigações sociais que o empresariado tem de cumprir. Espero que quem viver não veja, mas quem ver a vitória da direita, verá.
Mas as piores, as mais daninhas, são aquelas que a direita mantém para si mesma. Vamos começar pelas internas. Cada grupo, cada político da direita, alimenta a ilusão de que poderá livremente instrumentar os e as demais. Serra acha que poderá instrumentar Aécio e Alckmin, este que vai instrumentar os outros dois e aquele, este e aqueloutro. FHC acha que poderá instrumentar todos eles em função de seu sonho de garantir seu lugar no Panteão dos grandes chefes de estado nacionais, transformadores e consolidadores, por ora ocupado por Pedro II, Vargas e Lula, nesta ordem cronológica. Vã ilusão de todos. Haverá uma briga de foice entre eles, e FHC já está condenado a ser o ex-intelectual brilhante, ainda que conservador, que esqueceu tudo o que escreveu antes e se tornou um político medíocre, aprendiz de golpista nos últimos tempos.
Além disto, os líderes da direita pensam que poderão instrumentar os movimentos de rua, os pró-impeachment, os pró-ditadura e os pró-coisa nenhuma, e estes pensam que poderão instrumentar aqueles e os outros movimentos. Esta ilusão pode sair cara a eles, mas será mais cara a nós, democratas pró ou contra o governo, pois se aqueles prevalecerem eles começarão por comer quem a eles se opuser mas terminarão por se comer a si mesmos, num processo longo, doloroso, inseguro, e cheio de solavancos, como aconteceu com a ditadura de 21 anos que engolimos décadas atrás.
Também alimentam a ilusão de que serão recebidos como salvadores da pátria. A menos que tenham o apoio das Forças Armadas e que estas calem os movimentos sociais à bala, o que parece improvável, uma vitória do impeachment, por exemplo, mergulhará o país no caos, além de liberar de fato uma gandaia de corrupção, pois a PF perderá a autonomia, o Ministério da Justiça virará um bordel, o Procurador Geral da Republica voltará a ser o Engavetador-Mór, etc., o arrocho em cima dos trabalhadores, aposentados e estudantes seguirá o modelo europeu, enfim, o Brasil vai virar uma república dividida entre a banana e o abacaxi, além do pepino.
Por fim, a direita alimenta a ilusão, esta para si e também à venda, de que será recebida de braços abertos pela “comunidade internacional”, aquela que para ela conta: a Europa Ocidental, ou circuito Helena Rubinstein, os Estados Unidos, supermercados de Miami à frente, e o Japão, recessão à parte. Vã ilusão. Seremos recebidos – pois estaremos juntos nesta anti-aventura – com risotas de bastidor, finalmente reconduzidos ao curral de onde nunca deveríamos ter saído, aquele reservado aos pobres que não têm remédio nem saída, governados pelos oligarcas de plantão.
A outra ilusão é a de que tudo isto é possível. Não é mais. O Brasil não voltará ser o que era. O Brasil enveredou para o futuro. Seja lá o que seja ele.
O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
segunda-feira, março 30, 2015
Ipea terá guinada progressista com futuro presidente
Carta Capital
Sociólogo Jessé de Souza vê desigualdade social como problema mais grave que corrupção e tem visão ácida sobre classe média
por André Barrocal
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada terá um novo presidente. Ligado ao Palácio do Planalto, o Ipea será comandado pelo sociólogo potiguar Jessé de Souza, professor da Universidade Federal Fluminense. À frente de um orçamento de 300 milhões de reais, ele estará em condições de ditar o rumo do principal think tank brasileiro. Terá o poder de influenciar a opinião pública com seus pontos de vista e com os estudos priorizados na instituição. Em tempos de furor anticorrupção e de ajuste fiscal, prenuncia-se uma chacoalhada no noticiário.
Acadêmico de inclinação progressista, Souza tem posições polêmicas, como se pode constatar em algumas entrevistas concedidas no ano passado. Por exemplo: ele não acha que o principal mal do País seja a corrupção. “Claro que a corrupção tem de ser combatida, mas é um dado endêmico do capitalismo em todas as partes do mundo. Essa dramatização [da corrupção] tem efeitos políticos. A quem interessa efetivamente que o Estado seja denegrido, dito ineficiente?”, disse em agosto ao programa Jogo do Poder, da rede CNT.
Para ele, esta demonização do setor público tem objetivos mercantis. “Quando você diz que só o mercado é virtuoso e tudo o que o Estado faz está marcado pela ineficiência, o que você está querendo dizer que é esse campo pode ser mercantilizado e transformado em apropriação privada para poucos”, afirmou na mesma entrevista.
O tema da corrupção, pensa o sociólogo, teria se tornado um “espantalho” no País, a indispor as pessoas com o poder público e a barrar o debate de problemas realmente graves, como a elevada desigualdade social e a exploração do trabalhador. “No Brasil, quase 70% da riqueza nacional, e o brasileiro normalmente não sabe, é lucro, juro, aluguel ou renda de capital”, disse Souza ao Canal Futura em julho. “O que diferencia o Brasil de países como EUA, Alemanha, França, que a gente admira tanto” não é o nível de corrupção, mas “o fato de que a gente aceita manter um terço da população numa situação subumana, de que a gente acha legal quando a polícia mata.”
Souza possui uma visão ácida sobre a classe média, celeiro dos protestos anticorrupção. A vê como “tropa de choque dos endinheirados” e predisposta a botar a culpa dos problemas do País “numa elite encrustada no Estado” quando “no fundo essa elite está encrustada no mercado”.
“Ainda que a classe média – e suas frações mais conservadoras – não decida mais eleições majoritárias no Brasil, é ela que detém a hegemonia política e cultural e influencia não só amplos setores das próprias classes populares, mas também decide o que é julgado nos tribunais, o que é publicado nos jornais, dito na TV e o que é discutido nas universidades”, disse em janeiro ao jornal O Estado de S. Paulo. “Ela domina a esfera pública que decide o que é certo e errado na prática cotidiana real e é por isso que temos uma agenda de "políticas públicas informais" que inclui, por exemplo, matança indiscriminada e violência contra os pobres sem que ninguém – salvo em exceções dramatizadas pela mídia como o caso de Amarildo no Rio – seja responsabilizado.”
O acadêmico é partidário da tese de que a ascensão social na década passada produziu uma nova classe trabalhadora, não uma “nova classe média”, visão desenvolvida no livro Batalhadores Brasileiros. Classe média, diz ele, não é definida pela renda, mas pelo tipo de vida, de visão de mundo e de trabalho. São ideias opostas à do economista Marcelo Neri, presidente do Ipea entre setembro de 2012 e maio de 2014 e autor do livro A nova classe média. E semelhantes às do antecessor de Neri, o também economia Márcio Pochmann, dirigente da instituição entre 2007 e 2012 e autor de O mito de grande classe média.
Por suas afinidades com Pochmann e divergências com Neri, Souza tende a promover uma guinada progressista no Ipea. Com Neri, houve uma ascensão de pesquisadores neoliberais e ortodoxos, muitas vezes portadores de ideias contrárias a teses históricas do lulismo. Essa ruptura teria sido a causa da queda da produção e do brilho do Ipea nos últimos tempos, na visão de pesquisadores insatisfeitos com a gestão Neri.
Um dos diretores mais ameaçados é Renato Baumann, da área internacional. Ele defende a criação de uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), ideia sepultada com a ajuda do Brasil no início do governo Lula, e acha que o País não deveria gastar energia com a África, outro xodó da política externa lulista.
Jessé de Souza ainda precisa ser confirmado oficialmente no cargo, mas na prática a transição começou na segunda-feira 23. Ele substituirá o economista Sergei Soares, que teve um mandato tampão na presidência do órgão desde a saída de Neri. O nome do sociólogo já circulava no Palácio do Planalto desde meados de fevereiro, logo após a posse do ministro Roberto Mangabeira Unger na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, pasta ao qual o Ipea é formalmente subordinado.
Sociólogo Jessé de Souza vê desigualdade social como problema mais grave que corrupção e tem visão ácida sobre classe média
por André Barrocal
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada terá um novo presidente. Ligado ao Palácio do Planalto, o Ipea será comandado pelo sociólogo potiguar Jessé de Souza, professor da Universidade Federal Fluminense. À frente de um orçamento de 300 milhões de reais, ele estará em condições de ditar o rumo do principal think tank brasileiro. Terá o poder de influenciar a opinião pública com seus pontos de vista e com os estudos priorizados na instituição. Em tempos de furor anticorrupção e de ajuste fiscal, prenuncia-se uma chacoalhada no noticiário.
Acadêmico de inclinação progressista, Souza tem posições polêmicas, como se pode constatar em algumas entrevistas concedidas no ano passado. Por exemplo: ele não acha que o principal mal do País seja a corrupção. “Claro que a corrupção tem de ser combatida, mas é um dado endêmico do capitalismo em todas as partes do mundo. Essa dramatização [da corrupção] tem efeitos políticos. A quem interessa efetivamente que o Estado seja denegrido, dito ineficiente?”, disse em agosto ao programa Jogo do Poder, da rede CNT.
Para ele, esta demonização do setor público tem objetivos mercantis. “Quando você diz que só o mercado é virtuoso e tudo o que o Estado faz está marcado pela ineficiência, o que você está querendo dizer que é esse campo pode ser mercantilizado e transformado em apropriação privada para poucos”, afirmou na mesma entrevista.
O tema da corrupção, pensa o sociólogo, teria se tornado um “espantalho” no País, a indispor as pessoas com o poder público e a barrar o debate de problemas realmente graves, como a elevada desigualdade social e a exploração do trabalhador. “No Brasil, quase 70% da riqueza nacional, e o brasileiro normalmente não sabe, é lucro, juro, aluguel ou renda de capital”, disse Souza ao Canal Futura em julho. “O que diferencia o Brasil de países como EUA, Alemanha, França, que a gente admira tanto” não é o nível de corrupção, mas “o fato de que a gente aceita manter um terço da população numa situação subumana, de que a gente acha legal quando a polícia mata.”
Souza possui uma visão ácida sobre a classe média, celeiro dos protestos anticorrupção. A vê como “tropa de choque dos endinheirados” e predisposta a botar a culpa dos problemas do País “numa elite encrustada no Estado” quando “no fundo essa elite está encrustada no mercado”.
“Ainda que a classe média – e suas frações mais conservadoras – não decida mais eleições majoritárias no Brasil, é ela que detém a hegemonia política e cultural e influencia não só amplos setores das próprias classes populares, mas também decide o que é julgado nos tribunais, o que é publicado nos jornais, dito na TV e o que é discutido nas universidades”, disse em janeiro ao jornal O Estado de S. Paulo. “Ela domina a esfera pública que decide o que é certo e errado na prática cotidiana real e é por isso que temos uma agenda de "políticas públicas informais" que inclui, por exemplo, matança indiscriminada e violência contra os pobres sem que ninguém – salvo em exceções dramatizadas pela mídia como o caso de Amarildo no Rio – seja responsabilizado.”
O acadêmico é partidário da tese de que a ascensão social na década passada produziu uma nova classe trabalhadora, não uma “nova classe média”, visão desenvolvida no livro Batalhadores Brasileiros. Classe média, diz ele, não é definida pela renda, mas pelo tipo de vida, de visão de mundo e de trabalho. São ideias opostas à do economista Marcelo Neri, presidente do Ipea entre setembro de 2012 e maio de 2014 e autor do livro A nova classe média. E semelhantes às do antecessor de Neri, o também economia Márcio Pochmann, dirigente da instituição entre 2007 e 2012 e autor de O mito de grande classe média.
Por suas afinidades com Pochmann e divergências com Neri, Souza tende a promover uma guinada progressista no Ipea. Com Neri, houve uma ascensão de pesquisadores neoliberais e ortodoxos, muitas vezes portadores de ideias contrárias a teses históricas do lulismo. Essa ruptura teria sido a causa da queda da produção e do brilho do Ipea nos últimos tempos, na visão de pesquisadores insatisfeitos com a gestão Neri.
Um dos diretores mais ameaçados é Renato Baumann, da área internacional. Ele defende a criação de uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), ideia sepultada com a ajuda do Brasil no início do governo Lula, e acha que o País não deveria gastar energia com a África, outro xodó da política externa lulista.
Jessé de Souza ainda precisa ser confirmado oficialmente no cargo, mas na prática a transição começou na segunda-feira 23. Ele substituirá o economista Sergei Soares, que teve um mandato tampão na presidência do órgão desde a saída de Neri. O nome do sociólogo já circulava no Palácio do Planalto desde meados de fevereiro, logo após a posse do ministro Roberto Mangabeira Unger na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, pasta ao qual o Ipea é formalmente subordinado.
O NEOCOLONIALISMO INTELECTUAL
A esquerda ocidental sempre teve um forte acento eurocentrista. As próprias definições de esquerda e de direita nasceram na Europa e se propagaram pelo mundo
EMIR SADER
(originalmente publicado na Carta Maior)
A esquerda ocidental sempre teve um forte acento eurocentrista. As próprias definições de esquerda e de direita nasceram na Europa e se propagaram pelo mundo.
A esquerda europeia foi basicamente socialista – ou social democrata – e comunista. Tinha como seus componentes essenciais sindicatos e partidos políticos – estes com representação parlamentar, disputando eleições. E grupos mais radicais – grande parte deles trotskistas – que faziam parte desse mesmo cenário politico e ideológico.
Como um dos seus componentes – que se tornaria um problema – o nacionalismo foi enquadrado como ideologia de direita, por sua modalidade chovinista na Europa. A própria responsabilidade atribuída aos nacionalismos nas duas guerras mundiais contribuía para consolidar essa classificação.
Em outros continentes, especialmente na América Latina, essa classificação se replicava, de forma esquemática, mecânica, com a multiplicação de partidos socialistas e comunistas, além de tendências trotskistas.
A inadequação desse esquema foi se tornando cada vez mais clara conforme surgiram forças e lideranças nacionalistas, além de uma parte dos partidos tradicionais da esquerda latino-americana também assumirem posições politicas nacionalistas. Ocorre que na Europa a ideologia da burguesia ascendente foi o liberalismo, opondo-se às travas feudais para a livre circulação do capital. O nacionalismo se situou à direita, exaltando os valores nacionais de cada pais, em oposição aos dos outros e, mais recentemente, se opondo à unificação europeia, porque enfraquece os Estados nacionais.
Enquanto que na periferia o nacionalismo e o liberalismo tem características diferentes. O liberalismo foi a ideologia dos setores primário exportadores, que viviam do livre comércio, expressando os interesses das oligarquias tradicionais, do conjunto da direita. O nacionalismo, ao contrário da Europa, sempre teve um componente antimperialista.
A esquerda europeia teve muitas dificuldades com o nacionalismo e o liberalismo em regiões como a América Latina. Como um dos erros provenientes da visão eurocêntrica, lideres como Peron e Getúlio Vargas chegaram a ser comparados por PCs da America Latina com dirigentes fascistas europeus – como Hitler e Mussolini – por seu componente nacionalista e anti-liberal. Ao mesmo tempo, varias forças liberais latino-americanas foram aceitas na Internacional Socialista, porque defenderiam sistemas políticos "democráticos" (na verdade, liberais) contra "ditaduras", que seriam encarnadas pelos lideres nacionalistas e seus carismas e suposta ideologia "populista" e autoritária.
Movimentos como as revoluções mexicana, cubana, sandinista, e lideranças nacionalistas como as apontadas acima, foram dificilmente assimiláveis pela esquerda tradicional. O mesmo acontece, de certa maneira, com as características da esquerda latino-americana do século XXI.
Essas mesmas limitações afetam a intelectualidade de esquerda europeia, que herdou o eurocentrismo e o adaptou às suas visões da América Latina. Por um lado, estão os intelectuais social democratas que, conforme essa corrente assumiu o neoliberalismo, que perderam qualquer possibilidade de entender a América Latina e a esquerda anti-neoliberal.
Mas há os intelectuais livre atiradores ou ligados a correntes de ultraesquerda, que desferem suas analises críticas sobre os governos progressistas latino-americanos, com enorme desenvoltura, dizendo o que esses governos fazem de errado, o que deveriam fazer, o que não deveriam fazer, etc. e tal. Falam como se suas teses tivessem sido confirmadas em algum lugar, sem poder apresentar nenhum exemplo concreto de que suas ideias tenham frutificado e demonstrado assim que se adequariam melhor à realidade do que os caminhos que esses governos seguem.
Se preocupam com tendências "caudilhistas", "populistas", de lideres latino-americanos, julgam processos conforme a situação de um que outro movimento social ou uma que outra temática. Têm dificuldade de compreender o caráter nacionalista, antimperialista, popular, dos governos posneoliberais. Sobrevoam como libélulas perdidas sobre esses processos, elogiam algo, logo criticam algo, sem se identificar profundamente com o conjunto desses processos, que representar a esquerda no século XXI. Isso tudo escapa a olhos acadêmicos, individualistas, que não participam no dia a dia da construção concreta de alternativas realmente existentes. Passa o tempo e essas visões eurocêntricas não desembocam em construção concreta alguma, impotentes para captar as nervuras contraditórias do real e, a partir delas, propor alternativas que possam ser assumidas pelas massas.
Atuam como se fossem "consciências criticas da esquerda latino-americana" e como se as necessitássemos, não tivéssemos suficiente consciência das razões dos nossos avanços, dos obstáculos que temos pela frente e das dificuldades para supera-los. Enquanto que essas vozes não apenas não podem apresentar resultados de suas pregações nos seus próprios países – que podem ser França, Portugal, Inglaterra ou outro qualquer -, em que se supõe que suas ideias deveriam frutificar com sucesso, como tampouco conseguem explicar – e nem se atrevem a abordar – o porquê nos seus próprios países a situação da esquerda é incomparavelmente pior do que nos países latino-americanos criticados por eles.
São posturas que carregam ainda o eurocentrismo e que se dirigem à América Latina com ar professoral, como se fossem portadores de um cabedal de conhecimento e de experiências vitoriosas, a partir da quais ditariam cátedra sobre nossos processos. Representam, na verdade, apesar das aparências, formas da velha esquerda, que não faz a devida autocritica sobre suas posturas, seus erros, suas derrotas e retrocessos. A aura acadêmica mal esconde as dificuldades de se comprometerem com processos concretos e, a partir deles, participarem da construção de alternativas.
Cada vez apresentam menos interesse análises que não desembocam em propostas alternativas de transformação da realidade. As posturas críticas fazem da sua teoria um instrumento intranscendente, sem nenhuma capacidade de captar a realidade concreta, como de transforma-la. Para retomar o velhos esquema: suas ideias jamais se transformam em força material, porque nunca penetram nas massas.
EMIR SADER
(originalmente publicado na Carta Maior)
A esquerda ocidental sempre teve um forte acento eurocentrista. As próprias definições de esquerda e de direita nasceram na Europa e se propagaram pelo mundo.
A esquerda europeia foi basicamente socialista – ou social democrata – e comunista. Tinha como seus componentes essenciais sindicatos e partidos políticos – estes com representação parlamentar, disputando eleições. E grupos mais radicais – grande parte deles trotskistas – que faziam parte desse mesmo cenário politico e ideológico.
Como um dos seus componentes – que se tornaria um problema – o nacionalismo foi enquadrado como ideologia de direita, por sua modalidade chovinista na Europa. A própria responsabilidade atribuída aos nacionalismos nas duas guerras mundiais contribuía para consolidar essa classificação.
Em outros continentes, especialmente na América Latina, essa classificação se replicava, de forma esquemática, mecânica, com a multiplicação de partidos socialistas e comunistas, além de tendências trotskistas.
A inadequação desse esquema foi se tornando cada vez mais clara conforme surgiram forças e lideranças nacionalistas, além de uma parte dos partidos tradicionais da esquerda latino-americana também assumirem posições politicas nacionalistas. Ocorre que na Europa a ideologia da burguesia ascendente foi o liberalismo, opondo-se às travas feudais para a livre circulação do capital. O nacionalismo se situou à direita, exaltando os valores nacionais de cada pais, em oposição aos dos outros e, mais recentemente, se opondo à unificação europeia, porque enfraquece os Estados nacionais.
Enquanto que na periferia o nacionalismo e o liberalismo tem características diferentes. O liberalismo foi a ideologia dos setores primário exportadores, que viviam do livre comércio, expressando os interesses das oligarquias tradicionais, do conjunto da direita. O nacionalismo, ao contrário da Europa, sempre teve um componente antimperialista.
