quarta-feira, maio 30, 2018

O CRIME DE LESA PÁTRIA E A GREVE DOS CAMINHONEIROS


             Por Laerte Fedrigo*

A greve dos caminhoneiros abriu janelas para o debate nacional. Destaco aqui o papel da Petrobras, que mediante o contexto golpista temeroso, deixou de ser uma empresa estratégica para o desenvolvimento brasileiro, afetando a economia e a população em geral. O entendimento da questão requer uma leitura dos fatos em perspectiva histórica, a começar pelas circunstâncias em que a companhia foi fundada em 1953.
Durante séculos o Brasil não passou de um país primário-exportador, pautado pela monocultura. As poucas tentativas de industrialização não prosperaram, especialmente porque o mercado interno era inexistente, uma vez que a força de trabalho não era assalariada, o que desestimulava o empreendedorismo industrial. Por conta da importação de bens industrializados, que atendiam os anseios de consumo da elite escravocrata, a renda gerada no país migrava para o exterior.
Com o ciclo do café, a dinâmica da economia brasileira começou a se modificar. Com os cafezais, surgiu uma nova economia baseada no trabalho assalariado. O fluxo de renda, que se dava com o exterior, passou a se dar internamente: dentro da economia cafeeira e desta com o setor produtor de subsistência. Ao aquecer o mercado interno, as relações mercantis e monetárias abriram precedentes para o desenvolvimento industrial, embora de forma incipiente.
A Depressão da década de 1930 contribuiu sobremaneira para o avanço da industrialização brasileira. A crise afetou as exportações. Sem divisas, a elite não conseguia dar vazão aos seus anseios de produtos importados, de modo que se viu obrigada a produzir internamente aquilo que até então importava, evento conhecido como Processo de Substituição de Importações (PSI). Aos poucos, a produção primário-exportadora foi dando lugar à produção industrial.
Mas nem tudo foi flor neste processo. O PSI alavancou problemas clássicos da economia brasileira, como a insuficiência de poupança e os desequilíbrios externos, razão pela qual, além das suas funções tradicionais, o Estado passou a desempenhar funções mais complexas, contexto em que se inseriu o Projeto Nacionalista do Governo Vargas.
Com o Projeto Nacionalista, Vargas buscou superar os gargalos da economia brasileira. O diagnóstico era que o desenvolvimento da indústria exigiria vultosos investimentos em infraestrutura e na produção de insumos, que o estoque de capital existente era pequeno e que o capital estrangeiro não tinha interesse em desenvolver a indústria de países subdesenvolvidos. O papel do Estado seria fundamental, porquanto, para aumentar a disponibilidade de capital, investir em infraestrutura e apoiar o setor privado, tendo como estratégia estimular o desenvolvimento autônomo do país, baseado na empresa nacional.
Para dar cabo aos objetivos estratégicos do seu programa de governo, Vargas condicionou as importações aos interesses industriais, criou o BNDE(S) para financiar projetos de infraestrutura e de implantação de indústrias e instituiu um bloco significativo de atividades produtivas, com a criação de um número expressivo de empresas estatais, cuja missão era produzir insumos e vendê-los a preços subsidiados para a indústria nascente no Brasil. Graças ao modelo, o Brasil se tornou uma das mais importantes nações industrializadas do planeta.
Entre as empresas estatais criadas por Vargas estava a Petrobras. Embalado pela campanha “o petróleo é nosso”, Vargas criou a empresa em 3 de outubro de 1953, tendo como principal objetivo a exploração de petróleo no território brasileiro. Mais do que uma empresa pública, nascia ali um símbolo nacional, que se tornaria a maior empresa brasileira e uma das maiores petrolíferas do mundo, com elevada capacidade produtiva e arrojada tecnologia de ponta.
Ao contrário do que prega a grande mídia, os governos petistas fizeram muito bem à Petrobras. Além de manter praticamente inalterados os preços nas refinarias, os governos petistas mais que dobraram o número de plataformas da companhia, que passaram de 36 em 2003 para 82 em 2013. No período, a produção da empresa cresceu 5% ao ano e o lucro anual médio passou de 3 bilhões para 26 bilhões de reais. Ao instituir a política de conteúdo nacional nos investimentos do setor de petróleo, os governos petistas possibilitaram ainda a formação de uma forte cadeia de suprimentos, que promoveu a expansão da capacidade produtiva das empresas domésticas, irradiando a criação de empregos. A Petrobras foi transformada numa das mais eficientes e lucrativas empresas do mundo e na empresa brasileira que mais gera patentes. Vanguarda na exploração de petróleo em águas profundas, recebeu por três vezes o prêmio OTC, espécie de óscar do setor petrolífero.

