terça-feira, junho 30, 2015

O governo dos banqueiros. Artigo de Jürgen Habermas



Habermas defende a Grécia

Um dos maiores intelectuais vivos da Europa acusa as lideranças do continente de adotarem políticas antidemocráticas em relação à Grécia.

Ele lembra que a Alemanha sobreviveu à crise pós-guerra com ajuda financeira de outros países e perdão de suas dívidas.

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Publicado no Instituto Humanitas Usininas.

O governo dos banqueiros. Artigo de Jürgen Habermas

“São os cidadãos, não os banqueiros, que têm de dizer a última palavra sobre as questões que afetam o destino europeu”. O comentário é de Jürgen Habermas, filósofo e escritor alemão em artigo publicado no jornal no El País, 28-06-2015. Habermas lembra que “a Alemanha deve o impulso inicial para sua decolagem econômica, do qual ainda se alimenta hoje, à generosidade dos países credores que no Tratado de Londres, de 1954, perdoaram mais ou menos a metade de suas dívidas”.

Segundo ele, “o acordo não está fracassando por causa de alguns bilhões a mais ou a menos, nem por causa de um ou outro imposto, mas unicamente porque os gregos exigem que a economia e a população explorada pelas elites corruptas tenham a possibilidade de voltar a funcionar através da quitação da dívida ou uma medida equivalente, como, por exemplo, uma moratória dos pagamentos vinculada ao crescimento”.

Eis o artigo.

A última sentença do Tribunal de Justiça Europeu [que permite ao Banco Central Europeu (BCE) comprar dívida soberana para combater a crise do euro] lança uma luz prejudicial sobre a falida construção de uma união monetária sem união política. No verão de 2012, todos os cidadãos tiveram que agradecer a Mario Draghi, presidente do BCE, que com uma só frase [“farei o necessário para sustentar o euro”] salvou a moeda das desastrosas consequências de um colapso que parecia iminente. Ele tirou do sufoco o Eurogrupo ao anunciar que, caso fosse preciso, compraria dívida pública em quantidade ilimitada. Draghi teve que dar um passo à frente porque os chefes de Governo eram incapazes de agir pelo interesse comum da Europa; todos estavam hipnotizados, prisioneiros de seus respectivos interesses nacionais.

Naquele momento, os mercados financeiros reagiram – diminuindo a tensão – diante de uma única frase, a frase com a qual o presidente do BCE simulou uma soberania fiscal que absolutamente não possuía. Porque agora, assim como antes, são os bancos centrais dos países-membros os que aprovam os créditos, em última instância. O Tribunal Europeu não pode referendar essa competição contrária ao texto literal dos tratados europeus; mas as consequências de sua sentença deixam implícito que o BCE, com escassas limitações, pode cumprir o papel de credor de última instância.

O tribunal abençoou um ato salvador que não obedece em nada à Constituição, e o Tribunal Constitucional alemão apoiará essa sentença acrescentando as sutilezas às quais estamos acostumados. Alguém poderia estar tentado a afirmar que os guardiões do direito dos tratados europeus se veem obrigados a aplicá-lo, ainda que indiretamente, para mitigar, caso a caso, as consequências indesejadas das falhas de construção da união monetária. Defeitos que só podem ser corrigidos mediante uma reforma das instituições, conforme juristas, cientistas políticos e economistas vêm demonstrando há anos. A união monetária continuará sendo instável enquanto não for complementada pela união bancária, fiscal e econômica. Mas isso significa – se não quisermos declarar abertamente que a democracia é um mero objeto decorativo – que a união monetária deve se desenvolver para se transformar em uma união política. Aqueles acontecimentos dramáticos de 2012 explicam por que Draghi nada contra a corrente de uma política míope – até mesmo insensata, eu diria.

Estamos outra vez em crise com Atenas porque, já em maio de 2010, a chanceler alemã se importava mais com os interesses dos investidores do que com quitar a dívida para sanar a economia grega. Neste momento, evidencia-se outro déficit institucional. O resultado das eleições gregas representa o voto de uma nação que se defende com uma maioria clara contra a tão humilhante e deprimente miséria social da política de austeridade imposta ao país. O próprio sentido do voto não se presta a especulações: a população rejeita a continuação de uma política cujo fracasso as pessoas já sentiram de forma drástica em suas próprias peles. De posse dessa legitimação democrática, o Governo grego tentou induzir uma mudança de políticas na zona do euro. E tropeçou em Bruxelas com os representantes de outros 18 Governos, que justificam sua recusa remetendo friamente a seu próprio mandato democrático.

Recordemos os primeiros encontros, quando os novatos – que se apresentavam de maneira prepotente motivados por sua vitória arrebatadora – ofereciam um grotesco espetáculo de troca de golpes com os residentes, que reagiam em parte de forma paternalista, em parte de forma desdenhosa e rotineira. Ambas as partes insistiam como papagaios que tinham sido autorizadas cada uma por seu respectivo “povo”. A comicidade involuntária desse estreito pensamento nacional-estatal expôs com grande eloquência, diante da opinião pública europeia, aquilo que realmente é necessário: formar uma vontade política comum entre os cidadãos em relação com as transcendentais fraquezas políticas no núcleo europeu.

