O objetivo deste blog é discutir um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil. Esse projeto não brotará naturalmente das forças de mercado e sim de um engajamento político que direcionará os recursos do país na criação de uma nação soberana, desenvolvida e com justiça social.
segunda-feira, setembro 29, 2014
domingo, setembro 28, 2014
terça-feira, setembro 23, 2014
Petrobrás: O último trem para Paris?
Evaristo Almeida*
A frase “trem para Paris” foi cunhada décadas atrás com o significado de fazer parte do Clube de Paris, isto é, ser um país rico e desenvolvido social e economicamente.
Neste artigo a abordagem é sobre a Petrobras, que é uma das poucas possibilidades de efetivamente conseguirmos desenvolver o Brasil para que nosso povo desfrute de uma vida cada dia melhor. Afinal, desenvolvimento deve representar isso para os povos que o alcançaram.
E os povos que se desenvolveram não o conseguiram jogando oportunidades fora como de fato a Petrobras e o pré-sal.
Como sabemos a criação da Petrobras foi um parto de montanha em 1953. Já naquela ocasião a grande imprensa brasileira e os Estados Unidos se posicionaram contra e causaram uma grave crise política que teve como conseqüência a morte de Getúlio Vargas em 1954.
Desde então, apesar da grande contribuição que a Petrobras vem dando ao povo brasileiro na criação de empregos, renda e desenvolvimento, a empresa sofre intensa campanha da grande imprensa brasileira e dos que ela representa.
Só para lembrar, no governo de Fernando Henrique Cardoso houve uma grande lambança na gestão da empresa. Foi o pior período na história da Petrobras. O objetivo do tucano era fatiá-la e vendê-la com o nome Petrobrax.
Para facilitar a privatização da empresa, junto com a má-gestão, houve uma série de acidentes como derramamento de petróleo na baia da Guanabara e o mais grave de todos, o afundamento da P 36, a maior plataforma de petróleo do mundo na época, com 11 vítimas fatais em março de 2001.
Recentemente, a empresa vem sofrendo intenso bombardeio da imprensa e da oposição, pela compra em Pasadena de uma refinaria nos Estados Unidos, que na época foi um bom negócio e vem dando lucros para a empresa.
O mesmo empenho não foi observado num estranho negócio envolvendo a Petrobras e a Repsol em 2001, que segundo os petroleiros em ação contra essa negociação no Supremo Tribunal de Justiça - STJ, a Petrobras recebeu ativos no valor de US$ 750 milhões e cedeu US$ 3 bilhões, em valores atualizados.
Mas o maior risco à existência da empresa está embutida nas propostas eleitorais de Marina Silva e Aécio Neves.
Os dois candidatos embarcaram na onda do mercado e da grande imprensa brasileira de que a Petrobras está em crise e a corrupção corre solta na empresa.
Quanto à corrupção é bom frisar que ela foi descoberta graças a ação da Polícia Federal, envolvendo um funcionário concursado que estava na empresa desde 1978. Ele foi prontamente demitido. É a primeira vez no Brasil que a corrupção não é engavetada.
Vale ressaltar que a suposta crise da Petrobras é o sonho de qualquer empresa petrolífera do mundo ter os números apresentados pela brasileira.
Os números são superlativos, primeiro a valorização que atingiu um montante seis vezes maior do que valia em 2002, de US 15 bilhões foi para US$ 90 bilhões em 2014. Encontrou a maior bacia petrolífera do século XXI e foi a empresa que mais teve crescimento das suas reservas nos últimos anos.
Como está em crise uma empresa que lucrou no primeiro semestre deste ano R$ 16,4 bilhões? Que produz diariamente 2,4 milhões de barris de petróleo?
Na verdade, a grande imprensa brasileira, junto com as candidaturas de oposição à presidente Dilma, fazem um trabalho diuturno para desacreditar a maior empresa do país e uma das maiores do mundo, junto à população para que a Petrobras possa ser privatizada e abra mão de explorar o pré-sal.
O pré-sal representa um bilhete de loteria premiado, que o povo brasileiro ganhou. Trilhões de dólares que irrigarão a economia brasileira e possibilitará o desenvolvimento social e econômico do nosso Brasil.
Para possibilitar que o prêmio sorteado seja repartido por todos os brasileiros o governo Lula criou, em 2010, o sistema de partilha; não permitindo que os lucros sejam todos canalizados para o exterior ou fiquem apenas para uma minoria dos brasileiros.
Como no início da história do nosso país, no Brasil colonial, com o ciclo do açúcar, em que além dos portugueses, os holandeses se deram bem e com o ciclo do ouro, que financiou a opulência da corte portuguesa e a Revolução Industrial Inglesa.
Esses recursos não foram usados para desenvolver o nosso país com a criação de empregos e renda. Mas serviram a outros povos.
Os Estados Unidos, por exemplo, usaram todo o ouro descoberto na Califórnia no século XIX e o petróleo do Texas, no século XX, para se tornarem um grande país e oferecer condições de vida melhor ao seu povo. Eles não sofreram oposição dos economistas neoliberais ou da grande imprensa estadunidense.
Com o sistema de partilha criado pelo governo Lula, em substituição ao de concessão, quem sai ganhando é o povo brasileiro. Somente para a educação e saúde será R$ 1,3 trilhão.
Outro tema muito sensível que o mercado não gostou muito é a política de conteúdo nacional, ou seja, de que parte dos equipamentos usados para o pré-sal sejam fabricados no Brasil. Alguns acham que é doutrinária, mas a Noruega fez disso um grande achado para desenvolver uma indústria naval poderosa.