Desde o golpe de estado, e a consequente usurpação do poder em 2016, a Petrobras passou por um profundo processo de mudanças negativas, a começar pela aprovação do Projeto de Lei de autoria do Senador José Serra, que alterou o sistema de partilha do pré-sal, retirando da companhia a exclusividade nas atividades de exploração na camada, com participação mínima de 30% em cada licitação. Com isso, as refinarias começaram a operar com ociosidade, que chegou a 36% (900 milhões de barris de petróleo processados a menos por dia). Como se não bastasse, o governo temeroso vendeu uma série de ativos da empresa e campos de petróleo e adotou uma política de alinhamento internacional dos preços. O resultado do conjunto da obra foi a elevação de mais de 50% no preço da gasolina e do diesel, de 60% do GLP e de 70% do gás de cozinha.

A greve dos caminhoneiros, portanto, é uma espécie de tragédia anunciada, consequência de uma estratégia perversa de destruição de um dos maiores símbolos nacionais, a Petrobras. Não se trata apenas da desconstrução de uma empresa pública, mas de todo um segmento estratégico para o desenvolvimento e soberania do país. O desmonte da Petrobras é um crime de lesa pátria, que atende exclusivamente aos interesses estrangeiros, às custas dos consumidores brasileiros que pagam mais e sofrem os impactos recessivos do aumento dos preços. A campanha “o petróleo é nosso” nunca foi tão atual e necessária. O Brasil precisa reencontrar o seu grande destino, colocando fim ao golpismo entreguista! “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

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* Laerte Fedrigo é Professor, Bacharel e Mestre em Economia pela PUC/SP e Especialista em Gestão de Políticas Públicas pela Fundação Santo André. 

quarta-feira, abril 11, 2018

APESAR DO UFANISMO, ECONOMIA CONTINUA EMPACADA


(Por Laerte Fedrigo*)

     Em 2017, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1% no Brasil, o que levou especialistas a dizerem que o país tinha vencido a recessão, de tal sorte que dali para frente seria só crescimento.





       A realidade parece ser bem diferente. Dados da Pesquisa Mensal de Serviços (PIS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que o setor de serviços recuou 1,9% em janeiro de 2018, após alta de 1,0% em novembro e de 1,5% em dezembro de 2017. Segundo a Pesquisa Industrial Mensal, do mesmo instituto, a produção industrial caiu 2,4% em janeiro, após ter crescido nos quatro últimos meses de 2017.
     Ainda segundo dados do IBGE, a queda na atividade econômica industrial em janeiro foi generalizada. Dos 24 ramos pesquisados na indústria de transformação, 20 recuaram em janeiro de 2018, na comparação com dezembro de 2017. A principal influência negativa foi o ramo produtor de veículos automotores e de outros equipamentos de transportes, exatamente aquele que determinou o crescimento do PIB em meses anteriores.
      É importante observar que o “pibinho” de 2017 foi puxado pelo bom desempenho da agropecuária e pelo consumo das famílias, o que pode não se sustentar nos próximos meses. Análise bastante otimista do IPEA, expressa pela Visão Geral da Carta Conjuntura 37ª, projeta para 2018 uma queda de 2,5% do PIB agropecuário. O consumo das famílias, por seu turno, deverá ser influenciado negativamente pela aceleração da inflação e pelo aumento do desemprego, que tendem a reduzir a massa salarial em termos reais.

