terça-feira, janeiro 26, 2016

Déficit em conta corrente atinge 3,32% do PIB O Jornal de todos Brasis Déficit em conta corrente atinge 3,32% do PIB

Jornal GGN - O déficit em conta corrente encerrou o ano de 2015 com um total de US$ 58,9 bilhões, o equivalente a 3,32% do PIB (Produto Interno Bruto), segundo dados divulgados pelo Banco Central. Os números apresentaram melhora em relação ao registrado no ano anterior, quando o saldo negativo foi de US$ 104,2 bilhões, ou 4,31% do PIB. Em dezembro, as transações correntes apresentaram déficit de US$2,5 bilhões .

Na conta financeira, as captações líquidas superaram as concessões líquidas em US$ 2,6 bilhões, com destaque para os ingressos líquidos de investimentos diretos no País (IDP), que registraram um total de US$ 15,2 bilhões. No ano, a conta financeira acumulou captações líquidas de US$ 56,7 bilhões, destacando-se novamente os ingressos líquidos de IDP, que foi de US$ 75,1 bilhões.

No mês, a conta de serviços foi deficitária em US$ 2,5 bilhões, comparativamente a deficit de US$ 4,8 bilhões em dezembro do ano anterior. Em 2015, as despesas líquidas de serviços somaram US$ 37 bilhões, redução de 23,1% na comparação com 2014.

As despesas líquidas com aluguel de equipamentos atingiram US$ 2,1 bilhões no mês e US$21,5 bilhões no ano, decréscimos respectivos de 23,2% e 4,8%, em relação a 2014. As despesas líquidas com transportes somaram US$262 milhões em dezembro, acumulando deficit de US$ 5,7 bilhões no ano, 34,2% abaixo dos US$ 8,7 bilhões registrados em 2014. As remessas líquidas com serviços de propriedade intelectual somaram US$ 416 milhões no mês e US$ 4,7 bilhões no ano, 15,8% abaixo do resultado visto no ano anterior. As despesas líquidas com telecomunicação, computação e informações atingiram US$ 67 milhões em dezembro e US$ 1,8 bilhão no ano, recuo de 20,5%, comparativamente ao ano anterior.

Já as despesas líquidas de renda primária chegaram a US$ 6,5 bilhões no mês, 10,1% inferiores ao observado em dezembro de 2014, acumulando US$42,4 bilhões em 2015, decréscimo de 18,8% na comparação com o ano anterior. Em dezembro, as saídas líquidas de renda de investimento direto totalizaram US$4,2 bilhões, recuo de 24,1%, na comparação com dezembro de 2014.

De acordo com o BC, as despesas líquidas de renda de investimentos em carteira somaram US$1,9 bilhão, incluindo despesas líquidas de lucros e dividendos, que atingiram US$ 469 milhões, e juros de títulos negociados no mercado externo, no valor de US$1,4 bilhão. A despesa líquida de renda de outros investimentos atingiu US$ 697 milhões, 10,5% superior ao registrado em dezembro do ano anterior, enquanto as receitas de reservas totalizaram US$ 230 milhões.

Em dezembro, as saídas líquidas de lucros e dividendos totais somaram US$4 bilhões, ante US$5,2 bilhões em período correspondente de 2014. As despesas líquidas com juros totalizaram US$2,5 bilhões, 26,8% acima do resultado de dezembro do ano anterior. No ano, os pagamentos líquidos de juros alcançaram US$ 21,9 bilhões, estáveis ante US$ 21,3 bilhões ocorridos no ano anterior, e as remessas totais líquidas de lucros e dividendos somaram US$ 20,8 bilhões, redução de 33,3% na comparação com 2014.

Novo Banco de Desenvolvimento vai financiar energia renovável para os BRICS Leia mais: http://br.sputniknews.com/mundo/20160126/3408918/Novo-Banco-Desenvolvimento-vai-financiar-energia-renovavel-BRICS.html#ixzz3yOTRIGHM

BR.SPUTNIKNEWS


O vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), Paulo Nogueira Batista Jr., anunciou nesta terça-feira, 26, no Rio de Janeiro, que em abril o Banco dos BRICS anunciará os projetos de infraestrutura que vão receber os primeiros financiamentos aprovados pela instituição. Energia renovável será a prioridade.

"Depois de sete meses do início de operações do Banco em Xangai, estamos enfrentando vários desafios, como a estruturação e a finalização da primeira leva de projetos que, se espera, possam ser anunciados em abril. A ideia é divulgar um projeto em cada um dos cinco países-membros (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), no setor de energias renováveis, com ênfase em energia eólica, solar e hidrelétrica, numa segunda fase."

A cidade de Xangai, na China, abrigará a sede do Novo Banco de Desenvolvimento, o chamado Banco do BRICS

Vice-presidente revela 'primeiro passo' do banco dos BRICS
Durante a palestra promovida pelo Centro de Estudos Celso Furtado, na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Nogueira Batista detalhou os avanços que o NBD vem alcançando desde que iniciou suas operações em Xangai. Segundo ele, além de em energias renováveis, a primeira leva de crédito vai priorizar financiamentos para projetos de abastecimento de água, irrigação, saneamento, entre outras. Para tanto, os financiamentos serão concedidos de duas formas: no caso de Brasil e Rússia, os recursos serão repassados aos bancos nacionais de desenvolvimento (BNDES e VEB, respectivamente), enquanto para China, Índia e África do Sul, os empréstimos serão firmados em fundos soberanos desses países.
“No caso do Brasil, por exemplo, o NBD vai liberar recursos em dólar ao BNDES que, por sua vez, os repassará aos tomadores em reais. A previsão é que cada financiamento gire entre US$ 50 milhões e US$ 150 milhões e que no primeiro ano o Banco dos BRICS financie até 15 projetos no montante de US$ 1,5 bilhão a US$ 2 bilhões”, explica Nogueira Batista.

O vice-presidente do NBD lembra que a Rússia já adiantou duas parcelas de sua contribuição como país-membro, o que já deixa o Banco com um caixa de US$ 1 bilhão. “A ideia é que a captação de recursos seja feita também em modas nacionais dos países-membros, além de em dólar”, diz.


A expectativa é que, até o primeiro semestre deste ano, a instituição também capte recursos através da emissão em yuan remimbi. Pelo estatuto, o NBD tem um capital autorizado de US$ 100 bilhões e um capital subscrito de US$ 50 bilhões, divididos igualmente entre os cinco países do BRICS.

Quanto à remuneração dos projetos, o vice-presidente do NBD garante que as taxas de juros serão inferiores à média cobrada no mercado. A proposta é estabelecer uma taxa libor mais a cobrança de um spread reduzido que permita a liquidez das operações.

A estratégia para se atingir esse patamar, segundo ele, é manter uma estrutura administrativa operacional enxuta. Hoje, o Banco funciona como uma equipe de 50 pessoas, e a previsão é que o quadro chegue a 100 até o fim deste ano. Na esfera de governança corporativa, a instituição conta com um conselho de governadores (composto pelos ministros da Fazenda de cada um dos cinco países), um conselho de diretores (não residentes), presidência e quatro vice-presidências. A expectativa é que, com uma estrutura enxuta, se possa reduzir para até seis meses o prazo entre recebimento de proposta de financiamento, análise e liberação dos recursos. Em grandes corporações como Banco Mundial (BIRD), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entre outros, esse prazo pode variar de 18 meses a dois anos.

Nogueira Batista lembra que a constituição do NBD é uma grande vitória dos BRICS pois, embora o grupo não seja tecnicamente um bloco, ele reúne países com visões próprias, mas com um senso comum de identificar e propor soluções, bem diferentes das americanas, europeias e asiáticas.

“Em primeiro lugar, o Banco nasce com uma preocupação do financiamento social e ambiental sustentável, o que não existe nas grandes organizações de crédito do Atlântico Norte. São visões comuns sobre problemas comuns. Outro ponto importante é que o Banco vai montar sua experiência contando com a expertise dos bancos nacionais de desenvolvimento locais, como o BNDES, no caso do Brasil. Uma outra questão igualmente importante é que a concessão de financiamento não terá como contrapartida a fixação de metas e normas na condução da política econômica do país tomador.”

Banco do BRICS vai atender parte da demanda global de US$ 1 trilhão para infraestrutura

Nogueira Batista diz que o multilateralismo econômico – depois de tantos fracassos em tentar estabelecer um parâmetro de crescimento – está sendo substituído aos poucos pela visão multipolar defendida por países emergentes. A criação do Banco Asiático de Investimentos em Infraestruturas (BAII), no ano passado, com capital de US$ 100 bilhões foi uma espécie de resposta chinesa às tentativas de isolar o país no cenário econômico mundial com a formação do Tratado de Livre Comércio Trans-Pacífico (TTP), idealizado pelos Estados Unidos que reúne 12 países, detém 40% do PIB mundial, 793 milhões de consumidores e que pode gerar US$ 223 bilhões anuais a partir de 2025.

E campo para financiar projetos não vai faltar ao Banco dos BRICS. Segundo cálculos recentes, o déficit de investimento em projetos mundiais de infraestrutura chega a US$ 1 trilhão por ano. Só em energia elétrica são cerca de 1 bilhão de pessoas sem acesso.



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A mídia e os economistas na 'cegueira' sobre a crise do capitalismo

Por: Marcio Pochmann*, publicado na Rede Brasil Atual

Segue impressionante o grau de subordinação ideológica dos analistas e comentaristas econômicos e da mídia em geral na produção e difusão de análises acerca do curso atual da mais grave crise do capitalismo desde a década de 1930. Oito anos após o seu início, a crise de dimensão global continua sem solução, aproximando-se para a sua quarta onda de manifestação e sem que o tema nem sequer seja considerado nas previsões das mais importantes instituições multilaterais do planeta.

Aliás, cegueira situacional – como a recentemente demonstrada peo FMI – se mostra imutável no tempo presente. Não foram capazes de prever a crise de global em 2008, muito menos as suas ondas subsequentes de manifestações. Agora, um relatório daquela instituição sobre o panorama mundial para os anos de 2016 e 2017 atribui a culpa pela péssima situação econômica mundial ao Brasil e à China, principalmente.

O grau de alienação não tem limite. Não se pode esquecer que a primeira onda da crise global se deu entre os anos de 2008 e 2009, tendo por origem a insolvência dos contratos habitacionais (subprime) dos Estados Unidos. Até hoje não houve correção significativas dos erros resultantes das políticas neoliberais de desregulamentação adotadas naquele país e que foram ocasionadoras da própria crise.

Abordagem nesse sentido pode ser vista, por exemplo, tanto no livro de M. Lewis (The Big Short, de 2010) como no filme de 2015 dirigido por A. McKay, A Grande Aposta (ou A Queda de Wall Street, em Portugal).

Apesar da gravidade dos fatos, praticamente nada de relevante mudou nas regras especulativas do capitalismo, assim como as denominadas agências de risco seguem vendendo avaliações de acordo com o perfil do comprador e, portanto, distante da realidade (seria o Brasil um péssimo comprador das chamadas avaliação de riscos por parte destas agências?).

Apesar de mais de oito milhões de trabalhadores estadunidenses terem sido desempregados, da queda significativa na renda salarial, do aumento da pobreza e da desigualdade e da quebra em série de empresas e bancos desde 2008, Wall Street continua a ser referenciada e dominante, inclusive na lógica partidária estadunidense. Depois a mídia submissa estranha quando o senador Bernie Sanders, o candidato socialista e opositor de Hillary Clinton no Partido Democrata, avança com discursos críticos a Wall Street.

Para além dos EUA, lembremos que a segunda onda de manifestações da crise global transcorreu nos anos de 2011 e 2012, na Europa, frente à exposição das finanças públicas degeneradas por ajudas aos setores privados combalidos, após estes últimos entesourarem recursos públicos recebidos, sem reaplicá-los na produção.

Por fim, a terceira onda, que envolve os Brics e vem desde 2015. Justamente eles, que adotaram políticas anticíclicas na expectativa de que a crise capitalista fosse de curta duração, conforme verificado na Rússia, China e Brasil.