A esquerda europeia teve muitas dificuldades com o nacionalismo e o liberalismo em regiões como a América Latina. Como um dos erros provenientes da visão eurocêntrica, lideres como Peron e Getúlio Vargas chegaram a ser comparados por PCs da America Latina com dirigentes fascistas europeus – como Hitler e Mussolini – por seu componente nacionalista e anti-liberal. Ao mesmo tempo, varias forças liberais latino-americanas foram aceitas na Internacional Socialista, porque defenderiam sistemas políticos "democráticos" (na verdade, liberais) contra "ditaduras", que seriam encarnadas pelos lideres nacionalistas e seus carismas e suposta ideologia "populista" e autoritária.
Movimentos como as revoluções mexicana, cubana, sandinista, e lideranças nacionalistas como as apontadas acima, foram dificilmente assimiláveis pela esquerda tradicional. O mesmo acontece, de certa maneira, com as características da esquerda latino-americana do século XXI.
Essas mesmas limitações afetam a intelectualidade de esquerda europeia, que herdou o eurocentrismo e o adaptou às suas visões da América Latina. Por um lado, estão os intelectuais social democratas que, conforme essa corrente assumiu o neoliberalismo, que perderam qualquer possibilidade de entender a América Latina e a esquerda anti-neoliberal.
Mas há os intelectuais livre atiradores ou ligados a correntes de ultraesquerda, que desferem suas analises críticas sobre os governos progressistas latino-americanos, com enorme desenvoltura, dizendo o que esses governos fazem de errado, o que deveriam fazer, o que não deveriam fazer, etc. e tal. Falam como se suas teses tivessem sido confirmadas em algum lugar, sem poder apresentar nenhum exemplo concreto de que suas ideias tenham frutificado e demonstrado assim que se adequariam melhor à realidade do que os caminhos que esses governos seguem.
Se preocupam com tendências "caudilhistas", "populistas", de lideres latino-americanos, julgam processos conforme a situação de um que outro movimento social ou uma que outra temática. Têm dificuldade de compreender o caráter nacionalista, antimperialista, popular, dos governos posneoliberais. Sobrevoam como libélulas perdidas sobre esses processos, elogiam algo, logo criticam algo, sem se identificar profundamente com o conjunto desses processos, que representar a esquerda no século XXI. Isso tudo escapa a olhos acadêmicos, individualistas, que não participam no dia a dia da construção concreta de alternativas realmente existentes. Passa o tempo e essas visões eurocêntricas não desembocam em construção concreta alguma, impotentes para captar as nervuras contraditórias do real e, a partir delas, propor alternativas que possam ser assumidas pelas massas.
Atuam como se fossem "consciências criticas da esquerda latino-americana" e como se as necessitássemos, não tivéssemos suficiente consciência das razões dos nossos avanços, dos obstáculos que temos pela frente e das dificuldades para supera-los. Enquanto que essas vozes não apenas não podem apresentar resultados de suas pregações nos seus próprios países – que podem ser França, Portugal, Inglaterra ou outro qualquer -, em que se supõe que suas ideias deveriam frutificar com sucesso, como tampouco conseguem explicar – e nem se atrevem a abordar – o porquê nos seus próprios países a situação da esquerda é incomparavelmente pior do que nos países latino-americanos criticados por eles.
São posturas que carregam ainda o eurocentrismo e que se dirigem à América Latina com ar professoral, como se fossem portadores de um cabedal de conhecimento e de experiências vitoriosas, a partir da quais ditariam cátedra sobre nossos processos. Representam, na verdade, apesar das aparências, formas da velha esquerda, que não faz a devida autocritica sobre suas posturas, seus erros, suas derrotas e retrocessos. A aura acadêmica mal esconde as dificuldades de se comprometerem com processos concretos e, a partir deles, participarem da construção de alternativas.
Cada vez apresentam menos interesse análises que não desembocam em propostas alternativas de transformação da realidade. As posturas críticas fazem da sua teoria um instrumento intranscendente, sem nenhuma capacidade de captar a realidade concreta, como de transforma-la. Para retomar o velhos esquema: suas ideias jamais se transformam em força material, porque nunca penetram nas massas.
sexta-feira, março 27, 2015
TISA: a pior ameaça aos serviços já vista
por Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais
Carta Capital
Por Jocelio Drummond
A ideia é simples: como na Organização Mundial do Comércio (OMC) não foi possível estabelecer acordos ultraliberais em função, principalmente, da resistência de alguns países emergentes, que buscavam um acordo mais equilibrado, União Europeia e Estados Unidos optaram por negociar em separado um acordo em serviços com os países que ofereceram menos resistência.
A aposta é que, feito o acordo, voltem à OMC já com um tratado feito, de peso, que passe a ser referência mundial sobre o comércio de serviços e que pelo número de nações participantes abarcaria cerca de 70% de todos os serviços do mundo. Até o momento, além da União Europeia (com seus 28 países-membros) e dos Estados Unidos, participam das negociações do TISA, o Trade in Services Agreement: Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Coreia do Sul, Costa Rica, Hong Kong, Islândia, Israel, Japão, Liechtenstein, México, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão, Panamá, Paraguai, Peru, Suíça e Taipé Chinês. Ademais, Uruguai e China pediram para ingressar.
Uma motivação extra à negociação do acordo sem dúvida é também o contexto de crise econômica global, que impulsa os países centrais a defender “suas” empresas, sempre muito bem organizadas em lobbies profissionalíssimos e até agora eficazes.
E o que propõe o TISA?
1) Lista negativa: todos os países têm que apresentar uma lista de serviços que gostariam de excluir do acordo. Na OMC, tentaram isso, mas a maioria dos países rejeitou a proposta, preferindo trabalhar com listas positivas, ou seja, quando todos os países informam quais serviços estariam dentro do acordo. Trabalhar com listas negativas oferece muito mais riscos, uma vez que, a princípio, tudo está incluído. Sem contar que, como normalmente ocorre nos textos de acordo, no mínimo 90% dos serviços devem estar incluídos na lista de ofertas;
2) Status quo: firmado o acordo, preservar-se-á, no mínimo, o grau de liberalização vigente. Nenhum serviço privatizado, mesmo que não funcione, poderá ser reestatizado. Ficaria assim impedido o que vem ocorrendo em vários países, principalmente no abastecimento de água e coleta de lixo, que por ineficiência da iniciativa privada em oferecer serviços de qualidade com preços acessíveis, estão voltando às mãos públicas (Berlin, Paris, Buenos Aires, Bogotá, etc.);
3) Cláusula “trinquete”: define que qualquer desregulação promovida em um país que seja parte do acordo se torna imediatamente permanente, não podendo mais ser revertida. Assim, mudanças de governos nada significarão para serviços em geral; [trinquete: mecanismo que permite a uma engrenagem girar na direção de um lado, mas impede de fazê-lo no sentido contrário; como o que acontece com uma espécie de roldana dentada]
4) Cláusula para o futuro: os termos do acordo valem para os serviços hoje existentes e quaisquer outros que, fruto do desenvolvimento tecnológico, venham a existir no futuro. Qualquer novo serviço estará automaticamente subordinado ao acordo, sem necessidade de discussão adicional alguma;
5) Proibição de normas nacionais e restrição a regulações locais: nenhum serviço poderá estar submetido a qualquer norma de preferência nacional, estabelecendo-se a abertura completa à concorrência internacional para o seu provimento. Qualquer tipo de restrição em um serviço que for parte do acordo deverá perder a validade. Aspectos como restrições ambientais, de defesa de um patrimônio histórico, de natureza urbanística, ou de caráter trabalhista ou outras que impeçam o “desenvolvimento” e a livre iniciativa seriam motivos de queixas das empresas provedoras de serviços e tenderiam a ser removidos. O Walmart, as mineradoras e outros agradecem;
6) Liberalização não diferenciada: valerá sempre aos países que façam parte do TISA o acordo mais liberalizante estabelecido pelos mesmos com qualquer outro país. No Mercosul, por exemplo, estabelecendo-se uma política de integração, o mesmo grau de liberalização de serviços acordado deverá valer automaticamente para os países do TISA, considerando que Uruguai e Paraguai estão, no momento, negociando o TISA. Em outras regiões, o Panamá, em acordos prévios, liberalizou largamente os serviços de saúde; a Turquia os de Educação e assim segue, sempre com um país oferecendo mais abertura em uma área específica. Imagina-se o que seria a universalização dos termos mais liberalizantes de cada acordo.
7) Bases jurídicas sólidas e painéis arbitrais independentes: como o atual sistema internacional de resolução de controvérsias entre empresas contra o Estado ainda gera debates, o TISA estabelece regras claras para demandas de investidores contra o Estado – o que facilitaria muito o favorecimento às empresas. O julgamento em caso de controvérsia se daria em painéis independentes, sem qualquer subordinação a leis nacionais ou mesmo tratados internacionais, ou seja, independente de tudo o que possa interferir no “livre” julgamento. Assim garantem-se menos Estado, mais empresas;
8) Leis não necessárias: o acordo contém uma cláusula que permitirá que qualquer empresa ou Estado membro do TISA possa arguir que uma lei nacional ou uma política de Estado prejudica a livre concorrência. Feita a queixa, a mesma deverá ser julgada pelos painéis “independentes”. Políticas como as de restrição ao fumo, de defesa ambiental ou de desenvolvimento local ficam subordinadas ao crivo “legal” desses painéis. Também se estabelece que caso se adote novas políticas públicas, essas deverão estar abertas à opinião de Estados-membros e suas empresas, para observações que permitam “otimizar” custos e favorecer a concorrência, não podendo ser implantadas até ouvir-se as partes;
9) Divulgação somente cinco anos depois de assinado: por último, o acordo estabelece que suas cláusulas permanecerão em segredo de Estado, sem divulgação pública no prazo mínimo de cinco anos após a assinatura do acordo. Não está claro como se manejará conflitos de poderes com os atuais parlamentos nacionais dos países membros do TISA.
Enfim, o que verdadeiramente está em jogo neste acordo é muito mais que comércio, muito mais que serviços. Está em jogo o próprio conceito de democracia, a liberdade de um povo escolher como deve funcionar o Estado e suas prioridades em oferecer serviços básicos; de definir o modelo de desenvolvimento preferível em busca de um futuro melhor e mais sustentável. Hoje, já se notam claras limitações em se governar, mas para empresas e alguns governos isso ainda é pouco. Acordos como o TISA socavam a governabilidade em um grau nunca antes possível, favorecendo ainda mais as corporações. O TISA – junto com o Tratado Transpacífico (TPP) e o Tratado Transatlântico (TTIP) e outros– estabelece um novo grau de hegemonia e sua consequente concentração de renda.
Aos poucos, sente-se que a resistência cresce, que forças políticas começam a se movimentar mais intensamente contra o TISA, mas haverá tempo para pará-lo?
*Jocelio Drummond é integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GRRI, da Coordenação da REBRIP e secretário da Internacional dos Serviços Públicos para as Américas. A ISP é uma organização sindical mundial que, entre outras ações, tem liderado a luta contra o TISA em diversos países. Para mais informações sobre o TISA, ver o site www.world-psi.org/TISA
Carta Capital
Por Jocelio Drummond
A ideia é simples: como na Organização Mundial do Comércio (OMC) não foi possível estabelecer acordos ultraliberais em função, principalmente, da resistência de alguns países emergentes, que buscavam um acordo mais equilibrado, União Europeia e Estados Unidos optaram por negociar em separado um acordo em serviços com os países que ofereceram menos resistência.
A aposta é que, feito o acordo, voltem à OMC já com um tratado feito, de peso, que passe a ser referência mundial sobre o comércio de serviços e que pelo número de nações participantes abarcaria cerca de 70% de todos os serviços do mundo. Até o momento, além da União Europeia (com seus 28 países-membros) e dos Estados Unidos, participam das negociações do TISA, o Trade in Services Agreement: Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Coreia do Sul, Costa Rica, Hong Kong, Islândia, Israel, Japão, Liechtenstein, México, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão, Panamá, Paraguai, Peru, Suíça e Taipé Chinês. Ademais, Uruguai e China pediram para ingressar.
Uma motivação extra à negociação do acordo sem dúvida é também o contexto de crise econômica global, que impulsa os países centrais a defender “suas” empresas, sempre muito bem organizadas em lobbies profissionalíssimos e até agora eficazes.
E o que propõe o TISA?
1) Lista negativa: todos os países têm que apresentar uma lista de serviços que gostariam de excluir do acordo. Na OMC, tentaram isso, mas a maioria dos países rejeitou a proposta, preferindo trabalhar com listas positivas, ou seja, quando todos os países informam quais serviços estariam dentro do acordo. Trabalhar com listas negativas oferece muito mais riscos, uma vez que, a princípio, tudo está incluído. Sem contar que, como normalmente ocorre nos textos de acordo, no mínimo 90% dos serviços devem estar incluídos na lista de ofertas;
2) Status quo: firmado o acordo, preservar-se-á, no mínimo, o grau de liberalização vigente. Nenhum serviço privatizado, mesmo que não funcione, poderá ser reestatizado. Ficaria assim impedido o que vem ocorrendo em vários países, principalmente no abastecimento de água e coleta de lixo, que por ineficiência da iniciativa privada em oferecer serviços de qualidade com preços acessíveis, estão voltando às mãos públicas (Berlin, Paris, Buenos Aires, Bogotá, etc.);
3) Cláusula “trinquete”: define que qualquer desregulação promovida em um país que seja parte do acordo se torna imediatamente permanente, não podendo mais ser revertida. Assim, mudanças de governos nada significarão para serviços em geral; [trinquete: mecanismo que permite a uma engrenagem girar na direção de um lado, mas impede de fazê-lo no sentido contrário; como o que acontece com uma espécie de roldana dentada]
4) Cláusula para o futuro: os termos do acordo valem para os serviços hoje existentes e quaisquer outros que, fruto do desenvolvimento tecnológico, venham a existir no futuro. Qualquer novo serviço estará automaticamente subordinado ao acordo, sem necessidade de discussão adicional alguma;
5) Proibição de normas nacionais e restrição a regulações locais: nenhum serviço poderá estar submetido a qualquer norma de preferência nacional, estabelecendo-se a abertura completa à concorrência internacional para o seu provimento. Qualquer tipo de restrição em um serviço que for parte do acordo deverá perder a validade. Aspectos como restrições ambientais, de defesa de um patrimônio histórico, de natureza urbanística, ou de caráter trabalhista ou outras que impeçam o “desenvolvimento” e a livre iniciativa seriam motivos de queixas das empresas provedoras de serviços e tenderiam a ser removidos. O Walmart, as mineradoras e outros agradecem;
6) Liberalização não diferenciada: valerá sempre aos países que façam parte do TISA o acordo mais liberalizante estabelecido pelos mesmos com qualquer outro país. No Mercosul, por exemplo, estabelecendo-se uma política de integração, o mesmo grau de liberalização de serviços acordado deverá valer automaticamente para os países do TISA, considerando que Uruguai e Paraguai estão, no momento, negociando o TISA. Em outras regiões, o Panamá, em acordos prévios, liberalizou largamente os serviços de saúde; a Turquia os de Educação e assim segue, sempre com um país oferecendo mais abertura em uma área específica. Imagina-se o que seria a universalização dos termos mais liberalizantes de cada acordo.
7) Bases jurídicas sólidas e painéis arbitrais independentes: como o atual sistema internacional de resolução de controvérsias entre empresas contra o Estado ainda gera debates, o TISA estabelece regras claras para demandas de investidores contra o Estado – o que facilitaria muito o favorecimento às empresas. O julgamento em caso de controvérsia se daria em painéis independentes, sem qualquer subordinação a leis nacionais ou mesmo tratados internacionais, ou seja, independente de tudo o que possa interferir no “livre” julgamento. Assim garantem-se menos Estado, mais empresas;
8) Leis não necessárias: o acordo contém uma cláusula que permitirá que qualquer empresa ou Estado membro do TISA possa arguir que uma lei nacional ou uma política de Estado prejudica a livre concorrência. Feita a queixa, a mesma deverá ser julgada pelos painéis “independentes”. Políticas como as de restrição ao fumo, de defesa ambiental ou de desenvolvimento local ficam subordinadas ao crivo “legal” desses painéis. Também se estabelece que caso se adote novas políticas públicas, essas deverão estar abertas à opinião de Estados-membros e suas empresas, para observações que permitam “otimizar” custos e favorecer a concorrência, não podendo ser implantadas até ouvir-se as partes;
9) Divulgação somente cinco anos depois de assinado: por último, o acordo estabelece que suas cláusulas permanecerão em segredo de Estado, sem divulgação pública no prazo mínimo de cinco anos após a assinatura do acordo. Não está claro como se manejará conflitos de poderes com os atuais parlamentos nacionais dos países membros do TISA.
Enfim, o que verdadeiramente está em jogo neste acordo é muito mais que comércio, muito mais que serviços. Está em jogo o próprio conceito de democracia, a liberdade de um povo escolher como deve funcionar o Estado e suas prioridades em oferecer serviços básicos; de definir o modelo de desenvolvimento preferível em busca de um futuro melhor e mais sustentável. Hoje, já se notam claras limitações em se governar, mas para empresas e alguns governos isso ainda é pouco. Acordos como o TISA socavam a governabilidade em um grau nunca antes possível, favorecendo ainda mais as corporações. O TISA – junto com o Tratado Transpacífico (TPP) e o Tratado Transatlântico (TTIP) e outros– estabelece um novo grau de hegemonia e sua consequente concentração de renda.
Aos poucos, sente-se que a resistência cresce, que forças políticas começam a se movimentar mais intensamente contra o TISA, mas haverá tempo para pará-lo?
*Jocelio Drummond é integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GRRI, da Coordenação da REBRIP e secretário da Internacional dos Serviços Públicos para as Américas. A ISP é uma organização sindical mundial que, entre outras ações, tem liderado a luta contra o TISA em diversos países. Para mais informações sobre o TISA, ver o site www.world-psi.org/TISA
O tamanho do PIB é importante. Mas para quem ele traz prazer?
Leonardo Sakamoto
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2015/03/27/o-tamanho-do-pib-e-importante-mas-para-quem-ele-traz-prazer/
O Produto Interno Bruto brasileiro cresceu apenas 0,1% em 2014 de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse é o pior resultado desde a queda de 0,2% de 2009, consequência da crise econômica global.
Em suma, ridículo. E o pior ainda está por vir por conta do impacto futuro nas taxas de desemprego.
Mas enquanto apontamos, de forma justa, a culpa do governo Dilma nessa situação de estagnação e desespero, há uma discussão histórica e de fundo, que passa ao largo porque interessa mais à xepa do que à nata.
O discurso de que o crescimento é a peça-chave para a conquista da soberania (com o que concordo) e que, portanto deve ser obtido de qualquer maneira (com o que discordo) tem sido usado por muita gente – por exemplo, pessoas que foram comunistas/socialistas, tornaram-se lideranças políticas e hoje fazem coro cego aos santos padroeiros da desregulamentação ambiental e trabalhista.
Crescer é bom, mas esse crescimento deve beneficiar a todos, caso contrário não significa desenvolvimento. Apenas progresso burro. Muitos não se preocupam que a qualidade de vida de povos e trabalhadores, principalmente os do campo, seja sacrificada para ganhar um jogo, paradoxalmente acham o contrário: que cortando as leis que nos separam da barbárie é que virá a civilização.
O Brasil está classificado na 85ª posição entre 187 países no Índice de Desenvolvimento Humano, organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O IDH considera renda per capita, educação e expectativa de vida na sua composição.
Na média, o Brasil é um país rico. O problema é que ele continua na mão de poucos.
Quando o PIB sobe, fluiu mais para as mãos dos que puderam comprar ações do que daqueles que dependeram de salário mínimo ou de programas de distribuição de renda.
A educação está sendo universalizada – contudo a extensão de sua abrangência não é acompanhada pela sua qualidade, nem de longe. O ensino para os pobres, que poderia mudar sua vida, é – com raras exceções – muito ruim.
Vive-se mais, mas não necessariamente melhor. Posso debater com quem discorda disso na fila de um hospital público enquanto aguardamos uma consultinha.
Quando tratamos do tema por essa ótica, sempre aparece a cantilena que “a população tem que entender que o crescimento do PIB vai beneficiar a todos. Não agora. Em algum momento''.
Os economistas da ditadura falavam a mesma coisa, mas de uma forma diferente, algo como “é preciso primeiro fazer o bolo crescer, para depois distribui-lo''.
Ou seja, você ajudou a produzir o doce, mas tire a mão dele que não é hora de você consumi-lo. Hoje, são alguns que vão comer.
Vai chegar a sua vez de provar do bom e do melhor. Enquanto isso, encara este fritopan.
Considerando que a desigualdade social por aqui continua uma das altas do mundo, mesmo caindo continuamente, percebe-se o tipo de resultado dessa fórmula.
