Professor Laerte Fedrigo*
Estamos iniciando um novo ano. Recuperado o fôlego dos festejos, o momento
é de reflexão, planejamento e ação. Tomar pé da realidade e buscar
transformá-la, na perspectiva do bem comum. A começar pelo município, já que
ele é, nas palavras do Grande Mestre Ladislau Dowbor, a unidade básica de organização
da sociedade.
Tomemos
o caso de Cajamar. Segundo o IBGE, este município tem um PIB per capita de R$
202.962,50 (dados de 2017): o 11º. do país, o 4º. do Estado e o 1º. da
microrregião. Esse valor é 6,4 vezes o PIB per capita do Brasil (R$ 31.833,50).
Para alguns analistas isso seria
um indicador de bem-estar, uma vez que acham que localidades com PIB per
capita elevado tendem a ter mais acesso a serviços públicos e maior qualidade
de vida. Uma ilusão perversa, diria
Joseph Stiglitz, Nobel de Economia.
Em Cajamar, a tese de
Stiglitz pode ser facilmente confirmada, visto que os valores da riqueza gerada e das
receitas auferidas contrastam com os indicadores sociais. O PIB per
capita da cidade passou de R$ 85.174,62 em 2010 para R$ 202.962,50 em 2017, mas
34,4% da população têm rendimentos mensais abaixo de meio salário mínimo. As
receitas do município evoluíram de R$ 42 milhões em 2014 para R$ 447 milhões em
2017. Apesar disso, a mortalidade infantil, que caiu Brasil a fora, na cidade
passou de 8,55 óbitos por mil nascidos vivos em 2008 para 13,52 em 2017.
Os
dados sobre educação também apontam para um aumento da desigualdade e para o consequente
agravamento da questão social no município. Cajamar tem uma média de
10.500 estudantes que frequentam o ensino fundamental. Este número cai para
3.300 no ensino médio e para 1.800 no ensino superior. Ou seja, menos de 30%
dos estudantes que frequentam o ensino fundamental progridem para o ensino
médio e menos de 50% destes últimos vão para a faculdade. Um grave problema,
considerando que cresceu no país o interesse das empresas por funcionários com curso
superior: segundo o IBGE, entre 2012 e 2019, a fatia representada pelo pessoal ocupado
sem diploma de nível superior caiu 3% enquanto aquela com nível superior
cresceu 52%. Ainda segundo o IBGE, a diferença salarial média entre os
trabalhadores com e sem diploma de ensino superior era de 296% em 2017, já que
o primeiro grupo recebia salário médio de R$ 5.832,38 e o segundo R$1.971,82.
E não para por aí. A cidade sofre os efeitos do aquecimento global,
agravados pela falta de planejamento na ocupação do solo e de políticas
públicas que incentivem os agentes a cumprir suas responsabilidades. Os
dados do IBGE indicam que o número de empresas sobreviventes na cidade dobrou
nos últimos 10 anos, o que é positivo em termos de geração de empregos e
receita tributária. Não podemos deixar de observar, porém, que na raia desse
processo ampliaram-se os problemas com a mobilidade urbana, do mesmo modo que cresceram
as áreas alagadas em períodos de chuvas, repercutindo em mais desigualdades, já
que as populações vulneráveis são as que mais sofrem o impacto das enchentes,
com a perda de pertences duramente conquistados.
Pela
sua pujança e localização, Cajamar
é uma cidade com grande potencial de desenvolvimento, mas só se tornará uma
cidade do bem-estar e do bem-viver se reduzir as desigualdades na distribuição
da renda e no acesso a moradia e aos serviços públicos. Em que pese o
crescimento econômico dos últimos anos, a condição socio-territorial do
município continua padecendo dos mesmos males, e os descuidos com a educação, com a saúde, com o transporte e
com os espaços públicos são agravados pela indiferença em relação ao
planejamento, à transparência e à participação popular nas decisões de governo.
Para evitar a ilusão perversa, o crescimento do PIB per capita e da receita do município precisa estar associado a políticas públicas que repercutam efetivamente em melhoria da qualidade de vida dos menos afortunados, o que só será possível mediante uma gestão democrática e participativa, capaz de promover o desenvolvimento urbano e o direito à cidade e implementar ações na perspectiva da inclusão e da garantia de direitos e da apropriação da população de discussões relevantes como orçamento participativo, sustentabilidade e plano diretor, entre outras. Uma gestão com valores e compromissos e uma visão de futuro capaz de aprofundar a democracia e a participação popular e enfrentar os reais problemas da cidade. Não se trata da busca de soluções milagrosas, mas o fato é que como está não pode continuar: é imperativo promover mudanças.
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* Professor universitário, com Bacharelado e
Mestrado em Economia Política pela PUC/SP e especialização em Gestão de
Políticas Públicas pela Fundação Santo André.