No Brasil, a sequência da política econômica de apoio com recursos públicos "de pai para filho" não se mostrou suficiente para reanimar o paciente do setor privado, motivando-o ao investimento produtivo. Pelo contrário, a injeção de mais de 100 bilhões anuais de recursos públicos no setor privado alimentou mais a especulação nos mercados financeiros e à dependência à importação.

A partir da decisão do banco central dos Estados Unidos, de recentemente retomar a trajetória de elevação da taxa de juros, caminha-se para uma quarta onda de manifestação da crise de dimensão global. O acelerador dessa crise permanece sendo a enorme e crescente assimetria entre o ritmo dos ganhos do setor financeiro, sem contrapartida na economia real.

Os ativos financeiros não se constituem enquanto riqueza propriamente dita, sendo muito mais um acesso à riqueza real. Esta discrepância se mantém dialeticamente sob a grave ameaça de continuidade da própria trajetória do capitalismo neste início do século 21.

* Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas, e presidente da Fundação Perseu Abramo.

quinta-feira, janeiro 21, 2016

Globalização e Desigualdades



Por Rodrigo Medeiros

A mais recente divulgação internacional de números que demonstram uma escandalosa escala de concentração de renda e riqueza nas mãos de poucas pessoas merece maiores considerações entre nós. Desde a grande repercussão global da publicação do trabalho de Thomas Piketty, em 2013, o debate sobre as desigualdades socioeconômicas disfuncionais entrou em outro patamar. Paul Krugman, por sua vez, sugeriu bem antes que “qualquer ideologia cuja principal prescrição consista em reduzir os tributos incidentes para os ricos provavelmente desfrutará de sobrevida prolongada” (em “Globalização e globobagens”. Campus, 1999). Vejamos então alguns poucos aspectos gerais dessa discussão.

A fórmula que busca resumir as instigantes reflexões de Piketty é a seguinte: r > g (r é o retorno médio do capital; g é o crescimento da economia). Quando essa diferença é grande por muito tempo, as desigualdades podem ser consideradas como disfuncionais do ponto de vista social. Como os mais ricos têm uma maior propensão a poupar, já se mostrou algo muito comum “a retirada” de recursos financeiros da economia produtiva para o exercício da preferência pela liquidez por uma parcela minoritária da sociedade. Um excesso de poupança (“savings glut”) da parte de poucos indivíduos, quando a concentração da renda é bastante elevada, pode jogar a economia em uma recessão prolongada. Até pesquisadores do Fundo Monetário Internacional, Jonathan D. Ostry e Andrew Berg (em “iMFdirect”, 26/02/2014), por exemplo, apontaram para o fato de que desigualdades excessivas podem minar o crescimento em um país.

Uma matéria sobre a grave crise na Eurolândia publicada no “Valor Econômico” (22/12/2015), assinada por James Politi, merece consideração. Conforme consta no texto, “o premiê da Itália, Matteo Renzi, advertiu que as políticas de austeridade da zona do euro impulsionadas pela Alemanha estão alimentando o populismo. Segundo ele, isso levará à paralisia política e a reveses eleitorais em toda a União Europeia (UE) para os governos atualmente no poder”. Renzi afirmou ainda que “a Europa tem de atender a todos os 28 países, e não a apenas um". Para o italiano, é possível derrotar a perspectiva do populismo com crescimento e empregos, ou seja, apostando em uma nova Europa social.

Antes de se pensar em traçar o rápido paralelo com as disputas políticas no Brasil, é importante avaliar a lógica da ascensão global da direita conservadora nos últimos 35 anos. Em “Vendendo prosperidade” (Campus, 1997), Krugman propõe algumas reflexões sobre o ciclo conservador. Segundo Krugman, “os supply-siders ficam furiosos com o que consideram como a afirmação simplista de que a Reaganomania significou cortes de impostos para os ricos, aumentos de impostos para a classe média e castigo para os pobres”. Ainda de acordo com Krugman, o “The Wall Street Journal” passou grande parte da década de 1980 em campanha pelo retorno do padrão ouro. O projeto hegemônico do euro criticado atualmente pelo primeiro-ministro italiano reproduz a rigidez do padrão ouro, chamado de “relíquia bárbara” por Keynes (1883-1946). Para ele, em 1923, o padrão ouro sacrificava o pleno emprego e a estabilidade de preços em prol da estabilidade da taxa de câmbio.

O Brasil, que possui uma carga tributária regressiva e, portanto, muito injusta do ponto de vista social, veio concedendo desde a sua redemocratização vários benefícios fiscais para o capital que não são transparentes. Pessoas físicas também se beneficiaram de desonerações fiscais entre nós. Em artigo na “Folha de S.Paulo” (31/12/2015), Marcos Villas-Bôas expõe uma jabuticaba brasileira. Segundo o pesquisador, “os melhores trabalhos de política tributária do mundo nem falam em isentar os dividendos. O Reino Unido, a França, os nórdicos, a Austrália e outros países nem discutem isentar os dividendos. Procura-se a melhor forma de tributá-los, ainda que signifique aplicar uma alíquota baixa ou dar um crédito correspondente ao imposto pago na pessoa jurídica”. Para Villas-Bôas, a isenção fiscal de dividendos das pessoas físicas gera graves distorções em uma sociedade – “fraudes” para reduzir os gastos trabalhistas dos empregadores, menor carga de imposto para quem tem mais renda e aumento de outros tributos para compensar a perda de arrecadação. As argumentações dos economistas do lado da oferta (supply-side) não são neutras.

O artigo de Villas-Bôas aponta que os estudos que adotaram como base a redução da tributação dos dividendos em 2003 nos EUA revelaram uma baixa influência nos investimentos. Um dos seus efeitos foi a elevação dos preços das ações. Como muitas firmas investem através de lucros retidos, com uma maior distribuição dos dividendos ocorreu uma menor retenção na empresa. Portanto, o excedente não foi utilizado para elevar o investimento produtivo e o bem-estar na sociedade. Para o caso brasileiro, onde estaria mesmo a prova de que isentar dividendos foi algo positivo? Os números do IBGE citados por Villas-Bôas mostram que a taxa de investimento foi de 20,5% do PIB em 1995, passando posteriormente para 18,6% em 1996, 19,1% em 1997, 18,5% em 1998 e 17% em 1999. Segundo estimativas que variam de acordo com a aplicação da alíquota, a tributação sobre dividendos poderia contribuir com aproximadamente R$ 50 bilhões no presente para o ajuste fiscal. Conforme ponderou Piketty, o Brasil “deveria investir em uma reforma tributária, já que seu sistema de taxação não é progressivo o bastante de acordo com padrões internacionais. Enquanto a classe média fica sobrecarregada com impostos, as taxas sobre os ricos são muito baixas. E isso tudo é importante para aumentar a velocidade do crescimento do PIB no futuro” (“O Globo”, 27/11/2014).

O Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), por sua vez, afirma que a sonegação fiscal anual é da ordem de 10% do PIB no Brasil (“Valor Econômico”, 18/11/2015). Segundo avaliou o seu presidente, Achilles, Frias, “é o grande sonegador que mais afeta e economia e que provavelmente também figura na lista dos devedores contumazes. É comum que o sonegador de grande porte esteja de alguma forma ligado à evasão de divisas, lavagem de dinheiro e corrupção". Afinal, qual seria a real utilidade ou o sentido prático dos paraísos fiscais no mundo?

Em um contexto brasileiro de ajustes contracionistas, o “Boletim Macro” (Ibre/FGV, nov./2015) indica que “o resultado nominal acumulado de janeiro a setembro foi deficitário em 9,7% do PIB, dos quais 9,51% do PIB correspondem à conta de juros nominais e apenas 0,2% ao déficit primário". O choque inflacionário em 2015 não foi de demanda. A economia brasileira demanda ajustes, reformas institucionais progressistas e alguns “choques de gestões”. Com uma carga tributária bem regressiva e elevada sonegação fiscal, os mais pobres estão pagando uma amarga conta (a desvalorização cambial e os repasses inflacionários, o desemprego e os reajustes nos preços administrados). Os ajustes poderiam ser progressivos, redistribuindo, por exemplo, o peso da carga tributária para aliviar os mais pobres e ainda buscando promover novas políticas públicas capazes de articular o desenvolvimento de pequenas e médias empresas de base tecnológica.

As reformas que interessam ainda não foram feitas

As reformas que interessam ainda não foram feitas, por Gustavo Noronha
BRASIL DEBATE


Os grandes beneficiários das reformas serão, acima de todos, o povo brasileiro e os governos que me sucederem. A eles, trabalhadores, desejo entregar uma Nação engrandecida, emancipada e cada vez mais orgulhosa de si mesma, por ter resolvido mais uma vez, pacificamente, os graves problemas que a História nos legou. (Foto: João Goulart, comício na Central do Brasil)





do Brasil Debate

As reformas que interessam ainda não foram feitas

por Gustavo Noronha

Houve um tempo em que o debate central na esquerda girava entre reforma e revolução. As circunstâncias mudaram a tal ponto que hoje reformistas e revolucionários encontram-se lado a lado, pois diversos setores da esquerda abandonaram até mesmo o reformismo em prol do melhorismo.

Certamente haverá quem diga que os melhoristas não estão no campo da esquerda, mas temos que usar a compreensão da maioria da sociedade e não como os teóricos da academia classificam. Ademais, é mais ou menos aceitar o conceito de Bobbio de que esquerda seriam todos aqueles para quem qualquer situação de desigualdade precisa ser justificada.

Hoje, ser reformista, defender reformas radicais no sistema capitalista é uma postura profundamente revolucionária. Assim devemos ler muitos pontos da Constituição Brasileira de 1988 e que não à toa têm sido alvo de sistemáticos ataques da direita.

Não se passa um ano no Brasil em que a seguridade social não sofra ataques. Sob o falso argumento do déficit da previdência, recorrentemente alegam que é preciso reformar a previdência. Com o pretexto de se manter as conquista melhoristas dos últimos anos, nem bem esfriou a última reforma da previdência, a presidente e seu novo ministro da Fazenda já anunciam como inevitável uma nova reforma.

Não é esse o tipo de reforma que os reformistas no campo da esquerda defendem. Estas reformas estão aí, batendo na porta, aguardando sua implementação desde João Goulart.

O melhorismo dos governos do PT propiciou um salto de qualidade nas condições de vida dos trabalhadores do Brasil. Entretanto, se essa melhora na vida das pessoas permanece sob constante ameaça por desajustes na condução da macroeconomia ou por uma possível vitória da oposição de direita é porque as reformas que interessam à classe trabalhadora não foram feitas.

Se é verdade que há algum tipo de desajuste nas contas públicas, não é da conta da previdência, mas da conta dos juros da dívida pública, da covardia de não se auditar esta dívida, da subserviência dos governos de todos os partidos ao capital financeiro.

Só que aos trabalhadores não basta dizer um não à reforma da previdência, mas um sim a um outro tipo de reformas. O governo já ofereceu inúmeros sinais às elites e aos setores da direita governista. Urge que se ofereçam reformas que sinalizem uma esperança à classe trabalhadora se o governo pretende se defender dos ímpetos golpistas. Nunca é demais lembrar que o fiel da balança na última eleição vencida por pouco pela presidente foi um discurso com claras sinalizações à esquerda.

Se o discurso é de saneamento das contas públicas, comecemos por uma reforma tributária que atinja os mais abastados. É necessária uma forte tributação sobre grandes fortunas, patrimônio e herança. Se a direita insiste no discurso da meritocracia, é preciso insistir que todos precisam largar do mesmo ponto.

E para a meritocracia ser completa é preciso uma radical reforma na saúde e na educação. Não parece aceitável que uns tenham acesso às melhores escolas e hospitais enquanto a imensa maioria fica submetida a serviços precários.

A reforma da saúde e educação deve pautar o fim da atuação da iniciativa privada nestes setores. Somente quando os filhos da casa grande dividirem a classe com os filhos da senzala poderá se falar em meritocracia. Somente quando o leito do doente da Vieira Souto for lado a lado do enfermo do Pavãozinho poderá se falar em meritocracia.