Lembrar que antes do governo Lula quase tudo era construído no exterior. Tinham o complexo de vira - lata de que não conseguíamos construir no Brasil os navios e as plataformas para exploração de nosso petróleo.
Tudo mudou a partir de 2003 e houve o renascimento da indústria naval que multiplicou por 14 vezes o número de empregos diretos de qualidade. Eram 7 mil trabalhadores e atualmente são 100 mil. Isso se chama política industrial e nenhum país do mundo se desenvolveu sem fazer essas políticas.
Os países que se dizem liberais, como os Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Japão, foram protecionistas por mais de um século e aplicaram políticas que permitiram que fossem os países desenvolvidos da atualidade.
O resto é ideologia, pois passam para ao resto do mundo uma visão histórica distorcida do liberalismo econômico, para que os países que a aceitem nunca possam se desenvolver e sejam eternamente dependentes.
A lei 12.351/2010 que mudou o regime de concessão para partilha, também inova ao fazer da Petrobras a única operadora dos campos do pré-sal. Isso garante maior segurança ao país no controle da sua riqueza.
Se tivéssemos privatizado a Petrobras como a Argentina fez com a Yacimentos Petroliferos e Fiscales – YPF em 1999, para a Repsol, o destino seria o mesmo dessa empresa, que teve a produção em queda, sucateamento da estrutura, queda das reservas, lucros canalizados para a Espanha e não criaram nenhuma base industrial no país. Não entregaram o que o mercado prometeu ao povo argentino.
O mercado funciona no curto prazo, não tem compromisso com nenhum país e nenhum povo e traz no seu bojo os interesses dos países capitalistas centrais, que são os Estados Unidos, a Europa e o Japão.
Pelo mercado, a gasolina vendida pela Petrobras teria um tarifaço, com o litro possivelmente indo para a casa dos R$ 4, que beneficiaria os acionistas, uma minoria do povo brasileiro, mas prejudicaria o povão, que veria subir o custo de vida, a inflação e jogaria os juros para o alto.
Outra proposta do mercado seria o fim do regime de partilha na exploração do pré-sal, voltando ao regime de concessão em que o país fica com muito pouco, como sempre aconteceu na história do Brasil; o fim da exigência de produção nacional dos equipamentos do pré-sal, acabando com a nossa indústria e a Petrobras não ser mais a única operadora.
As candidaturas oposicionistas de Marina Silva e Aécio Neves já se posicionaram de acordo com o mercado, que é formado por 1% da população brasileira e pelos seus sócios estrangeiros, que tem na grande imprensa brasileira e internacional o instrumento de defesa dos seus interesses.
O desenvolvimento de um país exige engajamento e defesa da soberania do seu povo.
É importante para o povo brasileiro a defesa enfática da Petrobras dos ataques sorrateiros que a empresa recebe diariamente. É bom frisar que atacam a Petrobrás muito mais pelos seus méritos.
O pré-sal representa um bilhete premiado para o nosso povo e a possibilidade real para que possamos desenvolver social e economicamente o Brasil. Não podemos dispensar essa oportunidade de implantarmos um projeto de nação com oportunidades e prosperidades para todos.
O momento é esse, pois o cavalo está passando apeado. E pode ser o último trem para Paris.
·Evaristo Almeida – Mestre em Economia Política pela PUC-SP e membro do Coletivo Casa dos Galos de Economia Política, que defende a economia pela ótica do trabalhador e pelo desenvolvimento soberano do Brasil
quinta-feira, setembro 18, 2014
Programa econômico da Marina: direita volver?
Evaristo Almeida*
Recentemente a candidata Marina Silva apresentou o programa de governo para a campanha presidencial de 2014. A novidade é que a linha ideológica apresentada pela Marina é mais conservadora que a do candidato Aécio Neves, do PSDB, vem defendendo. Não porque Aécio não comungue dos mesmos ideais, mas haveria repulsa imediata do povo para várias questões polêmicas como autonomia do Banco Central, flexibilização dos direitos trabalhistas, tarifaço em alguns preços públicos, reforma política, privilegiando o poder econômico, entre outros.
Vamos trabalhar nesse artigo com quem faz a cabeça dos economistas da Marina e a matriz ideológica dos que escreveram o programa econômico da candidata do PSB que é a mesma dos economistas do PSDB. São economistas neoliberais, com doutoramento nos Estados Unidos ou na Inglaterra. Vale lembrar que esses dois países passam por crises econômicas profundas, com desemprego crônico e falta de perspectiva para os trabalhadores.
Depois da crise de 2008, os economistas mais comprometidos com o desenvolvimento social e econômico, achavam que o neoliberalismo perderia força; pelo fato dos fundamentos defendidos por essa escola não serem científicos e sim ideológicos, à luz da crise de proporção gigantesca nos Estados Unidos e na Europa, que provocaram ao propor a desregulamentação geral da economia e referenciarem o mercado como um deus. Mas como essa linha de pensamento defende interesses poderosos de empresas transnacionais, principalmente do ramo financeiro, dos Estados Unidos, Europa e Japão; é defendido 24 horas por dia pela mídia mundial comprometida com esses interesses. Interesses esses que beneficiam apenas 1% da população do mundo. No Brasil não é diferente e a grande imprensa brasileira é toda neoliberal.
Você nunca verá um economista neoliberal defendendo distribuição de renda, crescimento econômico, aumento salarial, igualdade social nem qualquer outro valor humanista e civilizatório.