O melhor de tudo é o tom professoral (“A população tem que entender''), como se o especialista fosse um ser iluminado, dirigindo-se para o povo, bruto e rude para explicar que aquilo que sentem não é fome. Mas sim sua contribuição com a geração de um superávit primário para que sejam honrados os compromissos do país.
Agora, fazer uma auditoria da dívida brasileira que é bom, governo nenhum, tucano ou petista, topou fazer.
O debate sobre desenvolvimento é uma discussão sobre a qualidade de vida. Que só será efetivo caso não exclua a população mais pobre dos benefícios trazidos por ele e não seja resultado da dilapidação dessa mesma população.
A pergunta que temos que fazer é: estamos conseguindo dividir o bolo, não por igual, mas com ênfase em quem mais precisa por ter sido historicamente dilapidado?
Estamos conseguindo diminuir a concentração de renda na maior velocidade possível ou poderíamos ir além e implementar medidas para que não apenas os filhos dos mais pobres usufruam de uma boa vida em um futuro distante, mas eles próprios, aqui e agora?
Pois esse é o tipo de situação em que não dá para perder peões a fim de ganhar o jogo.
Ah, essa nossa economia machista, forjada por homens e mulheres inseguros, que acreditam piamente que o que importa é tamanho e crescimento. E não o prazer que ele, uma vez distribuído, realmente proporciona.
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2015/03/27/o-tamanho-do-pib-e-importante-mas-para-quem-ele-traz-prazer/
O Produto Interno Bruto brasileiro cresceu apenas 0,1% em 2014 de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse é o pior resultado desde a queda de 0,2% de 2009, consequência da crise econômica global.
Em suma, ridículo. E o pior ainda está por vir por conta do impacto futuro nas taxas de desemprego.
Mas enquanto apontamos, de forma justa, a culpa do governo Dilma nessa situação de estagnação e desespero, há uma discussão histórica e de fundo, que passa ao largo porque interessa mais à xepa do que à nata.
O discurso de que o crescimento é a peça-chave para a conquista da soberania (com o que concordo) e que, portanto deve ser obtido de qualquer maneira (com o que discordo) tem sido usado por muita gente – por exemplo, pessoas que foram comunistas/socialistas, tornaram-se lideranças políticas e hoje fazem coro cego aos santos padroeiros da desregulamentação ambiental e trabalhista.
Crescer é bom, mas esse crescimento deve beneficiar a todos, caso contrário não significa desenvolvimento. Apenas progresso burro. Muitos não se preocupam que a qualidade de vida de povos e trabalhadores, principalmente os do campo, seja sacrificada para ganhar um jogo, paradoxalmente acham o contrário: que cortando as leis que nos separam da barbárie é que virá a civilização.
O Brasil está classificado na 85ª posição entre 187 países no Índice de Desenvolvimento Humano, organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O IDH considera renda per capita, educação e expectativa de vida na sua composição.
Na média, o Brasil é um país rico. O problema é que ele continua na mão de poucos.
Quando o PIB sobe, fluiu mais para as mãos dos que puderam comprar ações do que daqueles que dependeram de salário mínimo ou de programas de distribuição de renda.
A educação está sendo universalizada – contudo a extensão de sua abrangência não é acompanhada pela sua qualidade, nem de longe. O ensino para os pobres, que poderia mudar sua vida, é – com raras exceções – muito ruim.
Vive-se mais, mas não necessariamente melhor. Posso debater com quem discorda disso na fila de um hospital público enquanto aguardamos uma consultinha.
Quando tratamos do tema por essa ótica, sempre aparece a cantilena que “a população tem que entender que o crescimento do PIB vai beneficiar a todos. Não agora. Em algum momento''.
Os economistas da ditadura falavam a mesma coisa, mas de uma forma diferente, algo como “é preciso primeiro fazer o bolo crescer, para depois distribui-lo''.
Ou seja, você ajudou a produzir o doce, mas tire a mão dele que não é hora de você consumi-lo. Hoje, são alguns que vão comer.
Vai chegar a sua vez de provar do bom e do melhor. Enquanto isso, encara este fritopan.
Considerando que a desigualdade social por aqui continua uma das altas do mundo, mesmo caindo continuamente, percebe-se o tipo de resultado dessa fórmula.
O melhor de tudo é o tom professoral (“A população tem que entender''), como se o especialista fosse um ser iluminado, dirigindo-se para o povo, bruto e rude para explicar que aquilo que sentem não é fome. Mas sim sua contribuição com a geração de um superávit primário para que sejam honrados os compromissos do país.
Agora, fazer uma auditoria da dívida brasileira que é bom, governo nenhum, tucano ou petista, topou fazer.
O debate sobre desenvolvimento é uma discussão sobre a qualidade de vida. Que só será efetivo caso não exclua a população mais pobre dos benefícios trazidos por ele e não seja resultado da dilapidação dessa mesma população.
A pergunta que temos que fazer é: estamos conseguindo dividir o bolo, não por igual, mas com ênfase em quem mais precisa por ter sido historicamente dilapidado?
Estamos conseguindo diminuir a concentração de renda na maior velocidade possível ou poderíamos ir além e implementar medidas para que não apenas os filhos dos mais pobres usufruam de uma boa vida em um futuro distante, mas eles próprios, aqui e agora?
Pois esse é o tipo de situação em que não dá para perder peões a fim de ganhar o jogo.
Ah, essa nossa economia machista, forjada por homens e mulheres inseguros, que acreditam piamente que o que importa é tamanho e crescimento. E não o prazer que ele, uma vez distribuído, realmente proporciona.
Londres, a Meca dos corruptos
Outras Palavras
POR GEORGE MONBIOT
Como o sistema financeiro internacional converteu capital britânica no centro global de reciclagem para riqueza de políticos inescrupulosos, ditadores e crime organizado
Por George Monbiot | Tradução: Vila Vudu
A conta não fecha. Quase todos os dias, jornais e televisões inglesas estão repletos de histórias que cheiram a corrupção. Contudo, no ranking de corrupção da ONG “Transparência Internacional”, a Grã-Bretanha ocupa o 14º lugar entre 177 nações (1) – significando que estaria entre as nações mais bem geridas da Terra. Ou os 13 países que vêm antes da Grã-Bretanha são espetacularmente corruptos, ou há algo errado com esse ranking da “Transparência Internacional”.
Sim, o problema é o índice. As definições de “corrupção” de que se serve são as mais estreitas e seletivas. Nos países ricos, práticas comuns que sem dúvida poderiam ser consideradas corruptas são simplesmente excluídas; já práticas comuns em países pobres são enfatizadas.
Esta semana foi publicado um livro bastante inovador, editado por David Whyte: How Corrupt Is Britain? [Quão Corrupta é a Grã-Bretanha?] (2). Deveria ser lida por todos aqueles que acham que Grã-Bretanha merece a posição em que aparece no ranking da “Transparência Internacional”.
Existiria ainda um setor bancário comercial na Grã-Bretanha, não fosse a corrupção? Pense na lista dos escândalos: pensões subfaturadas, fraudes hipotecárias, o embuste do seguro de proteção de pagamentos, a manipulação da taxa interbancária Libor, as operações com informações privilegiadas e tantos outros. Depois, pergunte-se se espoliar as pessoas é uma aberração – ou o próprio modelo de negócio.
Nenhum dirigente de banco foi indiciado, sequer desqualificado ou demitido por práticas que contribuíram para desencadear a crise financeira: a legislação que os teria coibido ou enquadrado em crimes já havia sido paulatinamente esvaziada, antes, por sucessivos governos.
TEXTO-MEIO
Um ex-ministro do atual governo britânico dirigia o banco HSBC (2) quando este praticava sistematicamente crimes de evasão fiscal (3) e lavagem de dinheiro do narcotráfico, além de garantir serviços a bancos da Arábia Saudita e Bangladesh ligados ao financiamento do terrorismo (4). Ao invés de processar o banco, o diretor da Controladoria Fiscal do Reino Unido passou a trabalhar para ele, ao se aposentar (5).
A City de Londres, que opera com o apoio dos territórios britânicos de além-mar e postos avançados da Coroa, é líder mundial dos paraísos fiscais, controlando 24% de todos os serviços financeiros (6) oferecidos offshore.
A cidade oferece ao capital global um sofisticado regime de sigilo, dando assistência não apenas a sonegadores de impostos, mas também a contrabandistas, fugitivos de sanções e lavadores de dinheiro. Como disse a juíza de instrução francesa Eva Joly, ao queixar-se que a City “nunca forneceu sequer uma ínfima evidência útil a qualquer magistrado estrangeiro” (7).
Reino Unido, Suíça, Cingapura, Luxemburgo e Alemanha estão todos entre os países menos corruptos na lista da Transparência Internacional. Mas figuram também na lista da Rede de Justiça Fiscal (Tax Justice Network) como administradores dos piores regimes sigilosos de investimento e paraísos fiscais (8). Por alguma estranha razão, nada disso é levado em conta para definir o ranking da ONG Transparência Internacional.
A Iniciativa de Financiamento Privado (Private Finance Initiative) tem sido usada por sucessivos governos britânicos para iludir os cidadãos quanto à extensão dos seus empréstimos, enquanto canalizam dinheiro público para corporações privadas. Envolta em segredo, recheada de propinas ocultas (9), a IFP tem fisgado hospitais e escolas sempre com dívidas impagáveis, enquanto impede que a população controle os serviços públicos.
Espiões do Estado lançam-se à vigilância (10) em massa, ao mesmo tempo em que a polícia trabalha servindo-se de identidades de crianças mortas, mente em tribunais para fornecer provas falsas e incita crianças ao ativismo extremista, além de infiltrar-se em grupos pacíficos, tentando destruí-los (11). As forças policiais já mentiram sobre o desastre de Hillsborough (12); já protegeram pedófilos ativos (13) –inclusive Jimmy Savile e, como hoje se afirma, toda uma gama de dirigentes políticos suspeitos também do assassinato de crianças. Savile foi protegido também pelo Serviço Nacional de Saúde (National Health Service) e pela BBC – que demitiu a maioria dos que tentaram expô-lo (14) e promoveu os que tentaram perpetuar o ocultamento dos fatos.
Há o problema de intocado sistema de financiamento político, que permite a compra dos partidos (15) pelos mais ricos. Há o escândalo das escutas telefônicas e dos jornais que subornam policiais; da privatização dos Correios britânicos, o Royal Mail (16), vendido a preços insignificantes; o esquema da “porta giratória”, que permite a empresários e empregados de grandes empresas, depois de eleitos, ficar em posição de redigir leis que defendem seus próprios interesses ou dos respectivos patrões; o assalto à seguridade social e aos serviços prisionais, por empresas privadas terceirizadas; a fixação, por empresas, do preço da energia; o roubo diário perpetrado pela indústria farmacêutica, e outras tantas dúzias de casos semelhantes. Nada disso é corrupção? Ou são operações ‘sofisticadas’ demais para serem expostas sob o seu verdadeiro nome, “corrupção”?
Entre as fontes usadas pela Transparência Internacional para produzir seu ranking estão o Banco Mundial e o Fórum Econômico Mundial. Confiar no Banco Mundial para aferir corrupção é como confiar em Vlad, o Empalador, para aferir direitos humanos. Orientado pelo princípio um dólar-um voto, controlado pelas nações ricas e atuando nas nações pobres, o Banco Mundial financiou centenas de elefantes brancos que enriqueceram enormemente as elites mais corruptas e beneficiaram capitais estrangeiros (17), ao mesmo tempo em que expulsava pessoas das próprias terras e deixava países afogados em dívidas impagáveis. Para espanto geral, a definição do Banco Mundial para a corrupção é tão limitada que não considera esse tipo de prática.
E o Fórum Econômico Mundial estabelece sua escala de corrupção a partir de uma pesquisa que consulta executivos mundiais (18) — precisamente eles, cujas empresas são beneficiárias diretas do tipo de práticas que estou listando nesse artigo. As perguntas se limitam ao pagamento de propinas e à aquisição corrupta de fundos públicos por interesses privados (19), excluindo o tipo de corrupção que prevalece nas nações ricas. Quando entrevista cidadãos comuns, a Transparência Internacional segue a mesma linha: a maior parte das perguntas específicas concerne ao pagamento de propinas (20).
Quão corrupta é a Grã Bretanha? Tão estreitas concepções de corrupção são parte de uma longa tradição de retratá-la como algo confinado a países fracos, que precisam ser salvos por “reformas” impostas pelos poderes coloniais e, mais recentemente, organismos tais como Banco Mundial e FMI. Essas “reformas” significam austeridade, privatização, terceirização e desregulamentação. Elas tendem a sugar dinheiro das mãos dos pobres para as mãos das oligarquias nacionais e globais.
Para organizações como o Banco Mundial e o Fórum Econômico Mundial, há pouca diferença entre o interesse público e os interesses das corporações globais. O que pode parecer corrupção de qualquer outra perspectiva é visto por eles como fundamentos econômicos. O poder das finanças globais e a imensa riqueza da elite global estão fundadas em corrupção, e os beneficiários têm interesse em enquadrar a questão para desculpar-se. Sim, muitos países pobres sofrem o flagelo do tipo de corrupção que é o pagamento de propinas a servidores públicos. Mas o problemas que atormentam a Inglaterra são mais profundos. Quando o sistema já pertence à elite, propinas são supérfluas.
NOTAS
1. https://www.transparency.
2. http://www.plutobooks.com/
3. http://www.theguardian.com/
4. http://www.hsgac.senate.
5. http://www.theguardian.com/
6. John Christensen, 2015, in David Whyte (ed). How Corrupt is Britain? Pluto Press, London.
7. Nicholas Shaxson, 2011. Treasure Islands: Tax Havens and the Men Who Stole the World. Random House, London. http://
8. http://www.
9. http://www.theguardian.com/
10. http://www.theguardian.
11. http://www.theguardian.
12. Sheila Coleman, 2015, in David Whyte (ed). How Corrupt is Britain? Pluto Press, London.
13. http://www.theguardian.
14. http://www.theguardian.
15. http://www.theguardian.
16. http://www.theguardian.
17. http://www.
18. http://www3.weforum.org/
19. http://www.ticambodia.org/
20. http://www.transparency.
POR GEORGE MONBIOT
Como o sistema financeiro internacional converteu capital britânica no centro global de reciclagem para riqueza de políticos inescrupulosos, ditadores e crime organizado
Por George Monbiot | Tradução: Vila Vudu
A conta não fecha. Quase todos os dias, jornais e televisões inglesas estão repletos de histórias que cheiram a corrupção. Contudo, no ranking de corrupção da ONG “Transparência Internacional”, a Grã-Bretanha ocupa o 14º lugar entre 177 nações (1) – significando que estaria entre as nações mais bem geridas da Terra. Ou os 13 países que vêm antes da Grã-Bretanha são espetacularmente corruptos, ou há algo errado com esse ranking da “Transparência Internacional”.
Sim, o problema é o índice. As definições de “corrupção” de que se serve são as mais estreitas e seletivas. Nos países ricos, práticas comuns que sem dúvida poderiam ser consideradas corruptas são simplesmente excluídas; já práticas comuns em países pobres são enfatizadas.
Esta semana foi publicado um livro bastante inovador, editado por David Whyte: How Corrupt Is Britain? [Quão Corrupta é a Grã-Bretanha?] (2). Deveria ser lida por todos aqueles que acham que Grã-Bretanha merece a posição em que aparece no ranking da “Transparência Internacional”.
Existiria ainda um setor bancário comercial na Grã-Bretanha, não fosse a corrupção? Pense na lista dos escândalos: pensões subfaturadas, fraudes hipotecárias, o embuste do seguro de proteção de pagamentos, a manipulação da taxa interbancária Libor, as operações com informações privilegiadas e tantos outros. Depois, pergunte-se se espoliar as pessoas é uma aberração – ou o próprio modelo de negócio.
Nenhum dirigente de banco foi indiciado, sequer desqualificado ou demitido por práticas que contribuíram para desencadear a crise financeira: a legislação que os teria coibido ou enquadrado em crimes já havia sido paulatinamente esvaziada, antes, por sucessivos governos.
TEXTO-MEIO
Um ex-ministro do atual governo britânico dirigia o banco HSBC (2) quando este praticava sistematicamente crimes de evasão fiscal (3) e lavagem de dinheiro do narcotráfico, além de garantir serviços a bancos da Arábia Saudita e Bangladesh ligados ao financiamento do terrorismo (4). Ao invés de processar o banco, o diretor da Controladoria Fiscal do Reino Unido passou a trabalhar para ele, ao se aposentar (5).
A City de Londres, que opera com o apoio dos territórios britânicos de além-mar e postos avançados da Coroa, é líder mundial dos paraísos fiscais, controlando 24% de todos os serviços financeiros (6) oferecidos offshore.
A cidade oferece ao capital global um sofisticado regime de sigilo, dando assistência não apenas a sonegadores de impostos, mas também a contrabandistas, fugitivos de sanções e lavadores de dinheiro. Como disse a juíza de instrução francesa Eva Joly, ao queixar-se que a City “nunca forneceu sequer uma ínfima evidência útil a qualquer magistrado estrangeiro” (7).
Reino Unido, Suíça, Cingapura, Luxemburgo e Alemanha estão todos entre os países menos corruptos na lista da Transparência Internacional. Mas figuram também na lista da Rede de Justiça Fiscal (Tax Justice Network) como administradores dos piores regimes sigilosos de investimento e paraísos fiscais (8). Por alguma estranha razão, nada disso é levado em conta para definir o ranking da ONG Transparência Internacional.
A Iniciativa de Financiamento Privado (Private Finance Initiative) tem sido usada por sucessivos governos britânicos para iludir os cidadãos quanto à extensão dos seus empréstimos, enquanto canalizam dinheiro público para corporações privadas. Envolta em segredo, recheada de propinas ocultas (9), a IFP tem fisgado hospitais e escolas sempre com dívidas impagáveis, enquanto impede que a população controle os serviços públicos.
Espiões do Estado lançam-se à vigilância (10) em massa, ao mesmo tempo em que a polícia trabalha servindo-se de identidades de crianças mortas, mente em tribunais para fornecer provas falsas e incita crianças ao ativismo extremista, além de infiltrar-se em grupos pacíficos, tentando destruí-los (11). As forças policiais já mentiram sobre o desastre de Hillsborough (12); já protegeram pedófilos ativos (13) –inclusive Jimmy Savile e, como hoje se afirma, toda uma gama de dirigentes políticos suspeitos também do assassinato de crianças. Savile foi protegido também pelo Serviço Nacional de Saúde (National Health Service) e pela BBC – que demitiu a maioria dos que tentaram expô-lo (14) e promoveu os que tentaram perpetuar o ocultamento dos fatos.
Há o problema de intocado sistema de financiamento político, que permite a compra dos partidos (15) pelos mais ricos. Há o escândalo das escutas telefônicas e dos jornais que subornam policiais; da privatização dos Correios britânicos, o Royal Mail (16), vendido a preços insignificantes; o esquema da “porta giratória”, que permite a empresários e empregados de grandes empresas, depois de eleitos, ficar em posição de redigir leis que defendem seus próprios interesses ou dos respectivos patrões; o assalto à seguridade social e aos serviços prisionais, por empresas privadas terceirizadas; a fixação, por empresas, do preço da energia; o roubo diário perpetrado pela indústria farmacêutica, e outras tantas dúzias de casos semelhantes. Nada disso é corrupção? Ou são operações ‘sofisticadas’ demais para serem expostas sob o seu verdadeiro nome, “corrupção”?
Entre as fontes usadas pela Transparência Internacional para produzir seu ranking estão o Banco Mundial e o Fórum Econômico Mundial. Confiar no Banco Mundial para aferir corrupção é como confiar em Vlad, o Empalador, para aferir direitos humanos. Orientado pelo princípio um dólar-um voto, controlado pelas nações ricas e atuando nas nações pobres, o Banco Mundial financiou centenas de elefantes brancos que enriqueceram enormemente as elites mais corruptas e beneficiaram capitais estrangeiros (17), ao mesmo tempo em que expulsava pessoas das próprias terras e deixava países afogados em dívidas impagáveis. Para espanto geral, a definição do Banco Mundial para a corrupção é tão limitada que não considera esse tipo de prática.
E o Fórum Econômico Mundial estabelece sua escala de corrupção a partir de uma pesquisa que consulta executivos mundiais (18) — precisamente eles, cujas empresas são beneficiárias diretas do tipo de práticas que estou listando nesse artigo. As perguntas se limitam ao pagamento de propinas e à aquisição corrupta de fundos públicos por interesses privados (19), excluindo o tipo de corrupção que prevalece nas nações ricas. Quando entrevista cidadãos comuns, a Transparência Internacional segue a mesma linha: a maior parte das perguntas específicas concerne ao pagamento de propinas (20).