Como está na moda falar da situação das contas públicas, até porque virão perguntar de onde virá o dinheiro para esta reforma na saúde e na educação, é preciso uma reforma financeira que torne a economia brasileira menos dependente dos juros altos.Somente quando o acesso a educação e saúde não depender do berço, se poderão assegurar serviços dignos. Somente quando aqueles que tomam decisões que influenciam na qualidade destes serviços forem seus usuários, teremos educação e saúde de qualidade.

Não é admissível que os juros consumam um orçamento maior que saúde e educação somadas. O Banco Central precisa começar a dialogar com o mundo real e parar de ver inflação de demanda numa recessão, bem como é necessário trabalhar com metas de emprego além de inflação.

A burguesia recorrentemente fala de reforma trabalhista para retirar direitos dos trabalhadores. É sim necessária uma reforma trabalhista, mas sem retirada de direitos. A reforma trabalhista urgente e necessária é a redução da jornada de trabalho sem redução dos salários. Os avanços tecnológicos permitem tranquilamente uma jornada de 30 horas semanais com efeitos positivos inclusive no nível de emprego.

Junho de 2013 deixou clara a necessidade de se colocar no debate a reforma urbana. E de nada adianta iniciativas pontuais como ciclovias e IPTU progressivo. Esta pauta precisa ser liderada pelo governo federal por meio de subsídios ao transporte urbano público e gratuito.

Programas como o Minha Casa, Minha Vida devem ser vetores de uma real melhoria das condições de vida da população mais pobre e não o seu isolamento em locais distantes e com escassas conexões urbanas.

Por fim, a reforma que o Brasil aguarda desde José Bonifácio, relembrada por Joaquim Nabuco, que o país perenizou sem nunca efetivar: a reforma agrária. Naqueles termos propostos por João Goulart que esperava ver “divididos os latifúndios das beiras das estradas, os latifúndios aos lados das ferrovias e dos açudes construídos com o dinheiro do povo, ao lado das obras de saneamento realizadas com o sacrifício da Nação”.

Ainda nas palavras de Goulart no seu discurso na Central do Brasil: “A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil, constitui a legenda mais viva da reivindicação do nosso povo, sobretudo daqueles que lutaram no campo”.

Se é um desejo do governo que o povo se organize contra os anseios golpistas é preciso que se apresente ao povo as reformas que o povo deseja, não se trata da reforma da previdência, mas reformas no espírito das reformas de base que almejava Jango e que foram interditada pelo golpe civil-militar de 1964. Por isso, o reformismo hoje é radicalmente revolucionário.

Gustavo Noronha é economista do Incra

terça-feira, janeiro 19, 2016

Vencer em São Paulo, para renascer no Brasil

Carta Maior


A candidatura de Haddad não disputa apenas a prefeitura de São Paulo, mas um espaço de renascimento da agenda progressista no Brasil. E a direita sabe disso.

por: Saul Leblon

Para jogar a pá de cal no PT em 2018, ou antes, como se alardeia, o conservadorismo terá que passar por um teste de competëncia como coveiro da democracia social brasileira.

A pedra no meio do caminho é a eleição municipal de São Paulo, em 2 de outubro próximo.

A maior cidade do país é também o quartel-general da oposição conservadora; seu bunker político e logístico; o principal partido da direita brasileira, o PSDB, deita suas raízes mais profundas aqui.

Palco recente das maiores manifestações da elite e da classe média contra o governo da presidenta Dilma, a capital abriga o grande aparato da mídia conservadora , seus mais importantes think tanks e o braço financeiro que integra o capitalismo brasileiro à finança global com os interesses aí encastoados.

São Paulo é a principal caixa de ressonância dos imputs emitidos pelo juiz Sergio Moro para pautar a vida política nacional através do manejo discricionário da operação Lava Jato.

Para a direita, em tese, a disputa eleitoral de outubro equivale a uma final de campeonato jogando em casa.

Mais que isso.

A recidiva da crise mundial entrou em campo.

As cotações das commodities estão no nível mais baixo em 16 anos; os preços do barril de petróleo caíram 70% em 18 meses.

O conjunto atrofiou o braço fiscal do Estado brasileiro impondo tarifaços e cortes orçamentários, que repercutiram localmente prejudicando a receita, o investimento, obras, metas e promessas de gestores municipais.

A insatisfação com os preços em alta e com o mercado de trabalho, em baixa, ademais da liquefação da industrialização brasileira nas últimas décadas tem em SP a sua principal usina de reprocessamento político.

Três em cada dez desempregados brasileiros vivem em São Paulo.

Não só.

Na maior cidade brasileira esse torniquete veio se sobrepor a um nó fiscal do qual a administração Haddad já era vítima.

Premido pela emissão conservadora, o governo federal, já no seu primeiro mandato de Dilma, aceitou como verdade a fotomontagem do ‘abismo fiscal’ iminente, alardeada em dueto com a gula rentista.

A consequência para São Paulo é que a chamada Lei de Renegociação da Dívida, aprovada em 2014 --e pela qual o montante do débito da cidade cairia de R$ 63 bi para R$ 36 bi, teve sua vigência seguidamente postergada, até ser adiada para o segundo semestre de 2016.

Em abril do ano passado, Haddad obteve liminar para pagar em juízo a dívida como manda a lei, tendo como referência o IPCA mais juros de 4% ao ano (contra 9% pela regra draconiana vigente desde o governo FHC ).

A diferença significa despender R$ 4 bilhões ao ano com o serviço da dívida ou cortar isso para R$ 2,7 bi.

Para ser mais claro: o saldo anual de R$ 1,3 bi entre um e outro caso equivale praticamente ao total do investimento em drenagem (R$1,4bi) previsto pelo PAC para toda a cidade de São Paulo.

Tendo vencido a queda de braço com a sucursal da ortodoxia no governo Dilma, o prefeito Haddad conseguiu recuperar investimentos em 2015, com um volume recorde de R$ 4,5 bi.

A tradução disso em obras prontas, porém, talvez tenha perdido seu timming eleitoral.

A agenda política da esquerda em São Paulo reúne, portanto, uma síntese das dificuldades enfrentadas em âmbito nacional para se renovar e resistir à ordem unida do ‘ajuste’, recomendada como uma espécie de suicídio assistido, de fora e de dentro do país.

É esse o pano de fundo das eleições municipais em que Fernando Haddad disputará a permanência no cargo.

O assalto conservador será implacável.

A ascensão recente de Maurício Macri na Argentina, incubado por metas e métodos que dão pertinência à expressão ‘terra-arrasada’, serve de amostra da octanagem política necessária à regressão econômica pretendida.

Um bibelô da direita, o animador de auditórios conservadores, João Dória Jr –preferido de Alckmin para disputar a prefeitura pelo PSDB—tem como bandeira ‘privatizar tudo’; fazer de São Paulo uma vitrine do Estado mínimo que os patrões advogam para o Brasil.

Trata-se de um mascote bajulador, mas é um pouco esse o espírito de uma direita que fareja ser esse o seu momento para colocar ‘ordem na casa-grande’ e a partir daí botar o resto da senzala na linha.

Os desdobramentos concretos e simbólicos de uma vitória progressista no núcleo duro da reação brasileira e latino-americana, em contrapartida, não seriam menos contundentes nesse momento.

Podem configurar um divisor de águas, não apenas eleitoral, mas um passo substantivo na superação da encruzilhada vivida pela esquerda brasileira, desafiada a se renovar do ponto de vista estratégico e organizativo para não morrer.

Vencer em São Paulo para renascer no Brasil? Talvez não seja exagerado colocar as coisas nesses termos nos dias que correm.

O tempo é curto.

São nove meses para o parto que inclui rever erros e acertos e negociar alianças em torno de um projeto-vitrine para o maior centro capitalista da América Latina.

Pouca dúvida pode haver: se vencer a batalha de São Paulo, a esquerda brasileira reacenderá a esperança na construção da democracia social em toda a região, liberando energias que vão sacudir a correlação de forças na disputa brasileira de 2018.

Pelas razões mencionadas, Haddad não terá entre as suas armas uma marca de grandes obras para esgrimir o cerco unido dos adversários em 2 de outubro.

Mais que isso: terá em Marta Suplicy um contraponto desfrutável a atacar esse flanco com realizações agora apoiadas por quem sempre as combateu.

O detalhe não negligenciável é que Haddad resistiu, lutou e venceu a disputa contra austericidas fiscais incrustrados no governo federal.

Ao vencer credenciou-se para liderar um conjunto de reformas imperativas, ‘as reformas de base’ da São Paulo do século XXI, tendo preparado o arcabouço legal e cultural para isso.

Fazem parte desse arsenal o novo Plano Diretor da cidade; os corredores de ônibus; as ciclovias; a redução de velocidade que salvou 300 vidas em 2015 e reduziu em 10 mil o números de acidentados, bem como a reapropriação do espaço urbano pela cidadania, um exercício inteligente de progressivo deslocamento da hegemonia do carro no cotidiano e no imaginário da cidade.

Não é pouco considerando-se que vem aliado a uma prometida aceleração na entrega de vagas em creches, na inauguração de 20 ‘hospitais¬dia’, mais 10 hospitais móveis, 3 hospitais gerais, 16 UBS, 15 UPAs, CEUs, a duplicação de vias importantes e obras de drenagem...

‘Vou entregar mais do que qualquer prefeito que me antecedeu, em condições econômicas mais favoráveis’, afirma o prefeito, cobrado por jornalistas.

Não será suficiente, porém, nem se viabilizará de fato sem a contrapartida de uma ligadura histórica forte, que dê coerência, credibilidade e, sobretudo relevância a esses avanços na vida política local e nacional.

Insista-se: a candidatura Haddad não disputa apenas a prefeitura de São Paulo, mas um espaço de renascimento da agenda progressista no Brasil.

E a direita sabe disso. E sabe que precisa derrota-lo por isso.

É o poder na sociedade brasileira que está em jogo.

Sua marca, portanto, não pode ser outra exceto a redistribuição do poder político na cidade, como método e resposta à crise de identidade da própria esquerda, e resistência ao triturador instaurado pela desordem neoliberal na economia, nas referências políticas e na subjetividade social.

Não é uma panaceia. É uma disputa de poder para se ter o direito à cidade e à vida dentro dela.

Vale em ponto maior para o país e para o século 21.

Para o jogral político conservador a vontade da elite será sempre mais procedente que o discernimento popular.

Foi o que sempre norteou a vida de São Paulo, com os resultados sabidos: periferias conflagradas e classe média encapsulada no preconceito e no carro parado no trânsito.

Ser a referência de uma ruptura crível com esse cemitério da cidadania constitui a grande novidade de uma candidatura progressista empenhada, de fato, em enfrentar de maneira transparente os dilemas sociais, psicossociais, culturais, políticos e orçamentários de um adensamento urbano com mais de 12 milhões de habitantes, cerca de 6% da população do país.

Ao contrário do que apregoa o pré-candidato tucano, Dória Jr, não há ‘solução de mercado’ para os desafios contidos em uma cápsula de concreto desse calibre, permanentemente prestes a explodir.

Assim como a encruzilhada do desenvolvimento brasileiro não será superada por fórmulas fiscais rendetoras, mas sim por uma repactuação baseada em grandes acordos para emprego, salários, juros, inflação, tarifas e resultados fiscais, do mesmo modo, a luz no fim do túnel para São Paulo está na democratização das suas grandes decisões.

Haddad tem no amplo debate promovido em torno do Plano Diretor, na eleição de mais de mil representantes de bairros e no projeto de eleição direta dos sub-prefeitos das regionais, uma carteira que o credencia a ser a referência de uma nova forma de gerir São Paulo, em sintonia com a opinião de seus moradores.

Abrir canais para que moradores pobres e os da classe média possam debater problemas comuns e pactuar prioridades é a grande obra da democracia nunca antes tentada na cidade.

Difícil?

Todas as outras fracassaram.