As negociações para se chegar a um acordo em Bruxelas travam porque ambas as partes culpam a esterilidade de suas conversas não às falhas de construção de procedimentos e instituições, mas sim à má conduta de seus membros. O acordo não está fracassando por causa de alguns bilhões a mais ou a menos, nem por causa de um ou outro imposto, mas unicamente porque os gregos exigem que a economia e a população explorada pelas elites corruptas tenham a possibilidade de voltar a funcionar através da quitação da dívida ou uma medida equivalente, como, por exemplo, uma moratória dos pagamentos vinculada ao crescimento.

Os credores, por outro lado, não cedem no empenho para que se reconheça uma montanha de dívidas que a economia grega jamais poderá saldar. É indiscutível que a quitação da dívida será irremediável, a curto ou a longo prazo. No entanto, os credores insistem no reconhecimento formal de uma carga que, de fato, é impossível de ser paga. Até pouco tempo atrás, eles mantinham inclusive a exigência, literalmente fantástica, de um superávit primário superior a 4%. É verdade que essa demanda foi baixada para 1%, que tampouco é realista. Mas, até o momento, a tentativa de se chegar a um acordo, do qual depende o destino da União Europeia, fracassou por causa da exigência dos credores de sustentar uma ficção.

Naturalmente, os países doadores têm razões políticas para sustentá-la, já que no curto prazo isso permite adiar uma decisão desagradável. Temem, por exemplo, um efeito dominó em outros países devedores. E Angela Merkel também não está segura de sua própria maioria no Bundestag. Mas não há nenhuma dúvida quanto à necessidade de rever uma política equivocada à luz de suas consequências contraproducentes. Por outro lado, também não se pode culpar apenas uma das partes pelo desastre. Não posso julgar se há uma estratégia meditada por trás das manobras táticas do Governo grego, nem o que deve ser atribuído a imposições políticas, à inexperiência ou à incompetência dos negociadores. Essas circunstâncias difíceis não permitem explicar por que o Governo grego faz com que seja difícil até mesmo para seus simpatizantes discernir um rumo em seu comportamento errático.

Não se vê nenhuma tentativa razoável de construir coalizões; não se sabe se os nacionalistas de esquerda têm uma ideia um tanto etnocêntrica da solidariedade e impulsionam a permanência na zona do euro apenas por razões de astúcia, ou se sua perspectiva vai além do Estado-nação. A exigência de quitação da dívida não basta para despertar na parte contrária a confiança de que o novo Governo vá ser diferente, de que atuará com mais energia e responsabilidade do que os Executivos clientelistas aos quais substituiu. Tsipras e o Syriza poderiam ter desenvolvido o programa reformista de um Governo de esquerda e apresentá-lo a seus parceiros de negociação em Bruxelas e Berlim.

A discutível atuação do Governo grego não ameniza nem um pouco o escândalo de que os políticos de Bruxelas e Berlim se negam a tratar seus colegas de Atenas como políticos. Embora tenham a aparência de políticos, eles só falam em sua condição econômica de credores. Essa transformação em zumbis visa a apresentar a prolongada situação de insolvência de um Estado como um caso apolítico próprio do direito civil, algo que poderia levar à apresentação de ações ante um tribunal. Dessa forma, é muito mais fácil negar uma corresponsabilidade política.

Merkel fez o Fundo Monetário Internacional (FMI) embarcar desde o início em suas duvidosas manobras de resgate. O FMI não tem competência sobre as disfunções do sistema financeiro internacional; como terapeuta, vela por sua estabilidade e, portanto, atua no interesse conjunto dos investidores, principalmente dos investidores institucionais. Como integrantes da troika, as instituições europeias também se fundem com esse ator, de tal forma que os políticos, na medida em que atuem nessa função, podem se restringir ao papel de agentes que se regem estritamente por normas e dos quais não se podem exigir responsabilidades.

Essa dissolução da política na conformidade com os mercados pode explicar a falta de vergonha com a qual os representantes do Governo federal alemão, todos eles pessoas sem mácula moral, negam sua corresponsabilidade política nas devastadoras consequências sociais que aceitaram, como líderes de opinião no Conselho Europeu, por causa da imposição de um programa neoliberal de austeridade. O escândalo dentro do escândalo é a cegueira com que o Governo alemão percebe seu papel de liderança. A Alemanha deve o impulso inicial para sua decolagem econômica, do qual ainda se alimenta hoje, à generosidade dos países credores que no Tratado de Londres, de 1954, perdoaram mais ou menos a metade de suas dívidas.

Mas não se trata de um escrúpulo moral, e sim do núcleo político: as elites políticas da Europa não podem continuar se escondendo de seus eleitores, ocultando até mesmo as alternativas ante as quais nos coloca uma união monetária politicamente incompleta. São os cidadãos, não os banqueiros, que têm de dizer a última palavra sobre as questões que afetam o destino europeu.

Santayana: Estado brasileiro não é gigante; mundo defende suas empresas


Fernando Brito - TIJOLAÇO

Cometo o pecado de, pela extensão, publicar apenas um trecho do longo e lúcido artigo de Mauro Santayana, hoje, com farta argumentação, comprovando que o Estado brasileiro nem de longe é hipertrofiado como nos querem fazer acreditar – o papo dos 39 ministérios, dos quais quase a metade são simples secretarias ou dirigentes com “status” legal de Ministros – e, em seguida, como os países desenvolvidos não misturam o punir dirigentes de empresas (e nem sempre) envolvidos em corrupção com a manutenção do papel estratégico que estas empresas desempenham.