Os preceitos defendidos pelos neoliberais são baseados em Adam Smith e David Ricardo, grandes ideólogos ingleses dos séculos XVIII e XIX, por Thomas Malthus, que não tinha nenhuma consideração pelos pobres, pois segundo Malthus, não adiantaria fazer nenhuma política econômica para ajudar classes mais desfavorecidas, pois eles gastariam tudo e continuariam pobres. Pelo contrário pregava que os pobres morassem nas áreas mais insalubres, para que a população seja reduzida. E por fim, Hayek e Milton Friedman, que deram uma nova roupagem ao pensamento conservador no século XXI e ficaram eufóricos quando Pinochet, ditador do Chile acusado de prisão, tortura e assassinato contra seus críticos, aplicou a doutrina neoliberal. Esse “aprendizado” custou dezenas de milhares de vida e transformou o Chile num país destinado a produzir cobre, frutas e peixes. O resultado foi a pauperização da população chilena, concentração de renda e desemprego de 1/3 dos trabalhadores.
Mas nada disso importou para os ideólogos do neoliberalismo, pois a democracia e o bem-estar social não estão nas preocupações dos apóstolos dessa doutrina.
Foi o economista alemão Georg Friedrich List quem desmascarou as idéias de Smith e Ricardo, que difundiram a ideologia do livre comércio e das vantagens comparativas, que beneficiavam a economia inglesa. Para List um país não pode desenvolver suas indústrias num mercado em que sofre concorrência de outra economia mais avançada tecnologicamente, como acontecia com a Inglaterra a partir do século XVIII. Portugal que o diga, pois cometeu o erro de assinar o tratado de Methuen, que impediu a industrialização desse país por séculos. Tratado semelhante a esse foi apresentado pelos Estados Unidos, no final do século XX, com a criação do Acordo de Livre Comércio das Américas - ALCA, que teria o mesmo efeito nefasto no continente que o acordo assinado por Portugal em 1703. Acabaria com qualquer iniciativa industrial dos países que nele adentrassem. Os governos Lula, Chávez e Kirchner não deixaram isso ir em frente.
Os Estados Unidos maquiaram a Alca na Chamada Aliança do Pacífico do governo Obama, que prevê livre comércio e já é composta pelo Chile, Colômbia, México e Peru. Essa aliança transformará os países que nele entraram em importadores de produtos industrializados estadunidenses e exportadores de matérias-primas, a preços aviltados para os Estados Unidos. Será o retorno à condição de colônia que congelará o desenvolvimento e impossibilitará a melhoria de vida dos seus povos. Está no programa da Marina a adesão a esse tipo de aliança de livre comércio.
Essa é a receita dos economistas de matriz neoliberal, subordinação colonial e atraso social.
Eles tratam o grau de desenvolvimento de um país como se todos fossem iguais e tivessem atingido a mesma produtividade. São contra políticas desenvolvimentistas como a feita pela Petrobras, em exigir participação nacional na produção das plataformas e equipamentos para o pré-sal. Vamos lembrar que esses equipamentos no governo de Fernando Henrique Cardoso eram construídos em Cingapura, na Coréia e na China. Como resultado, a nossa indústria naval estava minguando e empregava somente sete mil trabalhadores. Os empregos ficavam lá fora.
O Brasil, nos governos Lula e Dilma, adotando a mesma política feita pela Noruega, que desenvolveu uma poderosa indústria naval, estão exigindo que navios e equipamentos sejam construídos aqui, no nosso país. Essa política é exitosa, pois a indústria naval brasileira já emprega 80 mil trabalhadores que estão melhorando de vida com melhores empregos e aumento da renda.
Anteriormente o curso de engenheiro naval estava acabando no país, atualmente está em alta. Isso mostra que uma política desenvolvimentista melhora a qualidade do emprego e da renda da população.
Ao contrário de política desenvolvimentista, os economistas da Marina, querem uma nova rodada de abertura econômica, a mesma que causou o grande nível de desemprego nos anos 1990 no Brasil, feitas nos governos de Collor e Fernando Henrique Cardoso, que quebraram milhares de empresas e fecharam milhões de empregos.
Outra política econômica, defendida por eles, que ameaça quebrar o país é o câmbio livre, ou seja, deixar a moeda flutuar livremente ao sabor do mercado. O livre cambismo não é praticado desde o padrão-ouro, que vingou até a crise de 1929 e arrasou o mundo. Nos dias atuais seria haraquiri econômico, porque as moedas deixaram de ter lastro e flutuam ao sabor da especulação financeira.
Os Estados Unidos atualmente tem uma dívida de 20 trilhões de dólares que é rolada via emissão monetária e de títulos públicos, jogando 80 bilhões de dólares mensalmente no mercado mundial, o que causa valorização das demais moedas para que os produtos estadunidenses fiquem mais baratos e possam ser exportados.
Se o Brasil fosse seguir a política livre cambista preconizada pelos neoliberais da Marina, milhares de empresas teriam fechado, assim como milhões de empregos, pois o real seria sobrevalorizado mais do que foi nesse período.
Isso prova que é mais uma grande bobagem defendida por economistas conservadores e apoiados pela grande imprensa brasileira.
Os adestrados nessa escola são os preferidos para receber o prêmio Nobel de Economia, o que indica que esse prêmio é dado muito mais pelos valores ideológicos defendidos do que pela validade da ciência econômica. No mundo, que me lembre, de economistas progressistas, apenas Amartya Sen, Gunnar Myrdal, Paul Krugman e Joseph Stiglitz, o receberam. Deixaram de lado economistas do quilate de Celso Furtado e Raul Prebisch, para falar apenas da Amércia Latina, que deram grandes contribuições à teoria desenvolvimentista.
