terça-feira, março 27, 2012

Santayana: o racismo de que os EUA gostam


Em Gaza, os americanos viram o rosto

O Conversa Afiada tem o prazer de republicar artigo de Mauro Santayana, extraído do JB online:

O racismo a serviço do império euroamericano

por Mauro Santayana

Podemos talvez encontrar a origem do racismo, a partir do equívoco bíblico, de que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança. Levando a idéia ao pé da letra, nasceu a paranóia da intolerância ao outro. A imagem negra de Deus é a de seus deuses africanos, a imagem judaica de Deus é a de um patriarca hebreu, na figura de Jeová. Os muçulmanos não deram face a Alá, nem veneram qualquer imagem de Maomé, mas isso não os fez mais santos. Desde a morte de Maomé, seus descendentes e discípulos se separaram em seitas quase inconciliáveis, que se combatem, todas elas reclamando o legado espiritual do Profeta. Os muçulmanos, como se sabe, reconhecem Cristo como um dos profetas.

Os protestantes da Reforma também prescindiram de imagens sagradas, o que, sem embargo, não os impediu de exercer intolerância e violência contra os católicos, com sua inquisição – em tudo semelhante à de seus adversários.

Essa idéia que associa as diferenças étnicas e teológicas à filiação divina, tem sido a mais perversa assassina da História. Os povos, ao eleger a face de seu Deus, fazem dele cúmplice e protetor de crimes terríveis, como os de genocídio. O Deus de Israel, ao longo da Bíblia, ajuda seu povo, como Senhor dos Exércitos, a “passar pelo fio da espada” os inimigos, com suas mulheres e seus filhos. Quando Cortés chegou ao México, incitou os seus soldados ao invocar a Deus e a São Tiago, com a arenga célebre: “adelante, soldados, por Dios y San Tiago”.

Quando falta aos racistas um deus particular, eles, em sua paranóia, se convertem em seus próprios deuses. Criam seus mitos, como os alemães, na insânia de se considerarem os mestres e senhores do mundo. Dessa armadilha da loucura só escaparam os primitivos cristãos, mas por pouco tempo, até Constantino. A Igreja, a partir de então, se associou aos interesses dos grandes do mundo, e fez uma leitura oportunista dos Evangelhos.

A partir do movimento europeu de contenção dos invasores muçulmanos e do fanatismo das cruzadas, a cruz, símbolo do sacrifício e da universalidade do homem, se converteu em estandarte da intolerância. Nos tempos modernos, o símbolo se fechou – com a angulação dos braços, no retorno à cruz gamada dos arianos – em sinal definitivo e radical da bestialidade do racismo germânico sob Hitler.

Os fatos dos últimos dias e horas são dramática advertência da intolerância, e devem ser vistos em suas contradições dialéticas. O jovem francês que mata crianças judias e soldados franceses de origem muçulmana, como ele mesmo, é o resultado dessa diabólica cultura do ódio de nosso tempo aos que diferem de nós, na face e nas crenças. É um tropeço da razão considerar todos os muçulmanos terroristas da Al-Qaeda, como classificar todos os judeus como sionistas e todos alemães como nazistas. Ser muçulmano é professar a fé no Islã – e há muçulmanos de direita, de esquerda ou de centro.

Merah, se foi ele mesmo o assassino, matou cidadãos do moderno Estado de Israel, como eram as vítimas da escola de Toulouse, mas também muçulmanos do Norte da África, como ele mesmo. Os fatos são ainda nebulosos, e os franceses de bom senso ainda duvidam das versões oficiais, como constatou Teh Guardian em matéria sobre o assunto.

Em El Cajon, nas proximidades de San Diego, na Califórnia – uma comunidade em que 40% de seus habitantes é constituída de imigrantes do Iraque, uma senhora iraquiana, que morava nos Estados Unidos há 19 anos, foi brutalmente assassinada, com o recado de que, sendo terrorista, depois de morta deveria voltar para o seu país. O marido, também iraquiano, é, por ironia da circunstância, empregado de uma firma que assessora o Pentágono na preparação psicológica dos militares que servem no Oriente Médio. E também nos Estados Unidos, na Flórida, um vigilante de origem hispânica (embora com o sobrenome significativo de Zimmermann, bem germânico) matou, há um mês, um jovem de 17 anos, Travyon Martin, provocando a revolta e os protestos da comunidade negra.

Em Israel, o governo continua espoliando os palestinos de suas terras e casas e instalando novos assentamentos para uso exclusivo dos judeus. O governo de Telavive não reconheceu a admoestação da ONU de que isso viola os direitos humanos essenciais. Os Estados Unidos votaram contra a advertência internacional a Israel. Como se vê os direitos humanos só são lembrados, quando servem para dissimular os reais interesses de Washington e de seus aliados e dar pretexto à agressão a países produtores de petróleo e de outras riquezas, como ocorreu com o Iraque, a Líbia e o Afeganistão.

Os episódios de intolerância se multiplicam em todos os países do mundo – e mesmo entre nós. No Distrito Federal, segundo revelações da polícia, um grupo de neonazistas mantinha célula terrorista há cerca de trinta anos, associada a outros extremistas de todo o país. Na madrugada de 28 de fevereiro deste ano, em Curitiba, vinte jovens neonazistas assassinaram um rapaz de 16 anos, a socos, pontapés e facadas. O principal executor, um estudante de direito, foi escolhido para cumprir ritual de entrada no grupo, como prova de coragem. A coragem de matar um menino desarmado. Também em Curitiba e em Brasília foram presos dois racistas, que usavam a internet para expor as suas idéias fascistas e incitar a violência contra ativistas femininas, homossexuais, negros e nordestinos.

Enquanto não aceitarmos a face morena de Jesus, como a mais próxima da face do Deus – criada para dar transcendência ao mistério da vida – o deus que continuará a dominar a nossa alma será Tanatos, o senhor da morte.

COMENTÁRIO E & P
E a Globo, Folha, Veja e Estado dão a notícia de assassinato de palestinos sem aquele ar de inconformismo quando acontece o mesmo em algum país cujos interesses dos Estados Unidos é espoliar o seu povo. Se fosse na Venezuela como seriam as notícias das empresas midiáticas brasileiras? Ou em cuba? Quando será que o papa Bento XVI vai a Israel pedir que não matem mais palestinos e não tirem a liberdade desse povo? Ou o papa faz o jogo de interesse dos Estados Unidos? A partir do papa farão aqueles levantes comandados por mercenários pagos pelos Estados Unidos como foi na Líbia e está sendo na Síria? E a imprensa brasileira quanto ganha para ser pautada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos? São vassalos desse país assim como a imprensa mundial que é comandada pelos esteites. Controlar a imprensa mundial é essencial para os esteites fomentar seus próprios preconceitos e insânias ao mundo. E o cidadão mundial se acha bem informado.

Vídeo - Rock do Pinheirinho



O conjunto de rock Fome Zero lançou nesta segunda-feira (26.03) na redes sociais o clipe da música “Pinheirinho”.

A proposta da canção é um manifesto pelo “rock-jornalismo”, no qual a banda explora temas relevantes do cotidiano do país, que nem sempre encontra o devido espaço nos meios de comunicação tradicionais. É o caso de “Pinheirinho”, cujo clipe traz imagens feitas por cinegrafistas da imprensa e amadores, além de depoimentos no Senado sobre o assunto.

Fundado em 2003 por jornalistas, o Fome Zero nasceu com o objetivo de “cobrir”, com irreverência e crítica política o governo Lula que estava iniciando. Depois de um período fora dos palcos, a banda retoma a mesma proposta na era Dilma.

A banda é composta pelos jornalistas Alexandre Teixeira (ex-redator-chefe da Época Negócios), Arnaldo Comin (ex-editor-executivo do Brasil Econômico), Dubes Sônego (repórter especial do iG) e o cineasta Alek Ribet.

Do Blog osamigosdopresidentelula.blogspot.com

COMENTÁRIO E & P

Será que não vivemos num estado de exceção em São Paulo? A junção da imprensa paulista com o PSDB pode ter criado uma ditadura dentro do sistema democrático vigente no país.

sexta-feira, março 23, 2012

Perfil de um reacionário.



Do Conversa Afiada

Você conhece algum ?

Saiu no site da Carta Capital:

Medíocres e perigosos
O reacionário é, antes de tudo, um fraco. Um fraco que conserva ideias como quem coleciona tampinhas de refrigerante ou maços de cigarro – tudo o que consegue juntar mas só têm utilidade para ele. Nasce e cresce em extremos: ou da falta de atenção ou do excesso de cuidados. E vive com a certeza de que o mundo fora da bolha onde lacrou seu refúgio é um mundo de perigos, pronto para tirar dele o que acumulou em suposta dignidade.

Como tem medo de tudo, vive amargurado, lamentando que jamais estenderam um tapete à sua passagem. Conserva uma vida medíocre, ele e suas concepções e nojos do mundo que o cerca. Como tem medo, não anda na rua com receio de alguém levar muito do pouco que tem (nem sempre o reacionário é um quatrocentão). Por isso, só frequenta lugares em que se sente seguro, onde ninguém vai ameaçar, desobedecer ou contradizer suas verdades. Nem dizer que precisa relaxar, levar as coisas menos a sério ou ver graça na leveza das coisas. O reacionário leva a sério a ideia de que é um vencedor.

A maioria passou a vida toda tendo tudo aos alcance – da empregada que esquentava o leite no copo favorito aos pais que viam uma obra de arte em cada rabisco em folha de sulfite que ele fazia – cultivou uma dificuldade doentia em se ver num mundo de aptidões diversas. Outros cresceram em meios mais abastados – e bastou angariar postos na escala social para cuspir nos hábitos de colegas de velhos andares. Quem não chegou onde chegaram – sozinhos, frise-se – não merece respeito.

Rico, ex-pobre e falidos, não importa: o reacionário ideial enxerga em tudo o que é diferente um potencial de destruição Por isso se tranca e pede para não ser perturbado no próprio mundo. Porque tudo perturba: o presidente da República quer seu voto e seus impostos; os parlamentares querem fazê-lo de otário; os juízes estão doidos para tirar os direitos acumulados; a universidade é financiada (por ele, lógico) para propagar ideias absurdas sobre ideais que despreza; o vizinho está sempre de olho na sua esposa, em seu carro, em sua piscina. Mesmo os cadeados, portões de aço, sistemas de monitoramento, paredes e vidros anti-bala não angariam de todo a sua confiança. O mundo está cheio de presidiários com indulto debaixo do braço para visitar seus familiares e ameaçar os nossos (porque os nossos nunca vão presos, mesmo quando botam fogo em índios, mendigos, prostitutas e ciclistas; índios, mendigos, prostitutas e ciclistas estão aí para isso, quem mandou sair de casa e poluir nosso caminho de volta ao lar).

Como não conhece o mundo afora, a não ser nas viagens programadas em pacotes que garantem o translado até o hotel, e despreza as ideias que não são suas (aquelas que recebeu de pronto dos pais e o ensinaram a trabalhar, vencer e selecionar o que é útil e o que é supérfluo), tudo o que é novo soa ameaçador. O mundo muda, mas ele não: ele não sabe que é infeliz porque para ele só o que não é ele, e os seus, são lamentáveis.

Muitas vezes o reacionário se torna pai e aprende, na marra, o conceito de família. Às vezes vai à igreja e pede paz, amor, saúde aos seus. Aos seus. Vê nos filhos a extensão das próprias virtudes, e por isso os protege: não permite que brinquem com os meninos da rua nem que tenham contato com ideias que os retirem da sua órbita. O índice de infarto entre os reacionários é maior quando o filho traz uma camisa do Che Guevara para casa ou a filha começa a ouvir axé e namorar o vocalista da banda (se ele for negro o infarto é fulminante).

