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terça-feira, novembro 13, 2012
A traição que derrubou o diretor da CIA
Do Buzzfeed Politics
Os pecados do general David Petraeus
Por Michael Hastings - tradução por Vila Vudu no redecastorphoto
Petraeus seduziu os EUA. Ninguém jamais poderia ter confiado nele.
A fraude que o general David Petraeus perpetrou contra os EUA começou muitos anos antes de o general seduzir Paula Broadwell, sua subordinada, 20 anos mais jovem que ele, depois de conhecê-la numa visita ao campus, em Harvard.
Mais do que no caso de qualquer outro militar de alto escalão, toda a filosofia de Petraeus sempre se baseou em encobrir a verdade, em dissimular, em construir uma imagem falsa e operá-la. “A percepção” é chave, escreveu Petraeus em dissertação de 1987 em Princeton. “O que os políticos creiam que tenha acontecido em qualquer determinado caso é o que importa – sempre mais do que o que realmente aconteceu”.
É. O que realmente aconteceu não importa. O que importa é o que você consiga convencer o público a crer que aconteceu.
Até o último fim de semana, Petraeus foi incrivelmente bem sucedido em fazer o público crer que ele seria homem honrado e de alta integridade, dentre outras qualidades. A maioria das estórias publicadas sobre ele são o que nós, da mídia, costumamos chamar de “blowjob”. Vanity Fair. The New Yorker. The New York Times. The Washington Post. Time. Newsweek.
Todas, absolutamente todas as matérias e perfis, encenados-gerenciados pelo aparelho de multimilhões de dólares de Relações Públicas do Pentágono, construíram mito irrealista, sobre-humano, em torno do general. No final, não ajudaram nem o general nem a opinião pública. Ironicamente, apesar da felação midiática, a imprensa-empresa planetária moralista e obcecada por sexo perdeu, de certo modo, o verdadeiro blowjob.
Antes de expor a contranarrativa sobre Petraeus – narrativa intencionalmente ignorada por praticamente toda a imprensa do Pentágono e pelos jornalistas que cobrem temas de segurança nacional, por razões que adiante explicarei –, permitam-me dizer algo sobre o homem que já foi chamado de “Rei David”, “General Nos-Traiu”; e de “P4 [estrelas]”, por, respectivamente, seus admiradores, seus inimigos e seus colegas de farda.
Petraeus é sujeito impressionante, indivíduo altissimamente motivado, canastrão de categoria estelar, viciado em malhação e homem que passou mais tempo nos lugares mais infernais do mundo, nos últimos dez anos, que qualquer outro americano a serviço dos EUA. Acompanhei-o, encarregado de cobrir seus passos, durante sete anos. Petraeus sempre me inspirou respeito e profunda, distorcida, atormentada admiração.
Portanto, é justo dizer que P4 merece, provavelmente, coisa um pouco melhor que a humilhação pública que o aguarda. Fontes que o temeram mortalmente durante muito tempo, já começaram a vazar detalhes de máxima sordidez: uma dessas fontes contou-me, essa semana, que Petraeus levou Broadwell em viagem a Paris, paga pelos contribuintes norte-americanos, em julho de 2011. E haverá perguntas cada dia mais incisivas sobre seu papel na catástrofe de Benghazi.
Broadwell, ela também, será massacrada como ninguém merece ser, em nenhum caso. É a Monica Lewinksy do Pentágono – e, apesar do sempre eficaz e elogiado aparato de contrainformação da Equipe Petraeus, que falará de integridade e coragem, não demorou nem um dia para que até os aliados já estejam fazendo chover sobre a imprensa hectares de declarações anônimas que a cobrem de lama; é mulher formada em West Point, casada e mãe de dois filhos. O Washington Post já escreveu que sempre usava “roupas colantes”; e que “cravou as garras nele”. Em outras palavras: como Old Dave resistiria aos charmes dessa messalina? Comportamento obsceno. Como diria o Dr. Andrew Exum, aliado de Petraeus e intelectual especialista em contraguerrilha, “mantenha a classe!”.
Mas já há anos viam-se por todos os lados indícios da desonestidade essencial de Petraeus. Em rápido resumo: pode-se começar pelas persistentes dúvidas que surgiram sobre a sua medalha Bronze Star for Valor. Ou quando, em 2004, durante campanha presidencial, Petraeus publicou coluna assinada no Washington Post, de apoio ao presidente Bush, na qual dizia que a política para o Iraque funcionava muito bem. A política para o Iraque já estava funcionando muito mal, mas Bush retribuiu o empenho político do general: três anos depois, deu-lhe o posto de senhor absoluto da guerra.