O Nobel de Economia é usado politicamente para favorecer a escola conservadora como foi o Nobel da Paz, dado a Barack Obama para legitimar as ações bushinianas do presidente dos Estados Unidos.
A “nova política” preconizada pelos economistas neoliberais que escreveram o programa econômico da Marina é o repaginamento de velhos dogmas, que já causaram desemprego e crise econômica no Brasil.
O programa mostra que a candidata desistiu do Brasil, sim, pois o que está implícito é o retorno à continuação da política econômica implantada por Fernando Henrique Cardoso entre 1995-2002, que não melhorou a vida da população brasileira.
O país vive atualmente a melhor condição social e econômica desde Cabral, com pleno emprego e possibilidade de ascensão social.
Diariamente somos bombardeados, 24 horas do dia, de que o país passa por grave crise, pela grande imprensa brasileira, o que não é verdade. Todas as classes sociais melhoraram de vida, como mostra a qualidade da política econômica implantada no país desde 2003.
Não é preciso que a população brasileira entenda de economia, mas é só recordar o que foi sua vida nos governos anteriores ao de Lula e de Dilma, e a que é hoje.
Se nos deixarmos levar pela grande imprensa brasileira e o terrorismo econômico diariamente jogado nos jornais impressos e televisivos, poderemos perder todas as conquistas desses 12 anos.
Segundo os existencialistas somos frutos de nossas escolhas e agora mais do que nunca poderemos seguir a frente construindo uma nação soberana com desenvolvimento social e econômico ou entrar na lábia dos neoliberais que tudo está ruim e de fato com as políticas por eles defendidas, a vida piorar e o Brasil perder a sua autonomia como nação.
São esses dois projetos que estão sendo apresentados ao nosso povo, um que ele já conhece e está dando certo e o outro mera abstração e promessas que transformariam para pior a vida de milhões de brasileiros e brasileiras.
*Evaristo Almeida - Mestre em Economia Política pela PUC-SP e membro do Instituto Casa dos Galos de Economia Política, que defende a economia sob a ótica do trabalhador e dos interesses do povo brasileiro
LEBLON À BLÁBLÁ: DISCURSO DO MEDO, UMA OVA!
“Para Marina não há conflito entre o fastígio dos banqueiros e os interesses populares. O conflito é entre corruptos e elites”
O Conversa Afiada reproduz editorial de Saul Leblon, extraído da Carta Maior:
DISCURSO DO MEDO, UMA OVA!
Para Marina não há conflito entre o fastígio dos banqueiros e os interesses populares. O conflito que existe na sua leitura do Brasil é entre corruptos e elites
por: Saul Leblon
Marina precisa esconder a questão principal em jogo nestas eleições. Por isso é crucial expô-la, como Dilma começou a fazer no debate da CNBB, nesta 3ª feira:
‘A principal lição da crise de 2008 é a necessidade de impor uma regulação ao sistema financeiro, não o contrário, não o hiperliberalismo’, resumiu a Presidenta, fuzilando o projeto do BC independente , do voto e da democracia, encampado pela candidata do PSB.
Não é um assunto palatável. Mas é traduzível. Prova-o a tentativa do PSB de interditá-lo no horário eleitoral.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encampou o pedido de Marina de suspender a propaganda petista, na qual se relaciona o impacto dessa proposta num lar assalariado.
Se agiu honestamente, Janot subestima o poder de fogo do arsenal que hoje mantem 100 milhões de desempregados no mundo.
A Europa é uma advertência em carne viva.
Outrora referencia do Estado do Bem Estar Social, o continente não resistiu ao moedor da supremacia financeira. Paga em libras de carne humana a purga da desordem neoliberal, sob o comando dos bancos que a causaram.
O saldo da reciclagem até o momento sugere que a propaganda de Dilma é até cautelosa.
São mais de 20 milhões de desempregados na zona do euro; 119,6 milhões de pessoas (24,2% da população) transitam no limiar da pobreza em toda a Europa; US$ 1,3 trilhão foram entregues aos bancos europeus para salvá-los deles mesmos, enquanto as filas da Cáritas fornecem mais de um milhão de pratos de comida só na Espanha .
A contradição que a propaganda de Dilma condensa metaforicamente pode ser constatada de outra forma e ao vivo aqui mesmo.
Quando Marina Silva sobe nas pesquisas, as bolsas disparam; as consultorias exultam; as ações de bancos escalam píncaros de valorização. Manchetes faíscam sulfurosas.
Quando a ONU informa que no ciclo de governos do PT o Brasil reduziu a miséria em 75% e praticamente erradicou a fome (restrita a 1,7% da população), qual é a receptividade do glorioso jornalismo de economia?
Modesta, para sermos generosos.
A saúde dos mercados e a deriva da sociedade, como se vê em diferentes latitudes do planeta, não são contraditórias com essa concepção de eficiência econômica excludente. A mesma encampada agora pelo PSB que um dia foi de Arraes, hoje é o cavalo onde floresce o enxerto do hiperliberalismo denunciado por Dilma.
A confusão semântica entre um partido socialista tomado pela ideologia rentista e uma ex-seringueira que a isso empresta sua biografia não é involuntária.
Sem um lubrificante à altura do estupro, seria muito difícil vender ao eleitor agenda de um neoliberalismo desmoralizado.
