segunda-feira, janeiro 30, 2012

Meta de crescimento


Amir Khair

Apesar de boas notícias nos Estados Unidos e do menor temor de crise bancária na Europa, relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) rebaixou a previsão de crescimento brasileiro para 2,7% neste ano e o Fundo Monetário Internacional (FMI), para 3%. São previsões inferiores às do Banco Central (BC) de 3,5%, do mercado financeiro, de 3,3%, e do governo, de 4,5% a 5,0%.

Em 2008, o País cresceu 5,2%; em 2009, com a crise, afundou 0,6%; em 2010, emplacou 7,5%; e em 2011, deve crescer menos de 3%. É um sobe e desce que ocorre ao sabor da evolução do mercado internacional e, a partir de 2011, também influenciada pelas medidas macroprudenciais, que encareceram o crédito.

O problema é que o governo ainda mantém a crença que o que influencia basicamente o nível de crescimento é a taxa básica de juros (Selic). Essa política está esgotada e precisa ser alterada.

1. Distorções - Essa taxa, mantida elevada como sempre, causa distorções na economia, criando déficits crônicos nas contas do governo federal, custos proibitivos para o carregamento das reservas internacionais (mais de R$ 100 bilhões em 2011) e distorções no câmbio, prejudicando a competitividade das empresas. Nos últimos doze meses encerrados em novembro (último dado disponível), só de juros, o setor público gastou R$ 236 bilhões (5,7% do PIB) e o governo federal, R$ 175 bilhões (4,3% do PIB).

Enquanto as despesas totais do governo central (Tesouro, Previdência Social e BC) evoluíram 2%, abaixo, portanto, da inflação de 6,5%, a despesa com juros evoluiu 44,4%. Apesar disso, as críticas ao governo se concentraram na queda dos investimentos de R$ 2,7 bilhões em relação ao ano anterior, mas o mais importante, que passou despercebido, foi o aumento de R$ 51 bilhões nas despesas com juros.

Se o Brasil adotasse uma política de taxa básica de juros equivalente à praticada nos países emergentes (média de 5% ao ano), seria possível, com base em novembro, economizar R$ 205 bilhões (!) por ano, considerando a dívida mobiliária do governo federal de R$ 1,74 trilhão. Esses recursos dariam com folga para atender o déficit social e de infraestrutura do País. Portanto, não faltam recursos; trata-se de não desperdiçá-los.

2. Crescimento x Inflação - A política econômica que vem sendo adotada obedece ao antagonismo entre crescimento e inflação. Quando a atividade econômica cresce acima de 4%, considerada pelo mercado financeiro como limite de crescimento sem causar inflação, o BC usa o que considera a elevação da Selic para conter a demanda, ao mesmo tempo em que espera que o governo reduza suas despesas. Caso a atividade econômica esteja fraca, há a redução da Selic para, como crê o BC, estimular o consumo.

Esse antagonismo perdeu o sentido com o avanço da globalização comercial, pois o País deixou de ser uma economia fechada (onde faz sentido o antagonismo) para estar exposto aos preços internacionais, os principais reguladores da inflação em todos os países.

3. Proposta - Esse artigo propõe uma inflexão na política econômica. Ao invés da adoção da Selic, considerada equivocadamente como reguladora da atividade econômica, propõe-se a adoção de política comprometida com metas de crescimento. Para isso, são necessários vigorosos estímulos ao consumo e à produção, bem diversos das políticas pontuais e de alcance limitado, que vêm sendo adotadas.

4. Premissa - A razão dessa proposta reside na premissa, já salientada, de que a inflação depende, fundamentalmente, dos preços internacionais. Isso ficou evidenciado em todos os países nos últimos anos. O componente interno da inflação (serviços e preços administrados) não pode ser alcançado pela política monetária. A razão disso é simples. Os serviços respondem por 20% do IPCA e são afetados pela renda da população, que independe da Selic. Os preços administrados respondem por 30% da inflação e dependem de decisões governamentais para alteração das tarifas do transporte coletivo, energia elétrica, água e esgoto, telefonia, preços dos combustíveis, etc.

Em anos de disputa eleitoral, como o atual, esses preços são contidos para reduzir o desgaste político que podem trazer. Os restantes 50%, que compõem a inflação, são de preços de bens sujeitos à concorrência internacional, que neste ano e, provavelmente, nos próximos, deverá estar contribuindo para segurar a inflação em todos os países. Assim, não creio que a inflação deva ser preocupação neste e nos próximos anos.

5. Crescimento - A crise da Europa afeta todas as economias e irá causar redução no ritmo de crescimento das exportações e redução dos preços internacionais dos bens, pelo acirramento da concorrência internacional. Assim, há riscos de piora na balança comercial do País pela via de menor exportação e maior importação. Isso irá contribuir para a redução do crescimento. Há que enfrentar essa realidade via estímulos ao crescimento baseado no potencial de consumo e produção mal aproveitado.

Para ativação do consumo, nada melhor do que a redução das taxas de juros cobradas pelos bancos, as mais altas do mundo. Elas reduzem o poder aquisitivo da população que usa o crediário. Caso fosse adotada a taxa média de juros ao consumo dos países emergentes, de 10% ao ano, o poder aquisitivo do consumidor que usa o crediário poderia ser ampliado em 30% para compras de 24 prestações e 45% para as de 36 prestações. Além disso, tem-se a vantagem de redução da inadimplência, o que vem a favor do poder aquisitivo futuro do consumidor.

Para ativação da produção, além de desonerações tributárias e redução do cipoal burocrático, o caminho mais eficaz é a redução das taxas de juros cobradas pelos bancos para as empresas, também as mais altas do mundo. Elas elevam os custos financeiros e desestimulam os investimentos, ou seja, reduzem a oferta de bens e serviços presente e futura. Até agora o governo vem adotando a política de estimular o crescimento pela maior oferta de crédito, porém sem alterar a qualidade dele, nas anômalas taxas de juros.

Creio ser difícil o governo trilhar esse caminho. Suas próprias instituições financeiras - Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal - praticam taxas de juros extorsivas. Segundo o último levantamento do BC junto aos bancos, feito entre os dias 6 e 12 (último dado disponível), as taxas de juros mensais para o cheque especial variaram entre 2,01% do Banco Votorantim e 10,33% para o Santander, o 30.º colocado. A Caixa ocupou o 18.º lugar com 8%, o BB o 20.º, com 8,72%, seguido pelo Bradesco, com 8,79%.

6. Meta de crescimento - O governo dispõe de variado arsenal de estímulos para induzir e controlar o nível de crescimento. Na sua principal peça de planejamento, o Plano Plurianual de Investimentos (PPA) para 2012 a 2015, o governo estabelece as metas de crescimento de 5% neste ano e de 5,5% para 2013 a 2015. A proposta orçamentária para este ano confirma essas metas. Resta ser cobrado para isso, para o bem de todos.

Amir Khair é Mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor
Fonte: O Estado de São Paulo

sexta-feira, janeiro 27, 2012

As consequências da assimetria nuclear



Fonte: PCB


Na década de 70 do século passado, o Brasil desenvolvia secretamente seu programa nuclear para fins militares. Para assegurar-lhe recursos financeiros, estabelecera parceria com o Iraque, que bancava os elevados investimentos necessários em troca de acesso aos conhecimentos tecnológicos brasileiros. O responsável pelo programa na Aeronáutica era o tenente-coronel aviador José Alberto Albano do Amarante, engenheiro eletrônico formado pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica).

Em outubro de 1981, Amarante foi atacado por uma leucemia arrasadora, que o matou em menos de duas semanas. Sua família tem como certo que o cientista foi morto pelos serviços secretos dos EUA e de Israel, com o objetivo de impedir a capacitação brasileira à produção de armas atômicas. Dando força às suspeitas, foi identificado um agente israelense do Mossad, de nome Samuel Giliad, atuando à época em São José dos Campos, e que fugiu do país logo após a misteriosa morte do oficial brasileiro.

O episódio dá bem o tom da virulência empregada pelos EUA e Israel para bloquear a entrada de outros países no fechado clube nuclear. Não por coincidência, apenas quatro meses antes da suposta ação em território brasileiro, Israel desfechara devastador ataque aéreo ao reator nuclear de Osirak, no Iraque, que vinha sendo construído pelos franceses.

Tais fatos dão credibilidade às reiteradas denúncias do governo iraniano de que seus cientistas estão sendo alvo de atentados por parte dos serviços secretos estadunidense, britânico e israelense. Somente em 2010, foram mortos os físicos Masud Ali Mohamadi e Majid Shariari, que atuavam no desenvolvimento de reatores nucleares, ambos vítimas de explosões de bombas em seus próprios automóveis, enquanto o chefe da Organização de Energia Atômica do Irã, Abbasi-Davanina, escapava por pouco da detonação de um carro-bomba, conforme ele próprio denunciou durante a conferência anual da Agência Internacional de Energia Atômica, em setembro último. Em julho de 2011, o físico Daryush Rezaei, 35 anos, foi morto a tiros em frente a sua casa, em ataque que também feriu sua esposa. Esses são alguns dos muitos casos de assassinatos e desaparecimentos de cientistas e chefes militares iranianos nos últimos anos.

Os crimes se dão em paralelo às intensas pressões do governo dos EUA para que a comunidade internacional aplique severas sanções ao Irã sob o argumento de que o país descumpre o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP).

Criado pela ONU em 1968, o acordo tem três objetivos principais: coibir o uso de tecnologia nuclear para produção de armas, eliminar os armamentos nucleares existentes e regular o uso de energia nuclear para fins pacíficos. Convenientemente, as grandes potências interpretam o acordo segundo seus próprios interesses: bloqueiam o desenvolvimento da pesquisa dos países não detentores de armas atômicas, mesmo quando para fins pacíficos, e fazem letra morta dos dispositivos do tratado que determinam o desarmamento.

Como previa o embaixador do Brasil na ONU, em 1968, José Augusto Araújo de Castro, quando atuou para impedir a adesão do Brasil ao TNP, o tratado é apenas um instrumento para perpetuar o poder das grandes potências.

Documentos divulgados pelo Wikileaks deixam clara a disposição dos EUA em não reduzir o número de ogivas nucleares instaladas na Europa. Por outro lado, enquanto todos os países do Oriente Médio fazem parte do TNP, Israel, único detentor de armas nucleares na região, nega-se a aderir ao acordo e repudiou as censuras de que foi alvo no relatório final da última reunião quinquenal do TNP, em 2010, gerando a ameaça dos demais governos vizinhos de abandonar o tratado na próxima reunião, marcada para 2012.

As guerras contra o Afeganistão, Iraque e Líbia, mais as ameaças contra a Síria, Coreia e Irã, parecem evidenciar que somente a capacidade de retaliação atômica intimida o império, já que a assimetria das forças alimenta aventuras dos Estados Unidos e de seus sócios de rapina, todos em busca de conflitos bélicos, seja para assegurar domínios seja para encobrir seus graves problemas domésticos.

A conjuntura estratégica do Oriente Médio indica que, para sua sobrevivência, o Irã não tem outra alternativa que a de construir sua bomba e, nesse sentido, corre contra o tempo, dado o cerco que se fecha contra o país.