Ao olhar atento de Santayana não escapou a notícia, publicada quase na surdina, que o maior empregados do mundo é, disparado o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, com 3,2 milhões de pessoas apenas nas Forças Armadas e agências de segurança, entre elas a recém-famosa National Security Agency, a NSA da espionagem. A CIA e o FBI não estão na conta, pois não são vinculados ao Departamento de Defesa, mas aos de Estado e de Justiça, respectivamente.

Fixe bem: os EUA tem mais militares e agregados a eles que todos – todos, mesmo – os funcionários públicos da União, dos Estados e dos mais de 5 mil municípios brasileiros, segundo dados do IBGE, em 2012.

Nossas Forças Armadas, modestíssimas, têm 10% dos efetivos norte-americanos, para cobrir um território equivalente. Nem a China, imensa e com 4,3 vezes mais habitantes que os EUA, alcança a multidão militar norte-americana.

Pequena na quantidade, nossa Defesa precisa, a todo custo, do desenvolvimento tecnológico que vem, a duras penas, desenvolvendo com alguns dos grandes grupos atingidos em cheio pela Lava Jato e que, irresponsavelmente, querem destruir a pretexto de punir dirigentes corruptos, o que paós algum do mundo confunde, isso se os pune.

Meu pecado é ainda mais grave quando o trecho que retirei descreve, em minúcias, quem e como joga o jogo da informação e da contra-informação norte-americana na mídia, na Universidade e onde quer que se forme opinião e se influa, com os golpes mais baixos, em políticas e governos de seu interessa. Peço, a quem puder, que me redima lendo, na íntegra, o texto do mestre Santayana.
A Lava Jato e a Defesa Nacional

Mauro Santayana (trecho)

Em suas críticas ao tamanho do Estado e na defesa da privatização a qualquer preço, os neoliberais tupiniquins se esforçam por defender a tese de que o poder de algumas das maiores nações do mundo “ocidental”, os EUA à frente, teria como únicos, principais esteios, o capitalismo, a livre iniciativa e o livre mercado, e defendem, sempre que podem, alegando a existência de “cabides de emprego”, e o grande número de ministérios, a diminuição do setor público no Brasil.

A informação, divulgada na semana passada, de que, com três milhões e duzentos mil funcionários, o Departamento de Defesa dos EUA é o maior empregador do mundo, tendo em sua folha de pagamento, sozinho, mais colaboradores que o governo brasileiro, com todos seus 39 ministérios, mostra como essa gente tem sido pateticamente enganada, e corrobora o fato de que a tese do enxugamento do estado, tão cantada em prosa e verso por certos meios de comunicação nacionais, não é mais, do ponto de vista da estratégia das nações, do que uma fantasia que beira a embromação.

Dificilmente vai se encontrar uma nação forte, hoje – como, aliás, quase sempre ocorreu na história – que não possua também um estado poderoso, decidida e vigorosamente presente em setores estratégicos, na economia, e na prestação de serviços à população.
Enquanto em nosso país, o número total de empregados da União, estados e municípios, somados, é de 1,5% da população, na Itália ele passa de 5%, na Alemanha, proporcionalmente, ele é de 80% a mais do que no Brasil, nos EUA, de 47% a mais e na França, também um dos países mais desenvolvidos do mundo, de 24% da população ativa, o que equivale a dizer que praticamente um a cada quatro franceses trabalha para o Setor Público.

Esses dados derrubam também a tese, tão difundida na internet, de que no Brasil se recebe pouco em serviços, comparativamente aos impostos que se pagam. Por aqui muitos gostariam de viver como na Europa e nos Estados Unidos, mas ninguém se pergunta quantos funcionários públicos como médicos, professores, advogados, técnicos, cientistas, possuem a mais do que o estado brasileiro, os governos dos países mais desenvolvidos do mundo, para prestar esse tipo de serviços à população.

E isso, sem ter que ouvir uma saraivada de críticas a cada vez que lança um concurso, e sem ter que enfrentar campanhas quase que permanentes de defesa da precarização do trabalho e da terceirização.

Aos três milhões e duzentos mil funcionários, cerca de 1% da população norte-americana, fichados apenas no Departamento de Defesa, é preciso agregar, no esforço de fortalecimento nacional dos Estados Unidos, centenas de universidades públicas e privadas, e grandes empresas, estas, sim, privadas, ou com pequena participação estatal, que executam os principais projetos estratégicos de um país que tem o dobro da relação dívida pública-PIB do Brasil e não parece estar, historicamente, preocupado com isso.

Companhias que, quando estão correndo risco de quebra, como ocorreu na crise de 2008, recebem dezenas de bilhões de dólares e novos contratos do governo, e que possuem legalmente, em sua folha de pagamento, “lobistas”, que defendem seus interesses junto à Casa Branca e ao Congresso, que, se estivessem no Brasil, já teriam sido, neste momento, provavelmente presos como “operadores”, por mera suspeição, mesmo sem a apresentação de provas concretas.(…)

A diferença entre os Estados Unidos, que se dizem “liberais” e “privatistas”, e na verdade não o são, e o Brasil, que cede a todo tipo de pressão, na tentativa de provar, todos os dias, que não é comunista nem estatizante, é que, mesmo quando envolvidas com corrupção – considerada uma espécie de “dano colateral” que deve ser “contornado” e “absorvido”, no contexto do objetivo maior, de permanente fortalecimento do complexo-industrial militar dos EUA – a existência das principais empresas de defesa norte-americanas nunca é colocada em risco.