O mundo conspira contra Marina, mas ninguém diz.
O jornal Valor desta 4ª feira (17/09) informa-nos em rodapé discretíssimo: ‘Os Estados Unidos sofreram mais um ano de estagnação da renda, uma vez que a recuperação da economia não consegue se traduzir em aumento da prosperidade para a média das famílias (…) cuja renda real aumentou apenas 0,3% em 2013…’.
Significa dizer que a renda média na principal economia capitalista do planeta encontra-se abaixo daquela de 25 anos atrás.
Mas os níveis de desigualdade regrediram ao padrão da Europa no início do século XX. Informa o livro de Thomas Piketty (‘O capital’), estranhamente ausente do debate eleitoral brasileiro.
Não é uma tragédia sem causa.
O lucro combinado dos seis maiores bancos americanos- JPMorgan Chase, Goldman Sachs, Citigroup, Wells Fargo, Morgan Stanley e Bank of America – saltou em 2013 para o seu maior patamar desde 2006: um aumento de ganho líquido de 21% ; ou US$ 74,1 bilhões em moeda sonante , segundo informou a Bloomberg.
A dificuldade da recuperação norte-americana, a mais lenta de todas, que fez o Fed, nesta 4ª feira, sinalizar a manutenção das taxas de juros baixas por ‘tempo indeterminado’ –para decepção do rentismo local e global– , não tem têm origem, porém, na crise de 2008.
O fio que interliga a persistente disseminação da pobreza nos EUA antes, durante e depois do colapso de 2008, é a hipertrofia do poder financeiro –que Marina quer vitaminar no Brasil.
É esse o elo entre a rastejante recuperação atual sob a batuta de Obama, a etapa aguda da crise que a antecedeu — capitaneada por Bush Jr– e, antes ainda, o período de apogeu que originou o desmonte regulatório do sistema financeiro legado por Roosevelt. Obra demolidora iniciada por Reagan (1981-1989), seguida da consolidação da hegemonia rentista sob a batuta do democrata Bill Clinton (1993-2001).
Radiografar essa espiral e traduzi-la para o idioma político destas eleições não é recorrer ao discurso do medo, como querem alguns.
São fatos que a retrospectiva norte-americana ilustra exaustivamente. Por exemplo:
1. Os salários da força de trabalho nos EUA estão em queda ou estagnados desde os anos 90;
2. Para 60% dos trabalhadores americanos , o valor da hora/trabalho estagnou ou caiu;
3. Em 1996 a renda média familiar já era inferior a de 1986 (uma corrosão que persiste);
4. O emprego estável esfarelou; a fatia dos trabalhadores com cerca de 10 anos no mesmo emprego caiu de 41% em 1979 para 35,4% em 1996 ( e embicou nos anos mais recentes);
5. A desigualdade se acentuou: a renda de uma família padrão de classe média encolheu, apesar do borbulhante fastígio rentista; apenas 10% dos lares abocanharam 85% dos ganhos propiciados pela farra financeira dos anos 80/90;
6. O trabalho se degradou: ao conquistar uma nova vaga, um desempregado ganha, em média, 13% menos que no trabalho anterior; em 1997, 30% dos empregos já operavam em tempo parcial, evidenciando uma economia que simultaneamente abdicou da indústria em troca dos ‘custos chineses’;
7. Nessa mutação estrutural , enquanto a fatia da renda apropriada pelos lares mais ricos (o 1% dos aplicadores em ativos) cresceu de 37,4% para 39%, o universo de lares sem ingressos ou com rendimento negativos saltou de 15,5% para 18,5%; na população negra, 31% dos lares tinham renda zero ou negativa em 1995.
Repita-se: tudo isso antes do colapso da subprime.
Esse paradoxo feito de desmonte industrial e exploração extrema, de um lado, e bonança rentista, do outro, só não explodiu antes graças à válvula de escape do endividamento maciço das famílias, que atingiu seu limite no estouro da bolha imobiliária, em 2008.
Os antecedentes mostram que a advertência feita pela propaganda de Dilma não é descabida.
É crucial para um projeto de desenvolvimento equitativo recompor e aprofundar a regulação do sistema financeiro, incluindo-se aí o controle sobre a mobilidade de capitais.
Foi isso que Dilma começou a dizer na CNBB. E Precisa continuar a dize-lo, de forma cada vez mais clara.
É isso que faz a propaganda vetada pelo procurador Janot.
Sem desmontar a supremacia financeira –e isso significa dar ao governo, ao Estado e à democracia os instrumentos de comando sobre o capital– será impossível consolidar um novo ciclo de investimento e alterar a redistribuição do excedente econômico no país.
Esse é um dos maiores desafios do desenvolvimento no século XXI
Mas para Marina o nome da crise é PT, não capitalismo destrambelhado.
Para Marina não existe conflito entre o fastígio dos banqueiros, e dos mercados financeiros, e os interesses populares.
O conflito que existe na sua constrangedora leitura da história é entre bons e maus; entre corruptos e elites bacanas; entre dilmas gerentonas e necas solícitas; entre o PT degenerado
–que “colocou um diretor para assaltar os cofres da Petrobrás”– e a virtuosa turma de novos amigos dos mercados.
É nessa toada que Marina, Aécio e seus apêndices pretendem levar a flauta da campanha até o fim.
As candidaturas progressistas não podem sancionar essa anestesia do discernimento popular.
Discurso do medo, uma ova, é preciso dizer, mimetizando a sagaz Luciana Genro.