Como analisa o cientista político paquistanês Tariq Ali, não é despropositado considerar que o surgimento de outra potência nuclear no Oriente Médio possa propiciar estabilidade política à região e ao mundo, por contraditório que possa parecer. Por Sued Lima, brasileiro, Coronel Aviador reformado e pesquisador do Observatório das Nacionalidades

ITA pode crescer sem perder qualidade, diz novo reitor



Veja.com

O engenheiro Carlos Américo Pacheco assume o comando do Instituto Tecnológico de Aeronáutica com a meta de dobrar o número de vagas. Em entrevista ao site de VEJA, ele comenta os desafios da missão
Publicado em 23 de Janeiro de 2012

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O engenheiro e economista Carlos Américo Pacheco, empossado reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) no final de 2011, tem uma dura missão pela frente: a ampliação da mais importante grife do ensino superior do país. Sua meta é dobrar o número de vagas nos cursos de graduação - pela primeira vez desde a criação do instituto, em 1947. "Podemos fazer isso sem comprometer a qualidade do ITA", diz Pacheco.

O ITA oferece atualmente 120 vagas para engenharia por ano. A partir de 2013, esse número deve subir para 240. "O Brasil carece de engenheiros especializados para levar ao próximo nível as indústrias de alta tecnologia que estão surgindo", diz Pacheco, em entrevista ao site de VEJA. "Precisamos de engenheiros de qualidade para lidar com questões estratégicas que estarão na agenda de médio e curto prazo do país"

O novo reitor, de 54 anos, foi secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia entre 1999 e 2002 e atuou como um dos principais articuladores dos projetos que resultaram na criação dos fundos setoriais e na Lei da Inovação, de 2004. No comando do instituto, pretende estimular a inovação, área que considera estratégica para o desenvolvimento do país. "Enquanto a inovação for um tema dos cientistas e dos gestores públicos, vamos avançar muito pouco", diz Pacheco. Confira abaixo trechos da entrevista:

O ITA quer duplicar o número de vagas para o ingresso na graduação. Por que duplicar e por que agora? A ampliação do ITA tem a ver com dois problemas que afetam o país atualmente: carência de engenheiros e má qualidade dos cursos. O Brasil está em uma condição muito ruim no que diz respeito ao número de engenheiros egressos por 1.000 habitantes. Precisamos de engenheiros de qualidade para lidar com questões estratégicas que estarão na agenda de médio e curto prazo do país, como a exploração do pré-sal, o desenvolvimento de tecnologias de defesa, o enriquecimento da indústria aeronáutica e o amadurecimento do setor aeroespacial. Por isso, é mais do que uma obrigação ampliar a escola. Podemos fazer isso sem comprometer a qualidade do ITA. No vestibular passado tivemos 400 alunos com nota mínima para ocupar as 120 vagas.

Quão longe está a duplicação do número de vagas? O projeto está formatado e nas mãos do Ministro da Defesa (Celso Amorim). A presidente Dilma determinou que todos os ministérios envolvidos, Planejamento, Fazenda e Defesa, realizassem a duplicação o mais rápido possível. A partir de agora, precisamos realizar licitações para os 250 milhões de reais em obras que serão concluídas em dois ou três anos. Vamos começar com os alojamentos e as instalações do ensino fundamental para ampliarmos as vagas do primeiro ano. A ampliação será um processo duro porque ela também implica a contratação de 150 professores de altíssimo nível que ainda não existem. Estamos conversando com a Capes e a Fapesp para formar esses profissionais no exterior ou criar um conjunto de pós-doutores vinculados à escola.

Na melhor das hipóteses, quando a escola começará a receber mais alunos? Nossa ideia é aumentar 120 vagas no vestibular de 2013. A expansão vai mudar a escala de operação do ITA.

Como assim? Estamos discutindo com várias empresas. Além da ampliação física e do quadro docente, queremos mudar duas coisas: a vinculação internacional da escola com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e outros centros de excelência no mundo. Queremos internacionalizar a escola, mas com foco nas áreas de interesse estratégico para o Brasil, que é a segunda questão. Estamos negociando com empresas de alta tecnologia, como a Petrobras, Embraer, Odebrecht e Telebrás, uma mudança na natureza da cooperação com elas.

Como será essa nova cooperação? Queremos envolver os alunos logo nos primeiros anos do ensino fundamental com os maiores desafios dessas empresas. Eles são apaixonados por desafios e pela resolução de problemas. Perdemos muito tempo esperando que eles façam estágio para se envolver com isso. Vamos criar uma carteira de desafios tecnológicos de engenharia de longo prazo para mobilizar equipes e criar novas formas de cooperação com a indústria. As empresas vão patrocinar esse conjunto de desafios e esperamos que os alunos se apaixonem por determinados conteúdos científicos tecnológicos. Essas atividades acabam fazendo com que o aluno progrida e escolha aquilo como campo de trabalho e vá progredindo em torno daquilo.

Um dos grandes diferenciais do ITA é ele estar ligado ao Ministério da Defesa e não ao Ministério da Educação. Como o ITA tira proveito disso? No passado, o ITA era mais diferente das outras universidades. Naquela época as instituições tradicionais viviam o regime de cátedra. O ITA foi criado em cooperação com o MIT e inovou completamente na grade escolar. Isso foi possível graças à flexibilidade da legislação do Ministério da Defesa. Foi uma completa inovação institucional.

Quais foram os pontos mais marcantes dessa inovação? O ITA introduziu um dos primeiros programas de pós-graduações do Brasil. Há 30 anos criou-se a primeira universidade brasileira a integrar o mestrado com a graduação, algo que hoje está se generalizando. Além disso, há o fato de que todos os alunos estão lá em tempo integral. Isso criou um regime chamado disciplina consciente. É uma espécie de código de honra da escola.

Como esse código de honra funciona? É o comportamento dos alunos em relação à ética. O Centro Acadêmico (CA) tem um departamento interno que cuida de ocorrências questionáveis entre os alunos, uma cola na prova ou algum tipo de comportamento inapropriado. A escola solicita que o CA se manifeste primeiro. A análise é feita e se o aluno for culpado, a situação é resolvida entre eles. A escola também pede que o professor não fique na sala de aula durante as provas ou que elas sejam realizadas nos alojamentos. Esse ambiente estimula a autonomia dos alunos e cria um ambiente completamente diferente de outras escolas. Os alunos são brilhantes, responsáveis e acabam tendo um comportamento mais meritocrático. Isso não existe em outras escolas de engenharia.

O vestibular do ITA é elaborado com alto grau de complexidade, com assuntos que nem sempre são vistos pela maioria das escolas de ensino médio. Isso é um fator determinante para a qualidade da instituição? O fato de o vestibular ser difícil funciona como uma espécie de marketing para a instituição. Todo aluno de cursinho sabe que as questões do ITA são mais difíceis. Isso reforça a imagem de a escola ser diferente e melhor do que as outras. O vestibulando do ITA não é um aluno comum - é um aluno muito bom.

Os objetivos do ITA hoje são os mesmos de quando ele foi criado? Não. O ambiente em que o instituto foi criado, tanto acadêmico quanto empresarial, mudou. O ITA não foi concebido para ser mais uma escola de engenharia. Ele foi o primeiro passo para a criação de uma indústria aeronáutica. Simultaneamente ao ITA, criaram-se vários institutos ao redor da escola. Foi um projeto que gerou um ambiente econômico e outras instituições de apoio. Hoje, esse ambiente está consolidado. A Embraer é uma realidade. Quando cheguei ao ITA, a empresa estava dando os primeiros passos, nem dominava a tecnologia de motor a jato. Hoje ela é robusta, uma das principais montadoras de aeronaves do mundo. Agora o ITA tem vários concorrentes. Durante seis décadas tivemos o monopólio da formação de engenharia aeronáutica. Atualmente existem cursos na UFMG e na Universidade Federal de São Carlos, por exemplo. O ITA também tem que competir com excelentes institutos de engenharia, como a USP, Unicamp e UFMG.

Qual a diferença entre o ITA de hoje e aquele em que o sr. estudou? Hoje o ITA tem áreas novas. Não se trabalha mais apenas com aeronáutica. Temos engenharia da computação e criamos há dois anos a engenharia aeroespacial. Além disso, a pós-graduação cresceu enormemente. Era muito pequena quando eu estudava e hoje possui 1.100 alunos. A instituição também se abriu para a cooperação com empresas privadas, em especial com a Embraer. Existem laboratórios temáticos dentro do ITA que complementam a formação do engenheiro de acordo com seu interesse e vão muito além da formação básica. Outra coisa que mudou foi o interesse: na década de 70, as áreas de eletrônica e mecânica eram as mais procuradas. Hoje, aeronáutica e computação são as mais demandadas.

A área espacial, por exemplo, seria uma área de interesse para o Brasil? Sim. Estamos criando uma indústria de defesa mais robusta do ponto de vista financeiro. A entrada de empresas com fôlego financeiro na questão da defesa, como a Embraer, Odebrecht e o interesse manifestado da Camargo Correa e Andrade Gutierrez, dá uma musculatura para a indústria de defesa brasileira que não existia há algum tempo. As empresas que fornecem equipamentos aeroespaciais sempre existiram, mas elas sempre sofreram as instabilidades das encomendas do governo e tiveram crises sistemáticas. A entrada dos grandes players vai gerar uma demanda por engenharia muito grande.

Qual o papel do ITA dentro do cenário de inovação nacional? O exemplo do ITA mostra que se tivermos perseverança, é possível fazer coisas impressionantes. O Brasil será, inexoravelmente, a quinta economia do mundo. Seremos um mercado importante e teremos uma indústria diversificada. Por exemplo, dentro do agronegócio somos líderes de produção e de algumas tecnologias. Precisamos olhar para toda a cadeia, em todas as direções, inclusive naquilo que não somos líderes, como máquinas agrícolas. Temos que olhar o agronegócio não só como uma fonte de exploração de alimentos para o mundo, mas todo o conjunto, das vacinas para animais até as máquinas. Por que não investimos nisso, dado o tamanho do mercado e do nosso porte?

De que modo a aproximação da inovação com a área econômica pode ajudar o Brasil? Enquanto a inovação for um tema dos cientistas e dos gestores públicos, vamos avançar muito pouco. O fomento à ciência não é instrumental para realizar inovação. O mais indicado é uma política econômica sólida. Trata-se de uma questão tributária, de legislação de incentivo e da participação das empresas. A partir do início do governo Lula, conseguimos progressivamente aumentar o interesse e o instrumental de apoio econômico para a área de ciência, tecnologia e inovação. O problema é que, mesmo quando acertamos, nossa velocidade de reação é menor que a do resto do mundo.

Por quê? São ineficiências públicas e privadas. A nossa gestão pública é muito enrijecida. Tenho absoluta convicção de que no momento atual ninguém teria coragem de criar um ITA como foi feito em 1947: iniciar um projeto do zero, no meio de uma instância agrária, para construir uma indústria aeronáutica em um país essencialmente agrário. Hoje teríamos que provar para um sem fim de órgãos que o projeto possui demanda e que é viável. O ITA foi um projeto com um grau de utopia e audácia inviáveis no Brasil do século XXI. Um gestor público do BNDES ou da Finep não conseguiria reunir os recursos necessários para levantar uma indústria inédita no país.

Isso é um problema? Muito grande. Não conseguimos definir prioridades. No passado conseguimos priorizar algumas coisas, como a Embrapa, a Embraer e a Petrobrás. Hoje o governo tem dificuldades de selecionar prioridades por causa de um problema de esvaziamento de competência da burocracia pública. O setor privado tem se diversificado e as universidades estão constituídas: todo mundo quer ser prioritário. Com exceção do pré-sal, todas as outras seleções de prioridades são difíceis.