Apenas como exemplo, a Lockheed Martin, uma das principais companhias de aviação e de defesa dos EUA, pagou, como lembrou André Motta Araújo no Jornal GGN outro dia, entre as décadas de 1950 e 1970, mais de 300 milhões de dólares, ou 3.7 bilhões de dólares em dinheiro de hoje, de propina para autoridades estrangeiras, entre elas – para quem acha que isso só acontece em paises “sub-desenvolvidos” – o então Ministro da Defesa da Alemanha Ocidental, Franz Joseph Strauss, os ministros Luigi Gul, e Maria Tanassi, o Primeiro-Ministro Mariano Rumor e o Presidente da República Italiana, Giovanni Leone, o general Minoru Genda e o Primeiro-Ministro japonês Kakuei Tanaka, e até o príncipe Bernhard, marido da Rainha Juliana, da Holanda.

E alguém acha que a Lockheed foi destruída por isso ? Como também informa Motta Araújo, seus principais dirigentes renunciaram alguns anos depois, e o governo norte-americano, no lugar de multar a empresa, lhe fez generoso empréstimo para que ela fizesse frente, em melhores condições, aos eventuais efeitos do escândalo sobre os seus negócios.

A Lockheed, conclui André Motta Araújo em seu texto, vale hoje 68 bilhões de dólares, e continua trabalhando normalmente, atendendo a enormes contratos, com o poderoso setor de defesa norte-americano.

Enquanto isso, no Brasil, os dirigentes de nossas principais empresas nacionais de defesa, constituídas, nesses termos, segundo a Estratégia Nacional de Defesa, em 2006, para, com sede no Brasil e capital votante majoritariamente nacional, fazer frente à crescente, quase total desnacionalização da indústria bélica, e gerir alguns dos mais importantes programas militares da história nacional, que incluem novos mísseis ar-ar, satélites e submarinos, entre eles nosso primeiro submersível atômico, encontram-se, quase todos, na cadeia.
O Grupo Odebrecht, o Grupo Andrade Gutierrez, o OAS e o Queiroz Galvão têm, todos, relevante participação na indústria bélica e são os mais importantes agentes empresariais brasileiros da Estratégia Nacional de Defesa. Essas empresas entraram para o setor há alguns anos, não por ter algum privilégio no governo, mas simplesmente porque se encontravam, assim como a Mendes Júnior, entre os maiores grupos de engenharia do Brasil, ao qual têm prestado relevantes serviços, desde a época do regime militar e até mesmo antes, não apenas para a União, mas também para estados e municípios, muitos deles governados pela oposição, a quem também doaram e doam recursos para campanhas políticas de partidos e candidatos.

Responsáveis por dezenas de milhares de empregos no Brasil e no exterior, muitos desses grupos já estão enfrentando, depois do início da Operação Lava-Jato, gravíssimos problemas de mercado, tendo tido, para gaúdio de seus concorrentes externos, suas notas rebaixadas por agências internacionais de crédito.

Projetos gigantescos, tocados por essas empresas no exterior, sem financiamento do BNDES, mas com financiamento de bancos internacionais que sempre confiaram nelas, como o gasoduto do Perú, por exemplo, de quase 5 bilhões de dólares, ou a linha 2 do metrô do Panamá, que poderiam gerar centenas de milhões de dólares em exportação de produtos e serviços pelo Brasil, correm risco de ser suspensos, sem falar nas numerosas obras que estão sendo tocadas dentro do país.

Prisões provocadas, em alguns casos, por declarações de bandidos, que podem ser tão mentirosas quanto interesseiras ou manipuladas, que por sua vez, são usadas para justificar o uso do Domínio do Fato – cuja utilização como é feita no Brasil já foi criticada jurídica e moralmente pelo seu criador, o jurista alemão Claus Roxin – às quais se somam a mera multiplicação aritmética de supostos desvios, pelo número de contratos, sem nenhuma investigação, caso a caso, que os comprove, inequivocamente, e por suposições subjetivas, pseudo-premonitórias, a propósito da possível participação dessas empresas em um pacote de concessão de projetos de infra-estrutura que ainda está sendo planejado e não começou, de fato, sequer a ser oficialmente oficialmente estruturado.
O caso Lockheed, o caso Siemens, e mais recentemente, o do HSBC, em que o governo suiço multou esse banco com uma quantia mínima frente à proporção do escândalo que o envolve, nos mostram que a aplicação da justiça, lá fora, não se faz a ferro e fogo, e que ela exige bom senso para não errar na dose, matando o paciente junto com a doença.

Mais uma vez, é necessário lembrar, é preciso combater a corrupção, mas sem arrebentar com a Nação, e com alguns dos principais pilares que sustentam nossa estratégia de desenvolvimento nacional e de projeção nos mercados internacionais.

No futuro, quando se observar a história do Brasil deste período, ao tremendo prejuízo econômico gerado por determinados aspectos da Operação Lava-Jato, muitíssimo maior que o dinheiro efetivamente, comprovadamente, desviado da Petrobras até agora, terá de ser somado incalculável prejuízo estratégico para a defesa do país e para a nossa indústria bélica, que, assim como a indústria naval, se encontrava a duras penas em processo de soerguimento, depois de décadas de estagnação e descalabro.

No Exército, na Marinha, na Força Aérea, muitos oficiais – principalmente aqueles ligados a projetos que estão em andamento, na área de blindados, fuzis de assalto, aviação, radares, navios, satélites, caças, mísseis, submarinos, com bilhões de reais investidos – já se perguntam o que irá acontecer com a Estratégia Nacional de Defesa, caso as empresas que representam o Brasil nas joint-ventures empresariais e tecnológicas existentes vierem a quebrar ou a deixar de existir.

