terça-feira, setembro 02, 2008

Educação segundo a Revista Veja

Bia Pardi - Assessoria de Educação


Nada mais verdadeiro do que a definição: encomendada quanto ao levantamento de dados feito pela Revista Veja à CNT/Sensus (grifo nosso) apresentada na matéria de 20 de agosto de 2008, páginas 72 a 86, Especial Educação, sobre pesquisa realizada por aquela empresa que se encaixa “certinha” para os interesses do periódico em questionar, não a qualidade de ensino em nossas escolas mas, em utilizar os resultados na crítica do conteúdo, ministrado nas aulas, tanto das escolas particulares como nas públicas, acrescentando mais responsabilidade aos docentes pela crítica situação do ensino.

A pesquisa “mostra” em primeiro lugar a visão positiva de pais, professores, alunos em relação ao ensino em sua escola, à preparação dos professores e alunos para o futuro. A matéria se contrapõe a essa “cegueira” classificando como péssima a qualidade de nosso ensino. Essa, entretanto, não é a novidade. Já é de amplo domínio público as condições da educação e também os diferentes projetos, ações e concepções educacionais de diferentes governos em pauta no país. Provavelmente as respostas otimistas revelam muito mais o cansaço das críticas contínuas sobre os péssimos resultados de avaliações (que sempre sobram para os docentes) e do descaso com que a maioria dos governos trata esse fundamental serviço público, do que uma visão verdadeiramente real do problema.

O endereço e as intenções da Revista Veja, na realidade, se revelam na segunda parte tanto na pesquisa como nas “análises” que faz. Não à toa ao título EDUCAÇÂO acrescenta-se a palavra IDEOLOGIA. EDUCAÇÃO OU DOUTRINAÇÃO é esse o fulcro principal do assunto que Veja vai “trabalhar”. Com os resultados das três questões desse bloco da pesquisa (bem “direcionadas” por sinal) sobre a missão da escola, engajamento dos professores e identificação dos professores com personalidades aparece, aos nossos olhos, escolas criadas (melhor dizendo, inventadas) pela Veja: escolas esquerdizantes!!! É, realmente, surrealista. Com exemplos de aulas de duas escolas, uma de Goiânia e outra de Porto Alegre, ambas da rede particular, assistidos pela revista, Veja infere de maneira absurdamente rasteira que: “a doutrinação esquerdista é predominante em todo o sistema escolar privado e particular”.

É tudo o que precisa para desenvolver sua teoria anti-comunista agora travestida de acusação do atraso que representaria o “ensino esquerdista”, qualquer coisa que isso signifique. Nada mais anacrônico, reacionário e preconceituoso, à semelhança de tudo que a revista publica. Como não consegue elaborar críticas mais substantivas sobre as condições do ensino, pois corre o risco de acusar seus pares políticos, Veja agora inventa, diríamos o impossível! Pior do que isso, percorre em toda a matéria uma concepção de educação arcaica, ultrapassada não só pela crítica da pedagogia da esquerda, que assinalou o caráter ideológico da pedagogia tradicional, mas até pelos pensadores conservadores, por exemplo, da chamada Escola Nova que pretendeu questionar o ensino tradicional. É o que faz quando defende o ensino tecnicista (os alunos devem conhecer a matéria) em oposição ao ensino humanista (ensinar para a cidadania) como pudessem estar separados o conhecimento e a ação dos sujeitos na sociedade.

E onde estava Veja quando o governo da ditadura militar cassou o ensino de Filosofia e Sociologia, e impôs a doutrinação das disciplinas Organização Política e Social do Brasil e Educação Moral e Cívica? (de direita vale?).

O mais grave em toda a reportagem é o (des) tratamento dado ao professor Paulo Freire, intelectual de primeira grandeza, de reconhecimento internacional, cujas teorias pedagógicas foram adotadas por milhares de educadores em todo o mundo, com absoluto sucesso, e que Veja procura desqualificá-lo como educador, de acordo com a prática de seus jornalistas. Grave também é a forma grotesca como trata pensadores universais como Karl Max. Na realidade, é a própria revista que está desqualificada como interlocutora de qualquer debate, com atitudes como essa.

Deixamos de comentar as “análises” sobre as falhas na cartilha (sic) ou apostila por entendermos que, por ignorância ou má fé, Veja interpreta verdades contra mentiras, o que são concepções divergentes sobre economia, geografia e história e, logicamente, a verdade estaria de seu lado. Embora saibamos que as cartilhas, as apostilas e os livros didáticos, não raras vezes, apresentam erros de conhecimento e isso exigiria outro debate, se, e somente se, a revista fosse realmente séria.

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