Há também seu currículo de guerra no Iraque, que começa quando chefiou o programa de treinamento de forças de segurança iraquianas, em 2004. Petraeus safou-se, apesar da muitas armas que perdeu para o inimigo, da corrupção insana e do fato de que, essencialmente, armou e treinou forças que, depois, ganharam fama como “os esquadrões da morte do Iraque”. Na fase final de sua encenação no Iraque, durante a chamada “avançada”, Petraeus consumou o que talvez seja o mais impressionante serviço sujo de toda a história norte-americana recente: convenceu todo o establishment em Washington de que vencera a guerra.
Conseguiu enganar toda aquela gente, encobrindo a verdadeira cara da “avançada”. Ninguém absolutamente ficou sabendo que os EUA nos penduramos no lado xiita de uma guerra civil, armamos os xiitas até os dentes e mentimos tão massivamente aos sunitas, que eles também acreditaram que os EUA também os ajudaríamos a sair daquela loucura. Foi empreitada brutal. Mas de 800 norte-americanos morreram naquela “avançada”; e centenas de milhares de iraquianos morreram em seguida, no conflito sectário gerado pelas políticas de Petraeus. E, de repente, Petraeus sumiu de lá, evaporou, e deixou os sunitas do “Despertar Sunita” entregues à própria sorte. Jornalista meu amigo contou-me a história de um membro do “Despertar Sunita”, que vivia exilado em Amman, ao qual Petraeus dera garantias pessoais de que não seria abandonado. O ex-guerrilheiro mantinha uma foto de Petraeus na parede de casa. Sofreu muito quando, de repente, o general deixou de atender seus telefonemas.
É possível que os militantes do MoveOn tenham exagerado ao apelidá-lo de “General Nos Traiu” em Washington, mas não há dúvidas de que Petraeus traiu muitos do movimento “Despertar” no Iraque.
Petraeus foi tão convincente na ficção sobre Bagdá, que induziu o presidente Obama a repetir a experiência em Kabul. No Afeganistão, começou por empurrar a Casa Branca para uma escalada na guerra em setembro de 2009 (mandou seus colunistas “enquadrar” o presidente, deixá-lo sem alternativa) e comandou vastíssima campanha de vazamentos para minar o processo político na Casa Branca. Frase famosa de Petraeus, nessa época, foi o alerta, dirigido ao seu pessoal, de que a Casa Branca estava “fodendo” o cara errado.
Mas o fracasso da avançada afegã voltaria, e o pegaria pela retaguarda. Um ano depois de ter conseguido a guerra que tanto desejava, P4 viu-se cercado, obrigado a fazer a própria guerra, ele mesmo. Depois que o amigo-inimigo de Petraeus, o general Stanley McChrystal, foi demitido por ter envolvido a Casa Branca numa história que publiquei em Rolling Stone, o intelectual guerreiro teve de superar-se mais uma vez.
A guerra afegã foi fracasso de proporções monumentais, sempre foi e sempre seria – Petraeus fez negócios horrendos com gente como Abdul Razzik e outros gângsteres afegãos e matou muita gente que não precisava morrer. E nada alterou coisa alguma, ou provocou qualquer mácula em sua reputação. Foi quando Broadwell passou a trabalhar com ele no quartel-general. Nem chega a chocar que o general precisasse de alguma consolação, viesse de onde viesse, para conseguir não pensar 24 horas por dia no show de horrores em que se metera.
(No verão passado, houve mais ataques no Afeganistão que no verão antes da Avançada, estatística devastadora. Poderia até continuar, mas os interessados podem verificar todos os dados em The Operators: The Wild and Terrifying Inside Story of America’s War in Afghanistan [Os operadores: a história oculta, selvagem e aterrorizante da guerra dos EUA no Afeganistão]).
Como é possível que Petraeus tenha-se safado de tudo isso, por tanto tempo? Bem, o primeiro dos seus casos – e caso que, esse sim, importa muito mais do que um homem dormir com uma ou duas mulheres – foi com a imprensa-empresa nos EUA.
(Para os arquivos: quem, diabo, dá alguma bola para uma ou outra com quem P4 se deite? A notícia de que o FBI estava investigando a vida sexual do general diz muito mais sobre o FBI e o estado absurdo de vigilância e segurança nacional sob o qual todos os norte-americanos vivemos hoje, do que sobre a moralidade do Rei David.)