As dimensões superlativas de São Paulo não podem ser evocadas como barreira à democratização do seu comando.

Trata-se de modular o timming das ações para discuti-las antes com a população. É um imperativo opcional à fascistização dos conflitos. Resta providenciar os meios organizativos e tecnológicos para isso.

Não estamos falando de um ponto remoto na galáxia onde se possa recomeçar do zero, mas sim de uma das maiores manchas urbanas do planeta marmorizada de desigualdade e recalques explosivos.

E da qual Fernando Haddad é o prefeito e o candidato.

As promessas do amanhã precisam provar sua pertinência agora.

Imediatamente já.

Por exemplo?

Por exemplo, negociando com os movimentos empenhados no transporte gratuito um referendo democrático para escrutinar o seu apoio e eventuais formas de financiamento.

Em entrevista recente ao jornal Valor, o prefeito informou que para atender as reivindicações do MPL, São Paulo teria de gastar R$ 8 bilhões por ano em subsídios.

Equivale à arrecadação anual de todo o IPTU recolhido em SP.

Ou quatro vezes o subsídio já oferecido (R$ 2 bilhões em 2015 para assegurar transporte gratuito a 530 mil estudantes e idosos).

O que é mais racional, levar esse debate a um escrutínio da cidadania ou transferir a sua mediação à conflagrações periódicas entre a polícia militar de Alckmin e os blacks blocs?

É só um exemplo do calibre das decisões cobradas pelo presente para o futuro da cidade, do país, da democracia e do desenvolvimento.

Confia-las aos métodos convencionais, ou às ‘soluções de mercado’ afundará São Paulo no destino que lhe reservou a elite brasileira branca e plutocrática.

Qual seja, ser um exemplo da viabilidade, replicável, de uma das mais iníquas versões do capitalismo no planeta.

Não é necessário dizer o destino correlato que esse projeto reserva às forças progressistas brasileiras.

Faltam nove meses para essa decisão.

A ver.

‘A quem serve o Banco Central?’

Carlos Eduardo


O Cafezinho

Intelectuais e lideranças da sociedade civil perguntam: O que pretende o BC com a elevação dos juros? Produzir a maior recessão da história brasileira e uma trajetória explosiva da dívida pública, gerando mais desvalorização cambial e mais pressão inflacionária? A quem isso pode interessar?

por Forum 21 e Frente Brasil Popular, no Brasil Debate

Nota de repúdio: ‘A quem serve o Banco Central?’
Intelectuais, professores universitários, jornalistas, lideranças da sociedade civil, sindicalistas e militantes políticos que compõem o Fórum 21 e a Frente Brasil Popular divulgam, nesta segunda-feira, 18/1, uma nota em repúdio à elevação da taxa de juros Selic pelo Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), anunciada para os próximos dias.

O Fórum 21 se define como espaço ecumênico e reflexão da frente democrática e progressista em formação no país, e a Frente Brasil Popular é formada por entidades tradicionais como CUT, MST, UNE, PT, PCdoB e inúmeras outras organizações do campo da esquerda unidas contra a atual ofensiva conservadora.

Segundo a nota, a elevação dos juros “nada contribui para reduzir a inflação, mas é um poderoso mecanismo de transferência de renda da parcela mais pobre e mais produtiva para a parcela mais rica e menos produtiva da população”.

Para as entidades, “uma nova rodada de aumento da taxa de juros significa que o Banco Central almeja abertamente uma contração maior da demanda, mais desemprego e mais redução do salário real médio”.

Os signatários fazem, ainda, a pergunta: O que pretende o Banco Central: produzir a maior recessão da história brasileira e uma trajetória explosiva da dívida pública, gerando mais desvalorização cambial e mais pressão inflacionária? A quem isso pode interessar?

Leia, a seguir, a íntegra:

A quem serve o Banco Central?

Nos próximos dias, os diretores do Banco Central do Brasil se reunirão para decidir sobre a taxa de juros SELIC. Diante da fragilidade da economia brasileira, essa reunião é particularmente importante e deixará claro a quem o BC serve: à população brasileira ou ao mercado financeiro.

Como a própria instituição reconhece em suas publicações, nos últimos meses houve contração da demanda agregada e aumento no desemprego no Brasil. Uma nova rodada de aumento de taxa de juros significa que o Banco Central almeja abertamente uma contração maior da demanda, mais desemprego e mais redução do salário real médio.

O patamar elevado das taxas de juros em 2014 contribuiu para a desaceleração da economia, mas o novo ciclo de elevação de juros iniciado em outubro desse ano jogou o Brasil, em 2015, em uma recessão que ainda não deu mostras de reversão. Ao mesmo tempo, a taxa de inflação aumentou por causa de eventos únicos como a desvalorização cambial e o reajuste abrupto de preços administrados, cujo impacto não vai se repetir, muito menos sobre o núcleo da inflação brasileira.

Não há qualquer pressão de demanda excessiva que exija contenção com elevações da taxa de juros. Pelo contrário, experimentamos a maior recessão desde a Grande Depressão de 1929, podendo tornar-se a mais profunda da história republicana. O aumento acelerado do desemprego inviabiliza qualquer recuperação do salário real médio, que cai há vários meses. Sob qual pretexto o BC pretende reduzir ainda mais o nível de emprego e salários, assim como os lucros de empresas especializadas na produção de bens e serviços?

Os beneficiários exclusivos do aumento de juros são os bancos e investidores financeiros, curiosamente o único grupo cujas expectativas de inflação o Banco Central se preocupa em consultar. Como não há qualquer excesso de demanda que o aumento dos juros possa conter, a determinação dos juros SELIC deixa de servir para controlar a inflação e se transforma em um instrumento para preservar juros reais elevados para os portadores de títulos financeiros.

Isso nada contribui para reduzir a inflação, mas é um poderoso mecanismo de transferência de renda da parcela mais pobre e mais produtiva para a parcela mais rica e menos produtiva da população.

A economia brasileira e as finanças públicas não suportam mais financiar a bolsa-rentista que o Banco Central insiste em oferecer. Em 2015, os juros nominais devidos pelo setor público devem alcançar cerca de R$ 500 bilhões (meio trilhão de reais!), tendo registrado pouco mais de R$ 300 bilhões em 2014. Como exemplo desta situação, vemos um corte brutal nas áreas sociais no orçamento da União.

O que pretende o Banco Central: produzir a maior recessão da história brasileira e uma trajetória explosiva da dívida pública, gerando mais desvalorização cambial e mais pressão inflacionária? A quem isso pode interessar?

É inadiável repensar o mandato do Banco Central e a porta giratória entre sua diretoria e o mercado financeiro.

Diante disso, o Fórum 21 vem a público denunciar a gravidade da situação econômica brasileira e a irresponsabilidade da política monetária do Banco Central do Brasil, reivindicando a redução urgente da taxa de juros SELIC.

quinta-feira, janeiro 14, 2016

Santayana: Se não se convocar a razão e o bom senso, o Brasil pós-batalha sem limites do PSDB para aniquilar o PT terá a cara de Moro e Bolsonaro

O diabo e a garrafa. Os riscos da ascensão da antipolítica

Se não se convocar a razão e o bom senso para reagir ao que está acontecendo, e se estabelecer um patamar mínimo de normalidade político-institucional, restará o confronto, o arbítrio e o caos

Mauro Santayana, na Rede Brasil Atual, via seu blog

(Rede Brasil Atual) – Em pleno processo de impeachment, e de julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), das ações envolvendo a chapa vitoriosa nas últimas eleições, a situação da República tem sido marcada pela espetacularização de um permanente “pega para capar” jurídico-policial, a ascensão da “antipolítica”, o aprofundamento da radicalização e a fascistização do país.

Políticos e empresários têm sido presos – muitos por ilações frágeis ou exagerado rigor cautelar –, enquanto outros homens públicos e bandidos e delatores premiados apanhados com milhões de dólares na Suíça circulam livremente ou estão em prisão domiciliar.

Milhares de brasileiros acreditam piamente que o Brasil é um país quebrado e destruído, quando temos as sextas maiores reservas internacionais do mundo e somos o terceiro maior credor individual externo dos Estados Unidos.

Que um perigoso “bolivarianismo” pretende implementar uma ditadura de esquerda na América Latina, quando, seguindo os ritos democráticos normais, e sob amplo acompanhamento de observadores internacionais, a oposição liberal acaba de ganhar, pelo voto, as eleições na Venezuela e na Argentina.

Que o Brasil é um país comunista quando pagamos juros altíssimos, e somos, historicamente, dominados, na economia e na política, por um dos mais poderosos sistemas financeiros do mundo, pelo agronegócio e o latifúndio, por bancos e empresas multinacionais.

Discutindo na mesa de pôquer da sala de jogos do Titanic, envolvidos por suas disputas, e por uma rápida sucessão de fatos e acontecimentos, que têm cada vez mais dificuldade em digerir e acompanhar, os homens públicos brasileiros ainda não entenderam que a criminalização da política, criada por eles mesmos, como parte de uma encarniçada e deletéria disputa pelo poder, há muito extrapolou o meio político tradicional, espalhando-se, como o diabo que escapa da garrafa, como uma peste pela sociedade brasileira, na forma de uma profunda ojeriza, preconceito e desqualificação do sistema político, e daqueles que disputam e detêm o voto popular.

Se não se convocar a razão e o bom senso, para reagir ao que está acontecendo, e se estabelecer um patamar mínimo de normalidade político-institucional, tudo o que restará será o confronto, o arbítrio e o caos.

Está muito enganado quem acha que o mero impedimento de Dilma Rousseff resolverá a questão.

No final da década de 20, os judeus conservadores comemoravam, da varanda de suas mansões, na Alemanha, o espancamento, nas ruas, de esquerdistas e socialistas, pelos guardas de grupos paramilitares nazistas como as SS e as SA, e se regozijavam, em seu íntimo, por eles os estarem livrando da ameaça bolchevista.

Depois também viram passivamente – achando que estariam resguardados por suas fortunas – passar sob suas janelas, as filas de operários e pequenos comerciantes judeus a caminho dos campos de concentração – até chegar a sua vez de ocupar, como sardinhas em uma lata, o seu lugar nas câmaras de gás.

Poucas vezes, na história, o efeito bumerangue costuma poupar aqueles que, como aprendizes de feiticeiro, se atrevem a cutucar o que está dentro da caixa de Pandora.

Depois de Dilma e do PT, seria a vez de Temer, e depois de Temer virão os outros – todos os partidos e lideranças que tenham alguma possibilidade de alcançar o poder, por via normal.

Parafraseando Milton Nascimento, na política brasileira “nada será como antes amanhã”.

O Brasil que se seguirá à batalha sem quartel e sem piedade, levada a cabo pela oposição nos últimos anos e meses tendo como fim a destruição e total aniquilamento do PT – cujas principais vítimas não serão esse partido, mas o Estado de Direito, o presidencialismo de coalizão, a governabilidade e a própria Democracia – não terá a cara do Brasil do PSDB de Serra, de Aécio, ou de FHC, mas, sim, a de Moro e a de Bolsonaro.

A do messianismo, da vaidade, da onipotência e do imponderável, e a do oportunismo e do fascismo – e aqui não nos referimos ao velho fascio italiano – em seu estado mais puro, ensandecido e visceral.

Psol: Dilma veta auditoria da dívida pública com participação da sociedade civil

Viomundo

Decisão prejudica a transparência de gasto que consome mais de 40% do orçamento federal e já chegou, em 1 de dezembro de 2015, a R$ 958 bilhões

da Assessoria da Liderança do Psol na Câmara dos Deputados

Hoje, 14 de janeiro de 2016, o Diário Oficial da União (Seção 1, página 9), divulgou o veto da Presidência da República à realização de auditoria da dívida pública com participação de entidades da sociedade civil, no âmbito do Ministério da Fazenda. Essa auditoria havia sido incluída no Plano Plurianual (PPA 2016-2019), por meio de emenda do Deputado Edmilson Rodrigues (PSOL/PA), acatada pela Comissão de Finanças e Tributação, que é o principal órgão colegiado da Câmara dos Deputados sobre o orçamento público.