Mas a vida é repleta de frestas, e o tempo todo estamos testando as mais firmes das convicções. Mas ele não quer testá-las: quer mantê-las. Por isso as mudanças lhe causam urticárias.

Nos anos 70, vivia com medo dos hippies que ousavam dizer que o amor não precisava de amarras. Eram vagabundos e irresponsáveis, pensava ele, em sua sobriedade.

Depois vieram os punks, os excluídos de aglomerações urbanas desajeitadas, os militantes a pedir o alargamento das liberdades civis e sociais. Para o reacionário, nada daquilo faz sentido, porque ninguém estudou como ele, ninguém acumulou bens e verdades como ele e, portanto, seria muito injusto que ele e o garçom (que ele adora chamar de incompetente) tivessem o mesmo peso numa urna, o mesmo direito num guichê de aeroporto, o mesmo assento na mesa de fast food.

Para não dividir espaços cativos, frutos de séculos de exclusão que ele não reconhece, eleva o tom sobre tudo o que está errado. Sabendo de seus medos e planos de papel, revistas, rádios, televisão, padres, pastores e professores fazem a festa: basta colocar uma chamada alarmista (“Por que você trabalha tanto e o País cresce tão pouco?”) ou música de suspense nas cenas de violência (descontrolada!) na tevê para que ele se trema todo e se prepare para o Armagedoon. Como bicho assustado, volta para a caixinha e fica mirabolando planos para garantir mais segurança aos seus. Tudo o que vê, lê e ouve o convence de que tudo é um perigo, tudo é decadente, tudo é importante, tudo é indigno. Por isso não se deve medir esforços para defender suas conquistas morais e materiais.

E ele só se sente seguro quando imagina que pode eliminar o outro.

Primeiro, pelo discurso. No começo, diz que não gosta desse povinho que veio ao seu estado rico tirar espaço dos seus. Vive lembrando que trabalha mais e paga mais impostos que a massa que agora agora quer construir casas em seu bairro, frequentar os clubes e shoppings antes só repletos de suas réplicas. Para ele, qualquer barberagem no trânsito é coisa da maldita inclusão, aqueles bárbaros que hoje tiram carta de habilitação e ainda penduram diplomas universitários nas paredes. No tempo dele, sim, é que era bom: a escola pública funcionava (para ele), o policial não se corrompia (sobre ele), o político não loteava a administração (não com pessoas que não eram ele).

Há que se entender a dor do sujeito. Ele recebeu um mundo pronto, mas que não estava acabado. E as coisas mudaram, apesar de seu esforço e sua indignação.

Ele não sabe, mas basta ter dois neurônios para rebater com um sopro qualquer ideia que ele tenha sobre os problemas e soluções para o mundo – que está, mas ele não vê, muito além de um simples umbigo. Mas o reacionário não ouve: os ignorantes são os outros: os gays que colocam em risco a continuidade da espécie, as vagabundas que já não respeitam a ordem dos pais e maridos, os estudantes que pedem a extensão de direitos (e não sabem como é duro pegar na enxada), os maconheiros que não estão necessariamente a fim de contribuir para o progresso da nação, os sem-terra que não querem trabalhar, o governante que agora vem com esse papo de distribuir esmola, combater preconceitos inexistentes (“nada contra, mas eles que se livrem da própria herança”), os países vizinhos que mandam rebas para emporcalhar suas ruas.

O mundo ideal, para o reacionário, é um mundo estático: no fundo, ele não se importa em pagar impostos, desde que não o incomodem. Como muitos não o levam a sério, os reacionários se agrupam. Lotam restaurantes, condomínios e associações de bairro com seus pares, e passam a praguejar contra tudo.

Quando as queixas não são mais suficientes, eles juntam as suas solidões e ódio à coletividade (ironia) e se organizam. Juntos, eles identificam e escolhem os porta-vozes de suas paúras em debates nacionais. Seus representantes, sabendo como agradar à plateia, são eleitos como guardiões na moralidade. Sobem a tribunas para condenar a perversidão, o aborto, a bebida alcoolica, a vida ao ar livre, as roupas nas escolas. Às vezes são hilários, às vezes incomodam.

Mas, quando o reacionário se vê como uma voz inexpressiva entre os grupos que deveriam representá-lo, bota para fora sua paranóia e pragueja contra o sistema democrático (às vezes com o argumento de que o sistema é antidemocrático). E se arma. Como o caldo cultural legitima seu discurso e sua paranoia, ele passa a defender crimes para evitar outros crimes – nos Estados Unidos, alvejam imigrantes na fronteira, na Europa, arrebentam árabes e latinos, na Candelária, encomendam chacinas e, em QGs anônimos, planejam ataques contra universitários de Brasília que propagam imoralidades (leia mais AQUI).

O reacionário, no fim, não é patrimônio nacional: é um cidadão do mundo. Seu nome é legião porque são muitos. Pode até ser fraco e viver com medo de tudo. Mas nunca foi inofensivo.

sábado, março 17, 2012

A decadência dos Estados Unidos


Pobre sonho americano

Por Apóllo Nátali(*), especial para o QTMD?

Os Estados Unidos detém um dos maiores índices de abandono escolar no ensino médio entre os países industrializados. Seus estudantes do último ano do ensino médio têm pior desempenho do que seus colegas em países mundo afora. Metade dos adolescentes não compreendem frações simples. Metade das crianças de nove anos de idade são incapazes de realizar operações simples de multiplicação e divisão. Apesar de nunca ter sido tão alto o número de alunos que estão fazendo exames de admissão em universidades, apenas 22% estão preparados para frequentar aulas universitárias de inglês, matemática e ciências. Muitas escolas rurais e urbanas sofrem com problemas como salas superlotadas, equipamentos inadequados e professores que são forçados a custear o material básico com o próprio bolso. Os Estados Unidos, se realmente se empenharem na criação de um novo sistema educacional para o século 21, a primeira medida a ser tomada é levar a profissão de professor a sério.

O então senador Barack Obama faz essas revelações e mais, pinta um quadro de desesperança na política, economia e no panorama social de hoje em seu país, em “A Audacia da Esperança – Reflexões sobre a reconquista do sonho americano”, Larousse, 2007. O sistema de saúde está quebrado. Reduziram-se os recursos em pesquisas. A globalização aumentou enormemente a instabilidade econômica dos americanos e fez emergir a “economia dos poderosos”, “na qual a maré alta não necessariamente levanta todos os barcos”. O “vício em petróleo” e a ameaça terrorista visando regiões produtoras abala a segurança da nação, dependente de governos frágeis dos países fornecedores. O crescimento econômico foi anêmico em criação de empregos. Saltos de produtividade achataram salários. O salário mínimo, sem aumento há uma década, não compra hoje o que comprava em 1955. O número de pobres aumenta. O sistema capitalista não aguenta fazer frente aos problemas sociais. “O 11 de Setembro fêz os americanos sentirem seu mundo virar de cabeça para baixo”.

A maioria dos eleitores pensa que todos em Washington estão apenas “brincando de fazer política”. Obama indaga: “que processo é esse, que impede pessoas razoáveis e conscientes – os senadores – de trabalharem pela nação? Os republicanos são incapazes de governar”.

A ideia central da Declaração da Independência, compreendida por qualquer americano, “nos guia e traça nosso rumo dia após dia”. Isto é, “de que nascemos livres, todos nós; de que cada um de nós vem ao mundo com um conjunto de direitos que não podem ser tirados por pessoa ou Estado algum sem justa causa; que através da nossa própria vontade nós podemos e devemos fazer da nossa vida o que quisermos”. O conjunto de liberdades individuais identificadas pelos Fundadores “são as relíquias de nossa Constituição”.

Mas “uma Declaração não é um governo”. Não fazer nada agora implica legar um país “em que a frustração econômica levará as pessoas a se voltar umas contra as outras”. E, o pior, não fazer nada “implicará menos oportunidade para os jovens americanos, um declinio na mobilidade social ascendente que sempre foi uma das principais promessas deste país desde sua fundação”.

As reflexões de Obama não permitem acreditar que o sonho americano possa um dia ser reconstruído, tais as análises desalentadoras que faz em oito temas enraizados na vida do país: Republicanos x Democratas, Valores, Nossa Constituição, Política, Oportunidades, Fé, Raça, Política Externa. Ele dizia em 2007 não saber como começar o processo de mudança da política e da vida cívica americana. “Não sei”. Ofereceu algo mais modesto: reflexões sobre os valores e ideais que o levaram à vida pública. Um lampejo de cada um dos oito itens de Obama sobre a maior democracia do mundo, “uma nação despedaçada”, pode servir de aperitivo para a releitura de sua “A Audácia da Esperança”. Não há nenhum sonho à vista, nem o tal que o mundo supunha fosse uma vida com liberdade, justiça e prosperidade para cada americano se fazer por si mesmo.

REPUBLICANOS X DEMOCRATAS – “…o que incomoda é a disparidade entre a magnitude dos nossos desafios e a pequenez da nossa política, a facilidade com que somos distraídos por coisas insignificantes, a maneira crônica como evitamos as decisões dificeis, nossa aparente incapacidade de chegar a um consenso para atacar qualquer grande problema”.

A certeza de Obama é de que os argumentos dos liberais são mais frequentemente fundamentados na razão e nos fatos. “O que caracteriza a estrutura ideológica dos republicanos de hoje é o absolutismo e não o conservadorismo. O absolutismo do mercado livre, a ideologia do fim de impostos ou da intervenção estatal, a ausência de uma rede de proteção, a ausência de governo, enfim, além do estritamente necessário para proteger a propriedade privada e prover a segurança nacional”.

E há o absolutismo da direita cristã, “um movimento que insiste em que o cristianismo é a fé dominante nos Estados Unidos, que sua corrente fundamentalista deve nortear as políticas públicas, atropelando qualquer fonte alternativa de entendimento, sejam os escritos de teólogos liberais, as descobertas da Academia Nacional das Ciências ou as palavras de Thomas Jefferson”. “Não somos mais apenas uma nação cristã, somos uma nação judáica, muçulmana, budista, hindu e uma nação de descrentes”.

“É hora de ambos os partidos colocarem de lado a animosidade, abaixarem as armas e se concentrarem em governar o país. A menos que os líderes políticos estejam abertos a novas ideias e não apenas a um novo arranjo político, não mudaremos o coração e a mente de um número suficiente de pessoas que possibilite construir um governo com energia ou enfrentar seriamente os nossos desafios. Ou quem sabe a política esteja tão trivial que não haja mais volta, de forma que a maioria das pessoas a enxergue hoje como simplesmente uma diversão, um esporte em que os políticos são gladiadores e aqueles que se dignam prestar atenção a ela são apenas fãs dispostos de cada lado das arquibancadas, com o rosto pintado de vermelho ou de azul, incitando seu lado e vaiando o lado do oponente”.

VALORES: “Em uma pesquisa recente, a corrupção no governo e nos negócios e a ganância materialista foram salientados como dois dos três desafios morais mais importantes que enfrentamos atualmente. Como criar os filhos com os valores certos apareceu em primeiro lugar”. Segundo o então senador Obama, é difícil para os políticos falarem de valores de modo que não pareça calculado ou piegas. “Isso, em parte, se deve ao fato de que nós, políticos, adotamos discursos ensaiados e gestos padronizados, que tornam cada vez mais difícil o público distinguir entre honestidade e estratégia política. A isso, acrescente-se o fato de a própria prática da política moderna parecer desprovida de valores”.

