A greve
dos caminhoneiros abriu janelas para o debate nacional. Destaco aqui o papel da
Petrobras, que mediante o contexto golpista temeroso, deixou de ser uma empresa
estratégica para o desenvolvimento brasileiro, afetando a economia e a
população em geral. O entendimento da questão requer uma leitura dos fatos em
perspectiva histórica, a começar pelas circunstâncias em que a companhia foi
fundada em 1953.
Durante
séculos o Brasil não passou de um país primário-exportador, pautado pela
monocultura. As poucas tentativas de industrialização não prosperaram,
especialmente porque o mercado interno era inexistente, uma vez que a força de
trabalho não era assalariada, o que desestimulava o empreendedorismo industrial.
Por conta da importação de bens industrializados, que atendiam os anseios de
consumo da elite escravocrata, a renda gerada no país migrava para o exterior.
Com
o ciclo do café, a dinâmica da economia brasileira começou a se modificar. Com os
cafezais, surgiu uma nova economia baseada no trabalho assalariado. O fluxo de
renda, que se dava com o exterior, passou a se dar internamente: dentro da economia cafeeira e desta com o setor
produtor de subsistência. Ao aquecer o mercado interno, as relações mercantis e monetárias abriram
precedentes para o desenvolvimento
industrial, embora de forma incipiente.
A
Depressão da década de 1930 contribuiu sobremaneira para o avanço da industrialização
brasileira. A crise afetou as exportações. Sem divisas, a elite não conseguia
dar vazão aos seus anseios de produtos importados, de modo que se viu obrigada
a produzir internamente aquilo que até então importava, evento conhecido como Processo
de Substituição de Importações (PSI). Aos poucos, a produção primário-exportadora
foi dando lugar à produção industrial.
Mas
nem tudo foi flor neste processo. O PSI alavancou problemas clássicos da economia brasileira, como a insuficiência de poupança e os desequilíbrios
externos, razão pela qual, além das suas funções tradicionais, o Estado passou
a desempenhar funções mais complexas,
contexto em que se inseriu o Projeto Nacionalista do Governo Vargas.
Com
o Projeto Nacionalista, Vargas buscou
superar os gargalos da economia brasileira. O diagnóstico era que o
desenvolvimento da indústria exigiria vultosos investimentos em infraestrutura
e na produção de insumos, que o estoque de capital existente era pequeno e que o
capital estrangeiro não tinha interesse em desenvolver a indústria de países
subdesenvolvidos. O papel do Estado seria fundamental, porquanto, para aumentar
a disponibilidade de capital, investir em infraestrutura e apoiar o setor
privado, tendo como estratégia estimular
o desenvolvimento autônomo do país, baseado na empresa nacional.
Para dar cabo aos objetivos estratégicos do
seu programa de governo, Vargas condicionou as importações aos interesses
industriais, criou o BNDE(S) para financiar projetos de infraestrutura e de
implantação de indústrias e instituiu um bloco significativo de atividades produtivas, com a criação de um
número expressivo de empresas estatais,
cuja missão era produzir insumos e vendê-los a preços subsidiados para a
indústria nascente no Brasil. Graças ao modelo, o Brasil se tornou uma
das mais importantes nações industrializadas do planeta.
Entre as empresas estatais criadas
por Vargas estava a Petrobras. Embalado pela campanha “o petróleo é nosso”, Vargas
criou a empresa em 3 de outubro de 1953, tendo como principal objetivo a
exploração de petróleo no território brasileiro. Mais do que uma empresa pública, nascia ali um símbolo nacional,
que se tornaria a maior empresa brasileira e uma das maiores petrolíferas do
mundo, com elevada capacidade produtiva e arrojada tecnologia de ponta.
Ao contrário do
que prega a grande mídia, os governos petistas fizeram muito bem à Petrobras. Além de manter praticamente inalterados os preços nas
refinarias, os governos petistas mais que dobraram
o número de plataformas da
companhia, que passaram de 36 em
2003 para 82 em
2013. No período, a produção da
empresa cresceu 5% ao ano e o lucro
anual médio passou de 3 bilhões para 26 bilhões de reais. Ao instituir a
política de conteúdo nacional nos investimentos do setor de petróleo, os governos petistas possibilitaram
ainda a formação de uma forte
cadeia de suprimentos, que promoveu a expansão da capacidade produtiva das
empresas domésticas, irradiando a criação de empregos. A Petrobras foi transformada numa
das mais eficientes e lucrativas empresas do mundo e na empresa brasileira que
mais gera patentes. Vanguarda na
exploração de petróleo em águas profundas, recebeu por três vezes o prêmio
OTC, espécie de óscar do setor petrolífero.
Desde o golpe de
estado, e a consequente usurpação do poder em 2016, a Petrobras passou por um
profundo processo de mudanças negativas, a começar pela aprovação do Projeto de
Lei de autoria do Senador José Serra, que alterou o sistema de partilha do
pré-sal, retirando da companhia a exclusividade nas atividades de exploração na camada,
com participação mínima de 30% em cada licitação. Com
isso, as refinarias começaram a operar com ociosidade,
que chegou a 36% (900 milhões de barris de petróleo processados a menos por dia).
Como se não bastasse, o governo temeroso vendeu uma série de ativos da empresa e
campos de petróleo e adotou uma política de alinhamento internacional dos
preços. O resultado do conjunto da obra foi a elevação de mais de 50% no preço
da gasolina e do diesel, de 60% do GLP e de 70% do gás de cozinha.
A greve dos
caminhoneiros, portanto, é uma espécie de tragédia anunciada, consequência de
uma estratégia perversa de destruição de um dos maiores símbolos nacionais, a
Petrobras. Não se trata apenas da desconstrução de uma empresa pública, mas de
todo um segmento estratégico para o desenvolvimento e soberania do país. O
desmonte da Petrobras é um crime de lesa pátria, que atende exclusivamente aos
interesses estrangeiros, às custas dos consumidores brasileiros que
pagam mais e sofrem os impactos recessivos do aumento dos preços. A campanha “o
petróleo é nosso” nunca foi tão atual e necessária. O Brasil precisa reencontrar
o seu grande destino, colocando fim ao golpismo entreguista! “Quem sabe faz a
hora, não espera acontecer”.
______
* Laerte Fedrigo é Professor,
Bacharel e Mestre em Economia pela PUC/SP e Especialista em Gestão de Políticas
Públicas pela Fundação Santo André.