Em sua justificativa, o governo diz:

“O conceito de dívida pública abrange obrigações do conjunto do setor público não financeiro, incluindo União, Estados, Distrito Federal e Municípios e suas respectivas estatais. Assim, a forma abrangente prevista na iniciativa poderia resultar em confronto com o pacto federativo garantido pela Constituição. Além disso, a gestão da dívida pública federal é realizada pela Secretaria do Tesouro Nacional e as informações relativas à sua contratação, composição e custo, são ampla e periodicamente divulgadas por meio de relatórios desse órgão e do Banco Central do Brasil, garantindo transparência e controle social. Ocorrem, ainda, auditorias internas e externas regulares realizadas pela Controladoria Geral da União e pelo Tribunal de Contas da União”.

Tais justificativas não se sustentam. A dívida dos entes federados está profundamente relacionada com o governo federal, sendo que este último é justamente quem cobra a maioria destas dívidas, que precisam ser urgentemente auditadas, e tem causado sérios danos às finanças de estados e municípios.

SEM TRANSPARÊNCIA

Além do mais, não há transparência sobre diversos aspectos do endividamento, a começar pelos próprios beneficiários desta dívida, cujos nomes são considerados como sigilosos pelo governo, apesar de se tratar de recursos públicos. A recente CPI da Dívida, realizada na Câmara dos Deputados (2009/2010), teve diversas informações e documentos não fornecidos pelos órgãos do governo.

O gasto com juros e amortizações da dívida pública federal atingiu em 2015 (apenas até 1/12/2015) o valor de R$ 958 bilhões, dos quais grande parte decorre de cobertura de gastos feitos pelo Banco Central com, por exemplo, Operações de Mercado Aberto e de Swap Cambial, da ordem de centenas de bilhões de reais. Não há transparência sobre tais operações, seus beneficiários, e suas reais necessidades para o país, conforme pode ser verificado no artigo “O Banco Central está suicidando o Brasil”, de Maria Lucia Fattorelli.

Destaca-se também a falta de transparência e discussão com a sociedade sobre a real necessidade das altíssimas taxas de juros, responsáveis pelo crescimento da dívida pública e pelo expressivo aumento dos gastos do Tesouro com a dívida. A justificativa de “controle da inflação” não tem se confirmado na prática, dado que a alta de preços não tem sido causada, preponderantemente, por um suposto excesso de demanda, mas sim, por preços administrados pelo próprio governo, como energia, combustíveis, transporte público, planos de saúde, e pela alta de alimentos, em um contexto no qual é priorizada a agricultura para exportação.

Ressalta-se também a importância de se auditar a origem do endividamento atual, desde o Regime Militar, cuja documentação requerida pela CPI da Dívida Pública da Câmara dos Deputados (2009-2010), em grande parte, não foi fornecida pelo Banco Central, a exemplo de contratos de endividamento externo, e valores devidos externamente pelo setor privado assumidos pelo setor público.

A participação de entidades da sociedade civil é fundamental para o processo de auditoria, a exemplo do ocorrido recentemente no Equador, quando a Comisión para la Auditoria Integral del Credito Publico (CAIC), com a colaboração da sociedade civil, permitiu a investigação dos crimes da ditadura, e a consequente anulação de 70% da dívida externa com bancos privados internacionais.

A Auditoria da Dívida Pública no Brasil está prevista na Constituição Federal – na forma de uma Comissão Mista de deputados e senadores – e deveria representar um procedimento normal, com vistas à transparência dos gastos públicos. Portanto, a inclusão da referida iniciativa no âmbito do Ministério da Fazenda, apesar de ainda não representar o cumprimento da Constituição, seria de grande valia para a transparência do maior gasto federal.

Desta forma, garantir-se-ia a ampla discussão com a sociedade sobre a alocação de centenas de bilhões de reais, sendo injustificável o veto de dispositivo que apenas visa garantir maior transparência aos gastos públicos, e aperfeiçoar a gestão do endividamento.

O Banco Central está “suicidando” o Brasil

Maria Lucia Fattorelli

Sob o argumento de “controlar a inflação”, o Banco Central do Brasil tem aplicado uma política monetária fundada em dois pilares: adoção de juros elevados e redução da base monetária, que corresponde ao volume de moeda em circulação. Na prática, tais instrumentos têm se mostrado um completo fracasso.

Além de não controlar a inflação, os juros elevados têm afetado negativamente não só a economia pública – provocando o crescimento exponencial da dívida pública, que exige crescentes cortes em investimentos essenciais –, mas também têm afetado negativamente a indústria, o comércio e a geração de empregos. Por sua vez, a redução da base monetária utiliza mecanismos que enxugam cerca de R$ 1 trilhão dos bancos, instituindo cenário de profunda escassez de recursos, o que acirra a elevação das taxas de juros de mercado e empurra o país para uma profunda crise socioeconômica.

Segundo o famoso economista inglês Thomas Piketty, seria um suicídio deixar de utilizar, em momentos de crise, o instrumento de emissão de moeda e a prática de juros baixos. No Brasil, o Banco Central tem feito o contrário e, adicionalmente, ainda alimenta o mercado com ração muito cara: operações de swap cambial que têm gerado centenas de bilhões de reais de prejuízos que são pagos à custa de emissão de mais títulos da dívida pública!

Até quando nosso rico país, marcado pela abundância em todos os aspectos, ficará submetido aos que usufruem e abusam do cenário de escassez?

O Banco Central pratica uma política suicida, como escreveu Piketty em É possível salvar a Europa?: “O poder infinito de criação monetária, detido pelos bancos centrais, sem dúvida deve ser seriamente limitado. Entretanto, diante de grandes crises, abrir mão de tal instrumento e do papel essencial de credor de última instância seria um suicídio”. Essa afirmação de Piketty decorre de observação baseada em fatos também expostos em seu livro, e que merecem ser destacados: “Os Estados Unidos, o Reino Unido e o Japão estão mais endividados ainda (com respectivamente 100%, 80% e 200% do PIB em dívida pública, contra 80% na zona do euro), mas não conhecem a crise da dívida. E por uma razão muito simples: o Federal Reserve americano, o Banco da Inglaterra e o Banco do Japão emprestam a seus respectivos governos a taxas baixas – menos de 2% –, o que permite acalmar os mercados e estabilizar suas taxas de juros. Em comparação, o Banco Central Europeu (BCE) emprestou muito pouco aos Estados da zona do euro, daí a crise”. Diante disso, alguém poderia avisar a Alexandre Tombini e cia. que a política monetária adotada por eles está “suicidando” o Brasil?

O Banco Central, administrado por Tombini, não só abriu mão do instrumento de emitir moeda como tem enxugado todo e qualquer volume de moeda que ultrapassa os míseros 5% do PIB. Na última semana de 2015, quando o Tesouro Nacional efetuou o pagamento das chamadas “pedaladas fiscais” e injetou dezenas de bilhões de reais no sistema bancário, o que fez o Banco Central? Retirou mais de R$ 40 bilhões de circulação, enxugando esse volume de moeda dos bancos e entregando-lhes títulos da dívida pública, pelos quais se pagam as mais altas taxas de juros do mundo! Esse tipo de operação é chamado de “compromissada ” ou “de mercado aberto”, e atinge volume escandaloso de aproximadamente R$ 1 trilhão! E mais: os juros dessas operações são pagos em dinheiro vivo, obtido por meio do rigoroso ajuste fiscal que vem exigindo aumento de tributos sobre a classe trabalhadora e os mais pobres, além de cortes de investimentos essenciais em todas as áreas orçamentárias – exceto a financeira, que abastece os bancos nacionais e estrangeiros.

O resultado dessa operação é extremamente danoso ao país, pois provoca aumento da dívida pública sem contrapartida alguma, gerando obrigação de pagar elevados juros além de esterilizar recursos no Banco Central e amarrar o país. A título de exemplo, esses R$ 40 bilhões enxugados pelo Banco Central recentemente poderiam estar sendo empregados para solucionar as crises da saúde, da educação, da assistência social, das estradas assassinas..., mas foram retidos, somando-se a quase R$ 1 trilhão estocado e regiamente remunerado!

Mas o dano de tal operação não para por aí. À medida que o Banco Central retira a moeda dos bancos e lhes entrega títulos da dívida pública, ele não só esteriliza os recursos que deveriam irrigar a economia nacional, mas impede que os bancos reduzam as taxas de juros cobradas da população e de empresas. Imaginem o que significaria para o país esse volume de quase R$ 1 trilhão no caixa dos bancos. Evidentemente, eles não deixariam esse dinheiro parado, sem render. O óbvio seria destinar esses recursos para empréstimos à sociedade, aumentando a oferta, o que sem sombra de dúvida provocaria uma forte queda nas taxas de juros. Os bancos entrariam em competição para oferecer taxas menores a pessoas e empresas, o que levaria a uma redução ainda maior nas escorchantes taxas cobradas pelo setor financeiro no Brasil, que chegaram a 415% ao ano em 2015, com anúncio de que vão subir ainda mais em 2016 ! Mas a atuação do Banco Central impede que os bancos fiquem pressionados pela sobra de caixa e tenham de baixar os juros. Ao contrário: garante-lhes generosa e segura remuneração, trocando a sobra de caixa por títulos da dívida pública, sem risco algum.

A justificativa que tem sido dada para essa atuação é o “combate à inflação”, o que não se aplica, pois o tipo de inflação que temos no Brasil decorre do abusivo aumento de preços administrados e alimentos: temos a energia mais cara do mundo, a telefonia mais cara do mundo e a gasolina mais cara do mundo; tarifas de transporte público e bancárias exorbitantes, e o preço de alguns alimentos tem impactado na inflação devido à sazonalidade e aos históricos equívocos da política agrícola nacional, que privilegia investimento no agronegócio voltado à exportação de commodities e não à produção de alimentos. Em nenhum desses casos o aumento de juros ou a redução da base monetária exerce qualquer influência.

A política adotada pelo Banco Central, com a desculpa de controlar a inflação, tem se mostrado fracassada e lesiva ao país e à sociedade

As operações “compromissadas” ou “de mercado aberto” têm efeito contrário ao indicado por Piketty. Cabe ressaltar que nos países onde bancos centrais agiram em favor das finanças nacionais, irrigaram as economias com moeda e estabilizaram as taxas de juros, emprestando a seus respectivos governos a taxas baixas (2% ao ano ou até menos), a crise tem sido controlada. É o caso dos Estados Unidos, do Reino Unido e do Japão, onde a base monetária – que corresponde ao volume de moeda em circulação no país – alcança 40%! No Brasil, além de manter a base monetária ridiculamente baixa (em torno de apenas 5% do PIB), o Banco Central incentiva a prática das taxas de juros mais elevadas do planeta Terra – a taxa básica está atualmente em 14,25%, mas o Banco Central tem leiloado títulos a taxas bem superiores, que ultrapassam 16% – e anuncia que deverá subir ainda mais em 2016.

Vivemos uma verdadeira ciranda financeira no Brasil. Em um dos países mais ricos do mundo faltam recursos para áreas essenciais, como educação, saúde, saneamento básico e infraestrutura, mas não faltam recursos para os abundantes juros que tornam o país o local mais lucrativo do mundo para os bancos, mas asfixiam a indústria, o comércio e, logicamente, extinguem empregos e aprofundam injustiças.

Nada de discussão se existem recursos orçamentários para pagar os elevados juros incidentes sobre os títulos da dívida pública, nem sequer preocupação acerca de onde virão os recursos. As limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal não se aplicam à “política monetária”. Ou seja, se os recursos existentes no orçamento federal não são suficientes para pagar juros, são emitidos novos títulos da dívida e esses são utilizados para pagar juros. Isso mesmo: estamos emitindo títulos para pagar grande parte dos juros nominais incidentes sobre a dívida pública, o que fere o artigo 167 da Constituição Federal, que proíbe a contratação de dívida para pagar despesas correntes. E juros são despesas correntes, como salários, despesas de manutenção e demais despesas de custeio que se consomem durante o ano e não se caracterizam como investimentos. E, se a política monetária gera prejuízo para o Banco Central, tal prejuízo é transferido para o Tesouro Nacional e gera a emissão de mais dívida ainda, como o escandaloso prejuízo de R$ 147,7 bilhões em 2009, por exemplo.