“A ideia central da Declaração, de sermos livres e de que viemos ao mundo com um conjunto direitos inalienáveis e que por nossa vontade fazemos o que queremos de nossas vidas, é comprendida por qualquer americano. “Ela nos guia e traça nosso rumo dia após dia. Nós nos apegamos aos nossos valores, mesmo que eles pareçam surrados e gastos. O que mais temos para nos guiar? Esses valores são nossa herança, o que nos torna o que somos como povo. No entanto, muitas vezes parece que os americanos de hoje não valorizam nada além de riqueza, beleza, juventude, fama, segurança e entretenimento”.

A NOSSA CONSTITUIÇÃO – O conjunto de liberdades individuais identificados pelos Fundadores foram transformados em “relíquias” da Constituição americana: o direito à liberdade de expressão e de culto; o livre direito de peticionar o governo; o direito de possuir, comprar e vender bens e de não ser privado desses bens sem uma compensação justa; o direito a não ser perseguido sem motivo justo; o direito a não ser detido pelo Estado sem processo; o direito a um julgamento justo e rápido; e o direito de tomar nossas próprias decisões sem a mínima restrição relativas à vida familiar e à forma como educamos nossos filhos”.

Mas “as leis são apenas palavras impressas em papel, maleáveis, imprecisas ou dependentes de contexto e confiança e uma declaração não é um governo. Crer não é o bastante”. A estrutura perfeita da Constituição garantiria os direitos dos cidadãos, os honoráveis membros da comunidade política americana. “Mas não proporcionava proteção àqueles fora do circuito constitucional – os índios americanos cujos tratados se provaram inúteis perante os tribunais do conquistador”. Igualmente, “o espírito de liberdade não se estendia aos escravos que trabalhavam nos seus campos, faziam sua cama e cuidavam de suas crianças”.

“O melhor que posso fazer” escreveu Obama, é lembrar que foram idealistas resolutos que perceberam que o poder não concederia nada sem luta. Lembrar que o debate e o controle constitucional podem muitas vezes ser um luxo dos poderosos e que algumas vezes os excêntricos, zelotes, profetas, agitadores e inflexíveis – os aboslutistas, em outras palavras, foram os que lutaram por uma nova ordem”.

POLÍTICA – A maioria dos eleitores conclui que todos em Washington estão apenas “brincando de fazer política”, ou seja, que os votos e as posições que se tomam ali são contrários à consciência, estão atrelados a contribuições de campanha, às pesquisas ou à lealdade ao partido e não ao desejo de fazer o que é certo”.

“Isso tudo leva à conclusão de que, se queremos que algo mude em Washington, precisamos arrancar os patifes de lá. No entanto, todos os anos mantemos esses patifes exatamente onde estão, uma vez que a taxa de reeleição dos membros do Congresso gira em torno de 96%”.

“A natureza do processo legislador é tremendamente insatisfatória. Na maioria das vezes, a legislação é uma trama sombria, fruto de centenas de comprometimentos pequenos e grandes, uma mistura de objetivos políticos legítimos, sustentabilidade política, esquemas reguladores feitos apenas para tapar buracos e projetos cujo real objetivo é o favorecimento político de seus proponentes. A imprensa adora o termo bipartidarismo, pois combina muito bem com as disputas partidárias, a trama principal de suas reportagens”.

Segundo Obama, o financiamento público das campanhas ou a criação de horário político gratuito na televisão e no rádio reduziriam drasticamente a busca constante de dinheiro e a influência dos grupos de interesse. “Sinto conforto em saber que, quanto mais tempo estou na política, menos reconfortante me parece a popularidade; que a luta pelo poder, pela posição e pela fama parece indicar na verdade uma pobreza de ambição; e que minhas próprias reações se medem principalmente pelo olhar rigoroso de minha própria consciência”.

OPORTUNIDADE – A globalização aumentou enormemente a instabilidade econômica de milhões de americanos, gerando o que alguns chamam de “economia dos poderosos”; os ricos ficaram mais ricos, os pobres mais pobres; a saúde e a educação estão quebradas. O crescimento econômico foi anêmico no que diz respeito à criação de empregos. Saltos de produtividade provocaram achatamento de salários. Uma fatia cada vez menor dos lucros polpudos das grandes corporações foi repassada aos trabalhadores.

A crença de que os programas de governo são ineficazes causa dependência, reduz a responsabilidade, a iniciativa e a escolha por parte dos indivíduos. Para o país se libertar do impasse político, Obama sugere investimentos em infraestrutura e no povo, reconstrução do contrato social idealizado por Roosevelt na primeira metade do século passado, investimentos que tornem os Estados Unidos um país mais competitivo na economia global, investimentos em educação, ciência e tecnologia e independência energética. Em um momento de estabilidade econômica antes da globalização, a carga tributária fazia frente a problemas sociais, mas havia um problema nesse triunfo liberal. “O capitalismo não aguentaria”, segundo Obama.

FÉ – Obama defende levar a fé a sério não apenas para deter a direita religiosa, mas também para envolver todas as pessoas de fé no mais amplo projeto de renovação americana. “O que quer que já tenhamos sido, não somos mais apenas uma nação cristã; também somos uma nação judáica, muçulmana, budista, hindu e uma nação de descrentes”.O senador sentenciava: “Acredito que cometemos um erro quando falhamos em reconhecer o poder da fé na vida dos americanos e por isso evitamos participar de debates sérios sobre como reconciliar a fé com nossa democracia moderna e pluralista”.

“Dizer que homens e mulheres não deveriam incluir sua moral pessoal em debates sobre políticas públicas é um absurdo: nossa lei é por definição uma codificação da moralidade fundamentada, em grande medida, na tradição judáico-cristã”. “Há algumas coisas das quais estou absolutamente certo – a Regra de Ouro (ética da reciprocidade), a necessidade de lutar contra a crueldade de todas as maneiras, o valor do amor e da caridade, da humildade e da misericórdia”.

RAÇA – O governo Bush não apenas demorou a agir depois do furacão Katrina, em Nova Orleans. As vítimas eram negras. “A incompetência foi daltônica”, argumentou Obama, insistindo em que o planejamento inadequado por parte do governo mostrou desigualdade e indiferença quanto aos problemas da pobreza das regiões urbanas carentes, que precisavam ser discutidos. Ao assistir ao funeral de Rosa Parks quase dois meses após o furacão, depois de reuniões de convenção partidária e mirabolante cobertura jornalística, “parecia que nada havia acontecido”. Rosa Parks foi uma negra que na década de 60 se recusou a ceder seu lugar a um branco no ônibus, e acabou com isso desencadeando revoltas e movimentos pelos direitos civis.

A posição de senador protegia Obama da maioria dos solavancos e contusões que o negro comum americano precisa enfrentar. Mesmo assim, a revelação:”Sou capaz de relatar a ladainha usual de pequenos insultos que me foram direcionados ao longo dos meus 45 anos: seguranças me seguindo quando entro em lojas de departamento, casais brancos que me jogam a chave de seus carros quando estou parado fora do restaurante esperando pelo valet, carros de polícia que me param por nenhuma razão aparente. Sei como é ouvir gente dizer que não posso fazer algo por causa da minha cor e conheço o gosto amargo da raiva ao engoli-la em seco. Também sei que eu e Michelle devemos estar sempre atentos em relação a algumas das histórias prejudiciais que nossas filhas poderão absorver da televisão, de músicas, dos amigos e das ruas,sobre quem o mundo acha que elas são e sobre o que o mundo imagina que deveriam ser. Por mais que insista em que as coisas melhoraram, também sei que na verdade melhorar não é o bastante”.

Estatísticas: o indice de mortalidade infantil entre os americanos negros e pobres é semelhante ao da Malásia. Entre os negros é comum o desemprego e processos criminais que um em cada três deles vão sofrer. Brancos ganham em média 70% mais do que os negros. Há discriminação sistemática e prolongada por parte de grandes corporações, sindicatos ou áreas do governo municipal. Há bairros em que não se vendem imóveis a negros. A miscigenação está tornando Os Estados Unidos mais negro e moreno, “mas em geral os membros de todas as minorias continuam a ser medidos pelo grau de assimilação da cultura branca, o quão próximo seus padrões de discurso, suas roupas ou seu comportamento estão da cultura branca dominante e quanto mais uma minoria se desvia desses padrões exteriores, mais sujeita fica aos preconceitos”.

O MUNDO ALÉM DE NOSSAS FRONTEIRAS – Conquistas como anexação de territórios, conquista sangrenta e violenta de tribos indígenas removidas à força de suas terras, o exército mexicano defendendo seu território, a escravidão. Todas, diz Obama, contradisseram os princípios de fundação do país e tenderam a serem justificadas em termos explicitamente racistas, “uma conquista que a mitologia americana sempre teve dificuldade de absorver por completo, mas que outros países reconheceram pelo que é – um exercício de força bruta”.

Há momentos em que Obama se vê mergulhado em cinismo e desespero ao considerar as dificuldades da África, os milhões de atormentados pela aids, as constantes secas, a fome, as ditaduras, a corrupção endêmica, a brutalidade de guerrilheiros infantis. E também: “Quando encarceramos suspeitos por tempo indeterminado sem lhes dar julgamento ou quando os mandamos na calada da noite para países onde sabemos que serão torturados, enfraquecemos nossa capacidade de exigir direitos humanos e o domínio da lei nos regimes ditatoriais”.

Obama lamenta o tempo demais em que as políticas de ajuda internacional ignoraram o papel crítico que as leis e os princípios de transparência exercem no desenvolvimento de qualquer nação. Ao impôr barreiras comerciais, os Estados Unidos protegem seu eleitorado de exportações que poderiam ajudar a tirar países pobres da miséria. “Em seu zelo por proteger patentes de companhias de medicamentos americanas, desencorajam a capacidade de países como o Brasil de produzir remédios genéricos contra a aids que poderiam salvar milhões de vidas”.

Quase cinco anos após os ataques do 11 de Setembro, 46% dos americanos concluiram que os Estados Unidos deveriam cuidar de seus próprios negócios internacionalmente e deixar outros países se entenderem da melhor maneira que conseguirem sozinhos. Porém, “Gostemos ou não, se queremos tornar o país mais seguro teremos que ajudar a tornar o mundo mais seguro”. A segurança imediata dos Estados Unidos, afirma Obama, não pode ser mantida refém do desejo do consenso internacional. “Se tivermos de ir sozinhos, então o povo americano estará pronto para pagar qualquer preço e suportar qualquer fardo para proteger o país. Temos de alinhar nossas políticas para ajudar a reduzir a insegurança, a pobreza e a violência a redor do mundo e dar a mais pessoas um incentivo à ordem global que nos serviu tão bem”.

*Apollo Natali é jornalista, formado aos 71 anos, depois de 4 décadas atuando na imprensa. É colaborador do “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Desabafos de um ancião”.

sexta-feira, março 16, 2012

MILTON NASCIMENTO E NANA CAYMMI - SENTINELA - Homenagem a Aziz Ab' Saber

Aumente o Som - Dorival Caymmi e as histórias dos pescadores



Vinicius introduz, cantam magistrais Caymmi e o Quarteto em Cy: "Suíte dos pescadores".

LP de 1965 - Vinicius e Caymmi no Zum Zum com Quarteto em Cy e Oscar Castro Neves".

Vídeo com cenas de "It's' all true" de Orson Welles.