O Brasil deveria se especializar em áreas de alta tecnologia que já domina ou deveria explorar a criação de novas indústrias? Essa é uma questão muito difícil. A inovação tecnológica é decisiva em todas as áreas para a competitividade industrial e agronegócio. Precisamos de um conjunto de leis amplo, horizontal e que sirva todos os setores para o apoio da inovação tecnológica. Os mecanismos de incentivo são essenciais, porque não vamos corrigir nossos defeitos no curto prazo. Precisaremos de muito tempo para que resolvamos nossos problemas sistêmicos de competitividade: câmbio, custo de capital, carga tributária alta, infraestrutura ruim, burocracia...

O que o Brasil poderia fazer em curto prazo para estimular a correção desses defeitos? Precisamos aumentar muito a produtividade. O principal motor para isso é a inovação. E isso tem que acontecer em todo o tecido industrial. O Brasil deve focar nas áreas em que quer ser player global.

Perfil
Instituto Tecnológico de Aeronáutica

Criado com a intenção de iniciar a indústria aeronáutica brasileira, o ITA agora tem a missão de ajudar o Brasil a ser líder global em áreas estratégicas de alta tecnologia.
O Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) foi o primeiro passo de um projeto para a criação de uma indústria aeronáutica no Brasil. Foi fundado em 1950, em parceria com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), dos Estados Unidos. A Embraer, empresa brasileira e uma das maiores montadoras de aviões do mundo, é uma consequência direta da criação do ITA.

O ITA não está atrelado ao Ministério da Educação e sim ao Ministério da Defesa. Isso quer dizer que a instituição tem liberdade para escolher uma grade curricular diferente das faculdades tradicionais, ligadas ao MEC. Até 1996, a escola só aceitava o ingresso de homens.

Hoje, o ITA é uma das organizações do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (CTA), órgão ligado à Força Aérea Brasileira. O vestibular do ITA é considerado um dos mais difíceis do país e abrange conteúdo que muitas vezes não é visto pela maioria das escolas de ensino médio.

Todos os anos, a escola forma 120 engenheiros em áreas como eletrônica, aeronáutica, aeroespacial e computação. A meta é que 240 alunos ingressem no ITA a partir de 2014. As obras de ampliação vão
custar 250 milhões de reais.

quinta-feira, janeiro 26, 2012

Do metrô ao programa espacial: como é difícil construir estratégias


Roberto Amaral

Da Carta Capital

são os grandes méritos do chargismo. O primeiro, é a capacidade de apreensão da realidade. O segundo, talvez o gênio maior, a capacidade de traduzir a crítica, isto é, de formular sua mensagem, através de um traço, de uma tira, de um personagem e poucas palavras.

A tira ‘Agente Zero Treze’ (de Arnaldo Branco e Claudio Mor) publicada no Estado de S. Paulo em 2/1/2012 é, neste sentido, exemplar. Nela o personagem que chamarei de ‘Chefe’ determina ao seu ‘agente 013’ que “acompanhe os progressos do programa espacial brasileiro” recebendo como resposta um dar de costas acompanhado da seguinte reclamação: “Programa Espacial Brasileiro… se o metrô levou trinta anos para chegar em Ipanema”…

Ora, quem não resolve coisas pequenas aqui na Terra não pode se envolver em aventuras no espaço. Isto é para outros. Esta a ‘moral’ da história.

Duas questões de fundo respondem à critica pertinente. São elas: primeiro, nossa dificuldade de acompanhar o progresso tecnológico dos parceiros, de que é mesmo exemplo o Programa Espacial, arquitetado nos anos 60, mas hoje ultrapassado por muitos países que naquele então sequer cogitavam de investimentos na área, como as duas Coreias, Irã e mesmo a Índia; e, segundo, nossa quase inaptidão política para desenvolver projetos estratégicos, aqueles que definem os grandes objetivos nacionais e condicionam, por isso mesmo, os planos e as ações governamentais, a saber, as táticas necessárias para atingir tais objetivos. Como não há prioridades, nem planejamento de longo prazo, as prioridades são afinal determinadas pelo Tesouro, na medida em que é ele que libera esta ou aquela verba, a partir de critérios puramente burocráticos.

Se fosse possível, porém, reduzir este parágrafo a umas poucas palavras, eu diria que a causa de nossos problemas remonta à traição neoliberal. Demonstrarei.

A inconstância de recursos, promovida pelos governos dos dois Fernandos e estancada no primeiro ano do presidente Lula, é causa suficiente para o atraso, mas não é tudo, pois a ela soma-se a descontinuidade dos projetos, o desinteresse pelas questões estratégias e, finalmente, o desaparelhamento do Estado para as atividades-fim, heranças do receituário neoliberal, ideologicamente comprometido com a ineficácia do público para poder vender o privatismo que nos daria a privataria. O fato objetivo é este: passados mais de quarenta anos do início de nossas atividades espaciais, permanecemos sem centro de lançamento plenamente operacional, sem autonomia na construção de satélites, e sem veículo lançador, e amargando o insucesso das três tentativas frustradas com o VLS da Força Aérea, em quase 30 anos de investimentos e justas expectativas.

Além dos problemas financeiros, determinante dos demais, o Programa Espacial Brasileiro sofre com graves e danosas ineficiências estruturais, compreendendo multiplicidade de comando, dispersão de esforços, paralelismo de projetos, ações repetitivas, inexistência de políticas de pessoal etc. Em várias oportunidades temos insistido na necessidade de fortalecimento político, institucional e funcional da Agencia Espacial Brasileira, de sorte a transformá-la no que deveria ser desde o primeiro dia, missão que desde o primeiro dia lhe foi negada: a de comando do Programa Espacial. No momento é uma passiva repassadora de recursos para programas cuja execução física e orçamentária não controla.

Essas observações relativas ao programa espacial são estruturais e por isso se aplicam mutatis mutandi ao programa nuclear, às terras raras, à autonomia de nossa indústria de defesa, à nossa indústria de telecomunicações, à indústria nacional petrolífera, a saber, a tudo que diga respeito aos nossos interesses estratégicos de povo, nação e país.

Nada é obra do caso. E para consertar essa herança o atual governo precisa mobilizar a sociedade brasileira, a começar pela silente opinião universitária, trazendo essa discussão para a luz do dia.

Aliás, os governos FC e FHC tentaram, deliberada e conscientemente (servindo a quê e a quem, não sei) torpedear nosso projeto espacial, deixando-o à míngua de recursos, sendo por isso, co-responsáveis pelo acidente com o VLS-3, da Força Aérea, ceifando-se 21 de nossos técnicos, especialistas e trabalhadores. Refiro à ação da dupla sobre o Programa Espacial simplesmente porque este é o tema do artigo, mas a ação danosa se deu sobre todas as questões estratégicas brasileiras, como o ensino superior, a pesquisa e a pós-graduação, de que é exemplo o congelamento das bolsas do CNPF durante oito anos!

Vejamos como o neoliberalismo tratou nosso Programa Espacial.

O primeiro fenômeno é a absoluta reversão de expectativas em face do período 1985-1989, quando e só quando os investimentos se concentraram nos três segmentos da atividade espacial: satélites, veículos e centros de lançamento - com uma dotação média anual de 100 milhões de dólares. Daí em diante, penúria! Em 1990 (governo FC) os investimentos caíram para 57 milhões e em 1999 para 9,9 milhões. Ao todo, o país gastou, de 1980 a 2002, apenas US$ 530,2 milhões. Como pensar seriamente em lançar nosso VLS se, a cada ano, o governo reduzia os investimentos? De US$ 27,5 milhões em 1995, caímos para 18,7 em 96, para 11,271 em 97, para 10,408 em 98 e, finalmente, para US$ 3,7 milhões em 2002.

Em 1999, o governo havia tido o desplante de só aplicar US$ 1,6 milhão!

O acidente de Alcântara foi antecipado pela perda do Saci-2, denunciando já ali a ausência de recursos e de uma adequada política de pessoal. Era a agonia prenunciando a tragédia que o tucanato nada fez para evitar. A irresponsável dieta financeira repercutiu na redução das despesas de consumo e contratação de serviços, impôs restrições à cooperação nacional e internacional, implicou drástica limitação das encomendas, afetou qualidade e cronograma das operações (faltou dinheiro até para o radar meteorológico de Alcântara!), e determinou a evasão de pessoal qualificado, decorrente da ausência de concursos e do congelamento, por oito anos, dos salários de técnicos e cientistas. Os que ficaram, tiveram o treinamento comprometido, muitos impedidos de acompanhar mestrado fora do país, para não desfalcar a equipe, já reduzida ao mínimo.

As consequências sobre os recursos humanos foram devastadoras. De 1990 a 2003, o CTA registrou a evasão de 2.526 servidores civis, entre técnicos de nível superior, intermediário e auxiliar. Só em 1997 o Programa perdeu 90 cientistas. Em 2002, último ano do governo FHC e etapa crucial para o lançamento do VLS, apenas 500 servidores estavam dedicados às atividades espaciais. Por falta de recursos.

A questão é política, meus caros Arnaldo e Claudio, e dizem respeito ao futuro de nosso país. Talvez por isso mesmo, pois nossa soberania não é um projeto unânime entr enós, já aparecem vozes defendendo a retomada do ‘acordo’ leonino firmado pelo governo FHC com os EUA cujo objetivo era nos alienar de nossas bases em Alcântara, projeto felizmente estancado pelo presidente Lula no primeiro ano de seu primeiro governo.

Mas esta é outra questão que pede outro artigo.

quarta-feira, janeiro 25, 2012

Maria Inês Nassif: Tucanos fazem a opção preferencial contra os pobres



DEBATE ABERTO


O horror e a opção preferencial contra os pobres

Nada mais precisa ser dito para descrever a operação de despejo de Pinheirinho, em São José dos Campos, e a ação policial contra os usuários de crack no centro da capital, na chamada Cracolândia. Mas existem muitas explicações para a truculência, a desumanidade, a destituição do direito de cidadania aos pobres pelo poder público paulista.

Maria Inês Nassif, na Carta Maior*

É o horror. Nada mais precisa ser dito para descrever a operação de despejo de Pinheirinho, em São José dos Campos, e a ação policial contra os usuários de crack no centro da capital, na chamada Cracolândia. Mas existem muitas explicações para a truculência, a desumanidade, a destituição do direito de cidadania aos pobres pelo poder público paulista.

A primeira delas é tão clara que até enrubesce. Nos dois casos, trata-se de espantar o rebotalho urbano de terrenos cobiçados pela especulação imobiliária. O Projeto Nova Luz do prefeito Kassab, que vem a ser a privatização do centro para grandes incorporadoras, vai ser construído sob os escombros da Cracolândia, sem que nenhuma política social tenha sido feita para minorar a miséria ou dar uma opção séria para crianças, adolescentes e adultos que se consomem na droga.

O terreno desocupado com requintes de crueldade em São José dos Campos, de propriedade da massa falida do ex-mega-investidor Naji Nahas, que já era de fato um bairro, vai ser destinado a um grande investimento, certamente. O presente de Natal atrasado para essas populações pobres libera esses territórios antes que terminem os mandatos dos atuais prefeitos, e o mais longe possível do calendário eleitoral. Rapidamente, a prefeitura de São Paulo está derrubando imóveis; a prefeitura de São José não deve demorar para limpar o terrreno de Pinheirinho das casas – inclusive de alvernaria – das quais os moradores foram expulsos.

