Carta Capital
Sociólogo Jessé de Souza vê desigualdade social como problema mais grave que corrupção e tem visão ácida sobre classe média
por André Barrocal
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada terá um novo presidente. Ligado ao Palácio do Planalto, o Ipea será comandado pelo sociólogo potiguar Jessé de Souza, professor da Universidade Federal Fluminense. À frente de um orçamento de 300 milhões de reais, ele estará em condições de ditar o rumo do principal think tank brasileiro. Terá o poder de influenciar a opinião pública com seus pontos de vista e com os estudos priorizados na instituição. Em tempos de furor anticorrupção e de ajuste fiscal, prenuncia-se uma chacoalhada no noticiário.
Acadêmico de inclinação progressista, Souza tem posições polêmicas, como se pode constatar em algumas entrevistas concedidas no ano passado. Por exemplo: ele não acha que o principal mal do País seja a corrupção. “Claro que a corrupção tem de ser combatida, mas é um dado endêmico do capitalismo em todas as partes do mundo. Essa dramatização [da corrupção] tem efeitos políticos. A quem interessa efetivamente que o Estado seja denegrido, dito ineficiente?”, disse em agosto ao programa Jogo do Poder, da rede CNT.
Para ele, esta demonização do setor público tem objetivos mercantis. “Quando você diz que só o mercado é virtuoso e tudo o que o Estado faz está marcado pela ineficiência, o que você está querendo dizer que é esse campo pode ser mercantilizado e transformado em apropriação privada para poucos”, afirmou na mesma entrevista.
O tema da corrupção, pensa o sociólogo, teria se tornado um “espantalho” no País, a indispor as pessoas com o poder público e a barrar o debate de problemas realmente graves, como a elevada desigualdade social e a exploração do trabalhador. “No Brasil, quase 70% da riqueza nacional, e o brasileiro normalmente não sabe, é lucro, juro, aluguel ou renda de capital”, disse Souza ao Canal Futura em julho. “O que diferencia o Brasil de países como EUA, Alemanha, França, que a gente admira tanto” não é o nível de corrupção, mas “o fato de que a gente aceita manter um terço da população numa situação subumana, de que a gente acha legal quando a polícia mata.”
Souza possui uma visão ácida sobre a classe média, celeiro dos protestos anticorrupção. A vê como “tropa de choque dos endinheirados” e predisposta a botar a culpa dos problemas do País “numa elite encrustada no Estado” quando “no fundo essa elite está encrustada no mercado”.
“Ainda que a classe média – e suas frações mais conservadoras – não decida mais eleições majoritárias no Brasil, é ela que detém a hegemonia política e cultural e influencia não só amplos setores das próprias classes populares, mas também decide o que é julgado nos tribunais, o que é publicado nos jornais, dito na TV e o que é discutido nas universidades”, disse em janeiro ao jornal O Estado de S. Paulo. “Ela domina a esfera pública que decide o que é certo e errado na prática cotidiana real e é por isso que temos uma agenda de "políticas públicas informais" que inclui, por exemplo, matança indiscriminada e violência contra os pobres sem que ninguém – salvo em exceções dramatizadas pela mídia como o caso de Amarildo no Rio – seja responsabilizado.”
O acadêmico é partidário da tese de que a ascensão social na década passada produziu uma nova classe trabalhadora, não uma “nova classe média”, visão desenvolvida no livro Batalhadores Brasileiros. Classe média, diz ele, não é definida pela renda, mas pelo tipo de vida, de visão de mundo e de trabalho. São ideias opostas à do economista Marcelo Neri, presidente do Ipea entre setembro de 2012 e maio de 2014 e autor do livro A nova classe média. E semelhantes às do antecessor de Neri, o também economia Márcio Pochmann, dirigente da instituição entre 2007 e 2012 e autor de O mito de grande classe média.
Por suas afinidades com Pochmann e divergências com Neri, Souza tende a promover uma guinada progressista no Ipea. Com Neri, houve uma ascensão de pesquisadores neoliberais e ortodoxos, muitas vezes portadores de ideias contrárias a teses históricas do lulismo. Essa ruptura teria sido a causa da queda da produção e do brilho do Ipea nos últimos tempos, na visão de pesquisadores insatisfeitos com a gestão Neri.
Um dos diretores mais ameaçados é Renato Baumann, da área internacional. Ele defende a criação de uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), ideia sepultada com a ajuda do Brasil no início do governo Lula, e acha que o País não deveria gastar energia com a África, outro xodó da política externa lulista.
Jessé de Souza ainda precisa ser confirmado oficialmente no cargo, mas na prática a transição começou na segunda-feira 23. Ele substituirá o economista Sergei Soares, que teve um mandato tampão na presidência do órgão desde a saída de Neri. O nome do sociólogo já circulava no Palácio do Planalto desde meados de fevereiro, logo após a posse do ministro Roberto Mangabeira Unger na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, pasta ao qual o Ipea é formalmente subordinado.
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