A TV Cultura não é pública. Ela é tucana


O Conversa Afiada reproduz texto de Mino Carta, publicado na Carta Capital:

Mino Carta

Uma tevê pública é uma tevê pública, é uma tevê pública e é uma tevê pública, diria a senhora Stein. Pública. Um bem de todos, sustentado pelo dinheiro dos contribuintes. Uma instituição permanente, acima das contingências políticas, dos interesses de grupos, facções, partidos. A Cultura de São Paulo já cumpriu honrosamente a tarefa. Nas atuais mãos tucanas descumpre-a com rara desfaçatez.

A perfeita afinação entre a mídia nativa e o tucanato está à vista, escancarada, a ponto de sugerir uma conexão ideológica entre nossos peculiares social-democratas e os barões midiáticos e seus sabujos. A sugestão justifica-se, mas, a seu modo, é generosa demais. Indicaria a existência de ideias e ideais curtidos em uníssono, ao sabor de escolhas de vida orientadas no sentido do bem-comum. De fato, estamos é assistindo ao natural conluio entre herdeiros da casa-grande. -Nada de muito elaborado, entenda-se. Trata-se apenas de agir com a soberana prepotência do dono da terra e da senzala.

E no domingo 11 sou informado a respeito do nascimento de uma TV Folha. Triunfa nas páginas 2 e 3 da Folha de S.Paulo a certidão do evento, a prometer uma nova opção para as noites de domingo na tevê, com a jactanciosa certeza de que no momento não há opções. E qual seria o canal do novo programa? Ora, ora, o da Cultura. Ocorre que a tevê pública paulista acaba de oferecer espaço não somente à Folha, mas também a Estadão, Valor e Veja. Por enquanto, que eu saiba, só o jornal da família Frias aproveitou a oportunidade, com pífios resultados, aliás, em termos de audiência na noite de estreia.

Até o mundo mineral está em condições de perceber o alcance da jogada. Trata-se de agradar aos mais conspícuos barões da mídia, lance valioso às vésperas das eleições municipais no estado e no País. E com senhorial arrogância, decide-se enterrar de vez o sentido da missão de uma tevê pública. Tucanagens similares já foram cometidas em diversas oportunidades nos últimos anos, uma delas em 2010, o ano eleitoral que viu José Serra candidato à Presidência da República. Ainda governador, antes da desincompatibilização, Serra fechou ricos contratos de assinatura dos jornalões destinados a iluminar o professorado paulista.

Do volumoso pacote não constava obviamente CartaCapital, assim como somos excluídos do recente convite da Cultura. O que nos honra sobremaneira. Diga-se que, caso convidados (permito-me a hipótese absurda), recusaríamos para não participar de uma ação antidemocrática ao comprometer o perfil de uma tevê pública, amparada na indispensável contribuição de todos os cidadãos, independentemente dos seus credos políticos ou da ausência deles.

Volta e meia, CartaCapital é apontada como revista chapa-branca, simplesmente porque apoiou a candidatura de Lula e Dilma Rousseff à Presidência da República. Em democracias bem melhor definidas do que a nossa, este de apoiar candidatos é direito da mídia e valioso serviço para o público. Aqui, engole-se, sem o mais pálido arrepio de indignação, a hipocrisia de quem se pretende isento enquanto exprime as vontades da casa-grande. Há quem se abale até a contar os anúncios governistas nas páginas de CartaCapital, e esqueça de computar aqueles saídos nas demais publicações, para provar que estamos aos préstimos do poder petista.

Fomos boicotados durante os dois mandatos de Fernando Henrique e nem sempre contamos com o trato isonômico dos adversários que tomaram seu lugar. Fizemos honestas e nítidas escolhas na hora eleitoral e nem por isso arrefecemos no alerta perene do espírito crítico. Vimos em Lula o primeiro presidente pós-ditadura empenhado no combate ao desequilíbrio social, embora opinássemos que ficou amiúde aquém das chances à sua disposição. E fomos críticos em inúmeras situações.

Exemplos: juros altos, transgênicos, excesso de poder de Palocci e Zé Dirceu, Caso Battisti, dúbio comportamento diante de prepotências fardadas. E nem se fale do comportamento do executivo diante da Operação Satiagraha. Etc. etc. Quanto ao Partido dos Trabalhadores, jamais fugimos da constatação de que no poder portou-se como os demais.

Hoje confiamos em Dilma Rousseff, de quem prevemos um desempenho digno e eficaz. O risco que ela corre, volto a repetir na esteira de agudas observações de Marcos Coimbra, está no fruto herdado de uma decisão apressada e populista, a da Copa de 2014. Se o Brasil não se mostrar preparado para a empreitada, Dilma sofrerá as consequências do descrédito global.

No mais, desta vez dirijo minha pergunta aos leitores em lugar dos meus botões: qual é a mídia chapa-branca?

quarta-feira, março 14, 2012

VISÃO GLOBAL: Valorize o saber, segure seu petróleo

Estudo da OCDE mostra que países com menos recursos naturais investem mais no ensino e valorizam capacidades e conhecimentos do povo

THOMAS FRIEDMAN
THE NEW YORK TIMES

Frequentemente alguém me pergunta: “Que país você admira, além do seu?” Minha resposta é sempre a mesma: Taiwan. “Taiwan? Por que Taiwan?”, as pessoas perguntam. É muito simples: porque Taiwan é uma rocha nua em um mar repleto de tufões sem recursos naturais que lhe permitam sobreviver – ela precisa importar até areia e cascalho da China para construção –, mas tem a quarta maior reserva financeira do mundo. Porque em vez de escavar a terra e minerar o que quer que encontre em baixo dela, Taiwan cultiva seus 23 milhões de habitantes, seu talento, energia e inteligência – homens e mulheres indistintamente. Sempre digo a meus amigos em Taiwan: “Vocês são as pessoas mais privilegiadas do mundo. Como foi que conseguiram ter tanta sorte? Vocês não têm petróleo, não têm minério de ferro, florestas, diamantes, ouro, apenas alguns pequenos depósitos de carvão e gás natural – e por causa disso desenvolveram hábitos e uma cultura que lhes permitiram aprimorar os talentos do seu povo, e os converteram no recurso mais valioso e mais autenticamente renovável do mundo hoje. Como foi que conseguiram tanta sorte assim?” Pelo menos, era o que eu achava instintivamente. Agora, aí estão as provas.

Uma equipe da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) acaba de apresentar um pequeno, mas fascinante, estudo que estabelece a correlação entre o desempenho no exame do Programa de Avaliação Internacional de Alunos (o Pisa), que a cada dois anos aplica testes de matemática, ciências e compreensão de leitura para alunos de 15 anos de 65 países, e os ganhos totais obtidos com seus recursos naturais como porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país participante. Em resumo, como se saem os alunos do ensino médio dos EUA em matemática em comparação com a quantidade de petróleo que bombeamos ou de diamantes que exploramos? Os resultados indicaram uma “significativa relação negativa entre o dinheiro que os países obtêm dos recursos naturais e o conhecimento e a capacidade de sua população de ensino médio”, disse Andreas Schleicher, que supervisiona os exames do Pisa para a OCDE. “Trata-se de uma avaliação global de 65 países que participaram do mais recente exame do Pisa”. Petróleo e Pisa não se misturam. (Veja o mapa de dados)

Como diz a Bíblia, acrescentou Schleicher: “Durante 40 anos, Moisés guiou os judeus em meio a grandes dificuldades através do deserto rumo à terra prometida no Oriente Médio, onde não havia petróleo. Mas, no fim, Moisés conseguiu. Hoje, Israel é uma das economias mais inovadoras e sua população tem um padrão de vida que a maioria dos países ricos em petróleo da região não tem condições de oferecer”.

Recursos. Portanto, segure o petróleo e valorize o conhecimento. Segundo Schleicher, nos resultados do último Pisa estudantes de Cingapura, Finlândia, Coreia do Sul, Hong Kong e Japão destacaram-se por suas notas elevadas e seus escassos recursos naturais, enquanto Catar e Casaquistão se destacaram por ter as rendas mais elevadas em razão do petróleo e as notas mais baixas do Pisa. (Arábia Saudita, Kuwait, Omã, Argélia, Bahrein, Irã e Síria apresentaram os mesmos resultados num teste semelhante de 2007 das Tendências do Estudo Internacional de Matemática e Ciências, TIMSS na sigla em inglês, enquanto, um fato interessante, estudantes do Líbano, Jordânia e Turquia – países do Oriente Médio com escassos recursos naturais – obtiveram resultados melhores.) Mas estudantes de muitos países ricos em recursos naturais da América Latina, como Brasil, México e Argentina, obtiveram uma classificação ruim. A África não foi testada. Canadá, Austrália e Noruega, países que também dispõem de abundantes recursos naturais, continuam com boas notas no Pisa, em grande parte, afirma Schleicher, pois os três países adotaram políticas destinadas a economizar e investir a receita proporcionada por tais recursos, em vez de consumi-los.

Somando tudo isso, os números mostrarão que, se quisermos realmente saber qual será o desempenho de um país no século 21, não deveremos contar seus recursos de petróleo ou suas minas de ouro, mas seus professores extremamente eficientes, pais zelosos e estudantes aplicados. “Os resultados do aprendizado na escola, hoje, permitem prever com bastante acerto os resultados em termos sociais e da riqueza que os países colherão no longo prazo”, diz Schleicher.

Os economistas conhecem há muito tempo essa “doença holandesa”, que aparece quando um país se torna tão dependente da exportação de recursos naturais que sua moeda se valoriza enormemente e, como resultado, sua indústria nacional fica esmagada sob montanhas de produtos de importação baratos, enquanto suas exportações encarecem demais. O que a equipe do Pisa revelou é uma doença relacionada a essa situação: parece que as sociedades que dependem fundamentalmente de seus recursos naturais criam pais e jovens que perdem em parte seus instintos, hábitos e incentivos para se esforçarem e aperfeiçoarem seus talentos.

Por outro lado, diz Schleicher, “em países dotados de escassos recursos naturais – como Finlândia, Cingapura ou Japão – a educação apresenta grandes resultados e confere uma situação social elevada, ao menos em parte porque o público em geral compreendeu que o país precisa sobreviver valorizando seus conhecimentos e suas capacidades, e elas dependem da qualidade da educação… Os pais e filhos destes países sabem que o talento do seu filho decidirá as chances que ele terá na vida e nada mais poderá salvá-los e, portanto, eles criam toda uma cultura e um sistema educativo ao seu redor”. Ou, como afirma meu amigo indiano-americano, K.R. Sridhar, fundador da empresa Bloom Energy de células de combustível do Vale do Silício: “Quando você não tem recursos materiais, passa a explorar o recurso de sua engenhosidade”.

É por isso que os países com o maior número de companhias listadas no Nasdaq são Israel, China/Hong Kong, Taiwan, Índia, Coreia do Sul e Cingapura – nenhum dos quais dispõe de recursos naturais para explorar.

Mas no estudo há também uma importante mensagem para o mundo industrializado. Nestes tempos difíceis para a economia, nós nos sentimos tentados a respaldar nosso padrão de vida atual incorrendo em responsabilidades financeiras ainda maiores para o futuro.

Evidentemente, numa recessão prolongada o estímulo também influi, mas “a única maneira possível é criarmos nossa solução proporcionando a um número maior de pessoas o conhecimento e a capacidade de competir, colaborar e conectar de modo a levar nosso país para frente”, afirma Schleicher.