A primeira biógrafa de Petraeus, Linda Robinson, ex-repórter de U.S. News and World Report, escreveu seu livro sobre o general e, ato seguinte, já estava empregada no CENTCOM, trabalhando para seu biografado. É. Pressuposta jornalista, publicou biografia dele e, em seguida, passou a receber cheques dele. Não incomodou ninguém, ninguém viu, nenhuma notícia.
Outro forte apoiador foi Tom Ricks, ex-jornalista do Washington Post, o qual construiu para si uma segunda carreira como agente não oficial de imprensa a serviço do general Petraeus e de seus amigos. Ricks é o comandante-em-chefe do que costumo chamar de “complexo industrial imprensa-militar”, o homem que fixa o padrão para a mútua corrupção-incesto diária ininterrupta. Não apenas promoveu Dave; também facilitou a relação desastrosa entre Broadwell e Petraeus. Ricks é o homem que conseguiu um agente literário para Broadwell, além de um contrato de seis dígitos para escrever seu livro e editor para publicá-lo.
Broadwell foi vendida aos editores tanto pelo corpo quanto pelos escritos – era embalagem atraente na qual meter Petraeus e seu ideário de contraguerrilha; ajudava a vender. Geoff Shandler, editor de Little Brown, contou-me certa vez o quanto Broadwell lhe parecera “quente”, quando apareceu para visitá-lo no escritório. Sugeriu fortemente que Broadwell o excitara. Tudo, claro, questão de integridade intelectual, sim, não há dúvida.
Ricks fez a publicidade de Broadwell em “All In”; antes, já promovera o mesmo conteúdo em seu blog – que ostentava o estranhíssimo título de “Viagens com Paula” – manchete que ele plantou numa matéria sobre a total destruição de uma pequena vila no sul do Afeganistão, por soldados dos EUA. Broadwell pintou a operação ultra-violenta de extermínio, em termos os mais favoráveis – e, quando foi confrontada por um sobrevivente do massacre, cuja casa fora destruída, ela escreveu que “as lágrimas e a ira do afegão” pareceram-lhe “surto teatralizado”.
Esse era o tipo de merda que Ricks e Broadwell estavam divulgando – e não só não apareceu quem chamasse a merda de merda: a coisa foi acolhida como trabalho sério. Ricks, claro, não foi o único. Petraeus controlava, uns mais outros menos, jornalistas de todos os principais veículos que ruminam em volta do Pentágono. O dinheiro e todos os fatores eram canalizados, via de regra, através de um terceiro “vetor”; por exemplo, o Center For A New American Security (CNAS).
O CNAS foi operação inspirada por Petraeus desde o início, em 2007, e ganhou reputação ao promover os planos de contraguerrilha de Petraeus. Normal. Sem problemas. O único problema é que todos os jornalistas que cobriam os mesmos planos e políticas eram pagos pelo CNAS. Por exemplo, Thom Shanker, correspondente do New York Times no Pentágono era funcionário e recebia salário do CNAS e continuou cobrindo o Pentágono; Robert Kaplan, David Cloud do Los Angeles Times e outros produziram um pequena biblioteca de hagiografias, ao mesmo tempo e que dividiam escritórios, no CNAS, com os mesmos generais aposentados que apareciam regularmente citados em suas matérias “jornalísticas”.
Mas a queda-desabamento de Petraeus é mais significativa que o recente escândalo de nonsense sexual. Como disse o presidente Obama, nossa década de guerra está chegando ao fim. A reputação dos homens mais intimamente envolvidos nesses anos de erros, vícios e perversões “no estrangeiro” – onde nós, norte-americanos, torturamos e apoiamos a tortura, armamos esquadrões da morte, atuamos como assassinos na calada da noite, matamos inocentes e geramos corrupção em escala inacreditável – jaz em farrapos.
McChrystal, Caldwell e, agora, Petraeus. Acabou a era dos generais-celebridades. Todos eles estão pagando pelos próprios pecados.
(E antes que alguém pense em chorar lágrimas solidárias pelo suplício do Rei David e seus cúmplices, lembre que nenhum deles enfrentará a miséria. Todos já têm convites milionários para ‘palestras’ e propostas de emprego nos conselhos de administração de grandes corporações. Serão regiamente recompensados pelo mesmo establishment da “Defesa” ao qual serviram com tanto denodo).
Antes de Dave enlouquecer de paixão por Paula, nós enlouquecemos de paixão por Dave. Dave viveu para nos convencer de que heróis não são humanos. Mas são. São gente como nós. Às vezes, piores.
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