Vamos fazer uma estatal para a fabricação de armamento, que herde suas participações, hipótese que certamente seria destroçada por violenta campanha antinacional, levada a cabo pelos privatistas e entreguistas de sempre, com o apoio da imprensa estrangeira e de seus simpatizantes locais, com a desculpa de que não se pode “inchar”” ainda mais um estado que na verdade está sub-dimensionado para as necessidades e os desafios brasileiros?

Ou vamos simplesmente entregar essas empresas, de mão beijada, aos sócios estrangeiros, com a justificativa de que os projetos não podem ser interrompidos, perdendo o controle e o direito de decidir sobre nossos programas de defesa, em mais um capítulo de vergonhoso recuo e criminosa capitulação ?

Com a palavra, o STF, o Ministério da Defesa, e a consciência da Nação, incluindo a dos patriotas que militam, discreta e judiciosamente, de forma serena, honrosa e equilibrada, no Judiciário e no Ministério Público.

A CRISE GREGA E O BRASIL: DEMOCRACIA E FASCISMO

Antônio de Souza: Nossa saída está na economia política mas sem retrocessos
publicado em 30 de junho de 2015 às 14:48

european-crisis


por Antônio de Souza, especial para o Viomundo

Os brasileiros acordaram e descobriram a crise da Grécia nas páginas de nossos principais jornais. Mais ainda, estão sendo informados agora que a crise econômica global ainda existe e pode piorar.

Mas como assim? A crise do capitalismo internacional de 2008 não tinha sido debelada? Os Estados Unidos não estavam crescendo fortemente, saindo da crise? A crise na Europa não era apenas um caso pontual, provocado pela leniência dos países ao sul do continente — Grécia, Portugal, Espanha e Itália?

É isso, caros leitores, pelas lentes, microfones e textos de nossa mídia, a crise internacional foi um assunto menor nos últimos anos. A globalização do capital, como num passe de mágica, deixou de existir, bem como seus efeitos sobre a economia brasileira.

Esta narrativa da mídia brasileira esconde que, segundo o FMI e o BID, 60% do crescimento econômico advêm do fator externo. E que são estes elementos que ainda podem fazer piorar a nossa situação e aprofundar a crise em todos os países ao redor do mundo.

Em outras palavras: a crise grega e a irresponsabilidade de políticas neoliberais adotadas (ajustes fiscais e políticas monetárias restritivas), inclusive aquelas que estão sendo tomadas agora no Brasil, podem atingir ainda mais a nossa economia.

O objetivo desta narrativa da mídia brasileira era, claro, internalizar a crise e dizer que a culpa era exclusivamente da Presidência da República. Mais precisamente da forma como os governos Dilma e Lula conduziram o país nos últimos anos.

O aparato midiático, em apoio ao mercado financeiro, utilizou-se disto para fazer a famosa “guerra de expectativas”. Queriam políticas econômicas internas que ajudassem ainda mais na acumulação financeira. Juros altos, cortes de despesas e do crédito. A terapia que está justamente criando crises econômicas, políticas e sociais no continente europeu. De tanta pressão interna que exercem, estão conseguindo.

De qualquer modo, sempre é necessário dizer que parte desta crise vem do sumiço de pelo menos US$ 1 trilhão do mercado de crédito internacional, com seus efeitos sobre todas as economias do mundo e também a brasileira. Sem crédito, as economias param.

Por isso o governo federal teve que ampliar o crédito público nos últimos anos para minimizar a crise econômica. Por isso o mercado financeiro e seu aparato midiático vêm criticando tanto as políticas econômicas implantadas pelo governo federal nos últimos anos. Não foi à toa que estes setores foram ao ataque contra o BNDES, visando ampliar a crise e permitir a vitória da oposição em 2014.

Temos que dizer claramente que o mundo não conseguiu sair da crise econômica internacional, e que estamos em outro momento de acirramento da mesma crise que se iniciou em setembro de 2008.

O episódio grego é fundamental para entendermos a engrenagem da crise.

Para evitar o colapso do sistema bancário, os governos tiveram de se endividar ainda mais desde 2008.

A partir de 2010, em outro surto neoliberal, o governo alemão acreditou que a austeridade seria a forma de se evitar a crise e fez uma política draconiana na Europa, com corte de gastos públicos, que não resolveram a crise econômica e muito menos diminuíram a dívida pública dos países (aqui e aqui).

A Grécia perdeu um quarto de sua riqueza desde 2008, ou seja, os cidadãos da pátria da democracia perderam um quarto de seu patrimônio neste período seguindo as políticas de ajuste fiscal. Por isso, não querem mais recessão e se negam a continuar seguindo o receituário neoliberal.

A crise grega acaba envolvendo todos os outros países, ainda mais quando a economia americana dá sinais de fraqueza – com queda do PIB de 0,7% - e a crise econômica persiste no Japão e na Europa, além do enfraquecimento da economia chinesa.

Por isso, se a Grécia decretar moratória e não pagar a sua dívida – calculada hoje em 340 bilhões de euros – causará problemas em todos os bancos europeus, particularmente os alemães. Provavelmente a Grécia sairá do Euro, e a porta ficará aberta para que a Inglaterra e outros países também saiam.

Esta situação pode nos levar a uma ampliação dos conflitos na Europa e ao redor do mundo, com a emergência de um novo fascismo, já visível, apresentando-se como uma saída possível, o que já ocorreu nos anos 30 e 40 do século passado.