Além dessa inaceitável aberração, o Banco Central tem acumulado prejuízos bilionários em questionáveis operações de swap cambial: no período de setembro de 2014 a setembro de 2015, os resultados negativos somaram R$ 207 bilhões. Nesse caso do swap cambial, o Banco Central entende que deve atuar para conter a procura por dólares, alegando que ela poderia provocar inflação. Assim, oferece contratos de swap cambial que, na prática, correspondem à garantia da variação da cotação do dólar. A perda bilionária tem sido transferida para a conta dos juros da dívida e, consequentemente, para o seu estoque, já que os juros têm sido pagos mediante a emissão de nova dívida. Os bancos privados lucram e o país registra a dívida, apesar de não ter recebido nem um centavo sequer.

Não há a menor transparência acerca de quem são os beneficiários dessas operações de swap cambial ou as de mercado aberto. Operações feitas por instituição pública, com dinheiro público, produzindo centenas de bilhões de prejuízos que são arcados pelo público, mas os beneficiários e as condições contratadas são “sigilosas”...

É evidente que a política monetária adotada pelo Banco Central, com a desculpa de controlar a inflação, tem se mostrado completamente fracassada e lesiva ao país e à sociedade, pois a prática de juros altos não tem controlado a inflação, que já atinge dois dígitos, mas tem provocado dano irreparável às finanças públicas, à indústria nacional, ao comércio e às pessoas que dependem de crédito. Além disso, as operações de mercado aberto não têm servido para controlar a inflação, mas têm provocado insana redução da base monetária, garantindo exagerada remuneração aos bancos, incentivando a elevação das taxas de juro de mercado com impactos danosos às finanças públicas, à indústria nacional, ao comércio e às pessoas que dependem de crédito.

As operações de swap cambial também não têm servido para controlar a elevação do dólar e da inflação, prestando-se a gerar prejuízos de centenas de bilhões de reais que têm sido transferidos para o conjunto da sociedade por meio da dívida pública, que em seguida exige rigoroso ajuste fiscal para o pagamento de seus elevados juros e encargos. E, por fim, os principais pilares da política monetária – juros elevados e redução da base monetária – têm provocado aumento acelerado da dívida pública e exigido elevado volume de recursos para o pagamento de seu serviço, comprometendo as finanças públicas atuais e as gerações futuras.

Tudo isso ocorre devido à atuação do Banco Central, a serviço do setor financeiro nacional e internacional, subserviente à influência dos bancos e organismos internacionais – FMI e Banco Mundial – que querem ainda mais: exigem mandato para diretores do Banco Central, como uma política monetária objetiva, independente do governo. Querem tornar eterna, imutável e definitiva essa política monetária que “suicida” o Brasil e transfere vultosos recursos para o setor financeiro privado, garantindo-lhes lucros escorchantes e crescentes, saindo de quase R$ 10 bilhões em 2000 para cerca de R$ 80 bilhões em 2014 – e em 2015, apesar da crise, o lucro dos bancos bateu novos recordes!

Enquanto os bancos lucram assim, todos nós pagamos a estratosférica conta da elevada carga tributária sem o devido retorno, entregamos continuamente patrimônio público estratégico, além de conviver com as inaceitáveis injustiças sociais vigentes em nosso potencialmente rico país.

Até quando nosso rico país, marcado pela abundância em todos os aspectos, ficará submetido aos que usufruem e abusam do cenário de escassez? Até quando o Banco Central ficará à vontade para transferir centenas de bilhões de prejuízos para todos nós, enquanto garante os maiores ganhos do mundo para os bancos privados?

Maria Lucia Fattorelli é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.

quarta-feira, janeiro 06, 2016

A quem interessa atrasar os programas estratégicos brasileiros?

por Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, no Viomundo

Em 14 de junho de 2012 foram comemorados os trinta anos do fim da Guerra das Malvinas entre o Reino Unido e a República Argentina, que, como todos sabem, terminou com a rendição dos soldados argentinos em Porto Stanley.

Foi a primeira “guerra tecnológica” e precedeu outra, a Guerra do Golfo, onde os artefatos high-tech puderam ser demonstrados aos olhos do mundo e em tempo real.

Para nós, brasileiros, as lições mais importantes do conflito, além de testemunhar o heroísmo dos soldados portenhos e principalmente de seus pilotos de caça, foram: os Estados Unidos (e de resto a Europa) se alinham automaticamente aos seus e um submarino de propulsão nuclear deixa fora de ação toda uma esquadra convencional.

Um pouco antes, a Marinha do Brasil já ensaiava os primeiros passos buscando o domínio do ciclo atômico, com os Almirantes Maximiano da Fonseca, Mário Cezar Flores, Álvaro Alberto e, principalmente, o Vice-Almirante Dr. Othon Luiz Pinheiro da Silva.

Para um país de larga extensão costeira, fica claro que a estratégia baseada na dissuasão é a mais eficaz. Os primeiros submarinos da esquadra foram adquiridos em 1914 de procedência italiana. A tradição de construção de navios em nossas terras vem antes de 1808, com a chegada de D. João VI e nunca foi interrompida, apesar dos altos e baixos.

Hoje, o país pode se orgulhar de dominar a sensível tecnologia da construção de submarinos ou submersíveis, adquirida da Alemanha. Mais recentemente, um acordo estratégico assinado com os franceses deu um passo além: a aquisição de tecnologia para projetar submarinos, que ao final, capacitará o país a lançar o seu primeiro submarino de propulsão nuclear.

Um submarino convencional é movido a motor diesel e baterias. Segundo o Contra-Almirante Othon tal embarcação não passa de um jacaré ou uma foca, fácil de ser abatida. A explicação é simples. Para submergir, os motores precisam ser desligados, pois produzem gás, que não teria como ser expelido devido a maior pressão.

Então, o tempo que um submarino convencional pode ficar escondido (stealth) é o tempo de duração de suas baterias, uns poucos dias. Ao subir à superfície, para recarregar as baterias e o ar, pode ser facilmente abatido, pois, além disso, é muito lento.

Um submarino de propulsão nuclear pode ficar meses embaixo da água, o tempo que os seus tripulantes aguentarem sem sofrer um colapso nervoso. É muito mais rápido, devido ao seu propulsor, um reator atômico, que utiliza urânio enriquecido a 20%, o U-235.

Fica clara a opção escolhida pelos que pensaram a Estratégia Nacional de Defesa (que não pode ser separada da Estratégia Nacional de Desenvolvimento).

Somente cinco países constroem submarinos com propulsão nuclear: Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia, todos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.

Apenas três países dominam todo o ciclo do combustível atômico e possuem reservas de urânio: os Estados Unidos, a Rússia e o Brasil.

Nosso país tem mais de 300 mil toneladas de urânio em suas jazidas, sendo que somente um terço delas foi prospectada. O consumo hoje é de mil toneladas/ano, o que seria suficiente para mais de 300 anos de fornecimento.

O Brasil na década de 80 assinou um tratado de salvaguardas com seu vizinho argentino. Foi um tratado equilibrado, pois previa reciprocidade. Muitos anos depois, foi obrigado a assinar um tratado de não proliferação nuclear, no final do governo de Fernando Henrique, visivelmente desequilibrado, pois só previu obrigações para o lado brasileiro, sem nenhuma contrapartida das grandes potências.

Tentam fazer que o país assine um “protocolo adicional” que pode significar que o país abra sua tecnologia nuclear aos estrangeiros. Nenhum país do mundo fornece ou vende tecnologia nuclear sensível, como ficou claro no acordo nuclear Brasil-Alemanha na década de 70 do século passado, aliás, ainda em vigor.

Por tudo isso, soa muito estranha a prisão do Vice-Almirante R1 Othon Luiz, ocorrida na chamada 16a fase da Operação Lava Jato, por supostos recebimentos de 4,5 milhões de reais, na construção da Usina Angra 3.

Othon já foi investigado pelas próprias Forças Armadas e foi inocentado na década de 90, sendo certo que diversos comandantes militares não simpatizavam com seus projetos ou seus métodos.

Some-se a isto, a campanha contra a Petrobrás, que estava em franca expansão com as descobertas do Pré-sal, bem como a prisão do Presidente da Odebrecht.

O desenvolvimento do reator que equipará o subnuc brasileiro vai sofrer atrasos e os vinte técnicos terão que ser remanejados com o contingenciamento das verbas, devido a intensa campanha da mídia, que acompanha o desenrolar da Operação Lava Jato.

O projeto do VLS (veículo lançador de satélites) vem sofrendo constantes abalos e até suspeita de sabotagem. O moderno avião transporte de cargas e tropas, o KC-390 da Embraer, também sofrerá atrasos, devido ao ajuste fiscal do governo Dilma.

É inconcebível que um suposto combate à corrupção possa conduzir ao desmonte em programas estratégicos da nação. Seria até risível se pensar que americanos, russos ou franceses encarcerariam seus heróis, seus cientistas mais proeminentes, ainda que acusados de supostos desvios.

Portanto, somente aos estrangeiros ou seus prepostos no país, pode interessar o atraso ou o fim dos programas estratégicos brasileiros. É mais que hora de uma intervenção do governo ou, no mínimo, uma supervisão bem próxima da nossa Contra Inteligência para a verificação do que realmente está por trás das investigações da PF (FBI? CIA?), MPF e dos processos a cargo da 13a Vara Federal de Curitiba.

Narciso Alvarenga Monteiro de Castro é Juiz de Direito do TJMG

Porque a mídia internacional e os EUA protegem a Arábia Saudita?


http://estrategiaglobal.org/?p=39

Notícia de 5 de junho de 2015 da Agência EFE, publicada no Brasil pelo site R7(1) e pelo UOL, diz: “Israel e Arábia Saudita, dois países que não mantêm relações diplomáticas, se reuniram em segredo em cinco ocasiões para conversar sobre o Irã, um país que ambos acreditam representar uma ameaça regional e que está a ponto de fechar um acordo nuclear com a comunidade internacional, informou nesta sexta-feira o jornal israelense “Jerusalem Post”

Uma apuração jornalística mínima questionaria o fato de que Israel e Arábia Saudita “não mantêm relações diplomáticas”, pelo menos caracterizaria estas como “não oficiais”. Pois, se os dois países são os maiores aliados dos EUA na região, especialmente militarmente, muito tem em comum. No entanto, há uma diferença fundamental na exposição midiática ocidental entre os dois países.

Israel é retratado, pela mídia corporativa, como o paladino da justiça e a “única democracia do Oriente Médio”, abundam reportagens elogiosas sobre a “terra santa”. Por outro lado, a Arábia Saudita simplesmente não aparece na imprensa apesar dos seus inúmeros crimes, violações de direitos de minorias e todo tipo de agressão.

Não há questionamentos a violência do regime, uma monarquia absolutista teocrática, na qual não existem as tão propagadas liberdades pelas quais EUA e OTAN dizem proteger: não há liberdade religiosa, liberdade de expressão, liberdade de imprensa ou qualquer tipo de liberdade política, é proibido se criar partidos, sequer pleitear umas dessas liberdades é permitido. No entanto, a liberdade de mercado passa bem (outra prova que liberalismo econômico convive muito bem com governo autocrático, no melhor estilo Pinochet). Na Arábia Saudita, as mulheres são cidadãos de segunda classe, proibidas de dirigir carros mas também a própria vida, tendo que se submeter sempre a vontade de um homem, o pai ou irmão e depois o marido. Com frequência a repressão saudita, fruta de uma interpretação exclusivista do Islã, o salafismo, é deliberadamente confundida como todo ou com a maioria dos muçulmanos. O código civil saudita inclui chibatadas como punição para diversos delitos, nesse ano um anúncio para vaga de carrasco decapitador chamou a atenção do mundo, mas o caso foi tratado como algo exótico e inusitado pela mídia corporativa global, e não como mais um elemento de uma tirania sanguinária. (2)

Talvez a repressão interna e toda a violência do regime não sejam mesmo dignos de nota para os mercadores de notícia. A atuação externa deveria, uma vez que ela extrapola as fronteiras do reino, chamar a atenção e ser digna de contunde crítica. Somente nessa década de 2010 são muitas as ações da Casa de Saud, a família real que domina o país com mão de ferro, contra diferente povos:

– a dita “Primavera Árabe” encontra nos sauditas seu inverno. O ditador da Tunísia, Ben Ali, depois de ser enxotado pelo povo em 2011 não teve que responder pelos seus crimes, pois foi, e ainda é, abrigado pelo reino. Todos os pedidos de extradição feitos pelos tunisianos são negados.