A crise evidenciou que na ausência de regulação estatal da finança, a genética autodestrutiva do sistema passa a operar em condições de baixa demanda efetiva, elevado desemprego e especulação suicida.
A superação do impasse só virá se e quando o Estado detiver maior poder de comando para exercer seu papel indutor do crédito e do investimento produtivo.
Contra isso se insurge o conservadorismo. E ao seu desfrute se oferece Marina Silva e o seu tripé: BC independente; desregulação do pré-sal e desmonte da CLT.
Discurso do medo? Uma ova.
quarta-feira, setembro 17, 2014
segunda-feira, setembro 01, 2014
Mitos e verdades sobre a 'independência do Banco Central'
O que é a independência do Banco Central? Por que Marina e Aécio a defendem com unhas e dentes? Não é mera coincidência que ambas as candidaturas tenham transformado esta pauta em tema de destaque nas eleições
Paulo Kliass*
Ao que tudo indica, ainda não foram suficientes todos os ensinamentos a serem retirados da profundidade da atual crise econômico-financeira internacional, que teve início nos próprios Estados Unidos. Assistimos à falência amplamente reconhecida dos principais fundamentos de natureza teórica e conceitual que dão sustentação ao regime do financismo contemporâneo. Pouco importa, pois o modelo que é considerado um paradigma a ser copiado pelos adeptos da perpetuação da desigualdade é o norte-americano. Não satisfeitos com a trombada da realidade objetiva, ainda assim eles insistem com a restauração da antiga ordem, com a reabilitação do antigo regime.
Ocorre que, para esse pessoal, a incapacidade revelada pela própria crise do mercado em encontrar soluções satisfatórias para os conflitos econômicos pouco importa. O Estado é sempre lento, ineficaz e incompetente. E ponto final! Esse pressuposto vale para os mais variados aspectos da vida social. Desde a oferta de serviços públicos básicos como saúde, educação e previdência. Até a operação de empresas como Petrobrás, Banco do Brasil ou BNDES. E passando por organismos de regulação, como as agências do tipo ANATEL, ANEEL e o Banco Central. É impressionante, mas vira e mexe esse tema volta à baila na agenda da política econômica.
Agora, à medida que avança o debate eleitoral, as candidaturas começam a estabelecer seus limites e revelar suas verdadeiras faces. A questão econômica ganha espaço em razão das dúvidas e incertezas a respeito do que fazer em 2015. E dentre os assuntos preferidos pelos defensores do financismo – sempre a postos! , diga-se de passagem – começa a despontar a tal da independência do Banco Central. Afinal se o “Federal Reserve” (conhecido por Fed, o BC dos Estados Unidos) é mesmo quase independente da Casa Branca, nada mais adequado do que importarmos esse sistema.
As concepções mais conservadoras do fenômeno econômico sempre tentaram emplacar esse tema. Na verdade, trata-se de sua preocupação em como tornar operacional o conceito de “autoridade monetária”. No modelo ideal de funcionamento da economia, algumas variáveis importantes devem ser submetidas a algum tipo de controle. É o caso, por exemplo, da quantidade ofertada de moeda na sociedade e do “preço” dessa mesma mercadoria muito especial – o dinheiro. E que vem a ser a própria taxa de juros, o chamado custo do dinheiro.
Por mais radical que seja o espírito liberal do interlocutor, a maior parte deles ainda aceita a idéia de que a moeda nacional seja um bem cuja responsabilidade é atribuição do Estado. Porém, o próprio sistema capitalista construiu um arcabouço financeiro de tal ordem, que a maior parte da oferta de “moeda” existente na sociedade é criada pelo próprio sistema bancário e demais instituições assemelhadas. O papel moeda tradicional é hoje em dia quase uma curiosidade, uma espécie em extinção. Assim, não basta mais sugerir apenas uma rígida supervisão das rotativas da Casa da Moeda. O controle efetivo sobre os meios de pagamento envolve uma ação mais incisiva da autoridade monetária sobre o universo financeiro.
Por outro lado, a definição da taxa oficial de juros (SELIC, no caso do Brasil de hoje) é também uma função do Banco Central. Ela é usada como referência mínima para a formação das taxas de juros praticadas pelos bancos em suas operações de depósito e de empréstimo. Além disso, é a taxa utilizada para remunerar a dívida pública. O BC pode atuar também no chamado “mercado cambial”, definindo a taxa de câmbio da moeda nacional em sua relação com as dos demais países. Caso deixe esse importante preço de referência ao livre sabor das forças de oferta e demanda, pode ocorrer o fenômeno que tem arrasado a realidade brasileira ao longo dos últimos anos: a sobrevalorização do real e a desindustrialização de nossa economia.
As regras institucionais também atribuem ao BC as funções de órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro. Cabe a ele a definição das condições de concessão de empréstimos e dos limites para a prática das taxas de juros nas operações de crédito. É mais do que sabido a enormidade dos spreads praticados em nossas terras, bem como o absurdo dos níveis das tarifas cobradas pelas instituições em suas relações com a clientela. O chamado “banco dos bancos” deve atuar como uma espécie de xerife do sistema financeiro, defendendo os interesses do conjunto da sociedade contra todo e qualquer tipo de abuso cometido pelos bancos
Pois bem, frente a esse significativo encargo de responsabilidades, nada mais recomendado que a nomeação dos dirigentes dessa instituição seja atribuída à Presidência da República. A indicação de nomes para ocupar essa função ainda passa pela sabatina efetuada pelo Senado Federal, em uma indicação de que o poder legislativo também possa alertar a respeito de algum exagero. No caso brasileiro mais recente, o ex-Presidente Lula contribuiu inclusive para ampliar ainda mais a autonomia existente, ao encaminhar uma Medida Provisória equiparando o cargo ocupado por Henrique Meirelles ao de Ministro da República.