    É bom lembrar que a taxa de desemprego já voltou a crescer no Brasil, passando de 11,8% no último trimestre de 2017 para 12,6% no trimestre encerrado em fevereiro de 2018. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), foram 810 mil novos desempregados, que se somaram aos 12,31 milhões de brasileiros que já estavam nesta condição
em dezembro de 2017, totalizando 13,12 milhões de pessoas desocupados.

     Como se não bastasse, segundo levantamento do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), enquanto no andar de cima o lucro líquido dos três maiores bancos privados que atuam no território nacional subiu 20% em 2017, no andar de baixo o volume de brasileiros com contas em atraso e com restrições no CPF subiu 2,1%. De acordo com a pesquisa SPC/CNDL, o número de inadimplentes no Brasil passa de 60,7 milhões de pessoas, o que representa 40% da população adulta residente no País, graças aos juros escorchantes cobrados pelos bancos.
     Não poderia ser diferente, já que apesar da taxa básica de juros – a SELIC estar no patamar mínimo da série histórica, os juros bancários continuam elevadíssimos no Brasil. A título de exemplos, segundo dados do Banco Central do Brasil, a taxa média de juros passa de 55% ao ano nas chamadas operações livres de crédito (aquelas que excluem financiamentos imobiliários e do BNDES) e as taxas do cheque especial e do cartão de crédito rotativo passam de 320% ao ano. Isso acontece por conta da concentração bancária, que faz com que se tenha aqui o maior spread do mundo.

     Do setor externo, pouco pode ser esperado. A Carta Conjuntura 37ª do IPEA projeta para 2018 um aumento de 7,8% das importações, contra 4,3% das exportações. O mesmo pode ser dito da política fiscal, já que a PEC do Teto congelou os gastos públicos por 20 anos. Se o gasto público se mantiver estático e o consumo das famílias e do resto do mundo diminuir, a tendência será a queda dos investimentos privados, o que retroalimentará o ciclo vicioso da atividade econômica.
       O que querem, portanto, os analistas com tamanho ufanismo em relação ao futuro da economia brasileira? O que sei é que sou assombrado por certos humanos.
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* Mestre em economia pela PUC/SP.

terça-feira, janeiro 16, 2018

O anúncio do IPCA 2017: um ritual macabro do governo e das elites

(Por Laerte Fedrigo*)

O IPCA de 2017 fechou em 2,95%. O Governo Temer e as elites festejaram o fato como se o Brasil tivesse sido campeão mundial de futebol, devolvendo os 7 x 1 para a Alemanha. Logicamente, queremos os preços sob controle, já que a inflação tem o efeito perverso de transferir recursos daqueles que têm renda fixa, os trabalhadores e aposentados, para os que têm renda variável, os empresários. Mas o fato é que aumentaram o gás, o etanol, a gasolina e o diesel, a taxa de água e esgoto, a energia elétrica e o transporte, entre outros preços. Para piorar, a economia continua patinando no atoleiro e sem qualquer direção.

A teoria econômica apresenta algumas causas para a inflação. Uma delas é o choque de oferta. Neste caso, a inflação ocorre por conta do aumento nos preços dos insumos produtivos, como energia e transportes. É a chamada inflação de custos. À medida que os preços desses insumos aumentam, os custos das empresas também aumentam. Como as empresas possuem recursos limitados, produzem menos, provocando escassez de produtos no mercado, o que força a elevação dos preços. Em outras palavras, as pessoas vão ao mercado comprar e como a oferta de produtos está baixa, aceitam pagar mais pelos produtos ofertados pelas empresas.

