terça-feira, janeiro 16, 2018

O anúncio do IPCA 2017: um ritual macabro do governo e das elites

(Por Laerte Fedrigo*)

O IPCA de 2017 fechou em 2,95%. O Governo Temer e as elites festejaram o fato como se o Brasil tivesse sido campeão mundial de futebol, devolvendo os 7 x 1 para a Alemanha. Logicamente, queremos os preços sob controle, já que a inflação tem o efeito perverso de transferir recursos daqueles que têm renda fixa, os trabalhadores e aposentados, para os que têm renda variável, os empresários. Mas o fato é que aumentaram o gás, o etanol, a gasolina e o diesel, a taxa de água e esgoto, a energia elétrica e o transporte, entre outros preços. Para piorar, a economia continua patinando no atoleiro e sem qualquer direção.

A teoria econômica apresenta algumas causas para a inflação. Uma delas é o choque de oferta. Neste caso, a inflação ocorre por conta do aumento nos preços dos insumos produtivos, como energia e transportes. É a chamada inflação de custos. À medida que os preços desses insumos aumentam, os custos das empresas também aumentam. Como as empresas possuem recursos limitados, produzem menos, provocando escassez de produtos no mercado, o que força a elevação dos preços. Em outras palavras, as pessoas vão ao mercado comprar e como a oferta de produtos está baixa, aceitam pagar mais pelos produtos ofertados pelas empresas.

É indiscutível que está havendo uma aceleração nos preços dos insumos produtivos no Brasil. A título de exemplo, os dados indicam que, em 2017, a taxa de água e esgoto subiu 10,52% e a gasolina 10,32%. Só em dezembro, o etanol subiu 4,34% e as passagens aéreas 22,4%. A lógica, portanto, seria de aceleração generalizada dos preços e não o inverso. Por que, apesar disso, o IPCA desacelerou? Segundo o IBGE, o governo e os analistas do mercado, isso foi provocado pelo comportamento dos preços dos alimentos que teriam ficado mais baratos em 2017, por conta da safra agrícola recorde.

Que  a  safra  agrícola foi  recorde  em  2017 não restam dúvidas, mas que  ela  tenha  sido  a causa  da  desaceleração da  inflação  parece pouco  provável.  Os dados  da  série histórica da figura a seguir mostram  que nunca existiu  elação  entre  o aumento da produção agrícola e a desaceleração  do  IPCA. Pelo  contrário:  o  que eles  indicam  é que  no período, a produção agrícola e o IPCA variaram sempre na mesma  direção;  ou seja,  quando  a produção agrícola cresceu,  o  IPCA também  cresceu  e  vice-versa.

Figura 1 – Variação % da produção agrícola e do IPCA.
Fonte: LSPA/IGBE
Para compreendermos essa desaceleração dos preços precisamos conhecer outra causa da inflação, o choque de demanda. Deste ponto de vista, a aceleração dos preços seria provocada pelo aumento do consumo, em decorrência de políticas econômicas expansionistas, como o aumento dos investimentos do governo, o estímulo ao crédito e os programas redistributivos de renda. À medida que geram empregos, essas políticas tenderiam a elevar a capacidade de consumo das famílias, o que exerceria pressão ascendente dos preços, especialmente naquela situação em que a economia se aproxima do pleno emprego.

Ora, a economia brasileira está em frangalhos, uma vez que o Governo Temer desenvolve uma política econômica restritiva, pautada pelo corte nos investimentos e nos gastos sociais, em contraposição à uma política monetária que mantém os juros em patamar estratosférico, dificultando o crédito e facilitando a transferência de renda para uma minoria rentista. A consequência dessa opção governamental é o desemprego em alta, na ordem de 12% da PEA, e a queda livre do emprego com carteira assinada.

Este desastre parece explicar verdadeiramente a tão badalada desaceleração do IPCA. Ao reduzir o poder de compra das famílias, o desemprego e a precarização do trabalho provocam o choque de demanda às avessas. Desprovidas de recursos, as famílias gastam menos, de tal sorte que os produtores se veem forçados a reduzirem os preços, mesmo num contexto de choque de oferta. Em lugar de atender a demanda dos que ascenderam socialmente na última década, estimulando a ampliação da capacidade produtiva da economia, o Governo Temer e as elites optaram pelo oposto, às custas da sangria dos direitos sociais e trabalhistas.

Mas a comemoração esconde outra façanha. Considerando a queda na taxa de juros que remunera a dívida pública (a SELIC), era de se esperar que os credores fugissem dos títulos do governo. Não obstante, como o que os investidores buscam são ganhos reais, a desaceleração da inflação acabou funcionando com um amortecedor para os credores do governo. Em 2015 a SELIC fechou o ano em 14,25% e o IPCA em 10,67%, o que resultou numa taxa de juros real de 3,58%. Em 2017, a SELIC caiu para 7,5%, mas como o IPCA despencou para 2,95%, a taxa de juros real subiu para 4,55%. Um prato cheio para os rentistas e especuladores.

Os sorrisos do Governo Temer e das elites refletem, portanto, a perversidade; o gozo, ou pulsão de morte, na formulação psicanalítica. Uma espécie de ritual macabro, onde é comemorada, não a melhora da economia, mas a desgraça dos desvalidos. Só Lacan para explicar. Ou não!
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* Mestre em Economia pela PUC/SP.

Um comentário:

Unknown disse...

Bem explicado Professor, os rentistas continuam ganhando, alto índice de desemprego, o juros também alto, mesmo com a taxa da SELIC caindo...