– Em fevereiro do mesmo 2011, A monarquia absolutista do Bahrein, praticamente um protetorado saudita, reprimiu brutalmente as manifestações no país, utilizando armas, tanques e tropas da Arábia Saudita.

– O ditador do Egito, Hosni Mubarak, era um aliado de longa data dos sauditas, cujo não apoio do governo Obama a sua permanência foi sentido pelo reino. O golpe militar de julho de 2013 que depôs o presidente democraticamente eleito, Mosni, foi , e continua sendo, apoiado pela casa de Saud.

– Em 2013, um atentado destruiu a embaixada do Irã, em Beirute, no Líbano, matando mais de 40 pessoas e ferindo outras 500. Os autores continuam nebulosos, as motivações nem tanto.(3)

– Se são óbvias as relações entre o reino e Al Qaeda, da poderosa família Bin Laden, quanto tempo demorará para ficar evidente os laços entre os sauditas e ISIS? Possuem a mesma ideologia, wabbismo, a mesma interpretação sobre o islã e os mesmo inimigos. A prova mais cabal da mentira que é a “Guerra ao Terror” é a ligação entre os decapitadores que infestam a Síria e o Iraque como o decapitadores de Riad. (4)

– Quando uma revolta popular derrubou o ditador do Iêmem, a Arábia Saudita iniciou uma campanha militar contra o país mais pobre da região. Destruindo e matando a já combalida nação, em nome de mais um fantoche. Já são mais de dois mil mortos.

– Como se não bastasse toda a violência praticada na região, contra populações vizinhas, a Arábia Saudita resolveu atacar populações de todo o planeta ao abaixar artificialmente o preço do petróleo. Da Venezuela a Moscou, do Equador a Argélia, de Teerã a Angola todos sofrem com a ação saudita. Inclui-se aí o Brasil, em particular o Rio de Janeiro, onde a crise econômica foi severamente agravada pelo movimento saudita. A queda das ações da Petrobras passa pela baixa do preço do óleo, mas evidentemente isso é um dado menor para a mídia obcecada pelas denúncias de corrupção. Nota-se que os mais prejudicados são países que se opõe a hegemonia americana, no entanto até os EUA estão sendo afetados com a falência da sua ainda incipiente indústria de extração de xisto. (5)

Internamente repressão brutal contra as tão queridas liberdades, regionalmente uma fonte de desestabilização e no plano internacional uma guerra econômica que prejudica a vida de povos de diferentes países. Esse cenário deveria levar as várias análises criticas por parte de uma imprensa auto-intulada “livre” com relação ao país, evidentemente isso não ocorre, tais análises são reservadas a outras nações. Todo o cinismo dos analistas ocidentais, o comprometimento dos interesses da mídia corporativa é revelado pelo silêncio cúmplice com as práticas da tirania saudita.

O papel dos meios de comunicação na criação do imaginário é conhecido, especialmente sua capacidade de gerar sentimentos de rejeição e medo. A Guerra ao Terror é o exemplo cabal no nosso tempo. Se houvesse algum sentido, que não provocar pânico, a Arábia Saudita seria pauta principal de todos os jornais, todos os dias. No entanto, a narrativa oficial classifica, rotula, ataca, clamando por uma guerra contra o Irã. Comparando os dois países: no Irã há direitos para as mulheres (divórcio, por exemplo) liberdade religiosa (há cerca de dez mil judeus no Irã), sunitas vivem harmoniosamente com a maioria Xiita; o Irã não bombardeou nenhuma nação, nem interferiu na soberania alheia. Apesar de não realizar nenhum tipo de ação contra o ocidente, a República Islâmica sofre com as brutais as sanções impostas por uma guerra econômica a partir de Washington.

Embora nada indique que o Irã tenha a bomba atômica, seria muito justo, diante do estado beligerante do Ocidente e dos sauditas contra a nação. Cabe a pergunta: será que Riad, tão agressiva, não está sim desenvolvendo uma bomba atômica? Retomando a discreta reportagem do “encontro secreto entre Israel e Arábia Saudita”, sabe-se que Israel tem, não será esse o objetivo dos sauditas com a aproximação? Novamente, em um movimento muito suspeito de dois aliados dos EUA quem é tratado como vilão é… o Irã.

Pela vontade de gerar medo, o Irã não sai dos jornais; pelo desejo de se fazer a guerra, a Arábia Saudita não aparece neles.



http://noticias.r7.com/internacional/israel-e-arabia-saudita-se-reuniram-em-segredo-para-tratar-do-ira-05062015
http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,arabia-saudita-abre-oito-vagas-para-carrascos,1689768
http://english.al-akhbar.com/node/16845
http://www.911hardfacts.com/report_19.htm
http://www.cartacapital.com.br/internacional/o-petroleo-despenca-e-a-arabia-saudita-sorri-3244.html

terça-feira, janeiro 05, 2016

Uma conversa interditada: o país que o Brasil poderia ser

Uma conversa interditada: o país que o Brasil poderia ser
Em seu primeiro artigo em 2016, FHC conseguiu sepultar a América Latina em uma crise 'terminal', sem dedicar uma única linha à crise global.


por: Saul Leblon

Carta Maior

O hiato da passagem de ano, quando a sociedade se recolhe e o Estado Midiático opera a meia fase, produz um ensaio de desintoxicação que desnuda a asfixia da norma.

A norma é o agendamento diuturno da sociedade por interesses unilaterais que se apresentam como os de toda a nação.

O objetivo da parte que se avoca em expressão do todo é claro: interditar a conversa urgente da população brasileira com ela mesma.

Trata-se e barrar adesões à insurgência contida na interrogação: como se faz o país que o Brasil poderia ser, mas ainda não é?


O monólogo do enredo conservador impõem-se como o garrote vil do discernimento popular.

Desmoralizar partidos (não raro com a ajuda dos mesmos) é um dos seus ferrolhos.

Espetar o carimbo da ‘disfuncionalidade populista’ em tudo o que não for ‘mercado’, outro.

Dissociar os desafios nacionais do neoliberalismo global em pane, a engrenagem mestra do conjunto.

Nada disso se faz sem a mídia azeitada, sistematicamente abastecida de insumos condizentes.

Em seu primeiro artigo em 2016, publicado neste domingo, o tucano Fernando Henrique Cardoso, brindou-nos com proficiente radiografia do que classifica como colapso do bolivarianismo na América Latina.

‘Este populismo começa a se desfazer. São sinais promissores’, desancou alvejando regimes ‘anticapitalistas e anti-norteamericanos’.

‘A confusão entre populismo e políticas “de esquerda”, pontificou o paladino das privatizações, ‘baseia-se em um equívoco: o de que são “progressistas” medidas que propiciam melhoria imediata das condições de vida, mesmo sem condição de se manter no tempo’.

‘Sem o charme do populismo mais vigoroso e com o Tesouro vazio, como manter a “hegemonia” do PT? Impossível’, ejaculou, algo precocemente, para encerrar sua mensagem às tropas aliadas do golpismo e da vigarice:

‘Comecemos 2016 com ânimo, imaginando que pelo melhor meio disponível (renúncia, retomada da liderança presidencial em novas bases, ou, sendo inevitável, impeachment ou nulidade das eleições) encontraremos os caminhos da coesão nacional’.

O lince da sociologia da dependência conseguiu sepultar a AL em uma crise ‘terminal’, sem dedicar uma única linha causal ao entorno.

Ou seja, o mundo exaurido pela entropia dos livres mercados, aqui vendidos como alternativa ao ‘desastre petista’.

A singela omissão ao capitalismo realmente existente seria retificada pelos fatos no dia seguinte.

Nesta 2ª feira, um jornalismo useiro e vezeiro em vender a ideia de um Brasil-ilha-de crise (cercado-de-prosperidade-por-todos-os-lados), acordou sobressaltado com o estrondo na porta das redações.

Era o despencar de 7% da bolsa chinesa, associado a uma desvalorização recorde do yuan, mais um pico de baixa das encomendas à indústria norte-americana, que teve em dezembro a maior queda em seis anos, combinada à estagnação das exportações da maior economia da terra.

Peculiaridades locais à parte, o pano de fundo é a mais longa convalescença de uma crise capitalista desde 1929.

A impulsioná-la, uma demanda global estrangulada por empregos tíbios, classe média em decadência e ensaios de novas bolhas especulativas por todos os lados, fruto de um capital parasitário que se autovaloriza sem agregar riqueza à economia real.

‘Não me passou’, poderia dizer o tucano detentor da mais alta patente intelectual da direita brasileira.

Seu ego não o permite e nenhum colunista isento irá cobrá-lo.

Une-os o mesmo diagnóstico conveniente à elite e ao holerite.

Não debater a fundo a encruzilhada do desenvolvimento brasileiro reduz uma transição de ciclo econômico a um desastre petista, que a volta do PSDB cuidará de reverter.

O que isso significará na prática pode ser lido antecipadamente no noticiário que vem da Argentina.

Desmonte de políticas públicas. Reforço do monopólio midiático (lá afrontado). Instrumentalização da justiça. Desvalorização fulminante do poder de compra das famílias assalariadas. Liberação dos mercados. Revogação de impostos aos ricos e de subsídios que beneficiam os pobres. Estrangulamento fiscal do Estado e provável novo ciclo de alienação do patrimônio público.

Tudo isso faz do macrismo o laboratório de ponta da restauração neoliberal, que o martelete midiático preconiza como panaceia para o Brasil.

O noticiário morno da passagem do ano ressaltou, por contraste, o ensurdecedor tropel dessa catequese cotidiana.

Se quiser escapar à armadilha do arrocho, o país precisa desesperadamente abrir canais alternativos para estabelecer uma conversa ecumênica, direta, democrática sobre o passo seguinte do seu desenvolvimento.

Não se recuse aqui a necessidade de uma reordenação estrutural para que o país possa retomar sua construção. Ela terá custos; envolve garantias e concessões, evoca o alongamento de ganhos no tempo, exige grandes pactos feitos de salvaguardas e metas para emprego, salários, juros, inflação, tarifas e resultados fiscais.

Trata-se de uma negociação da democracia com o mercado e o Estado.

Não é um jogo em que o vencedor leva tudo, mas uma repactuação mediada pela correlação de forças na sociedade.

O sacrossanto ‘ajuste’ apregoado pela mídia, ao contrário, equivale à paz salazarista dos cemitérios.

O povo ocupa o posto de defunto e o dinheiro grosso, o de coveiro.

Desenvolvimento é tudo menos a paz mórbida suspirada pela bonança do privilégio.

Desenvolvimento consiste em superar estruturas existentes e criar outras novas.

Em sociedades marcadas pela contraposição de interesses de classe, imaginar que isso ocorrerá em perfeito equilíbrio é como vender o elixir dos mercados racionais.

Curto e grosso: o que hoje se chama de ajuste, como se fora uma panaceia das boas técnicas do ramo, nada mais representa do que a restauração plena do neoliberalismo em diferentes nações da América Latina.

O governo Dilma já viveu esse experimento em seu primeiro ano de mandato.

A miragem se desfez, como é sabido, na forma de mais crise e mais impasses.