É indiscutível que está havendo uma aceleração nos preços dos insumos produtivos no Brasil. A título de exemplo, os dados indicam que, em 2017, a taxa de água e esgoto subiu 10,52% e a gasolina 10,32%. Só em dezembro, o etanol subiu 4,34% e as passagens aéreas 22,4%. A lógica, portanto, seria de aceleração generalizada dos preços e não o inverso. Por que, apesar disso, o IPCA desacelerou? Segundo o IBGE, o governo e os analistas do mercado, isso foi provocado pelo comportamento dos preços dos alimentos que teriam ficado mais baratos em 2017, por conta da safra agrícola recorde.

Que  a  safra  agrícola foi  recorde  em  2017 não restam dúvidas, mas que  ela  tenha  sido  a causa  da  desaceleração da  inflação  parece pouco  provável.  Os dados  da  série histórica da figura a seguir mostram  que nunca existiu  elação  entre  o aumento da produção agrícola e a desaceleração  do  IPCA. Pelo  contrário:  o  que eles  indicam  é que  no período, a produção agrícola e o IPCA variaram sempre na mesma  direção;  ou seja,  quando  a produção agrícola cresceu,  o  IPCA também  cresceu  e  vice-versa.

Figura 1 – Variação % da produção agrícola e do IPCA.
Fonte: LSPA/IGBE
Para compreendermos essa desaceleração dos preços precisamos conhecer outra causa da inflação, o choque de demanda. Deste ponto de vista, a aceleração dos preços seria provocada pelo aumento do consumo, em decorrência de políticas econômicas expansionistas, como o aumento dos investimentos do governo, o estímulo ao crédito e os programas redistributivos de renda. À medida que geram empregos, essas políticas tenderiam a elevar a capacidade de consumo das famílias, o que exerceria pressão ascendente dos preços, especialmente naquela situação em que a economia se aproxima do pleno emprego.

Ora, a economia brasileira está em frangalhos, uma vez que o Governo Temer desenvolve uma política econômica restritiva, pautada pelo corte nos investimentos e nos gastos sociais, em contraposição à uma política monetária que mantém os juros em patamar estratosférico, dificultando o crédito e facilitando a transferência de renda para uma minoria rentista. A consequência dessa opção governamental é o desemprego em alta, na ordem de 12% da PEA, e a queda livre do emprego com carteira assinada.

Este desastre parece explicar verdadeiramente a tão badalada desaceleração do IPCA. Ao reduzir o poder de compra das famílias, o desemprego e a precarização do trabalho provocam o choque de demanda às avessas. Desprovidas de recursos, as famílias gastam menos, de tal sorte que os produtores se veem forçados a reduzirem os preços, mesmo num contexto de choque de oferta. Em lugar de atender a demanda dos que ascenderam socialmente na última década, estimulando a ampliação da capacidade produtiva da economia, o Governo Temer e as elites optaram pelo oposto, às custas da sangria dos direitos sociais e trabalhistas.

Mas a comemoração esconde outra façanha. Considerando a queda na taxa de juros que remunera a dívida pública (a SELIC), era de se esperar que os credores fugissem dos títulos do governo. Não obstante, como o que os investidores buscam são ganhos reais, a desaceleração da inflação acabou funcionando com um amortecedor para os credores do governo. Em 2015 a SELIC fechou o ano em 14,25% e o IPCA em 10,67%, o que resultou numa taxa de juros real de 3,58%. Em 2017, a SELIC caiu para 7,5%, mas como o IPCA despencou para 2,95%, a taxa de juros real subiu para 4,55%. Um prato cheio para os rentistas e especuladores.

Os sorrisos do Governo Temer e das elites refletem, portanto, a perversidade; o gozo, ou pulsão de morte, na formulação psicanalítica. Uma espécie de ritual macabro, onde é comemorada, não a melhora da economia, mas a desgraça dos desvalidos. Só Lacan para explicar. Ou não!
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* Mestre em Economia pela PUC/SP.