Em suma, ele prossegue, “o conhecimento e a capacidade tornaram-se a moeda global das economias do século 21, embora sem um banco central que imprima esta moeda. É claro que é sensacional ter petróleo, gás e diamantes, que permitem comprar empregos. Mas, no longo prazo, acabarão enfraquecendo a sociedade, a não ser que exista o hábito de construir escolas e adotar uma cultura de aprendizado para a vida toda. “O que nos manterá caminhando para a frente”, diz Schleicher, será sempre “nossa contribuição pessoal”.

FONTE: Blog Radar Global do Estadão / TRADUÇÃO: ANNA CAPOVILLA

segunda-feira, março 12, 2012

Dilma, exclusivo: vamos defender a indústria brasileira


Autor: Luis Nassif
Quem imaginava uma presidente emocionalmente abalada, depois de chorar em público pela saída de um assessor, pode desistir. A Dilma Rousseff que entrou no salão do Palácio Alvorada para tomar café vinha lépida, feliz, rejuvenescida e entusiasmada com a visita a Hannover, Alemanha, para participar da Feira de Tecnologia.

Lá, conferiu os stands alemães, quase todos apenas com filiais de empresas coreanas.

Depois, os brasileiros, com sistemas criativos, inovadores. “Todo mundo tinha coisa bem legalzinha”, conta a mineira Dilma. Entusiasmou-se com o sistema de controle de voo da Embraer, com a apresentação de Marcos Stefanini, de uma empresa brasileira de TI, que mostrou o grande diferencial brasileiro: jeitinho, criatividade.

Foram 90 minutos de entrevista, interrompida por um telefonema de Lula que mostrou ter recuperado a voz.

A seguir, os trechos principais da entrevista. Nela, diz que a preocupação número um do governo, daqui para diante, será com o tsunami monetário e os riscos que traz para a indústria brasileira. “As condições do mercado mudaram”, avisa ela. E analisa também as marolas em torno da suposta crise da base política.

Como os países ricos estão tratando a crise
É importante analisar como os países ricos tratam a crise.

Comecemos pelos Estados Unidos. O governo Barack Obama assumiu que queria política de crescimento imediato e correção de rumos fiscais no médio prazo. O problema foi a derrota no Congresso que o obrigou a optar pelo "quantitative easing" (programa de expansão monetária). Empurraram a crise com a barriga, aumentaram a quantidade de dinheiro nos bancos, mas não rolaram as dívidas das famílias, o que poderia ter destravado o mercado interno. Só agora nas eleições, depois de quatro anos de crise, começam a rolar as dívidas das famílias.

O "quantitative easing" é um mix de política macro, com taxas de juros lá embaixo, expansão monetária acelerada e objetivo de segurar o lado fiscal. É evidente que por trás dela há a intenção de desvalorizar o dólar e melhorar o emprego interno.

O governo Obama foi levado a isso politicamente.

No caso da Europa, não: optaram por isso. O último relatório do BIS (o banco central dos bancos centrais) mostra que a estratégia visa dois objetivos principais: impede a crise bancária e ganha tempo para dois mecanismos: desvalorizar o euro e jogar a conta sobre países emergentes que têm câmbio flutuante. Mas, por outro lado, pode estar criando uma enorme bolha monetária.

Não há unanimidade no governo alemão com respeito ao tamanho da liquidez. Para eles foi importante para evitar um Lehman Brothers alemão, mas só isso. Não existe unanimidade na Alemanha nem sobre isso nem em relação à Grécia.

Por trás da expansão das bolhas, há o medo da inflação, pelo histórico alemão com a hiperinflação. Medo que nós compartilhamos.

A arbitragem com países de câmbio flutuante
No filme "Muito Grande para Falir", na cena final o Secretário do Tesouro Paulson pergunta a Ben Bernanke se estava satisfeito com o fato dos grandes bancos terem absorvido os empréstimos para rolar dívidas. Bernanke, quieto, responde: não tenho certeza se eles vão emprestar. De fato, não emprestaram: uma parte ficou depositada no próprio FED, outra parte foi devolvida.

No caso da Europa, são um trilhão de euros emprestados a 1% ao ano, que em breve entrarão na ciranda financeira. Irão investir em títulos da Itália e Espanha, aumentando sua exposição? Não: virão fazer arbitragem aqui e em outros países. Tem uma enorme bolha a caminho.

O problema é que essa desvalorização cambial artificial é a forma de protecionismo mais feroz que se tem. Há um discurso dos países centrais, de que são defensores do livre comércio. Mas praticam o protecionismo mais feroz que se tem. E essa desvalorização artificial da moeda não está regulada pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Então não venham reclamar de algumas medidas absolutamente defensivas que o Brasil toma.

Hoje em dia, via tsunami monetária, está em curso no mundo a prática das desvalorizações competitivas, o que se chama de "empobreça seu vizinho".

É uma situação esquizofrênica na Europa, que não consegue uma solução de crescimento.

Muitos países estão com graus de desemprego do ponto de vista político incompatível com sistemas democráticos abertos. A dívida grega não é financiável, assim como a de Portugal. Como conviver com nível de desemprego que chega a atingir 45% dos jovens? Destrói o tecido social, tira das pessoas a esperança.

A estratégia brasileira
No Brasil, vamos ter que perceber duas coisas:

Primeiro, as condições do mercado internacional mudaram. Estamos vivendo situação diferenciada. Não se pode perder a consciência do tsunami monetário. Tem que fazer avaliação sobre as estratégias a serem tomadas, e não se faz de forma abrupta e apaixonada. Com muita cautela, frieza, tranquilidade, iremos acompanhar o desenrolar da situação e tomar as medidas cabíveis.

Não tenho como adiantar as medidas cabíveis, mas para o governo brasileiro esta é a questão principal.

Se perguntar hoje qual é o maior cuidado do governo, respondo: é acompanhar como o Brasil se defende dessas políticas que são abertamente protecionistas praticadas pelos governos desenvolvidos.

A necessidade do investimento no Brasil
A própria China está promovendo uma transição do modelo de exportações para o mercado interno. Não vão parar de importar, mas irão se situar de forma diferente no mundo.

Por todas as manifestações que lemos: acho que os chineses se sentiram muito fragilizados diante da crise dos seus maiores mercados. Não podem mais confiar só no mercado externo.

Wen Jiabao disse que o modelo era desequilibrado, insustentável, eminentemente desequilibrado: levará a impasses que terão que ser resolvidos.

A China caiu na armadilha do sobre investimento elevado, o que cria rigidez econômica muito forte. Agora, tentam fazer a versão.

No Brasil, ainda estamos na fase de acelerar investimento. Em breve pretendo fazer uma reunião pessoal com os maiores empresários do país sobre a questão do investimento. Uma parte da decisão depende da expectativa, do que Delfim gosta de chamar de "espírito animal". O Brasil oferece todas as condições.

Em todos os lugares que vamos são as mesmas avaliações dos empresários internacionais. No último dia na Alemanha tivemos reunião com Angela Merkel na ABDI (o equivalente à nossa Confederação Nacional da Indústria).

A reunião foi para que nos falassem como pretender investir no Brasil. Havia uma porção de setores, quase uma rodada de negócios. E todos eles vinham, diziam que tinham empresa tal, na área tal, e todo interesse em investir no Brasil. Hoje em dia a maior parte da população alemã é de aposentados e crianças. E o Brasil tem o bônus demográfico. Eles olham para isso, para nosso mercado, para a estabilidade macroeconômica e política, para nossa tradição de respeitar contratos.

Revertendo a queda na indústria
Aqui não temos dúvida de que a economia mundial caminha para recessão com excesso de liquidez. A China reduzirá crescimento para 7,5% com a clara intenção de reverter o modelo para dentro. Outros grandes países vão perseguir esse fortalecimento do mercado interno, com a possível exceção da Índia que tem um déficit externo muito complicado.

Temos que ter consciência disso.

A situação atual não é a mesma de 2011. Nós tínhamos absorvido a expansão monetária dos Estados Unidos que de uma forma ou outra foi encaixada. Agora é absolutamente diferente, é recessão com uma gigantesca expansão monetária acumulada e uma tendência a uma volta aos mercados domésticos.

Vamos ter uma política clara em relação ao Brasil, da qual o melhor exemplo é a revisão do acordo automotivo com o México. Foi feito em 2002, em outra conjuntura, na qual cabia o acordo. E está em vigor até agora, em condições não adequadas ao Brasil.

O Brasil vai institucionalmente tomar medidas para garantir que nosso mercado interno não seja canibalizado. Tem queda na indústria, mas dá para reverter. Não daria se deixássemos continuar por dois, três anos. Agora dá e vamos fazer o possível e o impossível para defender a indústria nacional.

O papel da redução dos juros pelo BC
A redução dos juros, pelo Banco Central, não é só para esquentar a economia brasileira. Cumprimento o BC porque a intenção maior é equilibrar a taxa interna com a internacional. Hoje em dia esse diferencial é responsável pela maior arbitragem que existe no mundo.

Iremos fazer isso sem comprometer a luta contra a inflação.

Os fantasmas das falsas crises políticas
Existe uma forma quase fantasmagórica de cobrir a política. A imprensa vem falando em crise com a base aliada. Não existe crise. Os conflitos - que sempre existirão - têm a ver com os processos pelos quais exercemos o nosso presidencialismo. Tem que ser de coalizão, mas não deixa de ser presidencialismo.

No caso do Brasil, alcançamos grande maturidade nas relações executivo-legislativo e executivo-judiciário. Podemos nos vangloriar de ter certa estabilidade.

Por aqui seria inconcebível uma relação Executivo-Congresso do tipo democrata-republicano As diferentes opiniões que se estruturam dentro da sociedade brasileira não permitiriam isso.

Temos tradição de sermos obrigados, como políticos que somos, a olhar o interesse de todos: o que nos EUA às vezes me parece que não é o caso.

Ninguém aqui pode durante muito tempo só defender seus interesses específicos sem que haja reação da parte da sociedade.

É sempre bom que tanto Executivo quanto Legislativo e Judiciário saibam que essa é exigência de postura de todos: presidentes, ministros, deputados, senadores e juízes. Esse é aspecto importante da nossa democracia e explica também porque, mesmo tendo eleições bastante atritadas, em alguns casos até duras, logo depois da eleiçao há como uma pacificação geral.

Ai do presidente que não falar em nome de todos os brasileiros e brasileiras. Em outros países do mundo não se vê isso.

Ao lado da coalizão há questão do interesse de todos, balanço do presidencialismo que fala em nome de todos e coalizão que são interesses partidários. É normal que se reivindique e se debata. É intrínseco a esse processo.

E partidos não podem arcar com ônus de inviabilizar acordos: são partes do acordo. Quando votam contra governo, são pontos muito específicos. Não tem desvio, conduta inadequada: que eles façam assim é da regra do jogo, que façamos de outro é da regra do jogo.

domingo, março 11, 2012

Tsunami de Liquidez -Defesa legítima

Delfim Netto

Não restou dúvida que Dilma Rousseff soube aproveitar a oportunidade de sua visita à feira de ciências em Hannover e as conversas com a chanceler alemã, Angela Merkel, para sustentar com clareza que o Brasil não vai deixar de usar todo o arsenal de medidas que julgar adequado para defender sua economia dos danos colaterais causados pelo aumento de liquidez decidido pelos países desenvolvidos para livrar do sufoco suas combalidas economias.

Em entrevista à mídia internacional, a presidenta disse que manifestou diretamente a Merkel sua preocupação com a expansão monetária (o tsunami de liquidez) que ajuda a resolver problemas internos dos sistemas financeiros na Europa e também nos Estados Unidos, mas que resulta na desvalorização das moedas, com efeitos adversos para o comércio exterior brasileiro e de muitos outros países emergentes. A chanceler alemã já fizera circular que ia dizer a Dilma Rousseff que ela tem razão, explicando que as megaoperações de liquidez são para dar tempo aos países do euro de realizarem suas reformas. E que tais operações não mais se repetiriam.