Ocorre que para o financismo esse quadro é pouco; eles querem mais. Não basta a autonomia concedida a um ex-presidente internacional do Bank of Boston, que ficou exatamente 8 anos à frente do BC, atendendo a todos os interesses da banca privada. Um período em que a autoridade monetária governou mais para os bancos e menos para o conjunto da sociedade. Dois mandatos em que as taxas de juros estratosféricas eram definidas pela COPOM sem nenhuma prestação de contas, nem ao governo oe menos ainda à sociedade.
Com o argumento malandro de que o governo pode influenciar “politicamente” na definição da política monetária, o financismo agora pede um pacote completo: deseja a independência do BC. Voltam com a argumentação surrada e mal lavada de que é importante haver “técnicos” não suscetíveis de serem influenciados por quem estiver ocupando o Palácio do Planalto. Mas o presidente do BC deve ser independente de quem, cara pálida? O sonho de consumo da banca é um quadro de dirigentes no comando da autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda que não respondam a ninguém. Ou melhor, que atendam tão somente aos interesses das instituições que deveriam controlar.
Ora, todos sabemos que as decisões e as consequências relativas ao rumo da economia são de natureza absolutamente política. Daí que a responsabilidade por elas deve ser de que tem legitimidade para tanto – o Presidente da República. Não existe isenção ou neutralidade nas decisões de política econômica. Exatamente por sua natureza multidisciplinar, a economia é parte integrante das ciências sociais. Não existe apenas uma alternativa técnica e adequada para cada caminho a se trilhar.
Assim, um desenho institucional que confira independência política e administrativa a seus dirigentes é de uma irresponsabilidade inimaginável. As funções da autoridade monetária são políticas e os responsáveis por elas devem ser passíveis de remoção a qualquer instante. Conceder um mandato com prazo fixo para eles equivale a assinar um cheque em branco para atuarem da forma que bem entenderem. A tecnocracia não tem legitimidade para tanto: ela não foi eleita para nada. Cabe ao dirigente político efetuar a boa escolha de seus assessores de confiança a cada momento. E responder pelos equívocos cometidos.
Não é mera coincidência que as candidaturas de Aécio e Marina incluam este ponto como elemento de destaque. Afinal, os conselheiros econômicos de ambos foram os principais responsáveis pela condução da política econômica no auge do neoliberalismo, durante a gestão de FHC. Estiveram à frente do processo de privatização das empresas estatais, promoveram um importante desmonte do aparelho do Estado, desregulamentaram a economia concedendo todo tipo de facilidades ao chamado “mercado” e aprofundaram a hegemonia do capital financeiro em nosso sistema econômico e social. Agora, ao que tudo indica, pretendem continuar a obra inacabada. Como passaram os últimos 12 anos trabalhando diretamente no interior do financismo, propõem agora a efetivação da independência do BC. Algo como o roteiro de um filme que poderia ter como título
“A volta dos que não foram”.
*Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental
Paulo Kliass*
Ao que tudo indica, ainda não foram suficientes todos os ensinamentos a serem retirados da profundidade da atual crise econômico-financeira internacional, que teve início nos próprios Estados Unidos. Assistimos à falência amplamente reconhecida dos principais fundamentos de natureza teórica e conceitual que dão sustentação ao regime do financismo contemporâneo. Pouco importa, pois o modelo que é considerado um paradigma a ser copiado pelos adeptos da perpetuação da desigualdade é o norte-americano. Não satisfeitos com a trombada da realidade objetiva, ainda assim eles insistem com a restauração da antiga ordem, com a reabilitação do antigo regime.
Ocorre que, para esse pessoal, a incapacidade revelada pela própria crise do mercado em encontrar soluções satisfatórias para os conflitos econômicos pouco importa. O Estado é sempre lento, ineficaz e incompetente. E ponto final! Esse pressuposto vale para os mais variados aspectos da vida social. Desde a oferta de serviços públicos básicos como saúde, educação e previdência. Até a operação de empresas como Petrobrás, Banco do Brasil ou BNDES. E passando por organismos de regulação, como as agências do tipo ANATEL, ANEEL e o Banco Central. É impressionante, mas vira e mexe esse tema volta à baila na agenda da política econômica.
Agora, à medida que avança o debate eleitoral, as candidaturas começam a estabelecer seus limites e revelar suas verdadeiras faces. A questão econômica ganha espaço em razão das dúvidas e incertezas a respeito do que fazer em 2015. E dentre os assuntos preferidos pelos defensores do financismo – sempre a postos! , diga-se de passagem – começa a despontar a tal da independência do Banco Central. Afinal se o “Federal Reserve” (conhecido por Fed, o BC dos Estados Unidos) é mesmo quase independente da Casa Branca, nada mais adequado do que importarmos esse sistema.
As concepções mais conservadoras do fenômeno econômico sempre tentaram emplacar esse tema. Na verdade, trata-se de sua preocupação em como tornar operacional o conceito de “autoridade monetária”. No modelo ideal de funcionamento da economia, algumas variáveis importantes devem ser submetidas a algum tipo de controle. É o caso, por exemplo, da quantidade ofertada de moeda na sociedade e do “preço” dessa mesma mercadoria muito especial – o dinheiro. E que vem a ser a própria taxa de juros, o chamado custo do dinheiro.