Temos duas certezas sobre isto: é fácil entrar em uma recessão e em uma ditadura fascista, mas será difícil e custoso sair dessa situação. Desde 2010, podemos observar o crescimento do movimento fascista pelo mundo e também em nosso país.

Aqueles que amam a democracia devem se unir, visto que poderemos assistir à ampliação da intolerância e a destruição do Estado de Direito.

É isto que estamos assistindo a cada dia.

Os governos Lula e Dilma esgotaram quase todos os instrumentos que tinham à disposição para enfrentar a crise mundial desde 2008: ampliação do crédito, redução dos juros, ampliação das políticas sociais, renúncia fiscal, barateamento de tarifas, desoneração tributária. Mantiveram o emprego e a renda quase intactos. Mais do que isso só com reformas mais profundas – a tributária, por exemplo, taxando os mais ricos e o capital financeiro e desonerando a classe média, a classe trabalhadora e os investimentos produtivos e em infraestrutura – em meio a um debate político mais amplo.

O governo Dilma antecipou-se à situação crítica na Grécia e suas consequências mundiais, implantando um forte ajuste fiscal. Diante do novo ápice da mesma crise de 2008, o governo brasileiro terá que se voltar para um pacote mais amplo, abrindo discussões sobre a implantação de um sistema tributário mais justo que permita a implantação de uma nova política de crescimento econômico em bases mais sólidas.

Nossa saída está na economia política, sem retrocessos.

Tragédia Grega esconde segredo de bancos privados


Convidada pela presidente do Parlamento Grego Deputada Zoe Konstantopoulou para colaborar com o Comité da Verdade sobre a Dívida Pública, a Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida no Brasil analisa as ameaças impostas pelos bancos ao povo grego


por Maria Lucia Fattorelli


A Grécia está enfrentando um tremendo problema de dívida pública e uma crise humanitária. A situação atual é muitas vezes pior do que a de 2010, quando a Troika –FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu – impôs seu “plano de resgate” ao país, justificado pela necessidade de apoiar a Grécia. Na realidade, tal plano tem sido um completo desastre para a Grécia, pois o país não tem obtido absolutamente nenhum benefício com os peculiares acordos de dívida implementados desde então.

O que quase ninguém comenta é que um outro exitoso plano de resgate foi efetivamente implementado naquela mesma época em 2010, não para a Grécia, mas para os bancos privados. Por trás da crise grega há um enorme e ilegal plano de resgate de bancos privados. E a forma pela qual tal plano está se dando representa um imenso risco para toda a Europa.

Depois de cinco anos, os bancos conseguiram tudo o que queriam. Por outro lado, a Grécia mergulhou numa verdadeira tragédia: o país aprofundou gravemente seu problema de dívida pública; perdeu patrimônio estatal à medida em que acelerou o processo de privatizações, assim como encolheu drasticamente sua economia. Pior que tudo, tem amargado imensurável custo social representado pelas vidas de milhares pessoas desesperadas que tiveram seu sustento e seus sonhos cortados pelas severas medidas de austeridade impostas desde 2010. Saúde, educação, trabalho, assistência, pensões, salários e todos os demais serviços sociais têm sido afetados de forma destrutiva.

A distribuição do Orçamento Nacional da Grécia mostra a predominância dos gastos com a dívida sobre todos os demais gastos estatais. De fato, os gastos com o pagamento de empréstimos, outras obrigações de dívida, juros e outros custos absorvem 56% do orçamento estatal:

GRÉCIA – 2013 ORÇAMENTO NACIONAL EXECUTADO
TOTAL DESPESAS EM EUROS € 133.726.068.519,09



Fonte: Εισηγητική Έκθεση Απολογισµού και Ισολογισµού 2013 – p. 90.

Elaborado por Stavros Papaioannou.

Em Maio de 2010, ao mesmo tempo em que todas as atenções estavam focadas nas abundantes notícias sobre a interferência da Troika na Grécia, com seu peculiar “plano de resgate” grego, um outro plano de efetivo resgate bancário viabilizado por um conjunto de medidas ilegais também estava sendo aprovado, mas atenção alguma foi dispensada a esse último.

Em uma tacada, sob a justificativa de necessidade de “preservar a estabilidade financeira na Europa”, medidas ilegais foram tomadas em Maio de 2010, a fim de garantir o aparato que permitiria aos bancos privados livrar-se da perigosa “bolha”, isto é, da grande quantidade de ativos tóxicos – em sua maioria títulos desmaterializados e não comercializáveis - que abarrotava contas “fora de balanço” 2 em sua escrituração contábil. O objetivo principal era ajudar os bancos privados a transferir tais ativos tóxicos para os países europeus.

Uma das medidas adotadas para acelerar a troca de ativos de bancos privados e acomodar a crise bancária foi o programa SMP 3 , mediante o qual o Banco Central Europeu (BCE) passou a efetuar compras diretas de títulos públicos e privados, tanto no mercado primário como secundário. A operação relativa a títulos públicos é ilegal, pois fere frontalmente o Artigo 123 do Tratado da União Europeia4 . Tal programa constitui apenas uma entre várias outras “medidas não-padronizadas” adotadas na época pelo BCE.