Quão corrupta é a Grã Bretanha? Tão estreitas concepções de corrupção são parte de uma longa tradição de retratá-la como algo confinado a países fracos, que precisam ser salvos por “reformas” impostas pelos poderes coloniais e, mais recentemente, organismos tais como Banco Mundial e FMI. Essas “reformas” significam austeridade, privatização, terceirização e desregulamentação. Elas tendem a sugar dinheiro das mãos dos pobres para as mãos das oligarquias nacionais e globais.
Para organizações como o Banco Mundial e o Fórum Econômico Mundial, há pouca diferença entre o interesse público e os interesses das corporações globais. O que pode parecer corrupção de qualquer outra perspectiva é visto por eles como fundamentos econômicos. O poder das finanças globais e a imensa riqueza da elite global estão fundadas em corrupção, e os beneficiários têm interesse em enquadrar a questão para desculpar-se. Sim, muitos países pobres sofrem o flagelo do tipo de corrupção que é o pagamento de propinas a servidores públicos. Mas o problemas que atormentam a Inglaterra são mais profundos. Quando o sistema já pertence à elite, propinas são supérfluas.
NOTAS
1. https://www.transparency.
2. http://www.plutobooks.com/
3. http://www.theguardian.com/
4. http://www.hsgac.senate.
5. http://www.theguardian.com/
6. John Christensen, 2015, in David Whyte (ed). How Corrupt is Britain? Pluto Press, London.
7. Nicholas Shaxson, 2011. Treasure Islands: Tax Havens and the Men Who Stole the World. Random House, London. http://
8. http://www.
9. http://www.theguardian.com/
10. http://www.theguardian.
11. http://www.theguardian.
12. Sheila Coleman, 2015, in David Whyte (ed). How Corrupt is Britain? Pluto Press, London.
13. http://www.theguardian.
14. http://www.theguardian.
15. http://www.theguardian.
16. http://www.theguardian.
17. http://www.
18. http://www3.weforum.org/
19. http://www.ticambodia.org/
20. http://www.transparency.
quarta-feira, março 25, 2015
Banco Asiático de Desenvolvimento em Infraestrutura terá sede em Pequim
O banco de desenvolvimento de infraestrutura proposto pela China terá sede em Pequim, afirmou o vice-ministro de Finanças chinês, Shi Yaobin, em um comunicado. Segundo ele, os membros do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura chegaram a um acordo inicial sobre o local do principal escritório da instituição.
A necessidade de outros escritórios vai depender da evolução das operações do banco, afirmou Yaobin. O presidente da Indonésia, Joko Widodo, havia comentado que gostaria que a sede do banco fosse em seu país.
O novo banco terá foco no desenvolvimento de infraestrutura em países asiáticos. A China vem tentando aumentar esses investimentos nos mercados emergentes, especialmente na Ásia, para ajudar a expandir o comércio.
Yaobin não quis comentar se Pequim deu poder de veto sobre as decisões do banco em troca de apoio de potenciais membros europeus e disse apenas que a China nunca buscou poder de veto no banco. Segundo o vice-ministro, a estrutura acionista da instituição ainda está em negociação, mas haverá diferentes arranjos para membros asiáticos e não asiáticos.
A China tem afirmado que o banco terá 35 membros até o fim deste mês e Shi Yaobin disse que o número final de países fundadores da instituição não será anunciado antes de abril. O vice-ministro saudou a decisão da Austrália e da Coreia do Sul de se juntarem à instituição e contou que EUA e Japão estão negociando uma possível participação.
Inicialmente os EUA haviam se oposto ao plano por causa de desconfiança sobre a necessidade de mais uma instituição de desenvolvimento, mas recentemente vem mudando de postura diante do número de países aliados que apoiaram a ideia, como Reino Unido, Alemanha, França e Itália.
Yaobin afirmou que o banco será criado até o fim deste ano. De acordo com informações do Wall Street Journal, o banco está perto de atingir a meta de US$ 100 bilhões em capital registrado.
Estadão Conteúdo
Leia mais: http://br.sputniknews.com/mundo/20150325/557625.html#ixzz3VQN4DN5l
A necessidade de outros escritórios vai depender da evolução das operações do banco, afirmou Yaobin. O presidente da Indonésia, Joko Widodo, havia comentado que gostaria que a sede do banco fosse em seu país.
O novo banco terá foco no desenvolvimento de infraestrutura em países asiáticos. A China vem tentando aumentar esses investimentos nos mercados emergentes, especialmente na Ásia, para ajudar a expandir o comércio.
Yaobin não quis comentar se Pequim deu poder de veto sobre as decisões do banco em troca de apoio de potenciais membros europeus e disse apenas que a China nunca buscou poder de veto no banco. Segundo o vice-ministro, a estrutura acionista da instituição ainda está em negociação, mas haverá diferentes arranjos para membros asiáticos e não asiáticos.
A China tem afirmado que o banco terá 35 membros até o fim deste mês e Shi Yaobin disse que o número final de países fundadores da instituição não será anunciado antes de abril. O vice-ministro saudou a decisão da Austrália e da Coreia do Sul de se juntarem à instituição e contou que EUA e Japão estão negociando uma possível participação.
Inicialmente os EUA haviam se oposto ao plano por causa de desconfiança sobre a necessidade de mais uma instituição de desenvolvimento, mas recentemente vem mudando de postura diante do número de países aliados que apoiaram a ideia, como Reino Unido, Alemanha, França e Itália.
Yaobin afirmou que o banco será criado até o fim deste ano. De acordo com informações do Wall Street Journal, o banco está perto de atingir a meta de US$ 100 bilhões em capital registrado.
Estadão Conteúdo
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Parlamentares e trabalhadores se unem em defesa da Petrobras
Entre discursos e gritos de palavras de ordem de um grande público formado por parlamentares e petroleiros, foi instalada, nesta terça-feira (24), a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Petrobras na Câmara dos Deputados. Proposta pelo deputado Davidson Magalhães (PCdoB-BA) e pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), a Frente Parlamentar recebeu o apoio de cerca de 200 deputados e 40 senadores e dos funcionários da empresa.
Agência Câmara
Com faixas, palavras de ordem e discursos, o evento reafirmou o propósito de lutar contra as tentativas de privatização da Petrobras
Com faixas, palavras de ordem e discursos, o evento reafirmou o propósito de lutar contra as tentativas de privatização da Petrobras Aos gritos de “Da Petrobras/ não abro mão/ petróleo cem por cento/prá nação”, o público saudava os discursos de apoio a Petrobras. Uma grande faixa, com os dizeres “Somos 200 milhões de petroleiros por uma Petrobras 100% pública” foi estendida dando início ao ato de instalação.
O deputado Davidson, que vai presidir a Frente Parlamentar, abriu o evento destacando que no debate sobre os casos de corrupção na Petrobras, várias frentes nacionalistas se manifestaram sobre a importância da empresa para a economia nacional e que a indústria de energia e de petróleo e gás é estratégica para o país.
Segundo ele, com a Operação Lava Jato, “ações paralelas deram força às vozes já conhecidas que pregam o desmembramento das atividades produtivas da empresa, que deveria se limitar a produção e exploração de petróleo. Isso é um retrocesso para a condição de país exportador de produtos semifaturados”, avalia o parlamentar, para quem “todas as petroleiras do mundo desenvolvem atividades do poço ao posto.”
Tentativas de privatização
A exemplo dos oradores que o sucederam, o deputado Davidson Magalhães oberva nesse e noutros movimentos, como a instalação da CPI da Petrobras e a apresentação de projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP), tentativas de privatização da Petrobras.
Ele disse que o projeto de lei é a comprovação da denúncia do WikiLeaks de que Serra, quando foi candidato a presidente, se comprometeu com a multinacional Chevron de quebrar o processo de partilha, que garante a propriedade do subsolo brasileiro. Segundo o deputado, essa é uma ação de lesa pátria, a tentativa de internacionalização do petróleo brasileiro e que a Frente Parlamentar vai lutar contra esse processo.
“A Frente Parlamentar vai desenvolver um conjunto de ações políticas, junto com os movimentos sociais, para repercutir nessa Casa a defesa dos interesses nacionais”, afirmou o deputado, destacando que pesquisa recente do datafolha mostra que 61% dos brasileiros são contra a privatização da Petrobras e, entre os eleitores dos tucanos, 51% são contra a privatização.
“Com relação a CPI da Petrobras e Operação Lava Jato, essa comissão leva em consideração que se existe caso de corrupção na Petrobras deve ser punido, mas que não deve ser confundido com o corpo de funcionários”, declarou, arrancando aplausos do público e novamente gritos de palavras de ordem: “Rolou Congresso/ não volto atrás/ Eu vou prá rua/ defender a Petrobras.”
Mídia golpista
O presidente da Frente Única dos Petroleiros (FUP), José Maria Rangel, disse que “a gente pode travar um debate honesto em prol da Petrobras e do povo brasileiro. Nos momentos de crise nos são dados grandes oportunidades. Essa é a oportunidade de observar se os poderes constituídos são capazes de exercitar seu papel sem ouvir a mídia golpista”, afirmou.
O líder sindical lembrou a aprovação do projeto que destina os recursos do pré-sal para saúde e educação, para enfatizar que qualquer iniciativa para alterar o processo de exploração do petróleo no Brasil vai repercutir negativamente nos recursos destinados a esses dois importantes setores.
Os discursos em defesa da Petrobras se sucederam. A deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), que participou do evento junto com a bancada do PCdoB na Câmara, foi mais uma voz que se levantou para destacar a importância da empresa para o desenvolvimento do país. “Não é só o nosso passado, é nosso presente, é o nosso futuro que está em cheque”, disse, lembrando também as ameaças que vem da grande mídia para enfraquecer a empresa e favorecer as empresas estrangeiras.
Mais uma batalha
O ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e ex-deputado federal pelo PCdoB da Bahia, Haroldo Lima, participou do evento, como vem fazendo ao longo de toda a sua vida pública e da Petrobras.
Ele, que participou do movimento pela criação da empresa, lembrou que “a vida da Petrobras foi uma vida de luta em defesa de sua sobrevivência, que começou na década de 50, e nessas batalhas sempre houve convergência entre a frente popular e a frente parlamentar. Quando houve essa convergência, nós tivemos vitórias importantes. Foi assim em diversas oportunidades. E agora, mais uma vez, a Petrobras está na alça de mira da reação brasileira, das multinacionais e da mídia mancomunada com os interesses estrangeiros”, avalia.
E, como das outras vezes, ele acredita que a receita é a mesma: “revitalizar o movimento de massas, como as manifestações do último dia 13, e, junto com a frente parlamentar, nós vamos vencer a batalha de hoje e vamos salvar a Petrobras”.
A senadora Vanessa Grazziotin não pode comparecer ao evento, mas se manifestou sobre a criação da Frente Parlamentar, destacando como principal objetivo “fortalecer a maior empresa brasileira, estratégica para o país e reforçar as ações que buscam preservar seu patrimônio de ataques especulativos e também de desvios de seus funcionários.”
"Não se admite que o futuro de nosso país e de nossa educação possa ser ameaçado pelas ações de alguns. Todo corrupto deve ser punido, independente de posição ou preferência política" destaca a senadora.
Do Portal Vermelho
De Brasília, Márcia Xavier
domingo, março 22, 2015
quinta-feira, março 19, 2015
Opinião: Dilma, o próximo alvo de Washington
Portal Forum
Em artigo, jornalista norte-americano explica os motivos pelos quais os Estados Unidos, como vêm fazendo com outros governos, querem se livrar logo da presidenta eleita
Por Frederick William Engdahl*, na Adital
Para ganhar o segundo turno das eleições contra o candidato apoiado pelos Estados Unidos, Aécio Neves, em 26 outubro de 2014, a presidenta reeleita do Brasil Dilma Rousseff sobreviveu a uma campanha maciça de desinformação do Departamento de Estado estadunidense. Não obstante, já está claro que Washington abriu uma nova ofensiva contra um dos líderes chave do BRICS, o grupo não alinhado de economias emergentes – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Com a campanha de guerra financeira total dos Estados Unidos para enfraquecer a Rússia de Putin e uma série de desestabilizações visando a China, inclusive, mais recentemente, a “Revolução dos Guarda-Chuvas” financiada pelos Estados Unidos em Hong Kong, livrar-se da presidente socialmente propensa do Brasil é uma prioridade máxima para deter o polo emergente que se opõe ao bloco da Nova (des)Ordem Mundial de Washington.
A razão por que Washington quer se livrar de Rousseff é clara. Como presidente, ela é uma das cinco cabeças do BRICS que assinaram a formação do Banco de Desenvolvimento do BRICS, com capital inicial autorizado de 100 bilhões de dólares e um fundo de reserva de outros 100 bilhões de dólares. Ela também apoia uma nova Moeda de Reserva Internacional para complementar e eventualmente substituir o dólar. No Brasil, ela é apoiada por milhões de brasileiros mais pobres, que foram tirados da pobreza por seus vários programas, especialmente o Bolsa Família, um programa de subsídio econômico para mães e famílias de baixa renda. O Bolsa Família tirou uma população estimada de 36 milhões de famílias da pobreza através das políticas econômicas de Rousseff e de seu partido, algo que incita verdadeiras apoplexias em Wall Street e em Washington.
Apoiado pelos Estados Unidos, seu rival na campanha, Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), serve aos interesses dos magnatas e de seus aliados de Washington.
O principal assessor econômico de Neves, que se tornaria Ministro da Fazenda no caso de uma presidência de Neves, era Armínio Fraga Neto, amigo íntimo e ex-sócio de Soros e seu fundo hedge Quantum. O principal conselheiro de Neves, e provavelmente seu Ministro das Relações Exteriores, tivesse ele ganhado as eleições, era Rubens Antônio Barbosa, ex-embaixador em Washington e hoje Diretor da ASG em São Paulo.
A ASG é o grupo de consultores de Madeleine Albright, ex-Secretária de Estado norte-americana durante o bombardeio da Iugoslávia em 1999. Albright, dirigente do principal grupo de reflexão dos Estados Unidos, o Conselho sobre Relações Exteriores, também é presidente da primeira ONG da “Revolução Colorida” financiada pelo governo dos Estados Unidos, o Instituto Democrático Nacional (NDI). Não é de surpreender que Barbosa tenha conclamado, numa campanha recente, o fortalecimento das relações Brasil-Estados Unidos e a degradação dos fortes laços Brasil-China, desenvolvidos por Rousseff na esteira das revelações sobre a espionagem norte-americana da Agência Nacional de Segurança (NSA) contra Rousseff e o seu governo.
Surgimento de escândalo de corrupção
Durante a áspera campanha eleitoral entre Rousseff e Neves, a oposição de Neves começou a espalhar rumores de que Rousseff, que até então jamais fora ligada à corrupção tão comum na política brasileira, estaria implicada num escândalo envolvendo a gigante estatal do petróleo, a Petrobras. Em setembro, um ex-diretor da Petrobras alegou que membros do governo Rousseff tinham recebido comissões em contratos assinados com a gigante do petróleo, comissões estas que depois teriam sido empregadas para comprar apoio congressional. Rousseff foi membro do conselho de diretores da companhia até 2010.
Agora, em 2 de novembro de 2014, apenas alguns dias depois da vitória arduamente conquistada por Rousseff, a maior firma de auditoria financeira dos Estados Unidos, a Price Waterhouse Coopers se recusou a assinar os demonstrativos financeiros do terceiro trimestre da Petrobras. A PWC exigiu uma investigação mais ampla do escândalo envolvendo a companhia petrolífera dirigida pelo Estado.
A Price Waterhouse Coopers é uma das firmas de auditoria, consultoria tributária e societária e de negócios mais eivadas de escândalos dos Estados Unidos. Ela foi implicada em 14 anos de encobrimento de uma fraude no grupo de seguros AIG, o qual estava no coração da crise financeira norte-americana de 2008. E a Câmara dos Lordes britânica criticou a PWC por não chamar atenção para os riscos do modelo de negócios adotado pelo banco Northern Rock, causador de um desastre de grandes proporções na crise imobiliária de 2008 na Grã-Bretanha, cliente que teve que ser resgatado pelo governo do Reino Unido. Intensificam-se os ataques contra Rousseff, disto podemos ter certeza.
A estratégia global de Rousseff
Não foi apenas a aliança de Rousseff com os países do BRICS que fez dela um alvo principal da política de desestabilização de Washington. Sob seu mandato, o Brasil está agindo com rapidez para baldar a vulnerabilidade à vigilância eletrônica norte-americana da NSA.
Dias após a sua reeleição, a companhia estatal Telebras anunciou planos para a construção de um cabo submarino de telecomunicações por fibra ótica com Portugal através do Atlântico. O planejado cabo da Telebras se estenderá por 5.600 quilômetros, da cidade brasileira de Fortaleza até Portugal. Ele representa uma ruptura maior no âmbito das comunicações transatlânticas sob domínio da tecnologia norte-americana. Notadamente, o presidente da Telebras, Francisco Ziober Filho, disse numa entrevista que o projeto do cabo será desenvolvido e construído sem a participação de nenhuma companhia estadunidense.
As revelações de Snowden sobre a NSA em 2013 elucidaram, entre outras coisas, os vínculos íntimos existentes entre empresas estratégicas chave de tecnologia da informática, como a Cisco Systems, a Microsoft e outras, e a comunidade norte-americana de inteligência. Ele declarou que:
A questão da integridade e vulnerabilidade de dados é sempre uma preocupação para todas as companhias de telecomunicações.
O Brasil reagiu aos vazamentos da NSA periciando todos os equipamentos de fabricação estrangeira em seu uso, a fim de obstar vulnerabilidades de segurança e acelerar a evolução do país rumo à autossuficiência tecnológica, segundo o dirigente da Telebras.
Até agora, virtualmente todo tráfego transatlântico de TI encaminhado via costa leste dos Estados Unidos para a Europa e a África representou uma vantagem importante para espionagem de Washington.
Reagindo aos vazamentos de Snowden, o governo Rousseff ordenou a extinção dos contratos com a Microsoft para serviços de e-mail com Outlook. Rousseff declarou na época que o gesto visava ajudar a “impedir possíveis espionagens”. Em vez disso, o Brasil está se nacionalizando com o seu próprio sistema de e-mail, denominado Expresso, desenvolvido pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), de propriedade do Estado. O Expresso já é utilizado por 13 dos 39 ministérios do país. O porta-voz do Serpro, Marcos Melo, declarou:
O Expresso está 100 por cento sob nosso controle.
Se verdadeiro ou ainda incerto, o fato é que sob Rousseff e de seu partido o Brasil está trabalhando para fazer o que ela considera ser o melhor para interesse nacional do Brasil.
A geopolítica do petróleo também é chave
O Brasil também está se livrando do domínio anglo-americano sobre sua exploração de petróleo e de gás. No final de 2007, a Petrobras descobriu o que considerou ser uma nova e enorme bacia de petróleo de alta qualidade na plataforma continental no mar territorial brasileiro da Bacia de Santos. Desde então, a Petrobras perfurou 11 poços de petróleo nesta bacia, todos bem-sucedidos. Somente em Tupi e em Iara, a Petrobras estima que haja entre de 8 a 12 bilhões de barris de óleo recuperável, o que pode quase dobrar as reservas brasileiras atuais de petróleo. No total, a plataforma continental do Brasil pode conter mais de 100 bilhões de barris de petróleo, transformando o país numa potência de petróleo e gás de primeira grandeza, algo que a Exxon e a Chevron, as gigantes do petróleo norte-americano, se esforçaram arduamente para controlar.
Em 2009, segundo cabogramas diplomáticos norte-americanos vazados e publicados pelo Wikileaks, a Exxon e a Chevron foram assinaladas pelo consulado estadunidense no Rio de Janeiro por estarem tentando, em vão, alterar a lei proposta pelo mentor e predecessor de Rousseff em seu Partido dos Trabalhadores, o presidente Luís Inácio Lula da Silva, ou Lula, como ele é chamado.
Esta lei de 2009 tornava a estatal Petrobras operadora-chefe de todos os blocos no mar territorial. Washington e as gigantes estadunidenses do petróleo ficaram furiosos ao perderem controles-chave sobre a descoberta da potencialmente maior jazida individual de petróleo em décadas.