O problema dramático é que a perspectiva do tempo para as reformas é de três anos no mínimo e o tsunami está aí e vai continuar produzindo destruição com o excesso de entrada dos dólares nos emergentes, dentre os quais o Brasil. Estamos recebendo muito mais capitais, a título de “investimento”, mas que na realidade são empréstimos intercompanhias ou pura especulação em busca de resultados pelo diferencial de juros. É certo que o processo de redução da Selic ajuda (a taxa caiu 0,75 na reunião do Copom da quarta-feira 7), mas ainda leva tempo para neutralizar a diferença.

Uma coisa é certa: o Brasil não tem outra saída a não ser se defender desse capital, porque a desvalorização do dólar tem um efeito prejudicial nas exportações de nossa indústria e afeta o emprego em todo o sistema produtivo. O Brasil precisa pensar em dar empregos de boa qualidade a 150 milhões de brasileiros em 2030 e não vai poder fazer isso com o atual sistema de exportação e sem expandir o setor de serviços. E não vai conseguir sem proteger a sofisticação da estrutura industrial que estamos permitindo ser destruída pela supervalorização cambial.

Um pouco disso é que eu penso que a presidenta Dilma foi dizer para Merkel: compreendemos os problemas europeus, o drama que vocês estão passando, mas os danos causados na indústria brasileira não são suportáveis. Então, não venha a Europa com essa história de que o Brasil toma medidas que violam as normas, as leis, a teoria… Eu estou simplesmente me defendendo dos efeitos de falsas teorias que vocês europeus desenvolvidos estão usando.

Aqui é preciso dizer sem receio que esse é um jogo de enorme cinismo: tanto os Estados Unidos quanto a Europa, esta com a cobertura do Banco Central Europeu, estão sim numa competição feroz para melhorar suas exportações. Os americanos pelo menos foram claros: o presidente Barack Obama, em campanha pela reeleição, disse aos trabalhadores que “estamos apoiando o setor exportador e pretendemos dobrar as exportações da indústria em cinco anos”, enquanto a Europa simplesmente está escondendo esse fato. O aumento das exportações da Grécia, da Itália, da Espanha e de Portugal é uma das poucas posssibilidades de minorar o seu sofrimento dentro do euro.

Agora, exportar para onde? Para mercados de países emergentes, como o brasileiro. Não para a China, que está surfando a taxa de câmbio que deseja, ligada a um “dollar standard”, e não dá a menor atenção para reclamações, sem vergonha e sem remorço. Nós só estamos tentando levar o real para um nível que permita defender a indústria, que está sendo alvo de um processo de destruição por conta da sobrevalorização cambial. Não estamos fazendo nada errado, não estamos violando nenhuma regra do comércio internacional, estamos nos defendendo. Quero que alguém aponte alguma violação importante sob quaquer aspecto. Aliás, seis meses atrás, o FMI ainda insistia que não se devia fazer controle de capital. Hoje, o mesmo Fundo Monetário Internacional diz o seguinte: os países emergentes têm, sim, o direito de recorrer a medidas que limitem o ingresso de capitais que não estejam identificados com investimentos na produção, com a necessidade de crescimento…

O governo tenta separar aquilo que é investimento que vai aumentar a produção daquilo que é pura especulação. Não é uma coisa simples, mas ele está fazendo isso com cuidado, usando medidas milimétricas.

quarta-feira, março 07, 2012

O desastre do crescimento econômico está na análise


Do Projeto Nacional

O IBGE confirmou os números do Banco Central sobre a evolução do PIB em 2011: expansão de 2,7%.

Pouco, de fato, diante das previsões de 4,5% feitas no início do ano.

Mais, porém, que a média dos oito anos de FHC (2,3%) e um pouco mais que a média do primeiro período Lula (2,6%)

E muito, por dois fatores.

O primeiro, os efeitos devastadores da crise mundial, que jogaram no negativo as economias do mundo desenvolvido e, até mesmo, refrearam de forma inédita o expansionismo econômico da China, que com seu câmbio controlado, é quem passa por menos problemas ante a avalanche de US$ 8 trilhões que, desde o final de 2008, inflacionaram o mundo através das injeções do governo americano e da União Europeia.

O gráfico do post mostra que, exceto a China (e a Índia, que também não tem uma economia totalmente aberta), o crescimento brasileiro nada teve de desastroso.

O câmbio, atingido em cheio por este “tsunami” foi o responsável pelo item mais negativo para a expansão do PIB: as importações, que cresceram 9,7%, mais de três vezes acima da expansão da economia.

O segundo fator – e os dois merecem ser considerados uma unidade – são as outras partes, além do câmbio, do tripé neoliberal do qual ainda não nos livramos completamente: inflação e juros.

O ano começou com uma ação forte – e mais importante que isso, crescente – de contenção da atividade econômica, como antídoto à inflação. Obvio que, àquela altura, não se poderia prever que a crise externa se tornaria também um outro depressor da economia e, na prática, o resultado foi uma “overdose” que atirou a economias a partamares mais baixos do que se previa.

Agora, ao contrário, a queda contínua da inflação – que, para desespero dos “roda-presa” vai chegar muito perto do centro da meta, de 4,5% ao ano – estimula uma recuperação progressiva do consumo e a redução mais ousada da taxa de juros.

Por isso a questão cambial tem tomado o centro das atenções da área econômica e as constantes advertências de que se imporá controles ao fluxo de capitais.

Por isso a reação dos países ricos criticando o “protecionismo” brasileiro, que não é, nem de longe, suficiente para compensar o artificialismo que o câmbio induz às relações de troca e, portanto , à dinâmica interna da economia.

Seja como for, nenhuma medida será capaz de revitalizar sozinha o desequilíbrio amplamente favorável ao país em matéria de balança comercial. É urgente - e estratégico – prosseguir num fortalecimento do mercado interno, de um lado, e na seletividade das encomendas industriais do setor mais promissor da economia,sobre o qual remanesce o controle estatal: o petróleo do pré-sal, além da agroindústria e da mineração, onde o petencial brasileiro nos confere vantagens estratégicas.

E, de outro lado, via redução dos juros e, com isso, do serviço e dos encargos da dívida, aliviar o Estado brasileiro da sangria permanente que nos obriga a uma carga tributária paralisante sobre setores vitais da economia e apequena a capacidade pública de investimento – estatal e paraestatal – sem a qual jamais nos tornaremos um país desenvolvido.

Por: Fernando Brito

PIB fraco pressiona Banco Central a acelerar corte do juro

Medida serve para estimular a economia em desaceleração pela crise internacional

DO IG

O Palácio do Planalto avalia que estão dados todos os elementos para que o Banco Central acelere o corte da taxa básica de juros, a Selic, em sua reunião hoje. Mais: o Comitê de Política Monetária (Copom) precisa aproveitar uma oportunidade única no primeiro semestre deste ano para reduzir o custo do dinheiro no País e, ao mesmo tempo, ajudar na tarefa de conter o "tsunami" de moeda estrangeira que entrará no mercado local em busca de investimentos com altas taxas de retorno.

Como em agosto do ano passado, quando Dilma afiançou ao presidente do BC, Alexandre Tombini, que o governo faria o esforço fiscal necessário para permitir o corte dos juros, não há um "acordo" ou "compromisso" entre o Planalto e a equipe econômica de que os juros serão cortados a uma velocidade maior. O que há é um arranjo mais sutil.

Dilma conversa frequentemente com Tombini e com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, sobre a conjuntura econômica e, nos últimos 45 dias, cresceu entre eles a percepção de que não faltam motivos para cortar a Selic mais rapidamente. Ou seja: a presidente não pede um corte maior ou menor, mas discute com Tombini o que possibilitaria uma aceleração nos cortes de juros. É justamente sobre este cenário que Dilma e Tombini concordam.

Com isso em mente, Dilma vem dando pistas e "construindo um discurso", segundo fontes ouvidas pela reportagem. As reclamações sobre o "tsunami monetário" servem para dizer que os juros altos atraem muito capital estrangeiro, que fortalece o real e prejudica as exportações da indústria.

Vem daí, também, a bronca no assessor especial Marco Aurélio Garcia, que chegou a dizer que seria promovido um corte "moderado" nos juros. A declaração causou ruído no mercado. Analistas que já apostavam numa aceleração do ritmo de queda da Selic, mudaram de posição, por enxergarem na fala de Garcia um sinal de que esse ritmo não seria alterado. Dilma desautorizou o auxiliar para corrigir o curso.

Desde agosto, o BC de Tombini já promoveu quatro cortes de 0,50 ponto porcentual na Selic, o que jogou a taxa básica para 10,50% ao ano.

Agora, os cortes podem passar para 0,75 ponto ou até mesmo 1 ponto porcentual. Caberá ao Copom fazer o ajuste, olhando para frente.

Segundo auxiliares da presidente, o comportamento do PIB no ano passado é um dos elementos que justifica uma redução mais forte do juros agora. Essa avaliação também é compartilhada no BC e na Fazenda.

Em segundo lugar, a inflação corrente está em queda, com deflação nos preços de atacado. A arrecadação de impostos, que turbinou o resultado fiscal, é outro elemento que compõe este cenário.

Por último, pesou muito na avaliação de Dilma, Tombini e Mantega a projeção de menor crescimento da China neste ano, o que deve arrastar para baixo os preços de produtos básicos, as chamadas commodities. Na economia brasileira, inflação e preços de commodities sempre andaram juntos, logo é de se esperar um bom refresco no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) nos próximos meses.

* Com AE

COMENTÁRIO E & P

Os "sabichões" do mercado estão sendo obrigados a colocar o rabo entre as pernas e reconhecer que perderam o debate e que a análise do Banco Central e do governo sempre estiveram corretas. É uma oportunidade única para acabar com a sangria de recursos que é o pagamento de juros no Brasil. O país tem pago R$ 240 bilhões, a maior rubrica do orçamento. É dinheiro que deveria estar indo para a saúde, educação, infraestrutura e segurança e não para a subelite (não tem projeto de nação) que se locupleta via juros. A tendência é de um juro real de 3,5% no próximo ano. No ano passado foi de 8% e a tendência no mundo é de 2%. Com isso o governo federal estará tirando as amarras do desenvolvimento social e econômico do Brasil.

Tsunami



Antonio Delfim Netto

É decepcionante e assustador assistir a alguns economistas bem apetrechados com rica formação e títulos de Ph.D nas mais renomadas instituições continuarem a afirmar que as intervenções cambiais executadas em legítima defesa pelas autoridades produzem "distorções", como se um câmbio extremamente valorizado não as produzisse ainda em maior dimensão.


Mas contra que modelos eles aferem tais "distorções"? Não importa a sofisticação, a complexidade ou a distância desses modelos da realidade. É axiomático que extrair deles recomendações normativas é um salto que não encontra justificativa lógica e, muito menos, empírica.


Em 29 de fevereiro, Jonathan Ostry, a estrela emergente dos economistas do FMI, afirmou, sem nenhum remorso, que: 1º) os altos e baixos da taxa cambial podem ser menos benignos para as economias emergentes do que são para as desenvolvidas; 2º) quando a taxa cambial se valoriza e os setores de bens e serviços perdem competitividade, ela pode ter efeitos sobre a economia, mesmo se, depois, voltar ao seu nível inicial.