A criação de um “Veículo de Propósito Especial”, uma companhia baseada em Luxemburgo, constituiu outra medida implementada para transferir ativos tóxicos desmaterializados dos bancos privados para o setor público. Acreditem ou não, países europeus5 se tornaram sócios de tal companhia privada, uma sociedade anônima chamada Facilidade para Estabilidade Financeira Europeia (EFSF)6 . Os países se comprometeram com bilionárias garantias, inicialmente no montante de EUR 440 bilhões7 , que logo em 2011 subiram para EUR 779.78 bilhões 8 . O verdadeiro propósito de tal companhia tem sido disfarçado pelos anúncios de que ela iria providenciar “empréstimos” para países, fundamentados em “instrumentos financeiros”, não em dinheiro efetivo. Cabe mencionar que a criação da EFSF foi uma imposição do FMI 9 , que lhe forneceu uma contribuição de EUR 250 bilhões 10 .

Juntos, o programa SMP e a companhia EFSF representaram os complementos cruciais para o esquema11 de alívio de ativos, necessário para concluir o suporte aos bancos privados iniciado desde o início de 2008, por ocasião da crise financeira nos Estados Unidos e Europa. Desde o início de 2009 os bancos privados vinham demandando por mais suporte público para descarregar a excessiva quantidade de ativos tóxicos que abarrotava suas contas “fora de balanço”. O atendimento a essa demanda poderia se dar tanto mediante compras diretas governamentais, como por meio de transferências para companhias independentes de gerenciamento de ativos. Essas duas soluções restaram atendidas pelo SMP e pela EFSF, e as perdas relacionadas aos ativos tóxicos estão sendo repartidas entre os cidadãos europeus.

A troca de ativos tóxicos de bancos privados para uma companhia por meio de simples transferência, sem o devido pagamento e a operação de compra/venda seria ilegal frente às normas contábeis. EUROSTAT modificou tais regras 12 e permitiu a “liquidação de operações conduzidas mediante troca de títulos”, justificando tal ato por “circunstâncias específicas da turbulência financeira”.

A localização da companhia EFSF em Luxemburgo visou, principalmente, escapar da aplicação das leis do Direito Internacional. Ademais, a EFSF é financiada em grande parte pelo FMI, cuja colaboração seria ilegal, de acordo com seu próprio Estatuto. No entanto, o FMI também modificou suas regras para proporcionar a ajuda de EUR 250 bilhões à EFSF 13 .

De acordo com a Lei 14 que autorizou a sua criação, a empresa EFSF de Luxemburgo poderia delegar a gestão de todas as suas atividades relacionadas aos instrumentos financeiros; seu conselho de diretores poderia delegar as suas funções, e seus associados, os Estados-Membros, poderiam delegar a tomada de decisões relacionada aos fiadores para o Grupo de Trabalho do Eurogrupo (EWG). Naquela época, tal grupo de trabalho sequer possuía um presidente em tempo integral 15 . A Agência de Gestão da Dívida alemã 16 é quem realmente opera a EFSF, e, em conjunto com o Banco Europeu de Investimento, presta apoio ao funcionamento operacional da EFSF. É evidente a falta de legitimidade da EFSF, já que é realmente operada por um órgão diverso. EFSF é agora o principal credor Grécia.

Os instrumentos financeiros utilizados pela EFSF são os mais arriscados e restritos, desmaterializados, não comercializáveis, tais como Floating Rate Notes tipo Pass-trough, arranjos cambiais e de hedge, e outras atividades de co-financiamento que envolvem o administrador britânico Wilmington Trust (London) Limited 17 como o instrutor para a emissão de títulos restritos, não-certificados, que não podem ser comercializados em nenhuma bolsa de valores legítima, pois não obedecem às regras exigidas para títulos de dívida soberana. Este conjunto de instrumentos financeiros tóxicos representa um risco para os Estados-Membros, cujas garantias podem ser exigidas para pagar por todos os produtos financeiros da empresa luxemburguesa.

Um escândalo de grande proporção teria ocorrido em 2010, se esses esquemas ilegais tivessem sido revelados: a violação do Tratado da UE, as alterações arbitrárias nas regras processuais por parte do BCE, Eurostat e do FMI, bem como a associação dos Estados-Membros à companhia privada de propósito especial em Luxemburgo. Tudo isso apenas para resgatar bancos privados, às custas de um risco sistêmico para toda a Europa, devido ao comprometimento dos Estados-Membros com garantias bilionárias que cobririam ativos tóxicos problemáticos não comercializáveis e desmaterializados.

Este escândalo nunca aconteceu, porque em Maio de 2010, a mesma reunião extraordinária do Conselho de Assuntos Econômicos e Sociais da Comissão Europeia 18 que discutiu a criação da companhia luxemburguesa EFSF “Veículo de Propósito Especial”, deu uma importância especial para o "pacote de apoio à Grécia", fazendo parecer que a criação daquele esquema era para a Grécia e que, ao fazê-lo, estariam garantindo a estabilidade fiscal para a região. Desde então, a Grécia tem sido o centro de todas as atenções, persistentemente ocupando as manchetes dos principais veículos de comunicação de todo o mundo, enquanto o esquema ilegal que efetivamente tem suportado e beneficiado os bancos privados permanece nas sombras, e quase ninguém fala sobre isso.

O relatório anual do Banco da Grécia mostra um acentuado crescimento nas contas "fora de balanço" relacionadas a ativos financeiros em 2009 e 2010, em quantidades muito maiores que o total de ativos do Banco, e esse padrão continua nos anos seguintes. Por exemplo, no Balanço Contábil do Banco da Grécia de 2010 19 , o total de ativos em 31/12/2010 era EUR 138,64 bilhões. As contas “fora de balanço” naquele ano chegou a EUR 204,88 bilhões. Em 31/12/2011 20 , enquanto o total dos ativos do Balanço somou EUR 168,44 bilhões, as contas “fora de balanço” atingiram EUR 279,58 bilhões.