Até outubro, no mínimo devem ter feito uma limpeza na paisagem, o que atenua nas urnas, pelo menos para a classe média, a ação da polícia. A higienização justifica a truculência policial. A “Cidade Limpa” de Kassab, que começou com a proibição de layouts na cidade, termina com a proibição de exposição da pobreza e da miséria humana.

A segunda é de ordem ideológica. Desde a morte de Mário Covas, que ainda conseguia erguer um muro de contenção para o PSDB paulista não guinar completamente à direita, não existe dentro do partido nenhuma resistência ao conservadorismo. Quando Geraldo Alckmin reassumiu o governo do Estado, em janeiro de 2011, muitas análises foram feitas sobre se ele, por força da briga por espaço político com José Serra dentro do partido, iria trazer o seu governo mais para o centro. A referência tomada foi o comando da Segurança Pública, já que em seu mandato anterior a truculência do então secretário, Saulo de Castro Abreu Filho, virou até denúncia contra o governo de São Paulo junto à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos.

O fato de ter mantido Castro fora da Segurança e se aproximado do governo federal, incorporando alguns programas sociais federais, e uma relação nada íntima com o prefeito da capital, deram a impressão, no primeiro ano de governo, que Alckmin havia sido empurrado para o centro. O que não deixava de ser uma ironia: um político que nunca escondeu seu conservadorismo foi deslocado dessa posição por um adversário interno no partido, José Serra, que, vindo da esquerda, tornou-se a expressão máxima do conservadorismo nacional.

Isso não deixa de ser uma lição para a história. Superado o embate interno pela derrota incondicional de José Serra, que desde a sua derrota vinha perdendo terreno no partido e foi relegado à geladeira, depois da publicação de “Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Júnior, Alckmin volta ao leito. O governador é conservador; o PSDB tornou-se orgânicamente conservador, depois de oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) e oito anos de posição neoudenista. A polícia é truculenta – e organicamente truculenta, já que traz o modelo militar da ditadura e foi mais do que estimulada nos últimos governos a manter a lei, a ordem e esconder a miséria debaixo do tapete.

O nome de quem faz a gestão da Segurança Pública não interessa: está mais do que claro que passou pelo governador a ordem das invasões na Cracolândia e em Pinheirinho.

Outra análise que deve ser feita é a da banalização da desumanidade. Conforme a sociedade brasileira foi se polarizando politicamente entre PSDB e PT, a questão dos direitos humanos passou a ser tratada como um assunto partidário. O conservadorismo despiu-se de qualquer prurido de defender a ação policial truculenta, de tomar como justiça um Judiciário que, nos recantos do país, tem reiterado um literal apoio à propriedade privada, um total desprezo ao uso social da propriedade e legitimado a ação da polícia contra populações pobres (com nobres exceções, esclareça-se).

Para os porta-vozes desses setores, a polícia, armada, “reage” com inofensivas balas de borracha à agressão dos moradores que jogam pedras perigosíssimas contra escudos enormes da tropa de choque. No caso de Pinheirinho, a repórter Lúcia Rodrigues, que estava na ocupação, na sexta-feira, foi ela própria alvo de duas balas letais, vindas da pistola de um policial municipal. Ela não foi atingida, mas duvida, pela violência que presenciou, das informações de que tenha saído apenas uma pessoa gravemente ferida daquele cenário de guerra.

(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo

terça-feira, janeiro 24, 2012

Vídeo - A desocupação do Pinheirinho: para os tucanos o social é caso de polícia




Esse vídeo mostra a forma violenta e desumana como são tratadas crianças, mulheres e trabalhadores, pelo governo tucano.

Alckmin, o açougueiro do Pinheirinho, precisa ser denunciado até mesmo ao Tribunal Penal Internacional de Haia, para responder por estes crimes contra a humanidade, ao lado de gente como o açougueiro dos balcãs.

O governador Alckmin (PSDB/SP), o prefeito Eduardo Cury (PSDB/SP), e o judiciário paulista, conseguiram desalojar e desabrigar mais famílias de seus lares, do que a catástrofe de uma enchente do século.

Exterminaram 1.700 lares de famílias de baixa renda, para entregar a área a uma massa falida de Naji Nahas, o mega-especulador que já foi acusado de falência fraudulenta.

Alckmin fala fino com o PCC e com policiais corruptos do DENARC, e fala grosso com crianças, mulheres e trabalhadores mais fracos.

Falar grosso é modo de dizer, porque o que vimos foi baixar o cassetete, atirar balas de borracha, soltar bombas, sem dó nem piedade de quem estiver pela frente.

Alckmin age do mesmo jeito que o regime racista sul-africano agia contra os negros na época do apartheid.

Para gente como Naji Nahas, Alckmin é um doce: Fornece gentilmente 2.000 policiais, carros blindados, helicópteros, para entregar um terreno "limpinho".

Do

http://osamigosdopresidentelula.blogspot.com/

Nahas: é preciso denunciar à OEA,


O Conversa Afiada recebeu o seguinte e-mail do professor Fábio Comparato:


Caro Paulo Henrique:

A expulsão violenta de 1.500 famílias da área rural que ocupavam há 8 anos em Pinheirinho (SP) deveria ser denunciada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. É vergonhoso, para dizer o mínimo, que os direitos fundamentais à moradia e ao trabalho de tantas pessoas, declarados expressamente na Constituição Federal, sejam preteridos, por aberrante decisão judicial, em prol da satisfação dos interesses pecuniários de credores de uma massa falida.

Receba meu abraço,


O Conversa Afiada reproduz informações enviadas pela assessoria do deputado Protógenes Queiroz:



Em Pinheirinho (SP), presenciei atos de barbárie e violência comparados aos campos de concentração Nazista


O deputado Delegado Protógenes (PCdoB-SP) esteve, neste domingo (22), em São José dos Campos (SP) para avaliar a situação dos moradores do Pinheirinho, despejadas pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, para pagar dívidas do criminoso Naji Nahas, preso por Protógenes em 2008. O terreno do Pinheirinho foi ocupado há 8 anos onde viviam aproximadamente 1.600 famílias (cerca de 5.500 pessoas), segundo o censo da Prefeitura.


A desocupação foi antecedida de uma batalha judicial e conflitos dentro do próprio judiciário. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Ari Pargendler, negou liminar que pedia a validação da decisão da Justiça Federal, que impedia a desocupação da área. Com isso, o presidente do tribunal validou a desocupação, que ocorreu na manhã de domingo em meio a confronto entre policiais militares e moradores do local.


Segundo Protógenes, o “conflito judicial parece esconder algo de muito podre na disputa da área”. O parlamentar afirmou que “a desocupação violou princípios constitucionais: desde as garantias individuais e coletivas até o mais sublime dos princípios da função social da propriedade, posto que envolve a massa falida do criminoso Naji Nahas”… “Presenciei atos de barbárie e violência comparados aos campos de concentração Nazistas”, concluiu.


Protógenes destacou ainda a inconveniência da ação truculenta do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin , já que o Governo Federal estava negociando uma saída pacífica para o conflito. O parlamentar disse também que qualquer desocupação deve acontecer no início da invasão, e não depois dela se tornar um bairro com milhares de famílias, comércio local estabilizado e igrejas.

Na pág. C1 do Estadão, o amigo navegante poderá ter uma visão do inferno dos campos de concentração tucanos de São Paulo.

Vale lembrar, amigo navegante, a deplorável “reportagem” do Ali Kamel no jornal nacional desta segunda-feira.

Os desocupados se transformaram num bando de vândalos e em nenhum momento mencionou que a operação foi desencadeada para beneficiar Naji Nahas.

Além de a opinião do governador de São Paulo apareccer DUAS vêzes, no fim da “reportagem”, como a que lhe dar o apoio necessário para montar o “campo”.

Por que não dizer que Naji Nahas é o herói da história que enobrece São Paulo ?

Por que Ali Kamel omitiu Naji Nahas ?

Paulo Henrique Amorim


Santayana e a miséria americana

Cena do Zuccotti Park, pertinho de Wall Street

O Conversa Afiada reproduz texto de Mauro Santayana, extraído do JB online:


O capitalismo e a miséria americana

por Mauro Santayana

O capitalismo, dizem alguns de seus defensores, foi uma grande invenção humana. De acordo com essa teoria, o sistema nasceu da ambição dos homens e do esforço em busca da riqueza, do poder pessoal e do reconhecimento público, para que os indivíduos se destacassem na comunidade, e pudessem viver mais e melhor à custa dos outros. Todos esses objetivos exigiam o empenho do tempo, da força e da mente. Foi um caminho para o que se chama civilização, embora houvesse outros, mais generosos, e em busca da justiça. Como todos os processos da vida, o capitalismo tem seus limites. Quando os ultrapassa no saqueio e na espoliação, e isso tem ocorrido várias vezes na História, surgem grandes crises que quase sempre levam aos confrontos sangrentos, internos e externos.

A revista Foreign Affairs, que reflete as preocupações da intelligentsia norte-americana (tanto à esquerda, quanto à direita) publica, em seu último número, excelente ensaio de George Packer – The broken contract; Inequality and American Decline. Packer é um homem do establishment. Seus pais são professores da Universidade de Stanford. Seu avô materno, George Huddleston, foi representante democrata do Alabama no Congresso durante vinte anos.

O jornalista mostra que a desigualdade social nos Estados Unidos agravou-se brutalmente nos últimos 33 anos – a partir de 1978. Naquele ano, com os altos índices de inflação, o aumento do preço da gasolina, maior desemprego, e o pessimismo generalizado, houve crucial mudança na vida americana. Os grandes interesses atuaram, a fim de debitar a crise ao estado de bem-estar social, e às regulamentações da vida econômica que vinham do New Deal. A opinião pública foi intoxicada por essa idéia e se abandonou a confiança no compromisso social estabelecido nos anos 30 e 40. De acordo com Packer, esse compromisso foi o de uma democracia da classe média. Tratava-se de um contrato social não escrito entre o trabalho, os negócios e o governo, que assegurava a distribuição mais ampla dos benefícios da economia e da prosperidade de após-guerra – como em nenhum outro tempo da história do país.

Um dado significativo: nos anos 70, os executivos mais bem pagos dos Estados Unidos recebiam 40 vezes o salário dos trabalhadores menos remunerados de suas empresas. Em 2007, passaram a receber 400 vezes mais. Naqueles anos 70, registra Packer, as elites norte-americanas se sentiam ainda responsáveis pelo destino do país e, com as exceções naturais, zelavam por suas instituições e interesses. Havia, pondera o autor, muita injustiça, sobretudo contra os negros do Sul. Como todas as épocas, a do após-guerra até 1970, tinha seus custos, mas, vistos da situação de 2011, eles lhe pareceram suportáveis.

Nos anos 70 houve a estagflação, que combinou a estagnação econômica com a inflação e os juros altos. Os salários foram erodidos pela inflação, o desemprego cresceu, e caiu a confiança dos norte-americanos no governo, também em razão do escândalo de Watergate e do desastre que foi a aventura do Vietnã. O capitalismo parecia em perigo e isso alarmou os ricos, que trataram de reagir imediatamente, e trabalharam – sobretudo a partir de 1978 – para garantir sua posição, tornando-a ainda mais sólida. Trataram de fortalecer sua influência mediante a intensificação do lobbyng, que sempre existiu, mas, salvo alguns casos, se limitava ao uísque e aos charutos. A partir de então, o suborno passou a ser prática corrente. Em 1971 havia 141 empresas representadas por lobistas em Washington; em 1982, eram 2445.