Para tornar as coisas piores aos olhos de Washington, Lula não apenas afastou a Exxon Mobil e a Chevron de suas posições de controle em favor da estatal Petrobras, como também abriu a exploração do petróleo brasileiro aos chineses. Em dezembro de 2010, num dos seus últimos atos como presidente, ele supervisionou a assinatura de um acordo entre a companhia energética hispano-brasileira Repsol e a estatal chinesa Sinopec. A Sinopec formou uma joint venture, a Repsol Sinopec Brasil, investindo mais de 7,1 bilhões de dólares na Repsol Brasil. Já em 2005, Lula havia aprovado a formação da Sinopec International Petroleum Service of Brazil Ltd, como parte de uma nova aliança estratégica entre a China e o Brasil, precursora da atual organização do BRICS.
Washington não gostou
Em 2012, uma perfuração conjunta, Repsol Sinopec Brazil, Norway’s Stateoil e Petrobras, fez uma descoberta de importância maior em Pão de Açúcar, a terceira no bloco BM-C-33, o qual inclui Seat e Gávea, esta última uma das 10 maiores descobertas do mundo em 2011. As maiores do petróleo estadunidense e britânico absolutamente sequer estavam presentes.
Com o aprofundamento das relações entre o governo Rousseff e a China, bem como com a Rússia e com outros parceiros do BRICS, em maio de 2013 o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, veio ao Brasil com sua agenda focada no desenvolvimento de gás e petróleo. Ele se encontrou com a presidenta Dilma Rousseff, que havia sucedido ao seu mentor Lula em 2011. Biden também se encontrou com as principais companhias energéticas no Brasil, inclusive a Petrobrás.
Embora pouca coisa tenha sido dita publicamente, Rousseff se recusou a reverter a lei do petróleo de 2009 de maneira a adequá-la aos interesses de Biden e de Washington. Dias depois da visita de Biden, surgiram as revelações de Snowden sobre a NSA, de que os Estados Unidos também estavam espionando Rousseff e os funcionários de alto escalão da Petrobras. Ela ficou furiosa e, naquele mês de setembro, denunciou a administração Obama diante da Assembleia Geral da ONU por violação da lei internacional. Em protesto, ela cancelou uma visita programada a Washington. Depois disso, as relações Estados Unidos-Brasil sofreram um grave resfriamento.
Antes da visita de Biden em maio de 2013, Dilma Rousseff tinha uma taxa de popularidade de 70 por cento. Menos de duas semanas depois da visita de Biden ao Brasil, protestos em escala nacional convocados por um grupo bem organizado chamado Movimento Passe Livre, relativos a um aumento nominal de 10 por cento nas passagens de ônibus, levaram o país virtualmente a uma paralisação e se tornaram muito violentos. Os protestos ostentavam a marca de uma típica “Revolução Colorida”, ou desestabilização via Twitter, que parece seguir Biden por onde quer que ele se apresente. Em semanas, a popularidade de Rousseff caiu para 30 por cento.
Washington enviara claramente um sinal de que Rousseff teria que mudar de curso ou enfrentar sérios problemas. Agora que ela ganhou a reeleição e derrotou os oligarcas bem financiados da direita e a oposição, está claro que Washington vai lançar mão de uma energia renovada para tentar se livrar de mais um líder do BRICS, numa tentativa cada vez mais desesperada de manter o status quo. Parece que o mundo já não se põe mais em prontidão como fez nas décadas passadas quando Washington dava suas ordens de marcha. O ano de 2015 será uma aventura não só para o Brasil, mas para todo o mundo.
[*] Frederick William Engdahl é jornalista, conferencista e consultor para riscos estratégicos. É graduado em política pela Princeton University; autor consagrado e especialista em questõesenergéticas e geopolítica da revista online New Eastern Outlook.
Em artigo, jornalista norte-americano explica os motivos pelos quais os Estados Unidos, como vêm fazendo com outros governos, querem se livrar logo da presidenta eleita
Por Frederick William Engdahl*, na Adital
Para ganhar o segundo turno das eleições contra o candidato apoiado pelos Estados Unidos, Aécio Neves, em 26 outubro de 2014, a presidenta reeleita do Brasil Dilma Rousseff sobreviveu a uma campanha maciça de desinformação do Departamento de Estado estadunidense. Não obstante, já está claro que Washington abriu uma nova ofensiva contra um dos líderes chave do BRICS, o grupo não alinhado de economias emergentes – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Com a campanha de guerra financeira total dos Estados Unidos para enfraquecer a Rússia de Putin e uma série de desestabilizações visando a China, inclusive, mais recentemente, a “Revolução dos Guarda-Chuvas” financiada pelos Estados Unidos em Hong Kong, livrar-se da presidente socialmente propensa do Brasil é uma prioridade máxima para deter o polo emergente que se opõe ao bloco da Nova (des)Ordem Mundial de Washington.
A razão por que Washington quer se livrar de Rousseff é clara. Como presidente, ela é uma das cinco cabeças do BRICS que assinaram a formação do Banco de Desenvolvimento do BRICS, com capital inicial autorizado de 100 bilhões de dólares e um fundo de reserva de outros 100 bilhões de dólares. Ela também apoia uma nova Moeda de Reserva Internacional para complementar e eventualmente substituir o dólar. No Brasil, ela é apoiada por milhões de brasileiros mais pobres, que foram tirados da pobreza por seus vários programas, especialmente o Bolsa Família, um programa de subsídio econômico para mães e famílias de baixa renda. O Bolsa Família tirou uma população estimada de 36 milhões de famílias da pobreza através das políticas econômicas de Rousseff e de seu partido, algo que incita verdadeiras apoplexias em Wall Street e em Washington.
Apoiado pelos Estados Unidos, seu rival na campanha, Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), serve aos interesses dos magnatas e de seus aliados de Washington.
O principal assessor econômico de Neves, que se tornaria Ministro da Fazenda no caso de uma presidência de Neves, era Armínio Fraga Neto, amigo íntimo e ex-sócio de Soros e seu fundo hedge Quantum. O principal conselheiro de Neves, e provavelmente seu Ministro das Relações Exteriores, tivesse ele ganhado as eleições, era Rubens Antônio Barbosa, ex-embaixador em Washington e hoje Diretor da ASG em São Paulo.
A ASG é o grupo de consultores de Madeleine Albright, ex-Secretária de Estado norte-americana durante o bombardeio da Iugoslávia em 1999. Albright, dirigente do principal grupo de reflexão dos Estados Unidos, o Conselho sobre Relações Exteriores, também é presidente da primeira ONG da “Revolução Colorida” financiada pelo governo dos Estados Unidos, o Instituto Democrático Nacional (NDI). Não é de surpreender que Barbosa tenha conclamado, numa campanha recente, o fortalecimento das relações Brasil-Estados Unidos e a degradação dos fortes laços Brasil-China, desenvolvidos por Rousseff na esteira das revelações sobre a espionagem norte-americana da Agência Nacional de Segurança (NSA) contra Rousseff e o seu governo.
Surgimento de escândalo de corrupção
Durante a áspera campanha eleitoral entre Rousseff e Neves, a oposição de Neves começou a espalhar rumores de que Rousseff, que até então jamais fora ligada à corrupção tão comum na política brasileira, estaria implicada num escândalo envolvendo a gigante estatal do petróleo, a Petrobras. Em setembro, um ex-diretor da Petrobras alegou que membros do governo Rousseff tinham recebido comissões em contratos assinados com a gigante do petróleo, comissões estas que depois teriam sido empregadas para comprar apoio congressional. Rousseff foi membro do conselho de diretores da companhia até 2010.
Agora, em 2 de novembro de 2014, apenas alguns dias depois da vitória arduamente conquistada por Rousseff, a maior firma de auditoria financeira dos Estados Unidos, a Price Waterhouse Coopers se recusou a assinar os demonstrativos financeiros do terceiro trimestre da Petrobras. A PWC exigiu uma investigação mais ampla do escândalo envolvendo a companhia petrolífera dirigida pelo Estado.
A Price Waterhouse Coopers é uma das firmas de auditoria, consultoria tributária e societária e de negócios mais eivadas de escândalos dos Estados Unidos. Ela foi implicada em 14 anos de encobrimento de uma fraude no grupo de seguros AIG, o qual estava no coração da crise financeira norte-americana de 2008. E a Câmara dos Lordes britânica criticou a PWC por não chamar atenção para os riscos do modelo de negócios adotado pelo banco Northern Rock, causador de um desastre de grandes proporções na crise imobiliária de 2008 na Grã-Bretanha, cliente que teve que ser resgatado pelo governo do Reino Unido. Intensificam-se os ataques contra Rousseff, disto podemos ter certeza.
A estratégia global de Rousseff
Não foi apenas a aliança de Rousseff com os países do BRICS que fez dela um alvo principal da política de desestabilização de Washington. Sob seu mandato, o Brasil está agindo com rapidez para baldar a vulnerabilidade à vigilância eletrônica norte-americana da NSA.
Dias após a sua reeleição, a companhia estatal Telebras anunciou planos para a construção de um cabo submarino de telecomunicações por fibra ótica com Portugal através do Atlântico. O planejado cabo da Telebras se estenderá por 5.600 quilômetros, da cidade brasileira de Fortaleza até Portugal. Ele representa uma ruptura maior no âmbito das comunicações transatlânticas sob domínio da tecnologia norte-americana. Notadamente, o presidente da Telebras, Francisco Ziober Filho, disse numa entrevista que o projeto do cabo será desenvolvido e construído sem a participação de nenhuma companhia estadunidense.
As revelações de Snowden sobre a NSA em 2013 elucidaram, entre outras coisas, os vínculos íntimos existentes entre empresas estratégicas chave de tecnologia da informática, como a Cisco Systems, a Microsoft e outras, e a comunidade norte-americana de inteligência. Ele declarou que:
A questão da integridade e vulnerabilidade de dados é sempre uma preocupação para todas as companhias de telecomunicações.
O Brasil reagiu aos vazamentos da NSA periciando todos os equipamentos de fabricação estrangeira em seu uso, a fim de obstar vulnerabilidades de segurança e acelerar a evolução do país rumo à autossuficiência tecnológica, segundo o dirigente da Telebras.
Até agora, virtualmente todo tráfego transatlântico de TI encaminhado via costa leste dos Estados Unidos para a Europa e a África representou uma vantagem importante para espionagem de Washington.
Reagindo aos vazamentos de Snowden, o governo Rousseff ordenou a extinção dos contratos com a Microsoft para serviços de e-mail com Outlook. Rousseff declarou na época que o gesto visava ajudar a “impedir possíveis espionagens”. Em vez disso, o Brasil está se nacionalizando com o seu próprio sistema de e-mail, denominado Expresso, desenvolvido pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), de propriedade do Estado. O Expresso já é utilizado por 13 dos 39 ministérios do país. O porta-voz do Serpro, Marcos Melo, declarou:
O Expresso está 100 por cento sob nosso controle.
Se verdadeiro ou ainda incerto, o fato é que sob Rousseff e de seu partido o Brasil está trabalhando para fazer o que ela considera ser o melhor para interesse nacional do Brasil.
A geopolítica do petróleo também é chave
O Brasil também está se livrando do domínio anglo-americano sobre sua exploração de petróleo e de gás. No final de 2007, a Petrobras descobriu o que considerou ser uma nova e enorme bacia de petróleo de alta qualidade na plataforma continental no mar territorial brasileiro da Bacia de Santos. Desde então, a Petrobras perfurou 11 poços de petróleo nesta bacia, todos bem-sucedidos. Somente em Tupi e em Iara, a Petrobras estima que haja entre de 8 a 12 bilhões de barris de óleo recuperável, o que pode quase dobrar as reservas brasileiras atuais de petróleo. No total, a plataforma continental do Brasil pode conter mais de 100 bilhões de barris de petróleo, transformando o país numa potência de petróleo e gás de primeira grandeza, algo que a Exxon e a Chevron, as gigantes do petróleo norte-americano, se esforçaram arduamente para controlar.
Em 2009, segundo cabogramas diplomáticos norte-americanos vazados e publicados pelo Wikileaks, a Exxon e a Chevron foram assinaladas pelo consulado estadunidense no Rio de Janeiro por estarem tentando, em vão, alterar a lei proposta pelo mentor e predecessor de Rousseff em seu Partido dos Trabalhadores, o presidente Luís Inácio Lula da Silva, ou Lula, como ele é chamado.
Esta lei de 2009 tornava a estatal Petrobras operadora-chefe de todos os blocos no mar territorial. Washington e as gigantes estadunidenses do petróleo ficaram furiosos ao perderem controles-chave sobre a descoberta da potencialmente maior jazida individual de petróleo em décadas.
Para tornar as coisas piores aos olhos de Washington, Lula não apenas afastou a Exxon Mobil e a Chevron de suas posições de controle em favor da estatal Petrobras, como também abriu a exploração do petróleo brasileiro aos chineses. Em dezembro de 2010, num dos seus últimos atos como presidente, ele supervisionou a assinatura de um acordo entre a companhia energética hispano-brasileira Repsol e a estatal chinesa Sinopec. A Sinopec formou uma joint venture, a Repsol Sinopec Brasil, investindo mais de 7,1 bilhões de dólares na Repsol Brasil. Já em 2005, Lula havia aprovado a formação da Sinopec International Petroleum Service of Brazil Ltd, como parte de uma nova aliança estratégica entre a China e o Brasil, precursora da atual organização do BRICS.
Washington não gostou
Em 2012, uma perfuração conjunta, Repsol Sinopec Brazil, Norway’s Stateoil e Petrobras, fez uma descoberta de importância maior em Pão de Açúcar, a terceira no bloco BM-C-33, o qual inclui Seat e Gávea, esta última uma das 10 maiores descobertas do mundo em 2011. As maiores do petróleo estadunidense e britânico absolutamente sequer estavam presentes.
Com o aprofundamento das relações entre o governo Rousseff e a China, bem como com a Rússia e com outros parceiros do BRICS, em maio de 2013 o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, veio ao Brasil com sua agenda focada no desenvolvimento de gás e petróleo. Ele se encontrou com a presidenta Dilma Rousseff, que havia sucedido ao seu mentor Lula em 2011. Biden também se encontrou com as principais companhias energéticas no Brasil, inclusive a Petrobrás.
Embora pouca coisa tenha sido dita publicamente, Rousseff se recusou a reverter a lei do petróleo de 2009 de maneira a adequá-la aos interesses de Biden e de Washington. Dias depois da visita de Biden, surgiram as revelações de Snowden sobre a NSA, de que os Estados Unidos também estavam espionando Rousseff e os funcionários de alto escalão da Petrobras. Ela ficou furiosa e, naquele mês de setembro, denunciou a administração Obama diante da Assembleia Geral da ONU por violação da lei internacional. Em protesto, ela cancelou uma visita programada a Washington. Depois disso, as relações Estados Unidos-Brasil sofreram um grave resfriamento.
Antes da visita de Biden em maio de 2013, Dilma Rousseff tinha uma taxa de popularidade de 70 por cento. Menos de duas semanas depois da visita de Biden ao Brasil, protestos em escala nacional convocados por um grupo bem organizado chamado Movimento Passe Livre, relativos a um aumento nominal de 10 por cento nas passagens de ônibus, levaram o país virtualmente a uma paralisação e se tornaram muito violentos. Os protestos ostentavam a marca de uma típica “Revolução Colorida”, ou desestabilização via Twitter, que parece seguir Biden por onde quer que ele se apresente. Em semanas, a popularidade de Rousseff caiu para 30 por cento.
Washington enviara claramente um sinal de que Rousseff teria que mudar de curso ou enfrentar sérios problemas. Agora que ela ganhou a reeleição e derrotou os oligarcas bem financiados da direita e a oposição, está claro que Washington vai lançar mão de uma energia renovada para tentar se livrar de mais um líder do BRICS, numa tentativa cada vez mais desesperada de manter o status quo. Parece que o mundo já não se põe mais em prontidão como fez nas décadas passadas quando Washington dava suas ordens de marcha. O ano de 2015 será uma aventura não só para o Brasil, mas para todo o mundo.
[*] Frederick William Engdahl é jornalista, conferencista e consultor para riscos estratégicos. É graduado em política pela Princeton University; autor consagrado e especialista em questõesenergéticas e geopolítica da revista online New Eastern Outlook.
quarta-feira, março 18, 2015
O PT e o processo de expiação pela direita brasileira
O cientista francês René Girrard descreve os processos de expiação das sociedades antigas com o sacrifício de um membro da sociedade, escolhido a dedo, sobre o qual eram jogados todos os males daquela comunidade.
O processo é bastante simples, com todas as frustrações pessoais, a queda da colheita, a falta de chuva, entre outros, a sociedade entrava em crise que ameaçava a própria paz social.
Fazia-se necessário então jogar a culpa num membro da sociedade, o chamado “bode expiatório”, em que esse elemento era acusado de todos os males que os acometiam. Essa pessoa era sacrificada em praça pública.
Esse processo funcionava até que outra crise se instalava.
No livro 1984, George Orwell, descreve processo semelhante, em que os adversários são demonizados para justificar a eliminação física dos mesmos.
Esses eventos estão acontecendo no Brasil de forma bastante concatenada entre a grande imprensa, os partidos de oposição e membros do judiciário.
Estão imputando ao Partido dos Trabalhadores toda a culpa pela corrupção no Brasil e outros males, inclusive o da falta de água em São Paulo, sob gestão de governo tucano.
A imprensa está há 12 anos, 24 horas por dia martelando que a corrupção no país foi instalada depois do PT ter chegado ao governo federal.
Estão demonizando o PT para que a corrupção continue solta no país.
Não estão querendo acabar com a roubalheira da coisa pública. Não vi nenhum cartaz no último domingo pedindo reforma política com fim do financiamento privado de campanha, prisão para os culpados do trensalão tucano ou do mensalão do PSDB de Minas Gerais.
Insuflam na classe média o ódio contra o PT, é bom lembrar, que a humanidade criou a política para evitar a guerra de todos contra todos. Na política o outro é o adversário, ou seja, ele deve ser vencido e não suprimido.
A mensagem subliminar que a imprensa e a oposição passam é de que o PT é o inimigo a ser destruído.
Isso fica muito evidente pelos cartazes pedindo a volta da ditadura militar, sugerindo enforcamentos, a explosão do diretório municipal do PT de Jundiaí e toda espécie de agressão verbal contra o governo federal e o Partido.
Chegamos ao cúmulo de que qualquer pessoa com camiseta vermelha é prontamente ameaçada e até agredida. No ano de 2014, em Curitiba, houve até um assassinato de um petista, prontamente não divulgado pela grande imprensa.
Assim como nas sociedades antigas, o método da expiação social em que se escolhe um culpado pelas frustrações e problemas que ocorrem diuturnamente e o incitamento ao ódio na luta política contra o PT está jogando a sociedade brasileira num processo muito perigoso de acirramento das tensões sociais.
O país só tem a perde dentro desse quadro surrealista. E a roubalheira continuar solta, como sempre foi.
As políticas implantadas pelo PT é quem estão reduzindo a corrupção nesse país, conforme o artigo de Ricardo Semler (“nunca se roubou tão pouco no país” publicado na Folha em 21/11/2014), em que segundo ele, a corrupção no Brasil representava 5% do PIB, caiu para 3,1% e atualmente está em 0,8%.
E com as normas anunciadas hoje pela Presidenta Dilma Rousseff vai ficar cada dia mais difícil para os corruptos e corruptores. É isso que está apavorando a oligarquia brasileira. Afinal sempre se locupletaram através da utilização do Estado em benefício próprio.
A oligarquia brasileira é composta por banqueiros, empresários, donos de jornais e televisões, políticos de direita, latifundiários, entre outros, que tem práticas condenáveis, inclusive lavagem de dinheiro no HSBC, no chamado Suiçalão, conforme parte da lista divulgada recentemente.
O Partido dos Trabalhadores é na verdade o grande transformador que tem melhorado a vida do povo brasileiro, que tem feito uma política de justiça social e que tem melhorado a vida de todos.
terça-feira, março 10, 2015
Por um projeto de desenvolvimento e recuperação da indústria brasileira
Os resultados da balança comercial de manufaturados nos últimos anos evidenciam o dramático momento vivido pela indústria brasileira. Reverter este cenário depende da adoção de políticas assertivas de proteção e incentivo ao setor
Os resultados obtidos pela balança comercial de manufaturados nos últimos anos evidenciam o dramático momento vivido pela indústria brasileira. A participação destes produtos vem, desde 2005, sofrendo um significativo e preocupante declínio e desembocam, em 2013 e 2014, em déficits de cerca de US$ 100 bilhões e US$ 106 bilhões, respectivamente.
O impacto destes resultados, acompanhado do ciclo de queda nos preços das commodities, contribuíram diretamente para o déficit recorde em transações correntes de US$ 90.9 bilhões registrados no balanço de pagamentos correspondente ao ano de 2014.