Por mais radical que seja o espírito liberal do interlocutor, a maior parte deles ainda aceita a idéia de que a moeda nacional seja um bem cuja responsabilidade é atribuição do Estado. Porém, o próprio sistema capitalista construiu um arcabouço financeiro de tal ordem, que a maior parte da oferta de “moeda” existente na sociedade é criada pelo próprio sistema bancário e demais instituições assemelhadas. O papel moeda tradicional é hoje em dia quase uma curiosidade, uma espécie em extinção. Assim, não basta mais sugerir apenas uma rígida supervisão das rotativas da Casa da Moeda. O controle efetivo sobre os meios de pagamento envolve uma ação mais incisiva da autoridade monetária sobre o universo financeiro.
Por outro lado, a definição da taxa oficial de juros (SELIC, no caso do Brasil de hoje) é também uma função do Banco Central. Ela é usada como referência mínima para a formação das taxas de juros praticadas pelos bancos em suas operações de depósito e de empréstimo. Além disso, é a taxa utilizada para remunerar a dívida pública. O BC pode atuar também no chamado “mercado cambial”, definindo a taxa de câmbio da moeda nacional em sua relação com as dos demais países. Caso deixe esse importante preço de referência ao livre sabor das forças de oferta e demanda, pode ocorrer o fenômeno que tem arrasado a realidade brasileira ao longo dos últimos anos: a sobrevalorização do real e a desindustrialização de nossa economia.
As regras institucionais também atribuem ao BC as funções de órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro. Cabe a ele a definição das condições de concessão de empréstimos e dos limites para a prática das taxas de juros nas operações de crédito. É mais do que sabido a enormidade dos spreads praticados em nossas terras, bem como o absurdo dos níveis das tarifas cobradas pelas instituições em suas relações com a clientela. O chamado “banco dos bancos” deve atuar como uma espécie de xerife do sistema financeiro, defendendo os interesses do conjunto da sociedade contra todo e qualquer tipo de abuso cometido pelos bancos
Pois bem, frente a esse significativo encargo de responsabilidades, nada mais recomendado que a nomeação dos dirigentes dessa instituição seja atribuída à Presidência da República. A indicação de nomes para ocupar essa função ainda passa pela sabatina efetuada pelo Senado Federal, em uma indicação de que o poder legislativo também possa alertar a respeito de algum exagero. No caso brasileiro mais recente, o ex-Presidente Lula contribuiu inclusive para ampliar ainda mais a autonomia existente, ao encaminhar uma Medida Provisória equiparando o cargo ocupado por Henrique Meirelles ao de Ministro da República.
Ocorre que para o financismo esse quadro é pouco; eles querem mais. Não basta a autonomia concedida a um ex-presidente internacional do Bank of Boston, que ficou exatamente 8 anos à frente do BC, atendendo a todos os interesses da banca privada. Um período em que a autoridade monetária governou mais para os bancos e menos para o conjunto da sociedade. Dois mandatos em que as taxas de juros estratosféricas eram definidas pela COPOM sem nenhuma prestação de contas, nem ao governo oe menos ainda à sociedade.
Com o argumento malandro de que o governo pode influenciar “politicamente” na definição da política monetária, o financismo agora pede um pacote completo: deseja a independência do BC. Voltam com a argumentação surrada e mal lavada de que é importante haver “técnicos” não suscetíveis de serem influenciados por quem estiver ocupando o Palácio do Planalto. Mas o presidente do BC deve ser independente de quem, cara pálida? O sonho de consumo da banca é um quadro de dirigentes no comando da autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda que não respondam a ninguém. Ou melhor, que atendam tão somente aos interesses das instituições que deveriam controlar.
Ora, todos sabemos que as decisões e as consequências relativas ao rumo da economia são de natureza absolutamente política. Daí que a responsabilidade por elas deve ser de que tem legitimidade para tanto – o Presidente da República. Não existe isenção ou neutralidade nas decisões de política econômica. Exatamente por sua natureza multidisciplinar, a economia é parte integrante das ciências sociais. Não existe apenas uma alternativa técnica e adequada para cada caminho a se trilhar.
Assim, um desenho institucional que confira independência política e administrativa a seus dirigentes é de uma irresponsabilidade inimaginável. As funções da autoridade monetária são políticas e os responsáveis por elas devem ser passíveis de remoção a qualquer instante. Conceder um mandato com prazo fixo para eles equivale a assinar um cheque em branco para atuarem da forma que bem entenderem. A tecnocracia não tem legitimidade para tanto: ela não foi eleita para nada. Cabe ao dirigente político efetuar a boa escolha de seus assessores de confiança a cada momento. E responder pelos equívocos cometidos.
Não é mera coincidência que as candidaturas de Aécio e Marina incluam este ponto como elemento de destaque. Afinal, os conselheiros econômicos de ambos foram os principais responsáveis pela condução da política econômica no auge do neoliberalismo, durante a gestão de FHC. Estiveram à frente do processo de privatização das empresas estatais, promoveram um importante desmonte do aparelho do Estado, desregulamentaram a economia concedendo todo tipo de facilidades ao chamado “mercado” e aprofundaram a hegemonia do capital financeiro em nosso sistema econômico e social. Agora, ao que tudo indica, pretendem continuar a obra inacabada. Como passaram os últimos 12 anos trabalhando diretamente no interior do financismo, propõem agora a efetivação da independência do BC. Algo como o roteiro de um filme que poderia ter como título
“A volta dos que não foram”.
*Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental
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