A partir de Reagan a longa e maciça transferência da renda do país para os americanos mais ricos, passou a ser mais grave. Ela foi constante, tanto nos melhores períodos da economia, como nos piores, sob presidentes democratas ou republicanos, com maiorias republicanas ou democratas no Congresso. Representantes e senadores – com as exceções de sempre – passaram a receber normalmente os subornos de Wall Street. Packer cita a afirmação do republicano Robert Dole, em 1982: “pobres daqueles que não contribuem para as campanhas eleitorais”.

Packer vai fundo: a desigualdade é como um gás inodoro que atinge todos os recantos do país – mas parece impossível encontrar a sua origem e fechar a torneira. Entre 1974 e 2006, os rendimentos da classe média cresceram 21%, enquanto os dos pobres americanos cresceram só 11%. Um por cento dos mais ricos tiveram um crescimento de 256%, mais de dez vezes os da classe média, e quase triplicaram a sua participação na renda total do país, para 23%, o nível mais alto, desde 1928 – na véspera da Grande Depressão.

Esse crescimento, registre-se, vinha de antes. De Kennedy ao segundo Bush, mais lento antes de Reagan, e mais acelerado em seguida, os americanos ricos se tornaram cada vez mais ricos.

A desigualdade, conclui Packer, favorece a divisão de classes, e aprisiona as pessoas nas circunstâncias de seu nascimento, o que constitui um desmentido histórico à idéia do american dream.

E conclui: “A desigualdade nos divide nas escolas, entre os vizinhos, no trabalho, nos aviões, nos hospitais, naquilo que comemos, em nossas condições físicas, no que pensamos, no futuro de nossas crianças, até mesmo em nossa morte”. Enfim, a desigualdade exacerbada pela ambição sem limites do capitalismo não é apenas uma violência contra a ética, mas também contra a lógica. É loucura.

Ao mundo inteiro – o comentário é nosso- foi imposto, na falta de estadistas dispostos a reagir, o mesmo modelo da desigualdade do reaganismo e do thatcherismo. A crise econômica mais recente, provocada pela ganância de Wall Street, não serviu de lição aos governantes vassalos do dinheiro, que continuaram entregues aos tecnocratas assalariados do sistema financeiro internacional. Ainda ontem, Mário Monti, homem do Goldman Sachs, colocado no poder pelos credores da Itália, exigia do Parlamento a segurança de que permanecerá na chefia do governo até 2013, o que significa violar a Constituição do país, que dá aos representantes do povo o poder de negar confiança ao governo e, conforme a situação, convocar eleições.

Tudo isso nos mostra que estamos indo, no Brasil, pelo caminho correto, ao distribuir com mais equidade a renda nacional, ampliar o mercado interno, e assim, combater a desigualdade e submeter a tecnocracia à razão política. É necessário, entre outras medidas, manter cerrada vigilância sobre os bancos privados, principalmente os estrangeiros, que estão cobrindo as falcatruas de suas instituições centrais com os elevados lucros obtidos em nosso país e em outros países da América Latina.

Santayana, André e Arida.


O Conversa Afiada publica texto de Mauro Santayana:

O primado do dinheiro, ou como parar o mundo

por Mauro Santayana

De repente, e só agora, o que nós, os pré-históricos, advertíamos, passou a preocupar os gênios iluminados do liberalismo reciclado. É o caso do economista André Lara Resende que, em artigo divulgado pelo Valor Econômico, retorna ao alarme do Clube de Roma, e volta a preconizar uma parada no crescimento econômico, a fim de salvar o mundo. O mundo dos desenvolvidos, bem se sabe, porque o congelamento da situação nos condenaria ao subdesenvolvimento eterno. Deixando de lado a preocupação malthusiana, o que seu ensaio revela talvez seja certa mauvaise conscience, dissimulada na linguagem acadêmica, por ter, em sua vitoriosa carreira no mercado de capitais, se desviado das preocupações humanísticas de dois homens muito próximos de sua formação: seu pai, Otto Lara Resende, e Hélio Jaguaribe, que cita nesse trabalho.

Meno male, como dizem os italianos, que não está, como o seu parceiro Pérsio Arida, condenando o aumento do salário mínimo – e dos salários, de modo geral. Embora ambos busquem defender a política econômica que ajudaram a elaborar e a colocar em prática, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, há diferença de aproximação entre o ensaio de Lara Resende e a entrevista de Pérsio Arida. Apesar disso, as duas manifestações se encaixam, como se houvessem sido previamente ajustadas, com um objetivo comum. Esse objetivo é o de justificar o neoliberalismo e, em benefício marginal, fazer a apologia do governo a que serviram. Como no poema de Hofmansthal, em que o oculto se esconde na superfície, esse propósito fica bem claro no pensamento dos dois amigos e associados. Arida é mais explícito, quando afirma que há hoje no Brasil um pacto anti-liberal entre as elites e o governo. É até razoável que haja um pacto entre os empresários brasileiros e o governo atual, contra a desnacionalização da economia, que o governo neoliberal promoveu. Mas é equívoco atribuir a emersão dos Brics à globalização da economia, como ela foi concebida pelo Consenso de Washington e decidida pelas grandes famílias que dominam o mundo. Ao contrário: os Brics surgiram como reação ao projeto de domínio universal da economia por Wall Street, sempre a serviço dos verdadeiros senhores, os principais acionistas das grandes instituições financeiras, como o Goldman Sachs.

Apesar de sua cadência retórica, o problema do mundo – e do Brasil – é bem outro. E bem mais simples. Se a produção de bens e serviços do planeta não pode continuar crescendo no ritmo dos últimos cem anos, a solução não se encontra na economia mas, sim, na combinação ética entre a ciência e a tecnologia, sob o controle rígido da política, ou seja, das instituições do Estado. André Lara Resende foi cauteloso, no que se refere à ditadura das instituições financeiras, mas Pérsio não esconde a sua posição: é preciso salvar os bancos, mesmo que eles sejam criminosos. Pérsio Arida é banqueiro, como se sabe.

É interessante comparar o pensamento dos dois brasileiros com o de André Orleán. Orléan é um respeitável economista que, aos 24 anos, já dirigia o Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos da França e, há 25 anos, ocupa o cargo de diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique e também a presidência da Associação Francesa de Economia Política. Em entrevista ao jornal Le Monde, publicada ontem, ele vai direto ao ponto: quem governa hoje a Europa é o mercado. Não o mercado de bens tangíveis, mas o mercado de capitais. “O poder político, afirma Orléan, se conforma às suas prioridades e teme suas avaliações”. Ao mesmo tempo, ele diz, o mercado é um soberano indeciso e incoerente.

Lembra o economista – que acaba de publicar o livro “L’Empire de la Valeur, Refonder l’Economie” – que historicamente o primado da política, ou seja, sua capacidade de enquadrar os interesses financeiros, teve como instrumentos básicos os bancos centrais. É necessário, assim, não perder esse mandamento da realidade: só por meio do poder monetário pelo Estado é possível fazer com que prevaleça o interesse coletivo. Mas isso exige que os bancos centrais estejam diretamente submetidos ao poder político. Não é isso que ocorre hoje na Europa. O Banco Central da União Européia está desatrelado totalmente do poder político. Na verdade, sua subordinação é ao sistema financeiro internacional, capitaneado pelo Goldman Sachs. Nisso, Orléan vê uma crise mais profunda da democracia européia e de sua impotência congênita. Assim, resume o entrevistado, se pode dizer que a autonomia radical do Banco Central Europeu “significa que não há mais soberania européia”. Orléan lembra que os mercados financeiros não se auto-regulam, pelo menos em tese, como os mercados de bens tangíveis, em que compradores e vendedores atuam de acordo com seus interesses e as circunstâncias. No mercado de capitais, se trata de apostas especulativas. É um mercado de promessas. Sua lógica é de natureza mimética: cada investidor se coloca diante do que se imagina que os outros vão fazer. Eles se parecem, diz o economista, a certos meios de informação, que se esforçam não por descobrir os fatos mais importantes, e sim, para publicar o que o público deseja. Não se pode confiar nunca nos preços financeiros, seja a taxa de juros, a taxa de câmbio ou o valor de uma ação.

Orléan diz que nem sempre foi assim. Nos modelos passados do capitalismo, o controle das empresas se encontrava nas mãos de seu proprietário, ou quando o capital era muito diluído, nas mãos de seus administradores contratados. Nesses capitalismos, só o capital “flutuante” era deixado ao mercado. O resto ficava sob o domínio de instituições específicas, fosse das famílias, dos bancos ou do Estado, como nas grandes sociedades de economia mista. A partir de 1980, foram liquidados progressivamente os blocos de controle, considerados muito dispendiosos e porque os jogos do mercado faziam surgir oportunidades de lucros mirabolantes. Isso criou uma nova forma de capitalismo, financiarizado, em que a diversidade de pontos de vista é menos nítida, porque o mercado constitui o coração das avaliações econômicas, sempre subjetivas. Em conseqüência, resume, o primado da política sobre a avaliação global foi derrubado pelas finanças. É uma situação inédita, que coloca em risco a vida democrática.

Entre outros absurdos, Orléan mostra como os bancos centrais emprestam aos bancos a juros de 1%, como o BCE fez, ao entregar às instituições bancarias quase 500 bilhões de euros, e esses bancos repassam aos estados a juros de 6% ao ano, como ocorre com a Itália, e a 5,5%, no caso da Espanha. Como se sabe, o BCE, pelos seus estatutos, não pode emprestar diretamente aos Estados. É interessante registrar que tanto no BCE, ao emprestar aos bancos a 1%, quanto no governo da Itália, ao pagar as altas taxas aos bancos, são ex-executivos (será que são mesmo ex?) do Goldman Sachs que tomam a decisão. Mário Draghi no BCE e Mário Monte, na chefia do governo italiano.

Orléan recomenda, como primeiro passo, adotar o Glass-Steagall Act, de 1933, que proibiu aos bancos de depósitos atuar como bancos de investimentos. Essa decisão foi revogada pelo governo americano em 1999. É inadmissível que a dívida privada dos bancos e de seus especuladores se transforme em dívida pública, como está ocorrendo hoje na Europa, e com mais lucros ainda para as instituições criminosas. Quem paga o prejuízo são os trabalhadores, com os ajustes fiscais que reduzem os serviços de saúde, de educação e de segurança.

A entrevista do economista francês é direta, clara e simples, como costumam ser as idéias mais sérias.

quinta-feira, janeiro 12, 2012

FGV confirma tendência de queda da inflação


Do Projeto Nacional

Como se disse aqui – e não há nenhum mérito na previsão, porque um tanto obvia – o ano começa com sinais contraditórios na inflação que serão usados pela mídia para pressionar por uma interrupção na tendência de baixa dos juros públicos.

Hoje saiu o IGP-10, que mede a inflação do mês encerrado nos primeiros dez dias de janeiro. E o resultado foi uma estabilidade (deflação de 0,01%), registrada já pelo segundo mês consecutivo.

Mas isso não quer dizer que a inflação oficial em janeiro, medida pelo IPCA, vá ser zero, e nem próximo a isso, embora a inflção acumulada em 12 meses deva ter uma ligeira queda.

Quer dizer – e é muito mais importante – que a tendência de inflação é de baixa, e essa tendência é muito expressiva, como era expressiva a de alta há um ano.

Os preços na base da cadeia produtiva tiveram uma reversão de sentido em sua evolução.