Reverter este cenário depende, mais do que nunca, da adoção de políticas assertivas de proteção e incentivo à indústria brasileira.
Ressalta-se a necessidade de resgatar experiências históricas bem-sucedidas de crescimento econômico e desenvolvimento industrial, a fim de compreender as estratégias momentâneas, mas cruciais, para todas as atuais nações desenvolvidas.
Tais estratégias, que em nada se aproximam da perspectiva neoclássica de enaltecimento aos “benefícios” oriundos do livre-comércio e das vantagens comparativas, permitem compreender mecanismos-chave responsáveis pelo desenvolvimento de um número limitado de nações consideradas de primeiro mundo, evidenciando a adoção de fortes políticas protecionistas nos hoje grandes defensores da “mão invisível do mercado”.
É com base nesta perspectiva histórica do desenvolvimento que economistas como Ha-Joon Chang e Erik Reinert, bebendo da tradição inaugurada por Friedrich List, apontam para a brecha entre realidade e retórica, caracterizada pela disparidade entre as políticas desenvolvimentistas adotadas e o discurso pró-liberalizante do comércio promovido.
Nesse sentido, os países que atingem um alto grau de desenvolvimento, utilizando-se inclusive de práticas protecionistas, acabam chutando as escadas que serviram para construir sua própria grandeza.
Passam a defender supostas vantagens e benefícios do livre-comércio tentando impedir que demais países sigam pelo mesmo caminho. Instituições multilaterais de governança global, produtos da ordem hegemônica mundial, cumprem papel “auxiliar” neste processo de implementação de reformas estruturais, fornecendo empréstimos enquanto cobram, em contrapartida, adesão às normas do sistema. Daí a importância de iniciativas em prol do estabelecimento de instituições multilaterais alternativas, a exemplo do Banco dos BRICS.
Com base nas experiências concretas de desenvolvimento, destacam-se iniciativas imprescindíveis a serem iniciadas, retomadas e ou aprofundadas com urgência pelo Brasil: o estabelecimento de uma articulação estratégica entre Estado, iniciativa privada, academia e representações sociais em prol de um desenvolvimento integral, inclusivo e democrático; o estabelecimento de instituições econômicas que ampliem os níveis de poupança pública e privada e de instrumentos institucionais que promovam a ampliação de investimentos produtivos; o aprofundamento do mercado interno, mediante políticas de valorização do salário mínimo e da redução da desigualdade social; investimento maciço em educação e saúde públicas; e, por último, mas não menos importante, a adoção de políticas comerciais, cambiais e monetárias que promovam a competitividade da economia brasileira frente à economia mundial, com o livre-comércio sendo implementado lenta e sistematicamente conforme o grau de consolidação da indústria nacional.
A efetiva recuperação do mais dinâmico setor da economia depende hoje não da adoção de políticas pró-cíclicas, mas sim de reformas econômicas autônomas que levem em conta os gargalos e obstáculos da indústria.
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Gabrielli: o intere$$e por trás do ataque à Petrobras !
O ataque à reputação da companhia tem o objetivo de inviabilizar o modelo de partilha.
O Conversa Afiada reproduz a aula do professor Gabrielli sobre o que está por trás da tocaia dos entreguistas da Chevron:
O INTERESSE POR TRÁS DO ATAQUE À PETROBRAS
Os opositores são os mesmos que foram contrários à existência da Petrobras. O viés político que se vê em alta no ataque à companhia é infinitamente mais perverso para o futuro do país se comparado aos atos ilícitos até aqui descobertos. É dever cívico alertar e deixar claro a quem interessa que há uma Petrobras frágil
por José Sergio Gabrielli de Azevedo
A Petrobras foi posta em uma encruzilhada histórica, e os desdobramentos da investigação da Justiça e de futuras decisões administrativas podem colocar em xeque não só o legado dos últimos anos, mas também a sobrevivência da companhia como big player do mercado e a política de Estado que projeta um futuro promissor garantido pelo pré-sal. Não se trata de uma previsão catastrofista, e sim de um alerta da real necessidade de depurar toda a onda de ataques à imagem e à reputação da estatal e defender seu papel estratégico para o desenvolvimento econômico do país, o legado construído nos últimos doze anos e a sobrevivência de toda sua cadeia produtiva.
Desde 2003, a gestão da Petrobras levou em consideração que o Estado brasileiro tinha uma política de longo prazo de fortalecer os interesses da União na exploração e produção de petróleo, fomentar o crescimento de vários setores da indústria brasileira e promover o desenvolvimento social. Com a potencialidade de desenvolvimento da produção de petróleo, o Estado brasileiro queria diminuir o risco da doença holandesa de ficar somente dependente dele. Havia a necessidade de fortalecer a cadeia de fornecedores, gerar emprego e renda em outros setores e expandir a tecnologia nacional. Com a descoberta do pré-sal, em 2006, essas possibilidades se potencializaram muito mais.
As diretrizes que guiaram a Petrobras até aqui – levando a resultados expressivos tanto financeiros quanto de know-how em tecnologia – contrariam sensivelmente aqueles que defendem o modelo privatista vigente até fins de 2002, o qual desejava a abertura da exploração de uma riqueza brasileira exclusivamente para mãos estrangeiras.
A Operação Lava Jato revelou que as regras de governança empresarial são insuficientes para detectar comportamentos criminosos. Por mais que, até aqui, se saiba que o esquema de corrupção, embora tenha começado confessadamente nos anos 1990, envolva pessoas em acordos ilícitos que ultrapassam as fronteiras de governança de uma empresa, somente a quebra de sigilo e as benesses de acordos de delação premiada foram capazes de trazer à tona o modus operandi e os valores e percentuais desviados de cada contrato.
A identificação de comportamentos criminosos por parte de alguns dirigentes da companhia vai forçar um maior controle dos processos internos, para fortalecer o compliance com as regras da boa governança. A direção estratégica da companhia vai precisar, a curto prazo, se dedicar a reconquistar a confiança do mercado financiador de seus títulos, principalmente agora, depois do rebaixamento de seu rating no mercado. Isso significa que os processos decisórios serão mais lentos e cuidadosos, e os objetivos mais gerais de seu plano de investimentos serão submetidos à lógica de curto prazo. A construção de uma cadeia de fornecedores e seus impactos macroeconômicos serão secundarizados em relação à geração de caixa para reduzir seu endividamento, publicar seu balanço e satisfazer seus credores.
Numa segunda onda, não menos importante e ainda mais devastadora, há um risco sistêmico para a economia brasileira em razão da paralisia e inoperância dos principais fornecedores da cadeia produtiva da estatal – em destaque o risco de default das maiores empreiteiras brasileiras – e da contaminação do sistema financeiro, uma vez que a maioria das construtoras operava alavancada por empréstimos. Se a roda parar de girar, o sistema cai. A crise aberta na Petrobras pode ser a versão brasileira dos subprimes norte-americanos de 2008.
E sabemos, de antemão, qual é o discurso da oposição: a culpa pela perda de valor da companhia e os impactos sobre a cadeia produtiva cairão na conta do “projeto de poder do PT”, que se valeu do esquema de extorsão e desvio de dinheiro público para, mais uma vez, financiar a compra de apoio político. Estamos, portanto, diante de um jogo político que, no cenário internacional, mexe no status quo dos grandes players do mercado de petróleo.
Por que a Petrobras está sob ataque
É preciso, portanto, entender por que a Petrobras e o pré-sal são peças-chave nesse xadrez político e econômico. Poucos países têm a situação do Brasil na produção, distribuição e consumo do petróleo. Foi no Brasil a maior descoberta de novos recursos dos últimos anos, com a identificação das gigantescas reservas de petróleo do pré-sal. Os recursos ali identificados representam a principal fonte de novo petróleo convencional do mundo, com condições de produção muito favoráveis, apesar dos desafios tecnológicos – a maior parte deles já superada – de reservatórios especiais em águas profundas, distantes do litoral.
A Petrobras é hoje a vanguarda na exploração em águas profundas, o que fez do pré-sal um novo paradigma mundial. De forma surpreendente para os padrões mundiais, sete anos depois da descoberta, a produção diária já supera os 700 mil barris, quando o mesmo nível de produção requereu muito mais tempo depois da descoberta no Mar do Norte, no Golfo do México ou na costa leste da África. A Petrobras, praticamente como operadora única, foi um sucesso de realização, introdução de sistemas produtivos e produtividade. O pré-sal é viável com preços de equilíbrio inferiores aos atuais preços do petróleo, que caíram para um terço de seu valor em junho de 2014. Portanto, cai por terra o argumento muitas vezes divulgado pela imprensa de que o pré-sal é uma promessa para o futuro. Sua exploração é uma realidade – e muito bem-sucedida.
Poucos países têm a situação brasileira no refino e no consumo de combustíveis. É um mercado de derivados que cresce a taxas extraordinariamente altas em comparação com os mercados europeus, norte-americano e japonês, com uma presença significativa de etanol e biodiesel no fornecimento final dos combustíveis e com uma malha logística, em um país continental, que pode alcançar todo o território nacional. Além de ter uma taxa de crescimento bastante alta, é, em termos absolutos, um dos maiores mercados do mundo, o que garante, em âmbito nacional, a combinação de oferta de fontes de petróleo cru economicamente viáveis, em volume considerável, com parque de refino instalado e mercado consumidor ávido para utilizar os derivados produzidos.
Esse cenário só foi possível porque o Conselho de Administração da Petrobras soube se guiar com precisão nos últimos doze anos, orientando os investimentos onde eram de fato necessários – e sem perder de vista a política de Estado de fortalecimento interno da economia e desenvolvimento social.
Poucos países têm a situação brasileira de um sistema de geração de eletricidade que combina a fonte hidrelétrica com um parque termelétrico fortemente lastreado na utilização de gás natural, ao mesmo tempo que cresce a taxas expressivas a geração eólica. Conta com uma rede de gasodutos que liga a costa brasileira de norte a sul do país e é capaz de, conectada com a Bolívia, ter um fornecimento de gás que consolida a contribuição da produção brasileira, a importação via gasoduto da Bolívia e a importação de GNL com três terminais de regaseificação instalados.
Poucos países têm a situação brasileira de ter uma empresa como a Petrobras, que conta com o melhor conhecimento e experiência do mundo na produção em águas profundas, fato reconhecido pela terceira vez, dando à empresa este ano o Distinguished Award,da prestigiada Offshore Technology Conference (OTC), que ocorre todos os anos no Texas, Estados Unidos. A Petrobras tem um dos melhores corpos técnicos do mundo, tem instalada uma das maiores frotas mundiais de sistemas flutuantes de produção, com barcos de apoio e sondas de perfuração, além de operar os sistemas submersos e a logística de escoamento da produção de petróleo e gás de forma segura, eficiente e rentável.
Além de sua capacidade própria, a história da Petrobras a credencia a ser um parceiro desejado pelas grandes companhias de petróleo, com quem ela mantém relações produtivas de parceria. Ser a operadora única possibilita a melhor utilização da infraestrutura já instalada, a melhor eficiência na mobilização de recursos adequados para a solução dos desafios e a possibilidade de atrair os melhores agentes do mercado. Possibilita também obter vantagens da escala de compras e da definição de estratégias de longo prazo que necessitem de expansão da capacidade de produção do próprio setor de fornecimento de equipamentos especiais e dedicados, como sondas de perfuração de águas profundas, equipamentos submersos e sistemas de complementação dos sistemas de produção. Possibilita ainda a apropriação nacional dos desenvolvimentos tecnológicos que advêm da experiência concreta de fazer a produção funcionar.
A descoberta de grandes reservas de petróleo pode ser um bônus se permitir a criação de mais riqueza e tornar possível que o país supere suas limitações de crescimento, distribuição de renda e justiça social. Mas a mesma descoberta também pode ser uma maldição se não permitir que outros setores da economia cresçam, levando ao que se conhece como doença holandesa: um setor passa a ser hipertrofiado como gerador de renda, inibindo os outros. Como a fonte da renda é um recurso esgotável, seu fim condena todos à miséria.
É contra esse risco que a política de conteúdo nacional, utilizando a escala das compras para os sistemas de produção de petróleo no país, de forma a promover a expansão da capacidade produtiva das empresas localizadas no Brasil, possibilita a formação de uma forte cadeia de suprimento para o setor, que irradia a criação de emprego e renda, além da atividade de produção de petróleo e gás.
Esse modelo sempre teve opositores – o que vem desde os tempos de Getúlio Vargas. Inicialmente eles eram contra a própria existência da Petrobras e se opuseram à sua criação, defendendo que era melhor abrir o país para as operadoras internacionais. Depois, com a quebra do monopólio nos anos 1990, adotaram o modelo dos leilões de concessão, que, dado o risco exploratório alto, gerava receitas para o Estado baseadas nas expectativas que as empresas tinham sobre os ganhos futuros das concessões e balizavam os bônus, que elas ofereciam ao Estado pelo direito de produzir durante mais de 25 anos. A repartição de ganhos futuros estava predeterminada.
Com o pré-sal tudo se modificou. O risco exploratório de buscar e não encontrar petróleo era mínimo; portanto, basear o ganho futuro do Estado nessa avaliação riscada das empresas não era o modelo adequado. O governo brasileiro mudou o marco regulatório e instaurou o contrato de partilha de produção, em que o Estado partilha os ganhos futuros que surgirem da exploração, uma vez que os riscos subsistentes do pré-sal se relacionam com o desenvolvimento da produção, e não com a exploração.
Os opositores, claro, não querem isso. Querem mais garantias para as empresas e menos possibilidades de o Estado capturar parte dos excedentes de renda, que poderão advir da continuidade da produção da imensa riqueza descoberta. Querem retornar aos leilões de concessão, nos quais os ganhos do Estado dependem das expectativas das empresas de qual será a receita futura do petróleo a ser produzido. Esse é um ponto-chave para entender por que a Petrobras passou a ser alvo de tamanha artilharia. Na prática, o marco regulatório e o modelo de partilha dão solidez à política de Estado como diretriz da gestão da Petrobras e dos recursos do pré-sal. O ataque à reputação da companhia – e seu consequente efeito para o rating da estatal junto às agências de classificação de risco – tem o objetivo de “quebrar a espinha da Petrobras” e, assim, inviabilizar o modelo de partilha imposto pelo marco regulatório.
Outro grave desdobramento que se avizinha é comprometer os ganhos sociais que estão diretamente ligados à política vigente. Em 2010, o governo brasileiro foi sábio em criar um fundo para concentrar os ganhos advindos da exploração e produção do pré-sal, definindo que seus rendimentos deveriam se destinar a investimentos que transformassem o futuro do país: educação, ciência e tecnologia e meio ambiente. Os opositores também não querem isso e defendem apenas a manutenção dos royalties e da participação especial, contribuição adicional que as empresas petroleiras pagam nos leilões de concessão, para campos extremamente produtivos.
São essas conquistas que estão sob ameaça com a atual sanha “denuncista” da mídia nacional, que já começa a contaminar a mídia internacional. Não importam os fatos, mas as versões e as ilações sobre os fatos. Os únicos testemunhos que valem são dos acusadores. O ônus da prova, que deveria ser de quem acusa, passou a ser exigido de quem é acusado. Ninguém seria em princípio inocente, como define a Constituição. Se for dirigente da Petrobras e, principalmente, se for do PT, você é imediatamente condenado pela mídia, sem direito a defesa nem julgamento. É um linchamento público gigantesco. A voz dos delatores é considerada a verdade absoluta, sem provas e seletivamente divulgada.
Não se faz aqui, evidentemente, a defesa dos atos ilícitos que foram confessados. Muito pelo contrário: devem ser investigados, e os culpados, punidos. Sempre respeitando, porém, as regras de um Estado democrático de direito e, sobretudo, sem o viés político que se tem dado ao caso. Colocar todos os contratos da Petrobras e o trabalho de mais de 80 mil funcionários em suspeição é um atentado político contra a companhia e, por tabela, a toda a sociedade brasileira, que é, de fato, dona das riquezas do pré-sal.
Deve-se ter frieza para analisar os fatos sem a influência política de quem tem interesses em enfraquecer a Petrobras ou ainda em apagar o legado que se construiu nos últimos doze anos. O que se sabe até aqui é que os atos ilícitos confessados foram praticados fora da Petrobras, mas com a conivência de alguns poucos funcionários. Atos que seriam praticamente impossíveis de serem detectados por meio das regras rígidas de governança corporativa sempre adotadas pela Petrobras. Outras grandes empresas do mundo, tanto na área de petróleo quanto em outros setores da economia, viveram casos parecidos recentemente, e, em momento algum, colocaram-se em xeque suas operações. A holandesa SBM, fornecedora da Petrobras, é um exemplo. A Siemens e a Alston, envolvidas no escândalo do trensalão tucano em São Paulo, também.
Os supostos pagamentos ilícitos em contratos da Petrobras não podem colocar em suspeição a necessidade e a correção estratégica da companhia em executar cada uma das obras em questão. Todas foram decididas, corretamente, pelo Conselho de Administração da companhia, espelhando seu planejamento estratégico.
A construção das refinarias de Abreu e Lima e do Comperj, ou ainda a reforma da refinaria do Paraná (Repar), hoje demonizadas pela imprensa, são de vital importância para que o Brasil não sofra a longo prazo com o “apagão do refino”. São obras estratégicas para atender ao crescente mercado doméstico de derivados de petróleo, como a gasolina e o diesel. O país não construía uma refinaria desde 1980, e a demanda crescente, sobretudo após 2005, impôs a urgência de ampliação do parque de refino – mesmo se tratando de um investimento caro e demorado e com baixos índices de rentabilidade para os acionistas.
A construção de plataformas e de sondas de perfuração passa pela mesma lógica: sem esses investimentos, a Petrobras não teria condições de, como já assinalado, retirar mais de 700 mil barris por dia das reservas do pré-sal.
Os números da Petrobras são superlativos e espelham sua grandiosidade e papel estratégico para o país. Em fins de 2002, a companhia, que vinha sendo preparada para ser vendida, valia cerca de US$ 15 bilhões em valor de mercado. Durante o governo Fernando Henrique, a empresa registrou lucro líquido médio de R$ 4,2 bilhões por ano. Nos governos Lula e Dilma, a média anual passou para R$ 25,6 bilhões. O lucro anual da Petrobras seria suficiente, por exemplo, para custear o investimento de um ano do programa Bolsa Família. Nos últimos doze anos, o lucro líquido acumulado supera R$ 300 bilhões.
Os resultados financeiros refletem o trabalho do dia a dia. A produção de petróleo da companhia cresceu 50% de 2002 a 2014, sempre acima da média mundial. Apenas no ano passado, cresceu cerca de 7,5%, graças aos campos do pré-sal. A Petrobras é a única petrolífera que registrou crescimento de produção nos últimos anos em comparação com as gigantes do mercado, como Shell, Exxon, Chevron e BP, que estão sofrendo com a crise financeira internacional.
O número de plataformas da empresa mais que dobrou de 2002 até hoje: eram 36e agora são 82, resultado do forte investimento feito na última década. A Petrobras, que no passado investia US$ 2 bilhõespor ano, passou a investir mais de US$ 3,5 bilhõespor mês.
Essa é a empresa real – com números reais – que querem esconder valendo-se das denúncias que surgiram com a Operação Lava Jato, o que gerou o clima de forte especulação que fez a companhia perder tanto valor de mercado em tão pouco tempo. A Petrobras é uma empresa sólida, mas a campanha em curso – em discurso uníssono na imprensa – visa enfraquecê-la. Tentam reverter as mudanças do marco regulatório do pré-sal brasileiro, a que se adiciona o papel geopolítico de uma petroleira brasileira enfraquecida, com uma cadeia de fornecedores, em formação, destroçada e sem condições de continuar competindo para formar uma indústria com conteúdo nacional que gere emprego e renda no país.
O contexto internacional
Também não podemos perder de vista o contexto internacional do mercado de petróleo e o papel estratégico da Arábia Saudita. De 1973, com a crise da guerra árabes-Israel, até 2013, o mercado vinha atuando com a Arábia Saudita sendo o país que regulava a produção adicional sobre a demanda, de forma a impedir quedas acentuadas de preços ou seu aumento demasiado, via ajuste de sua produção nacional. A Arábia Saudita tem um custo de extração do barril do petróleo relativamente baixo em relação aos preços de venda internacional e, portanto, poderia suportar ajustes de preços maiores do que produtores com custos mais elevados.
A Opep, que reunia os países exportadores de petróleo, combinava essa dinâmica e internamente ajustava a produção excedente. Nos últimos anos, em especial a partir de 2008, esse esquema começou a ser questionado.