Há poucos meses, o FMI era o templo da ortodoxia que condenava qualquer intervenção no mercado de câmbio flexível, regime ao qual ele chegou empurrado pelos fatos: o abandono da relação fixa entre o dólar e o ouro.


Por que aconteceu? Porque o regime de Bretton Woods, com taxas de câmbio fixas e reajustáveis sob a supervisão do FMI, não funcionou por muitos motivos, entre os quais a assimetria do "excessivo privilégio" que beneficia o emissor da moeda reserva.


Nada de novo. Basta lembrar Keynes e Triffin! A conclusão é a de que nem o regime de câmbio fixo nem o de câmbio flexível entregam, no longo prazo, o que prometem. Quem decide o "melhor" para cada momento é a história e suas "circunstâncias", e não a "ciência" econômica.


O velho e sábio Bismarck dizia que não se deve acreditar em alguma coisa enquanto o governo não desmenti-la. É o caso. Só os inocentes não reconhecem o fato, negado tanto pelos EUA quanto pela "Eurolândia", de que eles têm como objetivo desvalorizar suas moedas, transferindo parte dos seus ajustes para os ingênuos que acreditam na OMC. A China é a exceção: surfa no "dollar standard" e não lhes dá a menor confiança.


Não é por outra razão que a chanceler alemã Angela Merkel prometeu à presidente Dilma que a "farra" acabou. Infelizmente, o "tsunami" está nas ruas e suas consequências não podem ser recolhidas.


Dilma tem razão: a gentileza conforta, mas é irrelevante. Vamos nos defender com toda nossa disposição, inteligência e coragem, a despeito do que pensam saber os missionários do equilíbrio geral...

terça-feira, março 06, 2012

O PIB e a volta do Estado-Nação



O PIB de 2011 mostra um recuo assustador do setor industrial na economia: de 2010 para 2011, a fatia da indústria no PIB recuou de 16,2% para 14,6%. As vendas do setor varejista cresceram mais de 7% no ano passado, mas produção industrial apenas 0,3%: a diferença foi atendida pelas importações, impulsionadas pelo Real forte, consequência do ingresso maciço de capital especulativo, atraído pelos juros siderais do país.

O conjunto explica por que o investimento brasileiro despencou do equivalente a mais de 21% do PIB em 2010 para menos de 5% dele em 2011. Não há panacéia para reverter a espiral descendente da atividade industrial e, por tabela, do investimento.

A solução, em primeiro lugar, contempla uma ousadia política: entender que o Estado-Nação, ou seja, a soberania sobre a moeda, portanto, o controle sobre o fluxo de capitais estrangeiros, tornou-se um imperativo histórico diante da desordem financeira e cambial gerada pelo colapso do neoliberalismo.

À contragosto do mainstream neoliberal e financista, a agenda do Estado-Nação está de volta. Ainda que a mídia conservadora omita, é a pauta óbvia por trás da guerra cambial denunciada pela Presidenta Dilma Rousseff, que apontou o dilúvio monetário como uma nova forma de protecionismo dos Estados ricos; é o que está por trás da reforma no BC argentino (Leia reportagem nesta pág); é também o que explica, em boa parte, a opção eleitoral da sociedade russa por um Estado forte (com as devidas e justas ressalvas à precariedade da democracia russa, nascida para legitimar o saque contra o patrimônio público soviético).

A volta do Estado-Nação --repita-se, a soberania no manejo da moeda, do câmbio e dos juros-- não representa um retorno ao nacional-desenvolvimentismo dos anos 50/60, que subestimou a questão social e ignorou o meio-ambiente na ordenação estratégica do crescimento. Tampouco significa uma alternativa global à montanha desordenada de ruínas produzida pela crise de 2008. Trata-se ,porém, da opção disponível à deriva mundial alimentada por uma lógica financista que até o colapso das subprimes arrogava-se virtuosa, eterna e universal.

Hoje, avulta até aos olhos desavisados, aquilo que se pretendia universal era um feixe de interesses pantagruélicos, engendrados pela supremacia das finanças desreguladas, cuja regressividade eviscerou Nações, Estados, direitos sociais e a própria subjetividade. A percepção consciente ou intuitiva de que há incontornável necessidade de um poder capaz de barrar e reverter essa engrenagem, explica a urgência de se devolver o imperativo da soberania à caixa de ferramentas da política econômica brasileira.

sexta-feira, março 02, 2012

A nova influência do Brasil


A potência em ascensão da América do Sul está se afirmando, mas um grande poder traz sempre grandes responsabilidades

02 de março de 2012

DAVID ROTHKOPF É ANALISTA DO CARNEGIE ENDOWMENT FOR INTERNATIONAL PEACE – FOREIGN POLICY – O Estado de S.Paulo
Enquanto os Estados Unidos avançam de maneira hesitante para aceitar a nova realidade multipolar do mundo, dando um passo atrás para cada passo à frente, fazendo uma violação de soberania excepcional para cada esforço de colaboração em lugares como a Líbia, outros países estão trabalhando ativamente para estabelecer novas regras para todas as nações seguirem na nova era.

Entre os que estão na linha de frente desse esforço, contam-se a presidente brasileira, Dilma Rousseff, e seu respeitadíssimo chanceler, Antonio Patriota.

O desafio que Dilma e Patriota enfrentam como servidores públicos é assustador. Cada um deles segue as pegadas de um formidável antecessor.

O desafio de Dilma é, admitidamente, muito maior e, de fato, para muitos, parece quase insuperável. Ela sucede a dois presidentes que foram, provavelmente, os mais importantes da história moderna de seu país, Fernando Henrique Cardoso, a quem é creditada a estabilização da economia brasileira após anos de volatilidade, e o antecessor imediato dela, Luiz Inácio Lula da Silva, não somente seu mentor, mas um integrante do pequeno punhado dos líderes mundiais mais importantes da última década.

Já o antecessor de Patriota, Celso Amorim, foi também formidável, extremamente influente, e uma presença constante no cenário brasileiro e internacional. O desafios eram grandes para todo o governo de Dilma.

No entanto, após um ano no cargo, e apesar de enfrentar grandes desafios domésticos e internacionais, a presidente já alcançou um índice de popularidade superior ao de Lula num ponto equiparável de seu mandato.

E Patriota está dando continuidade com calma, e aos olhos de observadores próximos, com grande habilidade, ao trabalho desbravador de Amorim para estabelecer o Brasil como um líder entre as grandes potencias mundiais.

“Temos uma grande vantagem”, observa Patriota. “Não temos inimigos reais, nem lutas em nossas fronteiras, nem grandes rivais históricos ou contemporâneos entre as fileiras das potências mais importantes… e temos laços duradouros com muitas nações desenvolvidas e emergentes do mundo.” Essa é uma condição que não é desfrutada por nenhum dos outros Bric – China, Índia e Rússia – nem, aliás, por alguma grande potência tradicional do mundo. Essa posição incomum é fortalecida ainda mais pelo fato de o Brasil não estar investindo tão pesadamente quanto as outras potências ascendentes em capacidade militar. Aliás, como observou Tom Shannon, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, o país é um dos poucos a efetivamente apostar seu futuro na aplicação sábia do chamado “poder brando” – diplomacia, alavancagem econômica, interesses comuns.

Não é por coincidência, aliás, que, em áreas que vão das mudanças climáticas ao comércio, da não proliferação nuclear ao desenvolvimento, o Brasil, sob o comando de Lula e Amorim e de Dilma e Patriota, vem ganhando força ao traduzir o crescimento consistente em casa e a diplomacia ativa no exterior em redes internacionais efetivas.

Mas o governo de Dilma também está rompendo com o passado. Enquanto Cardoso e Lula alcançaram a grandeza enfrentando e resolvendo alguns dos problemas mais ruinosos do passado brasileiro, da estabilização da economia ao enfrentamento da desigualdade social, Dilma, sem deixar de reconhecer o trabalho que resta a ser feito, concentrou sua atenção também na criação de oportunidades e num claro caminho para o futuro do Brasil. De seu foco em educação a seu compromisso com ciência e tecnologia passando por programas inovadores como “Ciência Sem Fronteiras”, ela está fazendo algo que nenhum líder latino-americano fez anteriormente, mas que se mostrou uma fórmula aprovada na Ásia.

Está comprometida em transformar o Brasil de economia com base em recursos naturais e, portanto, dependente (o que significa dizer, vulnerável) em uma que conta mais para o crescimento futuro com as indústrias de valor agregado, a pesquisa e desenvolvimento, e a formação de mais cientistas e engenheiros.

Com base nisso, Patriota também está olhando para frente. Ele está indo além da era da política externa brasileira em que era inovador fazer o país olhar para fora de sua região e jogar um papel ativo nos assuntos globais, para um período, num futuro não muito distante, em que o Brasil, na condição de país com uma das cinco maiores economias e populações do mundo, de líder mundial em agronegócios e energia, assumirá sem hesitação que merece seu lugar à mesa.

Patriota esteve em Nova York por achar que um dos primeiros experimentos dessa era, a intervenção na Líbia sancionada pela ONU, saiu dos trilhos quando a missão autorizada pelas Nações Unidas de proteger o povo líbio foi deixada de lado pelas forças internacionais que intervieram tornando-se antes uma missão de mudança de regime. Ele não era nenhum admirador de Muamar Kadafi, que fique claro. Mas tem o sentimento inabalável de que, para a comunidade internacional operar de fato unida, ela precisa fazê-lo sob regras não só coletivamente estabelecidas, mas também coletivamente honradas.

Essa atitude provoca irritações, com certeza, em especial em países como os Estados Unidos, que estão acostumados a operar segundo suas próprias regras. Essa é uma razão por que a iniciativa turco-brasileira de 2010 para costurar um acordo para desarmar a crise nuclear iraniana foi tão irritante para Washington. A medida, por mais ingênua que tenha parecido para alguns, antecipou o início de uma era em que potências regionais e emergentes, como Turquia com Síria ou China com Irã, são fundamentais para se alcançar os objetivos da comunidade internacional.

Patriota reconhece que os Estados Unidos, sob o comando de Barack Obama, e outras potências estabelecidas avançaram bastante para se adaptar a essa nova realidade. Dito isso, ele gostaria de ver Obama avançar mais. Por exemplo, os brasileiros estão entre as potências emergentes que pressionam por reformas reais na maneira como as instituições internacionais são conduzidas. Eles acham que a ordem pós-2.ª Guerra refletida na estrutura de poder do Conselho de Segurança da ONU e na concessão automática da liderança do Banco Mundial a um americano está obsoleta e que já é hora de alguma coisa que reflita as realidades do século 21 e seja mais consistente com os princípios democráticos sobre os quais essas instituições foram estabelecidas.

É difícil discordar dos brasileiros ou de outros sobre esses pontos. E a inconsistência mostrada pelo governo Obama nessa frente – oferecendo apoio a uma participação permanente indiana, mas não brasileira, no Conselho de Segurança, em certo momento parecendo simpático a uma abertura do principal cargo no Banco Mundial a um não americano, mais recentemente parecendo recuar dessa ideia – tem sido irritante e, eu diria, irrefletida.

O que Dilma e Patriota estão tentando fazer na frente internacional é, de fato, tão revolucionário quanto o que seus antecessores fizeram.

Eles compreendem que um multilateralismo bem-sucedido agora requer não só maior número de países, mas abertura a uma multidão de ideias.

Durante a Guerra Fria, o debate era binário: soviéticos ou americanos.