A meta-síntese do processo, o superávit fiscal de 1,2% do PIB, foi revogada pela impossibilidade física de se compatibilizar recessão com a arrecadação.

Hoje, os milicianos do Estado Midiático, entre eles, moças e rapazes assertivos na defesa do mercado financeiro, declaram-se ‘surpresos’ com o tamanho do buraco escavado pelos cortes de gastos recessivos e juros siderais.

Distraídos, tampouco haviam percebido o tamanho da contração internacional que há oito anos comprime as fronteiras da economia global e já derrubou as cotações de commodities ao menor nível em 16 anos.

É nesse lusco-fusco surpreendente para quem ainda acha que o Brasil é uma ilha de crise em um planeta cercado de prosperidade, que o alvorecer de 2016 oferece uma nova chance de o governo abrir um calendário de conversas substantivas com as forças da sociedade.

Assunto: as linhas de passagem para o país atravessar o pântano mundial sem abdicar de construir uma democracia social tardia no coração da América Latina.

Diante das circunstâncias e do adiantado da hora só há uma forma de fazê-lo.

A Presidenta Dilma precisa falar regularmente à sociedade; em cadeia nacional e em fóruns tripartites setoriais.

Se quiser pautar a mídia sem se deixar pautar por ela, o governo deve reconhecer na democracia o único contraponto à ditadura do mercado e acioná-la como fator hegemônico na reordenação do curso do desenvolvimento.

FHC, Serra e outros valem-se da névoa espessa criada pelo próprio noticiário para insistir em políticas e agendas condenadas, mas ainda não substituídas no plano mundial --o que dificulta a sua ruptura definitiva no país e, mais grave, no próprio campo progressista.

A expectativa de que o vendaval pudesse amainar depressa ancorava-se, como se viu, na subestimação da dominância financeira intrínseca à natureza do problema, que agregou desafios adicionais às políticas contracíclicas.

Desfeita a miragem de uma turbulência passageira verifica-se que os avanços de agora em diante serão mais difíceis.

Após vitórias significativas contra a pobreza, ir além, em tempos de vacas magras, no pasto ralo das commodities, implica afrontar a desigualdade nos seus alicerces estruturais. Ou seja, ali onde se sedimenta o estoque da riqueza, na esfera fundiária, urbana, patrimonial, tributária ou financeira.

Fábulas amenas de retorno a um mundo de desconcentração financeira amigável e produtiva, sob o comando dos mercados, custam caro.

No final, não entregam o prometido.

É esse purgatório em dimensões compactas que o Brasil está a experimentar.

Recidivas da crise mundial –como as desta 2ª feira de bolsas em transe-- evidenciam a urgência de um poder de coordenação, capaz de colocar as coisas no papel de coisas; e devolver à sociedade o comando do seu destino.

Todo o desafio brasileiro hoje gira em torno desse nó górdio.

A mídia tanto insiste que às vezes até setores do governo e do PT parecem acreditar na mística dos mercados racionais, que farão as melhores escolhas para o bem da sociedade.

O país precisa desesperadamente estabelecer uma agenda de conversas entre os brasileiros sem ser pautado pela mistificação midiática.

Só há uma pessoa capaz de puxar essa conversa porque foi legitimada na urna para fazê-lo: a Presidenta da República.

Companheira Dilma Rousseff, o bonde da história está passando a sua frente, pela segunda vez.

Tenha certeza, não haverá uma terceira.

segunda-feira, janeiro 04, 2016

Salário mínimo e luta de classes

Sejamos claros: quem se coloca contra o reajuste do salário mínimo na verdade quer a redução do poder de compra da maioria absoluta dos brasileiros.


Paulo Kliass*


Ao longo dos últimos anos, alguns substantivos e adjetivos acabaram ficando meio esquecidos, deixados de lado até mesmo pela maioria dos analistas políticos progressistas. Determinadas expressões de análise da dinâmica social, então, nem pensar mais em utilizá-las. Pecado para uns, sintoma de abordagem jurássica pra outros, o fato é que chamar as coisas e os fenômenos pelos nomes adequados passou a ser um incômodo. Mencionar categorias como capitalismo, exploração da força de trabalho ou mais-valia ficou, digamos assim, “démodé”.

Desde que Francis Fukuyama decidiu solenemente que estava decretado o Fim da História, em razão da suposta inevitabilidade histórica da supremacia do liberalismo após a queda do Muro de Berlim e o fim da experiência dos países socialistas, a questão das contradições do capitalismo deixaram de ser levadas a sério. E dentre elas, a oposição fundamental entre os interesses dos trabalhadores e os dos capitalistas. Sim, trata-se daquela contribuição essencial de Marx e Engels para o estudo e a crítica da realidade social e econômica ao longo da História: a famosa luta de classes.


O Decreto apenas regulamenta o previsto na Lei.


Pois a divulgação do novo valor do salário mínimo pela Presidenta Dilma acrescenta um novo ingrediente ao debate. O decreto que fixa em R$ 880 a menor remuneração recebida em nosso País apenas traduz em norma governamental o que está definido na lei n° 13.152, de 29 de julho de 2015, que prevê as regras para reajuste do salário mínimo para o quadriênio 2016-2019. O aumento de 11% é ligeiramente superior à inflação medida pelo INPC em 2015 somado ao pífio crescimento real do PIB em 2014. Então, qual é o grande problema?

O fato é que esse tema reacende os ânimos no Brasil das desigualdades. As gritarias e os esperneios vão desde os que não se conformam com uma política pública definindo regras mínimas de remuneração da força de trabalho até os argumentos mais sofisticados, que invocam as fragilidade das contas públicas para condenar qualquer tipo de vinculação dos gastos governamentais com o salário mínimo. Sejamos claros: quem se coloca contra o reajuste do salário mínimo e a vinculação de despesas sociais a tal valor, na verdade quer a redução do poder de compra da maioria absoluta dos cidadãos brasileiros. Simples assim!

Essa lengalenga é antiga. Desde a época em que o reajuste combinava com a comemoração do dia internacional de luta dos trabalhadores em primeiro de maio até o período mais recente, em que o aumento passou a valer desde o primeiro dia do ano civil. Quando Lula resolveu definir uma regra legal e institucional para esse procedimento, os catastrofistas já se colocaram em ação. Reajuste real do salário mínimo, é óbvio, iria provocar desemprego e aumento do tão falado custo Brasil. As empresas iriam quebrar e as contas da previdência social iriam explodir.


O salário mínimo subiu e o Brasil não quebrou.


Pois o que se viu foi um profundo desmentido da própria realidade sobre as teorias neoliberais e os modelitos do financismo, que sempre se colocaram de um lado muito bem definido na luta de classes. Os salários cresceram acima da inflação, a redução da desigualdade avançou e a crise que vivemos atualmente não tem absolutamente nada a ver com a (ainda baixa) remuneração do trabalhador. Quando a voz solitária do deputado federal, e depois senador, Paulo Paim (PT-RS) propunha fixar o salário mínimo em 100 dólares, todos achavam uma utopia ou uma tremenda irresponsabilidade. Pois ele chegou a valer quase US$ 400 (na época mais brava da valorização artificial da taxa de câmbio) e o Brasil tampouco quebrou por isso. Enquanto escrevo este artigo, o novo menor salário do nosso trabalhador passa a equivaler a US$ 220.

O argumento mais típico do pensamento “casa-grande-e-senzala” não aceita que o grau de desigualdade socioeconômica, que tão bem caracteriza nossas relações brasileiras, seja assim resolvido por conta de ganhos reais de salários. Afinal, os serviços domésticos e pessoais, dos quais nossas elites e parcela da classe média sempre estiveram habituadas a usufruir, ficaram mais caros. Os aeroportos e centros comerciais passaram a ser frequentados por gente que não está à altura desse tipo de frequência. As camadas mais próximas da base da pirâmide se apresentaram nos lugares com seus próprios veículos de passeio. As roupas e os acessórios de grife, pirateadas ou não, passaram a ser de uso generalizado na sociedade. Ora, como é que pode tanta audácia?

A retórica ganha um ponto de maior sofisticação quando se trata de discutir os ganhos reais do salário mínimo com base em seus efeitos macroeconômicos. Nesse caso, um dos focos do debate se orienta para a impossibilidade da economia brasileira suportar esse tipo de reajuste, em razão dos impactos sobre o tão falado “custo Brasil”. Uma forma de organização da produção, do comércio e dos serviços como a nossa, não teria condições de incorporar esse tipo de aumento, uma vez que os ganhos de produtividade não foram alcançados em igual período. A última década e meia se encarregou de demonstrar o oposto.


A mentira do rombo nas contas públicas.


O outro aspecto macro relaciona-se às finanças públicas. Nesse caso, a luta de classes ganha a escaramuça do desequilíbrio fiscal e invoca a premência do ajuste das contas governamentais. Afinal, a responsabilidade do déficit do Tesouro Nacional deve mesmo ser atribuída à fortuna mensal recebida por mais de 33 milhões de beneficiários da previdência social. Sim, pois 69% deles recebem até 1 salário mínimo por mês, enquanto sobe para 84% a parcela dos que ganham 2 salários mensais. Eles devem estar quebrando o Estado brasileiro!

Assim, o total de despesas realizadas pelo INSS ao longo de 12 meses equivale a R$ 434 bilhões, valor bastante inferior ao total de pagamento de juros da dívida pública federal - R$ 511 bi. O déficit previdenciário refere-se apenas ao subsistema dos trabalhadores rurais, uma vez que o subsistema dos trabalhadores urbanos ainda é superavitário. E ainda assim vale registrar o argumento de que as necessidades de financiamento dos agricultores não estão associadas a nenhum “desequilíbrio estrutural” do regime previdenciário. Na verdade, trata-se de uma decisão histórica da Assembléia Constituinte de 1988, que resolveu incorporar de forma cidadã esse vasto setor de nossa sociedade, ao qual era proibido o acesso ao sistema de previdência social até então.

E aqui a luta de classes escamoteia dos meios de comunicação informações relevantes. Por exemplo, 99% dos benefícios rurais são iguais a um salário mínimo. Além disso, a regressividade de nosso sistema tributário faz com que as faixas de menor renda sejam mais afetadas pelos impostos do que as do topo da pirâmide. Assim, mais de 50% da renda mensal das famílias que recebem até 2 salários mínimos voltam aos cofres públicos, sob a forma de tributação direta e indireta.

Já os que se demonstram profundamente indignados com a política de valorização real do salário mínimo contribuem com menos de 30% de sua renda para os tesouros federal, estadual e municipal. Assim, o desequilíbrio estrutural fiscal mais gritante encontra-se na conta de pagamento de juros da dívida pública. Ela apresenta um déficit anual de R$ 511 bi e recolhe pouco de R$ 150 bi sob a forma de tributos sobre essa massa de recursos públicos distribuídos às camadas mais ricas da sociedade. Já os beneficiários da previdência social apresentam um déficit de R$ 80 bi, dos quais R$ 40 bi retornarão ao caixa governamental sob a forma de impostos.


O Globo sugere triplicar o salário mínimo.


Mas o capitalismo funciona assim mesmo desde os seus primórdios: uma dinâmica permanente de luta de classes. Por intermédio de suas entidades, como o DIEESE, os trabalhadores buscam demonstrar que ainda há muito espaço para avançar na melhoria das conquistas salarias (e outras) dos trabalhadores. Já as classes dominantes se expressam por meio de órgãos de imprensa, como o conglomerado dominado pela “famiglia” Marinho, cujo editorial em 31 de dezembro passado tratou do tema. O texto alertava para os riscos de rombo nas contas públicas e qualificava a política de valorização do salário mínimo de “visão econômica tosca”. Ao lançar mão da ironia grossa, suspeita de sua eficácia como instrumento para retomar o crescimento econômico.

E o distraído escriba d’O Globo encerra sua peça com uma pergunta que deveria, na verdade, ser encarada como meta pelos governos ao longo dos próximos anos: “se é assim, por que não triplicar logo o salário mínimo?”. Eis, afinal, uma bela idéia apresentada pelo jornalão.

À luta, companheiros!



* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.