O Índice de Preços por Atacado, componente do IGP-10 que havia subido 1,46% e 0,35% em dezembro de 2010 e janeiro de 2011, respectivamente, inverteu sua evolução. Foi de menos 0,16% e menos 0,23% nos dois mesmos meses, em 2011 e 2012.

O Índice de Preços ao Consumidor, muito mais sujeito à variação sazonal nesta época, havia subido 1,05% e 0,9% nos mesmos meses, há um ano. Agora, as altas ainda foram expressivas, 0,33% e 0,56%, respectivamente. Expressivas, mas muito menores.

É por isso que é tão evidente da tendência de queda da inflação e não duvide que os analistas do mercado sabem disso. Só pode persistir alguma dúvida de que a inflação brasileira vai, este ano, aproximar-se da meta de 4,5% ao ano por dois fatores.

O primeiro, é a imprevisibilidade da crise externa, embora todos os sinais sejam de que ela vá seguir no “banho-maria” da estagnação.

A segunda, o fato de que o reajuste do salário mínimo impedirá uma retração no consumo dos bens menos sujeitos a esta tendência macroeconômica de baixa, os serviços e os alimentos in natura.

O cenário de baixa da taxa Selic está bem desenhado e evidente. Para evitá-la, podem crer, o biombo inflacionário será desculpa que vai, se for, até o fim do quadrimestre que se encerra em abril.

Ficar esperando, portanto, será um erro que não se pode acreditar que o BC – que fez o óbvio de começar a baixar os juros quando se iniciou esta fase da crise mundial – não vai cometer agora, diante de um panorama muito mais claro.

Por: Fernando Brito

O conservadorismo paulista e as eleições de 2012: avanços e limites


Do Carta Maior

A construção do imaginário conservador na cidade de São Paulo tem um ponto de partida bastante nítido. A mesma modernização que produz o progresso e o crescimento da metrópole é responsável pela sensação de caos urbano e de claustrofobia social. Nesse cenário ambíguo o senso comum conservador tende a tratar os problemas da cidade como uma questão demográfica, estimulando a fobia sobre o outro e a insegurança sobre si. O artigo é de William Nozaki.
William Nozaki (*)

Raízes do conservadorismo

O estado de São Paulo segue sendo governado pelo mesmo partido político há quase duas décadas. O PSDB de Mário Covas, José Serra, Geraldo Alckmin e seus correligionários foi responsável por transformar o estado em um pólo de resistência e difusão do liberal-conservadorismo. Mais ainda, se se considerar os governos que precederam o tucanato – Montoro, Quércia e Fleury – pode-se verificar que desde a redemocratização São Paulo nunca experimentou um projeto de governo alternativo, que fosse capaz de questionar os pilares do liberalismo econômico, do conservadorismo moral e do individualismo supostamente empreendedor.

Na cidade de São Paulo, apesar de duas experiências locais de esquerda, com Luiza Erundina e Marta Suplicy, o quadro é parecido, a predominância tem sido também de governos mais conservadores e orientados à direita do espectro político, daí a existência de fenômenos como o janismo, o malufismo, culminando mais recentemente no condomínio demo-tucano comungado pela dupla Serra-Kassab. Sendo assim, ao longo das últimas décadas o que se observa é, por assim dizer, uma espécie de hegemonia do senso comum conservador paulista.

Diante desse cenário o eterno-retorno de uma pergunta “paulistocêntrica” impõe-se: por que o estado mais rico da federação e a cidade mais moderna do país manifestam nas urnas, sistematicamente, uma opinião política conservadora? A resposta não é simples. No município de São Paulo, por exemplo, há uma clara polarização entre o PSDB, que agrega ao seu redor um eleitorado de maior renda e escolaridade, e o PT que arregimenta a preferência de eleitores, comparativamente, de menor renda e escolaridade.

Na ausência de um bloco claramente dominante, a vitória fica a cargo de quem melhor consegue captar a simpatia e o voto do eleitor de opinião “média”. Esse equilíbrio de forças faz com que a disputa eleitoral convirja para o centro, exatamente onde se encontra um conjunto de pessoas cuja condição econômica é superior ao nível de instrução. Ou seja, onde o sucesso econômico não acompanhou o interesse intelectual, incluindo-se: os novos ricos, pequenos e médios empresários, parte da tradicional classe média além de alguns setores em ascensão das camadas populares.

Trata-se, justamente, de grupos em que a experiência de ascensão social inocula o desejo pelo status quo, daí se tornarem um campo fecundo para a mera reprodução de valores e costumes à moda conservadora.

Avanços do conservadorismo
A construção do imaginário conservador na cidade de São Paulo tem um ponto de partida bastante nítido. A mesma modernização que produz o progresso e o crescimento da metrópole é responsável pela sensação de caos urbano e de claustrofobia social. Nesse cenário ambíguo o senso comum conservador tende a tratar os problemas da cidade como uma questão demográfica. Tudo se passa como se não houvesse falta de planejamento político, ausência de investimentos e carência de equipamentos, mas sim um aumento constante de pessoas, daí a fobia contra o outro e a insegurança sobre si, duas fontes de instabilidade que são minimizadas pela reposição constante dos chamados valores tradicionais.

Essas características se materializam sob: (i) a defesa de uma política de combate à pobreza e de ataque contra a imigração de caráter higienista; (ii) a defesa de uma política de segurança austera; (iii) a defesa dos valores e costumes da tradicional família cristã.

(i) Como já se disse, o trânsito nas ruas, as filas nos hospitais, a falta de vaga em creches e escolas, o abandono dos espaços de lazer e esporte, o avanço da criminalidade e da violência, quase nunca são vistos como resultado da ausência de investimentos públicos, esses problemas são antes tratados como uma questão demográfica causada pela suposta imigração incessante do nordeste e do norte para São Paulo.

O preconceito contra os “nordestinos”, que não deixa de trazer consigo o preconceito contra os negros, logo serve de explicação para o avanço do desemprego, da miséria, da criminalidade e da violência. Em muitos casos essa concepção, justifica a defesa de iniciativas de repatriação de imigrantes e de sumiço (quando não extermínio) de miseráveis, habitantes de favelas e moradores de rua.

Não é trivial que na campanha presidencial de 2010 o candidato tucano paulista tenha insinuado em seus discursos que a candidata petista governaria para o nordeste em detrimento do sudeste; o que suscitou, principalmente nas redes sociais, um movimento marcado pelo preconceito e pelo ódio contra nordestinos e negros.

(ii) Nesse cenário supostamente saturado de pessoas indesejadas a claustrofobia social se degenera em insegurança generalizada, desaguando numa permanente demanda por mais efetivos policiais, mais equipamentos de segurança, mais combate ao crime. A decorrência dessa sensação se apresenta, na esfera privada, com a intensificação do enclausuramento em condomínios fechados protegidos por seguranças particulares; já na esfera pública o que se percebe é, cada vez mais, o envolvimento da polícia arbitrando questões de natureza social e judiciária.

O direito à propriedade torna-se sempre mais importante do que o direito à vida e os direitos humanos são tratados como uma inversão de valores que pune as vítimas e privilegia os bandidos.

Não por acaso, na cidade de São Paulo, a gestão de Gilberto Kassab, tem patrocinado a higienização social e a criminalização da pobreza, através, por exemplo, da perseguição de vendedores ambulantes, da hostilidade contra moradores de rua e do tratamento desumano contra usuários de crack.

(iii) Essa incessante busca pela ordem visa também proteger um dos pilares do conservadorismo moral paulista, a defesa da instituição familiar em seu formato tradicional: sexista e patriarcal. Retroalimentado ora pelo catolicismo beato ora pelo protestantismo radical, o senso comum conservador não admite demandas de liberação dos costumes e da subjetividade, a descriminalização do aborto e da maconha, a emancipação das mulheres e dos jovens, assim como a defesa da liberdade de realização sexual são mais do que tabus.

Daí a repressão, em São Paulo, contra as reivindicações de movimentos juvenis (como no caso da Marcha da Maconha) e contra as demandas do movimento estudantil (como no caso da invasão policial da USP).

Limites do conservadorismo
O conservadorismo tradicional não contava, entretanto, com a presença de um novo elemento rondando suas opiniões “médias”, aprendendo com elas e desconfiando delas: a nova classe média.

Nos últimos anos, a elevação no número de empregos formais, a valorização do salário mínimo e a difusão do crédito ao consumidor criaram condições para a expansão da classe trabalhadora urbana; esse conjunto de novos profissionais integrados ou reintegrados no mercado de trabalho, desfrutando de melhores condições para a elevação da escolaridade, compõe o que tem se convencionado chamar – nem sempre de modo preciso – de nova classe média ou nova classe C.

Trata-se de um grupo cujos valores e votos permanecem em disputa, defendem o empreendedorismo individual, mas apóiam intervenções do Estado e comungam relações de comunidade e vizinhança; defendem a moralidade tradicional, mas rechaçam a repressão extrema e aceitam novas configurações familiares; defendem o livre-funcionamento do mercado, mas reclamam maiores investimentos governamentais em serviços e equipamentos públicos.

Não por acaso, recentemente, um expoente do liberal-conservadorismo paulista, o ex-presidente FHC, escreveu um artigo sugerindo que seu partido deveria apostar não no “povão” ou nos movimentos sociais, mas na nova classe C. De modo análogo, ainda que por outros caminhos, o ex-presidente Lula tem sinalizado a importância de o PT buscar uma maior inserção e uma menor resistência nesse eleitorado da nova classe média.
Seja lá como for, fato é que nas eleições municipais de 2012 um novo ator eleitoral entrará em cena e será disputado: a nova classe média. Como seus valores e opiniões ainda são ambivalentes, as urnas trazem boas possibilidades para o resgate de um projeto democrático-popular que sirva de contraponto e alternativa ao liberal-conservadorismo que se instaurou e se enraizou na cidade.

(*) Professor da Universidade Mackenzie, doutorando em Desenvolvimento Econômico (UNICAMP), bacharel em Ciências Sociais (USP).

Inflação e decisões de política econômica


A inflação oficial brasileira atingiu 6,5% em 2011, no limite do teto da margem de tolerância, de 2 pontos porcentuais, da meta anual. Diante das circunstâncias domésticas e do cenário externo, não deixou de ser um resultado favorável.
Ocorreu grande discussão entre os analistas econômicos no final de agosto de 2011, quando o Banco Central (BC), corretamente, começou a reduzir a taxa básica de juros. Houve até mesmo quem questionasse a autonomia do BC diante do governo e fizesse ilações de ingerência na sua decisão. No entanto, como já defendi neste espaço anteriormente, a medida estava correta.

O primeiro aspecto a ser destacado é que, embora uma inflação anual de 6,5% pareça exagerada, esse não é um problema exclusivo brasileiro. Em face do aumento dos gastos públicos e do crescimento do endividamento em vários países, aliado ao crescimento da demanda, principalmente da China e da Índia, houve substancial aumento dos preços das commodities, especialmente nos dois anos anteriores, até meados de 2011. Esse quadro fez com que a inflação mundial crescesse de modo expressivo no ano passado. Apesar da crise, ocorreu aumento dos preços nos países centrais. Nos EUA, a inflação de 12 meses chegou a 3%; na Europa, a 3,5%. A China chegou a ter, em outubro, inflação acumulada em 12 meses de 5,5%; a África do Sul, de 6%; Rússia, mais de 7%; e a Índia, de 10%. Em países como Argentina e Venezuela, a inflação supera dois dígitos.