A produção adicional proveniente dos Estados Unidos, com a expansão das técnicas de fracionamento dos reservatórios no shale gase tight oil e a consequente disponibilidade, por meio da produção associada de condensados equivalentes a óleo leve, tornou esse país o maior mercado consumidor do mundo, praticamente autossuficiente de petróleo leve, ainda que continue a importar petróleo pesado.
Por outro lado, a oferta futura de petróleo não convencional – dos Estados Unidos e das areias betuminosas do Canadá – e do ultrapesado da Venezuela ameaçava o equilíbrio tradicional, em que a produção da Opep era chave. Junto com as perspectivas de crescimento do pré-sal brasileiro, a geopolítica do petróleo passou a considerar as mudanças de papéis de seus atores.
A Arábia Saudita se recusa a baixar sua produção para ajustar os preços, esperando que a queda nos valores tire do mercado – como já começa a acontecer – os produtores norte-americanos de óleo não convencional, colocando o preço do petróleo em níveis ameaçadores para a continuidade de alguns projetos de produção futura de não convencionais. Essa situação ainda não chegou a ameaçar o pré-sal brasileiro, mas já começa a afetar as economias do Irã, da Venezuela e da Rússia, tradicionais adversários dos Estados Unidos na política internacional.
A continuidade dos preços baixos, no entanto, associada aos impactos no mercado financeiro da campanha contra a Petrobras, tentando generalizar comportamentos individuais criminosos com o comportamento da corporação, podem tornar seu papel-chave no modelo de produção desenhado impossível de ser executado.
Essa situação fica ainda mais perigosa se as empresas que estão começando a se preparar para expandir a capacidade de produção da cadeia de suprimento do setor se inviabilizarem.
Isso é o que está em jogo com essa campanha. Os opositores são os mesmos que foram contrários à própria existência da Petrobras, desde seu início. O viés político que se vê em alta no ataque à companhia é infinitamente mais perverso para o futuro do país se comparado aos atos ilícitos até aqui descobertos. É dever cívico alertar e deixar claro a quem interessa que há uma Petrobras fragilizada em meio a tantas denúncias. É o futuro do Brasil que está em jogo.
*José Sergio Gabrielli de Azevedo é professor aposentado da UFBA e ex-presidente da Petrobras (2005-2012).
O Conversa Afiada reproduz a aula do professor Gabrielli sobre o que está por trás da tocaia dos entreguistas da Chevron:
O INTERESSE POR TRÁS DO ATAQUE À PETROBRAS
Os opositores são os mesmos que foram contrários à existência da Petrobras. O viés político que se vê em alta no ataque à companhia é infinitamente mais perverso para o futuro do país se comparado aos atos ilícitos até aqui descobertos. É dever cívico alertar e deixar claro a quem interessa que há uma Petrobras frágil
por José Sergio Gabrielli de Azevedo
A Petrobras foi posta em uma encruzilhada histórica, e os desdobramentos da investigação da Justiça e de futuras decisões administrativas podem colocar em xeque não só o legado dos últimos anos, mas também a sobrevivência da companhia como big player do mercado e a política de Estado que projeta um futuro promissor garantido pelo pré-sal. Não se trata de uma previsão catastrofista, e sim de um alerta da real necessidade de depurar toda a onda de ataques à imagem e à reputação da estatal e defender seu papel estratégico para o desenvolvimento econômico do país, o legado construído nos últimos doze anos e a sobrevivência de toda sua cadeia produtiva.
Desde 2003, a gestão da Petrobras levou em consideração que o Estado brasileiro tinha uma política de longo prazo de fortalecer os interesses da União na exploração e produção de petróleo, fomentar o crescimento de vários setores da indústria brasileira e promover o desenvolvimento social. Com a potencialidade de desenvolvimento da produção de petróleo, o Estado brasileiro queria diminuir o risco da doença holandesa de ficar somente dependente dele. Havia a necessidade de fortalecer a cadeia de fornecedores, gerar emprego e renda em outros setores e expandir a tecnologia nacional. Com a descoberta do pré-sal, em 2006, essas possibilidades se potencializaram muito mais.
As diretrizes que guiaram a Petrobras até aqui – levando a resultados expressivos tanto financeiros quanto de know-how em tecnologia – contrariam sensivelmente aqueles que defendem o modelo privatista vigente até fins de 2002, o qual desejava a abertura da exploração de uma riqueza brasileira exclusivamente para mãos estrangeiras.
A Operação Lava Jato revelou que as regras de governança empresarial são insuficientes para detectar comportamentos criminosos. Por mais que, até aqui, se saiba que o esquema de corrupção, embora tenha começado confessadamente nos anos 1990, envolva pessoas em acordos ilícitos que ultrapassam as fronteiras de governança de uma empresa, somente a quebra de sigilo e as benesses de acordos de delação premiada foram capazes de trazer à tona o modus operandi e os valores e percentuais desviados de cada contrato.
A identificação de comportamentos criminosos por parte de alguns dirigentes da companhia vai forçar um maior controle dos processos internos, para fortalecer o compliance com as regras da boa governança. A direção estratégica da companhia vai precisar, a curto prazo, se dedicar a reconquistar a confiança do mercado financiador de seus títulos, principalmente agora, depois do rebaixamento de seu rating no mercado. Isso significa que os processos decisórios serão mais lentos e cuidadosos, e os objetivos mais gerais de seu plano de investimentos serão submetidos à lógica de curto prazo. A construção de uma cadeia de fornecedores e seus impactos macroeconômicos serão secundarizados em relação à geração de caixa para reduzir seu endividamento, publicar seu balanço e satisfazer seus credores.
Numa segunda onda, não menos importante e ainda mais devastadora, há um risco sistêmico para a economia brasileira em razão da paralisia e inoperância dos principais fornecedores da cadeia produtiva da estatal – em destaque o risco de default das maiores empreiteiras brasileiras – e da contaminação do sistema financeiro, uma vez que a maioria das construtoras operava alavancada por empréstimos. Se a roda parar de girar, o sistema cai. A crise aberta na Petrobras pode ser a versão brasileira dos subprimes norte-americanos de 2008.
E sabemos, de antemão, qual é o discurso da oposição: a culpa pela perda de valor da companhia e os impactos sobre a cadeia produtiva cairão na conta do “projeto de poder do PT”, que se valeu do esquema de extorsão e desvio de dinheiro público para, mais uma vez, financiar a compra de apoio político. Estamos, portanto, diante de um jogo político que, no cenário internacional, mexe no status quo dos grandes players do mercado de petróleo.
Por que a Petrobras está sob ataque
É preciso, portanto, entender por que a Petrobras e o pré-sal são peças-chave nesse xadrez político e econômico. Poucos países têm a situação do Brasil na produção, distribuição e consumo do petróleo. Foi no Brasil a maior descoberta de novos recursos dos últimos anos, com a identificação das gigantescas reservas de petróleo do pré-sal. Os recursos ali identificados representam a principal fonte de novo petróleo convencional do mundo, com condições de produção muito favoráveis, apesar dos desafios tecnológicos – a maior parte deles já superada – de reservatórios especiais em águas profundas, distantes do litoral.
A Petrobras é hoje a vanguarda na exploração em águas profundas, o que fez do pré-sal um novo paradigma mundial. De forma surpreendente para os padrões mundiais, sete anos depois da descoberta, a produção diária já supera os 700 mil barris, quando o mesmo nível de produção requereu muito mais tempo depois da descoberta no Mar do Norte, no Golfo do México ou na costa leste da África. A Petrobras, praticamente como operadora única, foi um sucesso de realização, introdução de sistemas produtivos e produtividade. O pré-sal é viável com preços de equilíbrio inferiores aos atuais preços do petróleo, que caíram para um terço de seu valor em junho de 2014. Portanto, cai por terra o argumento muitas vezes divulgado pela imprensa de que o pré-sal é uma promessa para o futuro. Sua exploração é uma realidade – e muito bem-sucedida.
Poucos países têm a situação brasileira no refino e no consumo de combustíveis. É um mercado de derivados que cresce a taxas extraordinariamente altas em comparação com os mercados europeus, norte-americano e japonês, com uma presença significativa de etanol e biodiesel no fornecimento final dos combustíveis e com uma malha logística, em um país continental, que pode alcançar todo o território nacional. Além de ter uma taxa de crescimento bastante alta, é, em termos absolutos, um dos maiores mercados do mundo, o que garante, em âmbito nacional, a combinação de oferta de fontes de petróleo cru economicamente viáveis, em volume considerável, com parque de refino instalado e mercado consumidor ávido para utilizar os derivados produzidos.
Esse cenário só foi possível porque o Conselho de Administração da Petrobras soube se guiar com precisão nos últimos doze anos, orientando os investimentos onde eram de fato necessários – e sem perder de vista a política de Estado de fortalecimento interno da economia e desenvolvimento social.
Poucos países têm a situação brasileira de um sistema de geração de eletricidade que combina a fonte hidrelétrica com um parque termelétrico fortemente lastreado na utilização de gás natural, ao mesmo tempo que cresce a taxas expressivas a geração eólica. Conta com uma rede de gasodutos que liga a costa brasileira de norte a sul do país e é capaz de, conectada com a Bolívia, ter um fornecimento de gás que consolida a contribuição da produção brasileira, a importação via gasoduto da Bolívia e a importação de GNL com três terminais de regaseificação instalados.
Poucos países têm a situação brasileira de ter uma empresa como a Petrobras, que conta com o melhor conhecimento e experiência do mundo na produção em águas profundas, fato reconhecido pela terceira vez, dando à empresa este ano o Distinguished Award,da prestigiada Offshore Technology Conference (OTC), que ocorre todos os anos no Texas, Estados Unidos. A Petrobras tem um dos melhores corpos técnicos do mundo, tem instalada uma das maiores frotas mundiais de sistemas flutuantes de produção, com barcos de apoio e sondas de perfuração, além de operar os sistemas submersos e a logística de escoamento da produção de petróleo e gás de forma segura, eficiente e rentável.
Além de sua capacidade própria, a história da Petrobras a credencia a ser um parceiro desejado pelas grandes companhias de petróleo, com quem ela mantém relações produtivas de parceria. Ser a operadora única possibilita a melhor utilização da infraestrutura já instalada, a melhor eficiência na mobilização de recursos adequados para a solução dos desafios e a possibilidade de atrair os melhores agentes do mercado. Possibilita também obter vantagens da escala de compras e da definição de estratégias de longo prazo que necessitem de expansão da capacidade de produção do próprio setor de fornecimento de equipamentos especiais e dedicados, como sondas de perfuração de águas profundas, equipamentos submersos e sistemas de complementação dos sistemas de produção. Possibilita ainda a apropriação nacional dos desenvolvimentos tecnológicos que advêm da experiência concreta de fazer a produção funcionar.
A descoberta de grandes reservas de petróleo pode ser um bônus se permitir a criação de mais riqueza e tornar possível que o país supere suas limitações de crescimento, distribuição de renda e justiça social. Mas a mesma descoberta também pode ser uma maldição se não permitir que outros setores da economia cresçam, levando ao que se conhece como doença holandesa: um setor passa a ser hipertrofiado como gerador de renda, inibindo os outros. Como a fonte da renda é um recurso esgotável, seu fim condena todos à miséria.
É contra esse risco que a política de conteúdo nacional, utilizando a escala das compras para os sistemas de produção de petróleo no país, de forma a promover a expansão da capacidade produtiva das empresas localizadas no Brasil, possibilita a formação de uma forte cadeia de suprimento para o setor, que irradia a criação de emprego e renda, além da atividade de produção de petróleo e gás.
Esse modelo sempre teve opositores – o que vem desde os tempos de Getúlio Vargas. Inicialmente eles eram contra a própria existência da Petrobras e se opuseram à sua criação, defendendo que era melhor abrir o país para as operadoras internacionais. Depois, com a quebra do monopólio nos anos 1990, adotaram o modelo dos leilões de concessão, que, dado o risco exploratório alto, gerava receitas para o Estado baseadas nas expectativas que as empresas tinham sobre os ganhos futuros das concessões e balizavam os bônus, que elas ofereciam ao Estado pelo direito de produzir durante mais de 25 anos. A repartição de ganhos futuros estava predeterminada.
Com o pré-sal tudo se modificou. O risco exploratório de buscar e não encontrar petróleo era mínimo; portanto, basear o ganho futuro do Estado nessa avaliação riscada das empresas não era o modelo adequado. O governo brasileiro mudou o marco regulatório e instaurou o contrato de partilha de produção, em que o Estado partilha os ganhos futuros que surgirem da exploração, uma vez que os riscos subsistentes do pré-sal se relacionam com o desenvolvimento da produção, e não com a exploração.
Os opositores, claro, não querem isso. Querem mais garantias para as empresas e menos possibilidades de o Estado capturar parte dos excedentes de renda, que poderão advir da continuidade da produção da imensa riqueza descoberta. Querem retornar aos leilões de concessão, nos quais os ganhos do Estado dependem das expectativas das empresas de qual será a receita futura do petróleo a ser produzido. Esse é um ponto-chave para entender por que a Petrobras passou a ser alvo de tamanha artilharia. Na prática, o marco regulatório e o modelo de partilha dão solidez à política de Estado como diretriz da gestão da Petrobras e dos recursos do pré-sal. O ataque à reputação da companhia – e seu consequente efeito para o rating da estatal junto às agências de classificação de risco – tem o objetivo de “quebrar a espinha da Petrobras” e, assim, inviabilizar o modelo de partilha imposto pelo marco regulatório.
Outro grave desdobramento que se avizinha é comprometer os ganhos sociais que estão diretamente ligados à política vigente. Em 2010, o governo brasileiro foi sábio em criar um fundo para concentrar os ganhos advindos da exploração e produção do pré-sal, definindo que seus rendimentos deveriam se destinar a investimentos que transformassem o futuro do país: educação, ciência e tecnologia e meio ambiente. Os opositores também não querem isso e defendem apenas a manutenção dos royalties e da participação especial, contribuição adicional que as empresas petroleiras pagam nos leilões de concessão, para campos extremamente produtivos.
São essas conquistas que estão sob ameaça com a atual sanha “denuncista” da mídia nacional, que já começa a contaminar a mídia internacional. Não importam os fatos, mas as versões e as ilações sobre os fatos. Os únicos testemunhos que valem são dos acusadores. O ônus da prova, que deveria ser de quem acusa, passou a ser exigido de quem é acusado. Ninguém seria em princípio inocente, como define a Constituição. Se for dirigente da Petrobras e, principalmente, se for do PT, você é imediatamente condenado pela mídia, sem direito a defesa nem julgamento. É um linchamento público gigantesco. A voz dos delatores é considerada a verdade absoluta, sem provas e seletivamente divulgada.
Não se faz aqui, evidentemente, a defesa dos atos ilícitos que foram confessados. Muito pelo contrário: devem ser investigados, e os culpados, punidos. Sempre respeitando, porém, as regras de um Estado democrático de direito e, sobretudo, sem o viés político que se tem dado ao caso. Colocar todos os contratos da Petrobras e o trabalho de mais de 80 mil funcionários em suspeição é um atentado político contra a companhia e, por tabela, a toda a sociedade brasileira, que é, de fato, dona das riquezas do pré-sal.
Deve-se ter frieza para analisar os fatos sem a influência política de quem tem interesses em enfraquecer a Petrobras ou ainda em apagar o legado que se construiu nos últimos doze anos. O que se sabe até aqui é que os atos ilícitos confessados foram praticados fora da Petrobras, mas com a conivência de alguns poucos funcionários. Atos que seriam praticamente impossíveis de serem detectados por meio das regras rígidas de governança corporativa sempre adotadas pela Petrobras. Outras grandes empresas do mundo, tanto na área de petróleo quanto em outros setores da economia, viveram casos parecidos recentemente, e, em momento algum, colocaram-se em xeque suas operações. A holandesa SBM, fornecedora da Petrobras, é um exemplo. A Siemens e a Alston, envolvidas no escândalo do trensalão tucano em São Paulo, também.
Os supostos pagamentos ilícitos em contratos da Petrobras não podem colocar em suspeição a necessidade e a correção estratégica da companhia em executar cada uma das obras em questão. Todas foram decididas, corretamente, pelo Conselho de Administração da companhia, espelhando seu planejamento estratégico.
A construção das refinarias de Abreu e Lima e do Comperj, ou ainda a reforma da refinaria do Paraná (Repar), hoje demonizadas pela imprensa, são de vital importância para que o Brasil não sofra a longo prazo com o “apagão do refino”. São obras estratégicas para atender ao crescente mercado doméstico de derivados de petróleo, como a gasolina e o diesel. O país não construía uma refinaria desde 1980, e a demanda crescente, sobretudo após 2005, impôs a urgência de ampliação do parque de refino – mesmo se tratando de um investimento caro e demorado e com baixos índices de rentabilidade para os acionistas.
A construção de plataformas e de sondas de perfuração passa pela mesma lógica: sem esses investimentos, a Petrobras não teria condições de, como já assinalado, retirar mais de 700 mil barris por dia das reservas do pré-sal.
Os números da Petrobras são superlativos e espelham sua grandiosidade e papel estratégico para o país. Em fins de 2002, a companhia, que vinha sendo preparada para ser vendida, valia cerca de US$ 15 bilhões em valor de mercado. Durante o governo Fernando Henrique, a empresa registrou lucro líquido médio de R$ 4,2 bilhões por ano. Nos governos Lula e Dilma, a média anual passou para R$ 25,6 bilhões. O lucro anual da Petrobras seria suficiente, por exemplo, para custear o investimento de um ano do programa Bolsa Família. Nos últimos doze anos, o lucro líquido acumulado supera R$ 300 bilhões.
Os resultados financeiros refletem o trabalho do dia a dia. A produção de petróleo da companhia cresceu 50% de 2002 a 2014, sempre acima da média mundial. Apenas no ano passado, cresceu cerca de 7,5%, graças aos campos do pré-sal. A Petrobras é a única petrolífera que registrou crescimento de produção nos últimos anos em comparação com as gigantes do mercado, como Shell, Exxon, Chevron e BP, que estão sofrendo com a crise financeira internacional.
O número de plataformas da empresa mais que dobrou de 2002 até hoje: eram 36e agora são 82, resultado do forte investimento feito na última década. A Petrobras, que no passado investia US$ 2 bilhõespor ano, passou a investir mais de US$ 3,5 bilhõespor mês.
Essa é a empresa real – com números reais – que querem esconder valendo-se das denúncias que surgiram com a Operação Lava Jato, o que gerou o clima de forte especulação que fez a companhia perder tanto valor de mercado em tão pouco tempo. A Petrobras é uma empresa sólida, mas a campanha em curso – em discurso uníssono na imprensa – visa enfraquecê-la. Tentam reverter as mudanças do marco regulatório do pré-sal brasileiro, a que se adiciona o papel geopolítico de uma petroleira brasileira enfraquecida, com uma cadeia de fornecedores, em formação, destroçada e sem condições de continuar competindo para formar uma indústria com conteúdo nacional que gere emprego e renda no país.
O contexto internacional
Também não podemos perder de vista o contexto internacional do mercado de petróleo e o papel estratégico da Arábia Saudita. De 1973, com a crise da guerra árabes-Israel, até 2013, o mercado vinha atuando com a Arábia Saudita sendo o país que regulava a produção adicional sobre a demanda, de forma a impedir quedas acentuadas de preços ou seu aumento demasiado, via ajuste de sua produção nacional. A Arábia Saudita tem um custo de extração do barril do petróleo relativamente baixo em relação aos preços de venda internacional e, portanto, poderia suportar ajustes de preços maiores do que produtores com custos mais elevados.
A Opep, que reunia os países exportadores de petróleo, combinava essa dinâmica e internamente ajustava a produção excedente. Nos últimos anos, em especial a partir de 2008, esse esquema começou a ser questionado.
A produção adicional proveniente dos Estados Unidos, com a expansão das técnicas de fracionamento dos reservatórios no shale gase tight oil e a consequente disponibilidade, por meio da produção associada de condensados equivalentes a óleo leve, tornou esse país o maior mercado consumidor do mundo, praticamente autossuficiente de petróleo leve, ainda que continue a importar petróleo pesado.
Por outro lado, a oferta futura de petróleo não convencional – dos Estados Unidos e das areias betuminosas do Canadá – e do ultrapesado da Venezuela ameaçava o equilíbrio tradicional, em que a produção da Opep era chave. Junto com as perspectivas de crescimento do pré-sal brasileiro, a geopolítica do petróleo passou a considerar as mudanças de papéis de seus atores.