Em sua esteira houve a breve ilusão de que havíamos entrado num momento de fim da História em que uma filosofia de mercados e democracia liderada pelo Consenso de Washington adquiria uma espécie de status de monopólio no mercado das ideias. Mas depois vieram as tragédias gêmeas, frutos da arrogância, do Iraque e da crise financeira de 2008, a simultânea ascensão de novas potências como Brasil, China, Índia e outros – e entramos em uma nova era. Em meu livro, Power, Inc., me refiro ao lado econômico dessa era como um período de capitalismos concorrentes. Mas ele é também um período de filosofias políticas concorrentes sobre o papel, tanto do Estado, como das instituições internacionais. Nesse mundo, não só os Estados Unidos são apenas uma voz, mas são também uma voz enfraquecida que em cada evento será ouvida como a mera visão de menos de 5% da população do planeta. Ao mesmo tempo, outros terão de preencher o vazio criado pelo redimensionamento da influência americana. O Brasil está tentando fazê-lo e, é preciso notar, de uma maneira consideravelmente mais construtiva que a evidenciada por China e Rússia em seu desempenho pusilânime com respeito à Síria no Conselho de Segurança. Dito isso, as potências emergentes, o Brasil entre elas, precisam reconhecer que, neste novo mundo, se pretendem jogar papéis maiores, elas também terão de fazer escolhas duras e não simplesmente desconsiderar as questões complexas como problemas alheios ou fora do alcance do sistema internacional em evolução. Elas vão ter de aceitar cada vez mais que se as injustiças não forem contidas, os custos resultantes serão largados em suas portas. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

O golpe do Euro



Do site Opera Mundi, a extremamente lúcida palestra do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, um dos mais importantes formuladores da política externa brasileira:

Imagine um cenário em que países vitimados pelo desemprego são obrigados a realizar drásticos cortes de quadros públicos; aceitarem normas draconianas para pagarem juros de uma dívida pública que, na verdade, só virá a aumentar e se eternizar; também estão impedidos de investir, fornecer crédito e adotarem políticas de crescimentos; no comando do país, políticos experientes são substituídos por economistas burocratas e sem qualquer visão de estadista. Tudo isso por determinação externa, vinda de um órgão supranacional que é comandado de fato, pela nação mais poderosa.

Seria lugar comum cogitar alguma região subdesenvolvida, sem estabilidade política nem histórico democrático. Jamais na poderosa Europa Ocidental. Mas, na opinião do ex-embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, um dos principais artífices da política externa brasileira durante o governo Lula, países como Grécia ou Itália em maior grau, foram vítimas recentes de um “golpe de Estado comunitário”.

Atual alto-representante geral do Mercosul e ex-secretário geral do Itamaraty entre 2003 e 2009, Guimarães esteve nesta segunda-feira (27/02) em São Paulo para participar de uma palestra da FGV (Fundação Getúlio Vargas) sobre a atuação diplomática brasileira frente às transformações mundiais. Foi quando fez duras críticas à condução da Alemanha e da União Europeia na condução da crise do euro e da dívida soberana de seus países.

“Há novos primeiros-ministros na União Europeia que foram impostos aos seus povos. (O grego Lucas) Papademos, (o italiano Mario) Monti… Imaginem se isso ocorresse na América do Sul, como chamariam. De Golpe de Estado é isso, um golpe de Estado comunitário. Como são as contrariedades da mídia!”, ironizou o diplomata.

Ex-secretário-geral de Relações Exteriores do Itamaraty durante boa parte do governo Lula (2003-2009), Guimarães afirmou que o Mercosul deve deixar de ser apenas um órgão facilitador do livre comércio para se tornar um instrumento de desenvolvimento regional. O atual estágio de união aduaneira imperfeita do bloco, por sua vez, deve ser mantido em razão das fortes assimetrias entre os quatro integrantes.

Para ele, dificilmente haverá progresso para um acordo comercial com a União Europeia, que já se arrasta há uma década – por falta de interesse dos próprios europeus, que seriam muito exigentes em seus pedidos.

Durante seu discurso, também lembrou que o grupo sul-americano é marcado por grandes assimetrias econômicas e sociais, portanto, defende que os países mais ricos tenham um grau maior de generosidade em relação aos menos favorecidos. “Um bloco só sobrevive se os integrantes estão razoavelmente satisfeitos. E é de nosso interesse que todos se desenvolvam”, lembrando que deve se evitar qualquer tentativa de hegemonia brasileira em um bloco que se entende como cooperativo.

Em contrapartida, o voto em conjunto dos países do Mercosul possibilita grande retorno político. “Cada vez mais se aumenta o número de temas decidido internacionalmente: meio-ambiente, finanças, comércio. O desafio (do Itamaraty) é garantir que as regras internacionais tornem mais fácil o desenvolvimento da sociedade brasileira e lembrar que o que é bom para um país nem sempre é bom para outro. Portanto, nessas negociações, cada país tem um voto.Portanto,fazer parte de um bloco é extremamente importante”.

Guimarães lembrou que historicamente, o Mercosul foi concebido apenas como uma etapa preparatória de um projeto maior, a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). “Lembrem-se quem eram os quatro presidentes na época do Tratado de Assunção: (do Brasil, Fernando) Collor, (da Argentina, Carlos) Menem, (do Uruguai, Luis Alberto) Lacalle e (do Paraguai, Andrés) Rodríguez. Tinham perspectivas diferentes. È como se estivessem preparando um casamento para depois pular para um relacionamento aberto”, brincou.

Democracia

Um dos pontos mais polêmicos do encontro foi quando Guimarães foi questionado pelo professor da FGV, Guilherme Casarões, se há coerência na diplomacia brasileira em manter relações com países que fogem à definição ocidental de liberdade e democracia. Guimarães defendeu a atuação do Itamaraty e lembrou que o país é contra a seletividade na defesa dos direitos humanos. “O Brasil obedece a dois princípios constitucionais: a autodeterminação e a não-intervenção, que constam também na Carta da ONU (Organização das Nações Unidas). Só que alguns países se esquecem disso. A interferência tende a fracassar, como no caso da Líbia (…) Não podemos interferir nos assuntos dos outros assim como não gostaríamos que interferissem nos nossos”, afirmou o embaixador.

O diplomata lembrou que ações de intervenção são muito seletivas para as grandes potências, que defendem muitas não-democracias. “Israel tem mais de cem ogivas nucleares. Enquanto a própria CIA, nesta semana, admitiu não ter certeza se o programa nuclear iraniano tem capacidade de produzir uma bomba nuclear. Quem representa mais perigo?”, indagou. “A pena de morte é o maior atentado aos direitos humanos. E nos EUA usam isso com extrema facilidade. Em geral, há uma pequena coincidência étnica entre os condenados”, ironizou.

quinta-feira, março 01, 2012

A queda dos aviões


JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 01/03/12

A rede mundial de negócios de armamentos e equipamentos militares não tem limites éticos nem legais


A SUSTAÇÃO da encomenda, pelo governo americano, de 20 Super Tucanos da Embraer no valor de US$ 355 milhões, é mais complexa do que as frequentes perdas de negócios. E exige do governo brasileiro cuidados especiais ao tratar do assunto nos Estados Unidos.

As causas da sustação, variadas segundo os autores de considerações sobre o caso, são todas admissíveis até que os americanos exponham as suas com clareza convincente. Atitude, aliás, das menos prováveis, mesmo considerando a rudeza que os americanos se permitem, por falta de algo melhor a conduzi-los ou pelo descaso com interesses que não sejam os seus.

A preliminar do governo brasileiro conviria ser a cautela quanto a incorreções éticas no negócio. A existirem, os americanos podem usá-las para provocar brasileiro, político e moral, na hora em que a elevação internacional do Brasil nos põe fora do seu círculo de manipulação. A atitude de rejeição do governo Obama ao Brasil, depois de pedir-lhe e à Turquia um esforço (bem-sucedido) de apaziguamento do Irã, foi mais do que um agravo.

Apesar de não visto assim no Brasil (fora do governo), foi a declaração oficial de uma linha divisória nas relações Brasil-Estados Unidos.

Nos negócios de armamentos, de modo geral, a corrupção só é um componente menor do que o é nos serviços de obras públicas por empreiteiras. Ambos, no mundo todo. Os equipamentos militares contam, porém, por boas e pelas razões mais abjetas, com a vantagem de ter a cobertura do Estado para processar-se em sigilo, na medida desejada.

A rede mundial de negócios de armamentos e equipamentos militares não tem limites éticos nem legais. Não só porque a concorrência é intensa. Também porque, se houver inconveniência em operar sob sigilo, mas por vias aceitas pelas convenções internacionais, as vias clandestinas de governo a governo, ou de governo a antigoverno, o contrabando e a corrupção são praticados com o mesmo resultado. E em alguma parte do mundo estão acontecendo agora, como em todos os dias, em todas as horas.

(A autorização da ONU, por exemplo, foi para a vigilância aérea sobre a Líbia, mas logo os rebeldes, que viriam a ser governo para as futuras concessões de petróleo, lutaram com farto armamento francês e inglês, e até instrutores e comandos, como provou a mal noticiada morte de um general da reserva francesa.)

A corrupção é o motivo menos citado, entre os já referidos para a sustação. Mas tem citações oficiosas nos Estados Unidos. E é sugerida com menor ou maior clareza, inclusive nas queixas da derrotada Beechcraft. Não quer isso dizer que a Embraer seja o alvo da imputação ou de suspeitas.

A atividade interna dos departamentos de compras militares não se limitam a armas e equipamentos, são repletas de correntes industriais. E, nos Estados Unidos, é mesmo comum que congressistas tenham lugar nas negociações, sejam as visíveis ou as invisíveis.

Fosse, então, para afastar a "Beech" (hoje Hawker Beechcraft) ou outra, ou para incluí-la ou a outra, a sustação da encomenda não tem bom aspecto e requer cautela do governo brasileiro, para o Brasil não se tornar o maior prejudicado na embrulhada.

Se, porém, mostrar-se com mais firmeza um elo entre a dispensa dos Super Tucanos e as dificuldades do F-18 americano na compra de caças pelo Brasil -a capacidade de sedução francesa do polêmico Raphale volta a fazer efeito-, então é aproveitar a oportunidade: nem conversa mais sobre o F-18.

Afinal de contas, ninguém acredita que os americanos transfiram, de fato, tecnologias avançadas e permitam a venda, a quem o Brasil quiser, de F-18 feitos aqui. Tais promessas são conversas de vendedor -o que não quer dizer que o Raphale tenha vendedores com outras conversas.

COMENTÁRIO E & P

Os Estados Unidos nunca cumprem contratos dessa natureza. Em outra ocasião a Embraer já havia vencido outra licitação do exército estadunidense para fornecer aviões de inteligência, junto com Northrop. O valor estava na casa dos US$ 7 bilhões e cancelaram a compra. A Airbus venceu uma licitação da força aérea estadunidense para fornecer aviões tanque e também ficou com a broxa na mão. Se fosse o Brasil ou qualquer outro país que fizesse isso com eles, simplesmente acionariam a mídia mundial, inclusive a brasileira para defender os seus interesses. Por aqui não vi um mísero jornal ou televisão criticar os Estados Unidos por não cumprir contratos, premissa essencial do capitalismo. É a subverniência da imprensa nativa aos interesses dos Estados Unidos. Afinal, segundo o Wiki Leaks há um grande jornal brasileiro que é informante do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Resta saber se todos os grandes jornais brasileiros não se prestam a esse serviço. É bom saber que na história das nações não tem amiguinhos, só interesses. Então o Brasil deveria dar o troco e comprar o Rafale francês (o Jânio de Freitas escreveu o nome do avião francês errado) e deixar o SH - F -18 da Boeing de lado. Afinal somos um país soberano.