Nos últimos meses, a crise tem derrubado alguns preços e isso tem feito com que a inflação venha se reduzindo em vários países, inclusive no Brasil. Vale, ainda, destacar que têm prevalecido, desde a crise de 2008, taxas básicas de juros reais muito baixas, mesmo negativas, nos países ricos. Isso porque os governos têm claramente privilegiado o combate aos efeitos da crise, em detrimento de uma política monetária mais rígida, o que poderia trazer resultados mais rápidos sobre os preços, mas com custos econômicos e sociais elevados.

É muito provável que este ano a inflação brasileira se aproxime do centro da meta, de 4,5%, não só em razão dos aspectos internacionais já apontados, mas também porque há um claro desaquecimento do nível de atividades, dos 7,5%, em 2010, para algo próximo de 3%, na média, de 2011 e 2012. Isso não quer dizer que não haja uma ampla agenda a ser trabalhada internamente para garantir um nível de inflação mais controlado nos próximos anos, e não apenas circunstancial. Nesse sentido, salta aos olhos a questão da indexação, por exemplo, uma clara distorção do nosso processo de formação de preços. O reajuste automático de preços e tarifas, atrelados a indicadores de inflação, faz com que haja a perpetuação de níveis inflacionários passados, dificultando o papel da taxa de juros e de outros instrumentos de política monetária.

Os preços dos serviços têm crescido acima da média dos demais itens nos últimos anos e isso tem muito que ver com as transformações em curso na economia do Brasil. O crescimento do poder de consumo das classes de menor renda tem ampliado a demanda por serviços, o que cria um ambiente favorável à alta de seus preços. Trata-se de um reordenamento dos preços relativos e o processo deve perdurar, embora possa ser amenizado com o fomento à concorrência e o aumento da produtividade.

Parte expressiva da inflação, pois, decorre de mudanças estruturais na economia. Daí a importância de adotar a estratégia correta para combatê-la, sob pena de sacrificar o crescimento econômico. O desafio é diagnosticar adequadamente as causas e consequências da inflação, considerando, além dos fatores exógenos e endógenos, a relação custo-benefício das escolhas das políticas econômicas. Não podemos ser lenientes com o crescimento dos preços, mas seria um grande equívoco sermos “mais realistas que o rei” e, em nome de uma pseudoausteridade, pôr a perder um importante processo de melhora na distribuição da renda dos brasileiros.

Por: Antonio Corrêa de Lacerda, originalmente publicado no Estado de São Paulo.

domingo, janeiro 08, 2012

"Paixão por modelos abstratos ainda é forte", diz Bresser-Pereira



Do Brasilianas

Autor: Bruno de Pierro
“A paixão dos intelectuais por modelos platonistas, absolutamente abstratos, independentes da realidade concreta, é muito forte. Há muitos intelectuais que acham que todo o poder e o prestígio deles vem do fato de serem capazes de fazer idéias loucas e absurdas”. É dessa maneira que o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira avalia a atuação de acadêmicos que insistem na defesa das teorias neoclássicas para sustentar o neoliberalismo. Dedicado exclusivamente à atividade intelectual, desde que deixou o PSDB, ano passado, o ex-ministro do governo FHC tem se debruçado criticamente sobre o tema econômico que mais lhe encanta: o novo desenvolvimentismo.

Sob o telhado do pensamento heterodoxo da economia, Bresser criou em 2009 o Laporde (Latin America Advanced Programe on Rethinking Macro and Development Economics ), evento que tem reunido no Brasil os principais nomes do desenvolvimentismo para uma semana de intensas discussões. Em 2012, a terceira edição do Laporde acontece na FGV-SP, entre os dias 9 e 13 de janeiro, e contará com nomes como Gabriel Palma e Há-Joon Chang, ambos de Cambridge, e também José Antônio Ocampo, da Columbia University, o economista Jan Krengel e o brasileiro Yoshiaki Nakano. Todos direcionados para a reflexão sobre o desenvolvimento da macroeconomia desenvolvimentista e estruturalista.

Em entrevista ao Brasilianas.org, Bresser falou sobre os principais temas que serão pauta dos debates do Laporde. Explicou também a influência do pensamento racionalista da ciência no neoliberalismo e quais os caminhos da economia heterodoxa a partir de agora.

Acompanhe a íntegra da entrevista abaixo.

Brasilianas.org - Qual o significado que tem a realização do Laporde este ano, no auge da crise do sistema neoliberal?

Luiz Carlos Bresser-Pereira - O Laporde é um curso internacional, de uma semana, que organizo em São Paulo, com a participação de alguns dos mais importantes economistas do desenvolvimento e que são, na sua maioria, macroeconomistas. Além do [economista de Cambridge, o professor sul-coreano] Ha-Joon Chang, temos o Jomo K.S., o José Antonio Ocampo, o Gabriel Palma e o Jan Kregel. O pensamento desses economistas, na primeira década dos anos 2000, renasceu, porque começou-se a perceber a crise do pensamento neoliberal e da teoria econômica ortodoxa que o orienta. Nesse renascimento, eu iniciei, primeiro, uma proposta de repensar o desenvolvimentismo e de pensar, então, um novo desenvolvimentismo. Ou seja, uma estratégia nacional de desenvolvimento para os países em desenvolvimento, especialmente os de renda média.

Essas idéias foram levadas para uma conferência internacional que organizei em 2010, e que resultaram na aprovação de dez teses sobre o novo desenvolvimentismo, e na qual todos esses economistas que citei participaram. As teses contaram com a assinatura de 80 economistas heterodoxos e desenvolvimentistas do mundo inteiro. Ao mesmo tempo que acontecia isso, ocorria uma segunda coisa: o desenvolvimento de uma macroeconomia estruturalista do desenvolvimento, ou seja, uma teoria que dá justificativa científica ao novo desenvolvimentismo. Essa nova macroeconomia foi exposta, de maneira razoavelmente sistemática, num livro chamado Globalização e Competição. Agora estou escrevendo, junto com o [economista] Nelson Marconi e o professor José Luis Oreiro, um livro sistemático sobre a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento.

Para ser publicado ainda em 2012?

Talvez, mas certamente será terminado este ano. Já estamos trabalhando com uma editora inglesa, para publicarmos em inglês e em português. Mas o que é importante de se entender é que é nos anos 1990 quando ocorre a hegemonia absoluta do pensamento neoliberal e da sua justificação “científica”, que é a teoria economia neoclássica do equilíbrio geral e das espectativas racionais. Não critico todo o pensamento ortodoxo e todo o mainstream, mas apenas o coração dele. Pois ficou claro que há uma alternativa para isso. Nos anos 1990, parecia que não havia alternativa alguma, os economistas ganhavam prêmios Nobel e o mundo se desregulava. E os ideólogos do neoliberalismo declaravam que o modelo americano era o golden straight jacket, uma camisa de força dourada.

No transcorrer dos anos 2000, esse caminho único desmoronou. Agora há uma alternativa muito clara, que é o novo desenvolvimentismo e a macroeconomia, aos quais se acrescenta mais uma coisa. Eu também fiz uma crítica teórica à teoria econômica neoclássica, que se expressou em três papers (artigos), dos quais apenas um está publicado, que se chama The two methods and the hard core of economics (2008). Apresentei outro em Viena, chamado For a Modest and Heterodox mainstream economics, e um terceiro paper, que estou apresentarei no próximo sábado em Chicago, na Associação Americana de Economistas Históricos.

Mas o que há de novo nessa nova abordagem do desenvolvimentismo? No caso do professor Ha-Joon Chang, vemos que ele bebe diretamente na fonte do economista alemão Friedrich List, que já no século XIX apontava o movimento de “chutar a escada” por parte dos países ricos. Só agora o pensamento heterodoxo ganha destaque abrangente?

A importância do livro Chutando a escada, do Ha-Joon Chang, é que se trata de um livro brilhante, em que o autor não vai desenvolver nenhuma teoria nova, nem fazer uma proposta nova. O que ele faz é mostrar, com muita clareza, numa livro de história econômica, o imperialismo, especialmente na base dos soft power (conselhos e recomendações), dos países ricos, principalmente dos Estados Unidos atualmente. E ele vai mostrar isso dizendo que esses países chutam a escada, uma expressão do List. Mas ele vai mostrar como as políticas e as instituições que esses países ricos recomendam a nós são exatamente aquelas que eles não fizeram; e aquelas que eles condenam são as que eles adotaram quando estavam no nosso estágio de desenvolvimento. O livro do Ha-Joon é um livro crítico, que atualiza o imperialismo.

Mas o desenvolvimento da macroeconomia desenvolvimentista e estruturalista não está no Ha-Joon Chang de jeito nenhum. Isso é realmente um outro grupo de economistas (Palma, Krengel e Ocampo), todos macroeconomistas, diferente de Ha-Joon, que não o é. Mas não são apenas estes, há outros, brasileiros, como o Paulo Gala, o Fernando de Paula, o Ricardo Carneiro, o Fernando Ferrari, entre outros.

Se pegarmos a história do pensamento científico, a visão racionalista contribuiu para um distanciamento da realidade, ao desconsiderar contradições e eleger a visão objetiva como única forma de observação do mundo. Como que esse pensamento influenciou a teoria neoclássica na economia?

A minha crítica é da teoria econômica neoclássica, que é a teoria econômica matemática. Divido a ciência em dois tipos: as ciências substantivas e as ciências metodológicas. Ciência metodológica não tem objeto, mas sim um objetivo, que é o de ajudar o pensamento. A matemática é uma ciência desse tipo, assim como a estatística, a econometria e a teoria de tomada de decisão. Depois, temos as ciências substantivas, que possuem um objeto e é dividida em dois subtipos: as ciências naturais e as sociais. As naturais tem o objeto, a matéria, ou a vida, como a biologia e a física. E as sociais tem como objeto os sistemas sociais, do ponto de vista econômico, social e político.

Essa distinção entre ciências substantivas e metodológicas é fundamental, pois as ciências metodológicas usam o método hipotético-dedutivo, e não há outro método para usar; eles partem de alguns axiomas e deduzem o resto, sentados numa poltrona. Já as ciências substantivas, o método delas é outro. Claro que se usa muita dedução, mas o método correto é observar a realidade concreta, generaliza, a partir dessa realidade empírica ou histórica, e depois verifica se aquilo que foi observado originalmente estava correto; é o chamado método científico.

Acontece que todas as ciências sociais e naturais sempre usaram isso, até que apareceram os economistas neoclássicos, a partir de 1870, que disseram “vamos fazer outra coisa, vamos usar para a economia o método hipotético-dedutivo”. Adotaram como axioma a idéia de que o ser humano é racional, “e vamos deduzir todo o resto da racionalidade”. E aí o critério de verdade é a coerência interna do raciocínio, como acontece na matemática.

E aí há também a discussão em torno da objetividade.

Tudo isso desaparece, porque você passa a ter uma ciência... Quer dizer, não existe discussão de objetividade em relação à matemática. Não há objetividade na matemática, ela é um método de raciocinar. No caso da economia, é a mesma coisa. Mas desenvolveram uma ciência toda matemática – e demoraram para fazer isso. E o que tem sido feito é montar um modelo hipotético-dedutivo, que, para mim, é um castelo no ar.

O que se ensina nas grandes universidades, na pós-graduação, é esse modelo do equilíbrio geral e das expectativas racionais. Mas aí se diz: “esse modelo não bate com a realidade”. E eles dizem: “não tem problema, o modelo continua certo e correto; o que está errado é existem falhas de mercado que atrapalham, e, portanto, devem ser corrigidas”. Esse é o raciocínio deles. Mas, dentro dessa lógica, o que eles verificam é que os mercados são autoregulados e quase perfeitos.