A Arábia Saudita se recusa a baixar sua produção para ajustar os preços, esperando que a queda nos valores tire do mercado – como já começa a acontecer – os produtores norte-americanos de óleo não convencional, colocando o preço do petróleo em níveis ameaçadores para a continuidade de alguns projetos de produção futura de não convencionais. Essa situação ainda não chegou a ameaçar o pré-sal brasileiro, mas já começa a afetar as economias do Irã, da Venezuela e da Rússia, tradicionais adversários dos Estados Unidos na política internacional.
A continuidade dos preços baixos, no entanto, associada aos impactos no mercado financeiro da campanha contra a Petrobras, tentando generalizar comportamentos individuais criminosos com o comportamento da corporação, podem tornar seu papel-chave no modelo de produção desenhado impossível de ser executado.
Essa situação fica ainda mais perigosa se as empresas que estão começando a se preparar para expandir a capacidade de produção da cadeia de suprimento do setor se inviabilizarem.
Isso é o que está em jogo com essa campanha. Os opositores são os mesmos que foram contrários à própria existência da Petrobras, desde seu início. O viés político que se vê em alta no ataque à companhia é infinitamente mais perverso para o futuro do país se comparado aos atos ilícitos até aqui descobertos. É dever cívico alertar e deixar claro a quem interessa que há uma Petrobras fragilizada em meio a tantas denúncias. É o futuro do Brasil que está em jogo.
*José Sergio Gabrielli de Azevedo é professor aposentado da UFBA e ex-presidente da Petrobras (2005-2012).
Os 10 mandamentos da Reforma Política que o Brasil não fará
A falta de regras adequadas no sistema político é a verdadeira responsável pela corrupção e pela descrença na política manifestada pelos brasileiros.
Carta Maior
A grita pelo sangue da classe política repete o ciclo deplorável de unção, delinquência e repúdio, a que se submeteram todos os governos da nova República. Esse padrão, renitente, marca a paralisia de tudo o que importa para o Brasil. Um país que assiste, bovinamente, os voos de galinha do gigante que, outrora adormecido, acordou, mas que teima em rolar, eternamente deprimido, em berço esplêndido.
A breve vida dos governos e de seus heróis tem-nos impedido de construir um país melhor, de fazer reformas essenciais para aplacar as desigualdades sociais, para prover-nos a competitividade capaz de alçar o Brasil à sua verdadeira estatura. Todas essas reformas dependem, contudo, de uma reforma essencial, que as antecede: a reforma política.
A nossa absoluta carência de um adequado regramento da política responde por todas as crises de corrupção, pela descrença na política e nos políticos, pelo cinismo e pelo banditismo político desavergonhado no Brasil.
Mas se basta fazer uma reforma política para colocar o Brasil nos trilhos que nos levarão à glória, por que, então, não a fazemos? Por que não a fizemos antes?!
Implementar uma reforma política significa cassar privilégios, estabelecer democraticamente as funções do Estado, estabelecer os limites do Estado nas relações com o cidadão, desmantelar organizações político-criminosas, enfrentar com coragem e patriotismo as mazelas do país.
Os autores deste artigo, mesmo descrentes, ousam expressar aqueles que seriam (e que podem ser, se o povo realmente quiser) os 10 mandamentos da Reforma Política que o Brasil não fará:
1º O financiamento público de campanha ou o financiamento privado associativo. É a única maneira de impedir que os interesses egoísticos de poucas empresas se sobreponham, em razão do poder econômico, aos do cidadão comum, das coletividades e dos legítimos grupos de pressão. A adequada disciplina do financiamento de campanha também refreará o manejo prostituído das relações público-privadas, sobretudo a malversação de recursos de empresas públicas e o superfaturamento dos preços de obras e de serviços prestados ao Estado, com fins de financiar sub-repticiamente o acesso ao poder político.
2º A regulamentação do lobby pré e pós eleitoral. Não podemos simplesmente fingir que o lobby não existe. A conduta das pessoas e das organizações que medeiam as relações entre a sociedade civil e a classe política precisa ser fiscalizada e submetida a uma absoluta transparência. Um enquadramento legal das frentes parlamentares é, nesse particular, elemento essencial. Não é aceitável que se organizem bancadas multipartidárias, financiadas por poucas empresas privadas, sem qualquer controle do Estado e do cidadão.
3º O financiamento meritocrático da empresa privada pelo Estado. É indispensável uma revisão dos critérios ao financiamento estatal das empresas privadas, com mais recursos às micro, às pequenas e às médias empresas. As linhas de crédito providas por bancos públicos, e a aquisição de títulos de dívida ou de participação societária devem atender critérios de utilidade pública e de mercado. Não é possível que aos amigos sejam entregues todos os recursos. Ao mesmo tempo, o Estado não pode opor uma competição devastadora aos meios privados de financiamento. Essa competição responde, de um lado, pelo pálido resultado do nosso mercado de capitais, e, de outro, pelas taxas de juros escorchantes, a que se submete a esmagadora maioria dos brasileiros.
4º A racionalização da ingerência estatal sobre os fundos de pensão, em especial as Entidades Fechadas de Previdência Complementar organizadas por empresas públicas e os Regimes Particulares de Previdência Social. Não se pode perder de vista que, aqui, o interesse em jogo é o do trabalhador brasileiro, na preservação e capitalização de sua poupança, para que seja capaz de zelar por sua subsistência no período de inatividade que segue à aposentadoria. Qualquer ingerência estatal deve se submeter evidentemente ao interesse nacional e às finalidades próprias das entidades de previdência complementar. Essas organizações não podem se sujeitar à pequena política, financiar campanhas eleitorais à sorrelfa ou entreter relações promíscuas com o particular. Nesse caso, o melhor é que a estratégia pontual de investimento das chamadas “fundações” seja entregue exclusivamente a profissionais de mercado, sujeitos à observância, no geral, do interesse nacional e, no particular, do interesse do trabalhador beneficiário.
5º A transformação do Supremo Tribunal Federal em uma verdadeira Corte Constitucional. Deve haver mandato fixo para seus membros e escolha dos mesmos pelo Presidente da República e Congresso Nacional. Importante dar voz, nessa indicação, aos grupos menos representados, a exemplo do modelo alemão, em que a maioria parlamentar e também a minoria podem indicar um juiz da Corte Constitucional. Além disto, o Supremo Tribunal Federal, como Corte Constitucional, deve dedicar-se às questões de cunho efetivamente constitucional, deixando de ser a última instância recursal do país.
6º A racionalização do ativismo judicial. O ativismo judicial, disseminado em todas as instâncias do judiciário nacional, consuma um verdadeiro esvaziamento da política e dos políticos pelo Poder Judiciário. Surpreende – no Brasil e mesmo nas democracias europeias ou dos Estados Unidos – que pouco enfrentamento tenha tal cenário desencadeado da parte da sociedade e de outros poderes políticos. Ao promulgar-se a Emenda Constitucional 45/2004 reafirmou-se não somente a súmula vinculante como a pretensão do Supremo Tribunal Federal de revestir-se na condição de soberano, como se fosse o único corpo político a deter a última palavra sobre quase tudo. Há mais: como único ator institucional a ter o poder de decisão para reforma de suas próprias súmulas vinculantes, o Supremo Tribunal Federal desvincula-se de si próprio, procurando ratificar sua soberania sobre o poder constituinte. Nesse sentido, é indispensável à retomada do debate iniciado com a Proposta de Emenda à Constituição nº 33, de 2011, a qual “altera a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis; condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição”.
7º A manutenção do sistema proporcional. No Brasil, a representação gira tradicionalmente em torno de duas ideias fundamentais. A primeira é a do mandato livre e independente, isto é, de que os representantes, ao serem eleitos, não se submetem às reivindicações e aos interesses de seus eleitores. É o representante quem possui a capacidade de discernimento para deliberar sobre os verdadeiros interesses dos seus constituintes. A segunda ideia fundamental é o princípio de que o sistema democrático representativo deve se basear no governo da maioria. Praticamente todas as leis eleitorais que vigoraram no Brasil buscaram a formação de maiorias compactas capazes de governar. Essas grandes ideias nos levaram ao abandono do sistema majoritário (que vinha desde o Império) para a instituição, em 1932, do sistema proporcional. Os sistemas de representação proporcional são reconhecidos como os mais representativos, reproduzindo melhor a vontade do eleitorado ao permitir a representação das minorias. Eles também conduzem ao multipartidarismo, à fracionalização eleitoral e partidária e à instabilidade política. Por sua vez, o sistema majoritário ou distrital nada mais é que o reforço das questões paroquiais e locais em detrimento das nacionais, elegendo representantes vinculados apenas ao seu distrito ou região e reduzindo a pluralidade de ideias e opiniões passíveis de serem representadas no Poder Legislativo. É impossível um sistema proporcional perfeito, mas ainda assim, por permitir a representação de todas as correntes, com o reforço do papel dos partidos políticos como entes capazes de organizar a atuação política dos representantes eleitos, é mais democrático e é preferível ao sistema majoritário.
8º A ampliação dos instrumentos de participação popular. Devem ser criadas organizações e canais institucionais capazes de pavimentar a comunicação entre a sociedade civil e o Estado e desintermediar a democracia e o exercício da cidadania. A participação popular, por meio de plebiscitos, referendos, projetos de iniciativa popular, participação em conselhos, audiências públicas, etc., é o que dá vida e estabilidade a um regime efetivamente democrático. É prática corrente em todos os países democráticos, como os Estados Unidos, a Suíça, a Itália, etc. Apelidar os instrumentos de participação popular, previstos na Constituição e nas leis que regem o país, como “populistas”, “demagógicos” ou “bolivarianos” nada mais é do que expressar a demofobia que toma conta de boa parte de nossa elite política e econômica.
9º A participação popular na elaboração orçamentária. A alocação dos recursos arrecadados pelo Estado deve decorrer de políticas de Estado, jamais do compadrio e do atendimento a interesses escusos. A elaboração dessas políticas pressupõe uma intensa vigilância e participação dos diversos segmentos da sociedade civil. A transparência na alocação, distribuição e emprego dos recursos públicos deve ser ampliada e o controle popular estimulado, reforçando a cultura de defesa da res publica e do interesse público em detrimento do patrimonialismo.
10º A consolidação de uma cultura de controle e transparência sobre a gestão pública. A questão do controle público sobre o Estado no Brasil continua pendente. Ainda não conseguimos adotar soluções eficazes e legítimas para impedir ou cercear o arbítrio e irresponsabilidade da atuação do Estado, bem como sua corporativização e privatização. Para tanto, devemos superar o ideário de controle liberal, ou seja, não podemos simplesmente alargar as instituições de controle liberais tradicionais, desprezando o controle público e democrático pelos cidadãos. Os meios judiciais não são também eficientes. O Ministério Público não salvará a República. O Supremo Tribunal Federal tampouco o fará. O desafio continua sendo encontrarmos um modo de submeter a critérios sociais e democráticos a atuação, ou omissão, do Estado, através de um controle político e efetivamente democrático.
O desprezo a essas questões essenciais ao país nos lançará a um eterno bater de panelas. O povo deve assumir seu papel na construção de um país melhor. Não serão governantes isolados capazes de salvar a pátria, tampouco os únicos responsáveis por seu malogro. Essa é uma tarefa de todos e de cada um dos brasileiros e brasileiras.
Carta Maior
A grita pelo sangue da classe política repete o ciclo deplorável de unção, delinquência e repúdio, a que se submeteram todos os governos da nova República. Esse padrão, renitente, marca a paralisia de tudo o que importa para o Brasil. Um país que assiste, bovinamente, os voos de galinha do gigante que, outrora adormecido, acordou, mas que teima em rolar, eternamente deprimido, em berço esplêndido.
A breve vida dos governos e de seus heróis tem-nos impedido de construir um país melhor, de fazer reformas essenciais para aplacar as desigualdades sociais, para prover-nos a competitividade capaz de alçar o Brasil à sua verdadeira estatura. Todas essas reformas dependem, contudo, de uma reforma essencial, que as antecede: a reforma política.
A nossa absoluta carência de um adequado regramento da política responde por todas as crises de corrupção, pela descrença na política e nos políticos, pelo cinismo e pelo banditismo político desavergonhado no Brasil.
Mas se basta fazer uma reforma política para colocar o Brasil nos trilhos que nos levarão à glória, por que, então, não a fazemos? Por que não a fizemos antes?!
Implementar uma reforma política significa cassar privilégios, estabelecer democraticamente as funções do Estado, estabelecer os limites do Estado nas relações com o cidadão, desmantelar organizações político-criminosas, enfrentar com coragem e patriotismo as mazelas do país.
Os autores deste artigo, mesmo descrentes, ousam expressar aqueles que seriam (e que podem ser, se o povo realmente quiser) os 10 mandamentos da Reforma Política que o Brasil não fará:
1º O financiamento público de campanha ou o financiamento privado associativo. É a única maneira de impedir que os interesses egoísticos de poucas empresas se sobreponham, em razão do poder econômico, aos do cidadão comum, das coletividades e dos legítimos grupos de pressão. A adequada disciplina do financiamento de campanha também refreará o manejo prostituído das relações público-privadas, sobretudo a malversação de recursos de empresas públicas e o superfaturamento dos preços de obras e de serviços prestados ao Estado, com fins de financiar sub-repticiamente o acesso ao poder político.
2º A regulamentação do lobby pré e pós eleitoral. Não podemos simplesmente fingir que o lobby não existe. A conduta das pessoas e das organizações que medeiam as relações entre a sociedade civil e a classe política precisa ser fiscalizada e submetida a uma absoluta transparência. Um enquadramento legal das frentes parlamentares é, nesse particular, elemento essencial. Não é aceitável que se organizem bancadas multipartidárias, financiadas por poucas empresas privadas, sem qualquer controle do Estado e do cidadão.
3º O financiamento meritocrático da empresa privada pelo Estado. É indispensável uma revisão dos critérios ao financiamento estatal das empresas privadas, com mais recursos às micro, às pequenas e às médias empresas. As linhas de crédito providas por bancos públicos, e a aquisição de títulos de dívida ou de participação societária devem atender critérios de utilidade pública e de mercado. Não é possível que aos amigos sejam entregues todos os recursos. Ao mesmo tempo, o Estado não pode opor uma competição devastadora aos meios privados de financiamento. Essa competição responde, de um lado, pelo pálido resultado do nosso mercado de capitais, e, de outro, pelas taxas de juros escorchantes, a que se submete a esmagadora maioria dos brasileiros.
4º A racionalização da ingerência estatal sobre os fundos de pensão, em especial as Entidades Fechadas de Previdência Complementar organizadas por empresas públicas e os Regimes Particulares de Previdência Social. Não se pode perder de vista que, aqui, o interesse em jogo é o do trabalhador brasileiro, na preservação e capitalização de sua poupança, para que seja capaz de zelar por sua subsistência no período de inatividade que segue à aposentadoria. Qualquer ingerência estatal deve se submeter evidentemente ao interesse nacional e às finalidades próprias das entidades de previdência complementar. Essas organizações não podem se sujeitar à pequena política, financiar campanhas eleitorais à sorrelfa ou entreter relações promíscuas com o particular. Nesse caso, o melhor é que a estratégia pontual de investimento das chamadas “fundações” seja entregue exclusivamente a profissionais de mercado, sujeitos à observância, no geral, do interesse nacional e, no particular, do interesse do trabalhador beneficiário.
5º A transformação do Supremo Tribunal Federal em uma verdadeira Corte Constitucional. Deve haver mandato fixo para seus membros e escolha dos mesmos pelo Presidente da República e Congresso Nacional. Importante dar voz, nessa indicação, aos grupos menos representados, a exemplo do modelo alemão, em que a maioria parlamentar e também a minoria podem indicar um juiz da Corte Constitucional. Além disto, o Supremo Tribunal Federal, como Corte Constitucional, deve dedicar-se às questões de cunho efetivamente constitucional, deixando de ser a última instância recursal do país.
6º A racionalização do ativismo judicial. O ativismo judicial, disseminado em todas as instâncias do judiciário nacional, consuma um verdadeiro esvaziamento da política e dos políticos pelo Poder Judiciário. Surpreende – no Brasil e mesmo nas democracias europeias ou dos Estados Unidos – que pouco enfrentamento tenha tal cenário desencadeado da parte da sociedade e de outros poderes políticos. Ao promulgar-se a Emenda Constitucional 45/2004 reafirmou-se não somente a súmula vinculante como a pretensão do Supremo Tribunal Federal de revestir-se na condição de soberano, como se fosse o único corpo político a deter a última palavra sobre quase tudo. Há mais: como único ator institucional a ter o poder de decisão para reforma de suas próprias súmulas vinculantes, o Supremo Tribunal Federal desvincula-se de si próprio, procurando ratificar sua soberania sobre o poder constituinte. Nesse sentido, é indispensável à retomada do debate iniciado com a Proposta de Emenda à Constituição nº 33, de 2011, a qual “altera a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis; condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição”.
7º A manutenção do sistema proporcional. No Brasil, a representação gira tradicionalmente em torno de duas ideias fundamentais. A primeira é a do mandato livre e independente, isto é, de que os representantes, ao serem eleitos, não se submetem às reivindicações e aos interesses de seus eleitores. É o representante quem possui a capacidade de discernimento para deliberar sobre os verdadeiros interesses dos seus constituintes. A segunda ideia fundamental é o princípio de que o sistema democrático representativo deve se basear no governo da maioria. Praticamente todas as leis eleitorais que vigoraram no Brasil buscaram a formação de maiorias compactas capazes de governar. Essas grandes ideias nos levaram ao abandono do sistema majoritário (que vinha desde o Império) para a instituição, em 1932, do sistema proporcional. Os sistemas de representação proporcional são reconhecidos como os mais representativos, reproduzindo melhor a vontade do eleitorado ao permitir a representação das minorias. Eles também conduzem ao multipartidarismo, à fracionalização eleitoral e partidária e à instabilidade política. Por sua vez, o sistema majoritário ou distrital nada mais é que o reforço das questões paroquiais e locais em detrimento das nacionais, elegendo representantes vinculados apenas ao seu distrito ou região e reduzindo a pluralidade de ideias e opiniões passíveis de serem representadas no Poder Legislativo. É impossível um sistema proporcional perfeito, mas ainda assim, por permitir a representação de todas as correntes, com o reforço do papel dos partidos políticos como entes capazes de organizar a atuação política dos representantes eleitos, é mais democrático e é preferível ao sistema majoritário.
8º A ampliação dos instrumentos de participação popular. Devem ser criadas organizações e canais institucionais capazes de pavimentar a comunicação entre a sociedade civil e o Estado e desintermediar a democracia e o exercício da cidadania. A participação popular, por meio de plebiscitos, referendos, projetos de iniciativa popular, participação em conselhos, audiências públicas, etc., é o que dá vida e estabilidade a um regime efetivamente democrático. É prática corrente em todos os países democráticos, como os Estados Unidos, a Suíça, a Itália, etc. Apelidar os instrumentos de participação popular, previstos na Constituição e nas leis que regem o país, como “populistas”, “demagógicos” ou “bolivarianos” nada mais é do que expressar a demofobia que toma conta de boa parte de nossa elite política e econômica.
9º A participação popular na elaboração orçamentária. A alocação dos recursos arrecadados pelo Estado deve decorrer de políticas de Estado, jamais do compadrio e do atendimento a interesses escusos. A elaboração dessas políticas pressupõe uma intensa vigilância e participação dos diversos segmentos da sociedade civil. A transparência na alocação, distribuição e emprego dos recursos públicos deve ser ampliada e o controle popular estimulado, reforçando a cultura de defesa da res publica e do interesse público em detrimento do patrimonialismo.
10º A consolidação de uma cultura de controle e transparência sobre a gestão pública. A questão do controle público sobre o Estado no Brasil continua pendente. Ainda não conseguimos adotar soluções eficazes e legítimas para impedir ou cercear o arbítrio e irresponsabilidade da atuação do Estado, bem como sua corporativização e privatização. Para tanto, devemos superar o ideário de controle liberal, ou seja, não podemos simplesmente alargar as instituições de controle liberais tradicionais, desprezando o controle público e democrático pelos cidadãos. Os meios judiciais não são também eficientes. O Ministério Público não salvará a República. O Supremo Tribunal Federal tampouco o fará. O desafio continua sendo encontrarmos um modo de submeter a critérios sociais e democráticos a atuação, ou omissão, do Estado, através de um controle político e efetivamente democrático.
O desprezo a essas questões essenciais ao país nos lançará a um eterno bater de panelas. O povo deve assumir seu papel na construção de um país melhor. Não serão governantes isolados capazes de salvar a pátria, tampouco os únicos responsáveis por seu malogro. Essa é uma tarefa de todos e de cada um dos brasileiros e brasileiras.
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