E, portanto, a partir desse “fundamento científico”, eles recomendam e adotam o neoliberalismo. Eles vão em frente, com os modelos matemáticos desenvolvidos nas grandes universidades, e causam essa desgraça. É o mesmo fenômeno que aconteceu nos anos 1920, quando também havia uma hegemonia total desse pensamento.

O senhor acha que dessa vez a solução virá de maneira definitiva?

Não posso dizer que será definitivo. A paixão dos intelectuais por modelos platonistas, absolutamente abstratos, independentes da realidade concreta, é muito forte. Há muitos intelectuais que acham que todo o poder e o prestígio deles vem do fato de serem capazes de fazerem idéias loucas e absurdas.

Mas diferente dos anos 1920, hoje temos o poder, ainda inicial, da Internet, formando territórios de resistência, como Occupy Wall Street... Ou seja, há uma disseminação maior, fora do eixo da grande mídia.

Espero que sim. Eu estou fazendo minha força para que isso [um desastre econômico] não volte a acontecer. Mas não é fácil; de um lado há interesses que você regule tudo, mas são interesses relativos, pois você pode dizer que a burguesia sempre defendeu o liberalismo, porém ela é uma classe razoável. Eles estão interessados em ganhar o dinheiro deles, portanto se disserem a eles que a regulamentação é importante, eles entendem e aceitam. Mas os intelectuais platonistas são uma desgraça endêmica do mundo.

Precisamos, portanto, repensar também uma economia institucional? A economia heterodoxa está preparada para uma análise profunda do poder e das relações entre bancos e governos?

De acordo com minha visão, a ciência econômica está absolutamente integrada com a política social, não dá para separar totalmente. A gente procura fazer algo mais econômico ou mais político, mas é só isso. Eu me considero um economista keynesiano e estruturalista. Keynesiano, porque dou grande importância à macroeconomia e ao lado da demanda agregada; e estruturalista, pois eu penso historicamente. E quando você é estruturalista, você também é institucionalista, pensa nas instituições. Mas o institucionalismo que apareceu na moda, junto com o neoliberalismo, há 30 anos – quando a teoria neoclássica voltou, depois de entrar em crise em 1930 – voltou também um institucionalismo, que muita gente boa achou que era uma maravilha. As coisas do [economista estadunidense] Douglass North, por exemplo, eram uma maravilha. Isso era, na verdade, um imenso equívoco.

Por que?

Porque o que esse institucionalismo neoliberal veio dizer é que as instituições são importantes – e isso todos sabemos – e que você pode, voluntaristicamente, mudando as instituições, solucionar todos os problemas. Ou seja, as estruturas não são importantes. Um exemplo: você chega lá na Líbia, derruba o Kadafi e diz que agora irá implantar a democracia. Derruba o Kadafi e, no dia seguinte, faço uma constituição democrática, realizo eleições e a Líbia está democrática. Ou fazer o mesmo no Paraguai, que é democrático muito mais ou menos. Quer dizer, as estruturas determinam as instituições, mas as instituições podem mudar de estrutura. Mas não podemos esquecer das estruturas. E esse institucionalismo neoliberal tentou esquecer as estruturas.

E qual seria uma definição de institucionalismo não-neoliberal?

É o institucionalismo histórico, ou histórico-estrutural. É o pensamento que pensa que você tem, numa sociedade, três instâncias: econômica; política e institucional; e cultural ou de valores (religiosos e ideológicos). E essas três instâncias se movem correlacionadamente, mas com certa dependência, e você podendo mexer nas três. Não se trata de um marxismo simplificado e tolo, de que a economia determina tudo.

sábado, janeiro 07, 2012

Só a Grande Mídia não viu...



Como seriam as capas da revista Veja se o objetivo da imprensa brasileira fosse informar o cidadão e construir um país rico e forte e não mentir e desinformar como fazem cotidianamente

Do Observatório da Imprensa

GRANDE IMPRENSA: O complexo de Carolina

Por Washington Araújo em 03/01/2012 na edição 675

Não faz tanto tempo assim, mas é fato que a grande imprensa celebrava do nascer ao pôr do sol e madrugada afora o fato de o Brasil ocupar a oitava posição dentre as maiores economias do mundo. Nas últimas semanas de 2011, ficamos sabendo, pela mídia internacional, que nossa posição avançou rumo ao topo: o Brasil já é a sexta maior economia do mundo.

...Ultrapassou nada menos que o Reino Unido, aquele antigo império “em que o sol nunca se põe”, e que nunca deixava de estar hasteada, ao longo das 24 horas, a bandeira da Union Jack – da Europa à África, da Ásia à América, passando pelos chamados protetorados no Oriente Médio.

O Reino Unido comandou com mão de ferro a Índia, a África do Sul, Hong Kong... e é bem longa a lista. Apropriou-se da culinária mundial, sem ao menos dar o crédito aos seus verdadeiros donos: quem não consome diariamente a batata inglesa, o chá inglês, a casemira inglesa?

A partir de meados do século passado teve início a derrocada do iImpério: foi obrigado a deixar a Índia com os indianos, em 1947, e a fazer reverências a seu líder maior, o Mahatma Gandhi; nos anos 1990 testemunhou o fim do odioso regime por ele mesmo implantado na África do Sul – o apartheid –, vendo surgir após 27 anos de cadeia o seu líder natural, Nelson Mandela; e, já no finalzinho daquele século, devolveu Hong Kong à China, por força de cláusulas contratuais em tratado firmado pelas duas nações.

Sem ver

Com cenário tão instigante, tão rico em história e em simbolismo, ainda assim nossa imprensa mais vistosa preferiu repercutir o feito de maneira tímida, quase que envergonhada, como se não passasse de reles disparate, de algo inconcebível a um país talhado para ser não mais que uma invenção do futuro – bem ao estilo da expressão de Stefan Zweig – aquele inatingível e fantasioso “País do Futuro”.

Isso demonstra à larga que não decorreu tempo suficiente para mudarmos nossos conceitos sobre o Brasil, seu potencial, sua importância geopolítica, suas riquezas naturais e humanas. Ficamos como que aprisionados à ideia romântica do Brasil festejado em nosso hino, o Brasil “deitado eternamente em berço esplêndido”.

Acostumados a explorar mazelas de todos os povos e países como invenções absolutamente nossas – corrupção, narcotráfico, malandragem, “jeitinho”, a noção nefasta da Belíndia –, a grande imprensa teve que engolir em seco seu olhar míope e acostumado em criar sua realidade paralela, aquela do país que não tem com dar certo e que precisa se acomodar, mesmo que seu pé seja tamanho 42 em sapato tamanho 36. Isso, segundo nossos oráculos de Delfos, que desde a manhã até à noite não param de azucrinar nossos olhos e ouvidos com presságios cada vez menos críveis, dando conta que o Brasil precisa urgentemente de uma primavera árabe, de um movimento ao estilo “occupy Wall Street”, e de fartas imagens tão artificiais quanto patéticas de vassouras limpando a nódoa da corrupção das nossas grandes cidades.

E a grande imprensa, mais uma vez, erra – e feio – ao querer importar de outros países uma realidade que não é a nossa: por que uma primavera árabe se temos eleições universais, diretas e livres a cada dois anos? Por que ocupar a Bolsa de São Paulo ou o Banco Central em Brasília se nossa economia, ao invés de gerar desemprego em massa, inflação apontando no horizonte e estagnação e colapso financeiro iminentes, encontra-se – nas palavras de nossos filhos – “bombando” e com viés de alta? Por que apoiar o movimento das vassouras quando existem vassouras demais, vistosas demais, novas demais, uniformes demais, fashion demais, coreografadas demais e poucos (ou quase nenhum) vassoureiro para empunhá-las?

A verdade é que não temos nenhum brasileiro se imolando na Cinelândia carioca nem na Praça da Sé paulistana, muito menos na mineira Afonso Pena ou nas imediações do Pelourinho baiano. E não temos por vários motivos. Dentre estes podemos citar o fato de que desde 2004 o premonitório slogan “Orgulho de ser brasileiro” deixou de ser mero reclame institucional do governo federal para ser sentimento vivo, pulsação corrente no corpo do país. A Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, as descobertas de vastas extensões de lençóis petrolíferos na camada do pré-sal, o Brasil já ser “a terceira maior economia europeia”, atrás apenas da Alemanha e da França.

E os brasileiros viram tudo isso acontecer em brevíssimo espaço de tempo. Mas nossa grande imprensa não viu e se recusa a ver. O que lhe interessa mesmo é explorar a doença e não a saúde, o veneno e não o antídoto, o retrovisor com as surradas visões do passado e não o espelho do presente e do futuro.

O tempo passa

Começa 2012 e logo no primeiro dia do ano entrou em vigor o novo salário mínimo, de R$ 622. Representa um aumento real (descontada a inflação) de 9,2% em relação ao mínimo vigente até 31 de dezembro de 2011, de R$ 545. O reajuste real do mínimo é o maior desde o ano eleitoral de 2006. E injetará formidáveis R$ 47 bilhões na economia neste ano, segundo estimativa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Esta e várias outras notícias foram tratadas como miçangas nas editorias dos jornalões e dos telejornais de maior audiência da tevê aberta brasileira.

A quem interessa isso?

Cada povo tem o governo que merece. E também a mídia que merece. E enquanto atuar dessa forma tão seletiva de fabricar a realidade que melhor atenda a seus interesses, a verdade é que nem o país ultrapassando as economias da China e dos Estados Unidos juntas, nem se transferindo a sede das Nações Unidas para Manaus, nem a Europa adotando o real em lugar do euro, ainda assim não nos veremos estampados nas capas de jornais e revistas, na escalada de matérias do Jornal Nacional.

A nossa grande imprensa prefere ver o futuro com aquele olhar perdido de Carolina, a eterna moça sonhadora que ficava na janela (e na poesia de Chico Buarque) vendo o tempo passar. Minuto a minuto, hora a hora. E nisso passa por sua janela tudo do bom e do melhor, mas só Carolina não vê. Ou se recusa a ver.

Arrisco-me a inferir que nossa grande imprensa sofre do complexo de Carolina.

***

[Washington Araújo é mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter]

COMENTÁRIO E & P

O objetivo das famílias que são donas da Globo, Folha, Estado, Veja, Band, SBT, entre outras é o mesmo dos degredados que foram enviados por Portugal para o Brasil, se locupletarem. Representam a face midiática da sub-elite brasileira. São sub porque não tem projeto de nação, como a elite dos Estados Unidos, Japão, China, Índia entre outras. São subordinadas aos interesses estrangeiros, cujo único objetivo é impedir o Brasil de se desenvolver. O partido político que as representam é o PSDB, que no período 1995-2002, colocou o Brasil de joelhos perante o mundo. A imprensa brasileira tem mente tacanha e tem por objetivo manter o povo brasileiro na pobreza. Felizmente a partir de 2003 houve a retomada da construção de uma nação e constituição de uma elite brasileira constituída por trabalhadores, empresários, religiosos e pela grande maioria do povo brasileiro que querem um país desenvolvido, a extinção da miséria e do analfabetismo do país e serem soberanos, com inserção ativa no mundo. Essa nova realidade é representada politicamente pelo Partido dos Trabalhadores, a quem a sub-elite midiática tenta destruir.