Assim, a transferência de ativos tóxicos dos bancos privados para o setor público tem sido um grande sucesso: para os bancos privados. E o Sistema da Dívida 21 tem sido a ferramenta para acobertar isso.

A Grécia foi trazida a este cenário depois de vários meses de pressão persistente por parte da Comissão Europeia, devido a alegações acerca de existência de um excessivo déficit orçamentário, além de inconsistências em dados estatísticos 22 . Passo a passo, um grande problema foi criado em torno dessas questões, até que em maio de 2010 o Conselho de Assuntos Econômicos e Financeiros declarou: "na sequência da crise na Grécia, a situação nos mercados financeiros é frágil e havia um risco de contágio" 23. E assim a Grécia foi submetida ao pacote que incluiu a interferência da Troika com as suas severas medidas inseridas em planos de ajuste anual, e um peculiar acordo bilateral, seguido por "empréstimos" da EFSF lastreados em instrumentos financeiros de risco.

Economistas gregos, líderes políticos, e até mesmo algumas autoridades do FMI haviam proposto que uma reestruturação da dívida grega iria propiciar resultados muito melhores do que aquele pacote. Isso foi ignorado.

Graves denúncias acerca da superestimação do déficit orçamentário - que tinha sido a justificativa para a criação do grande problema em torno da Grécia e a imposição do pacote em 2010 - foram igualmente ignoradas.

Sérias denúncias feitas por especialistas 24 gregos sobre a falsificação de estatísticas também foram desconsideradas. Seus estudos mostravam que o montante de EUR 27,99 bilhões sobrecarregou as estatísticas de dívida pública em 2009 25, por causa da elevação falsa em determinadas categorias (tais como DEKO, obrigações hospitalares e SWAP Goldman Sachs). Estatísticas de anos anteriores também haviam sido afetadas por EUR 21 bilhões de swaps Goldman Sacks distribuídos ad hoc em 2006, 2007, 2008 e 2009.

Apesar de tudo isso, sob uma atmosfera de urgência e ameaça de "contágio", acordos peculiares foram implementados desde 2010 na Grécia; não como uma iniciativa grega, mas tal como conformado pelas autoridades da UE e do FMI, vinculados ao cumprimento de um conjunto completo de medidas econômicas, sociais e políticas prejudiciais, impostas pelos Memorandos 26.

A análise dos mecanismos 27 inseridos nesses acordos mostra que eles não significaram benefício algum à Grécia, mas serviram aos interesses dos bancos privados, em perfeita consonância com as medidas de resgate ilegais aprovadas em Maio de 2010.

Em primeiro lugar, o empréstimo bilateral usou uma conta especial no BCE, por meio da qual os empréstimos desembolsados pelos países e KfW, os credores, iriam direto para os bancos privados que detinham títulos de dívida desvalorizados, cotados muito abaixo de seu valor nominal. Dessa forma, aquele acordo bilateral peculiar foi arranjado para permitir o pagamento integral para aqueles detentores de títulos, enquanto a Grécia não obter qualquer benefício. Em vez disso, os gregos terão de pagar de volta o capital, altas taxas de juros e todos os custos.

Em segundo lugar, os "empréstimos" da EFSF resultaram na recapitalização de bancos privados gregos, além de trocas e reciclagem de instrumentos de dívida. A Grécia não recebeu qualquer empréstimo verdadeiro ou apoio da EFSF. Através dos mecanismos inseridos nos acordos com a EFSF, dinheiro efetivo nunca chegou à Grécia, mas apenas os ativos tóxicos desmaterializados que lotam a seção “fora de balanço” do Banco da Grécia. Por outro lado, o país tem sido forçado a cortar despesas sociais essenciais para pagar, em dinheiro, as altas taxas de juros e todos os custos abusivos, e também terá que reembolsar o capital que nunca recebeu. O contrato prevê que tal pagamento pode ser feito também por meio de entrega de patrimônio estatal privatizado.

É preciso buscar as razões pelas quais a Grécia foi escolhida para estar no olho do furacão, submetida a acordos e memorandos ilegais e ilegítimos, servindo de cenário para encobrir o escandaloso resgate ilegal de bancos privados desde 2010.

Talvez essa humilhação se deva ao fato de que a Grécia tem sido historicamente uma referência mundial para a humanidade, pois ela é o berço da democracia, o símbolo da ética e dos direitos humanos. O Sistema de Dívida não pode admitir tais valores, pois não possui o menor escrúpulo em provocar danos a países e povos para obter seus lucros.

O Parlamento grego já instalou a Comissão da Verdade sobre a dívida pública e nos deu a chance de revelar esses fatos; tão necessários para repudiar o Sistema de Dívida que tem subjugado não só a Grécia, mas muitos outros países, sob a espoliação do setor financeiro privado. Somente por meio da transparência e do acesso à verdade os países irão derrotar aqueles que querem colocá-los de joelhos.

Já é chegado o tempo para que a verdade prevaleça, o tempo para colocar os direitos humanos, a democracia e a ética acima de quaisquer interesses inferiores. Esta é uma tarefa para a Grécia, a ser cumprida já.


Maria Lucia Fattorelli é graduada em Administração e Ciências Contábeis. Auditora Fiscal da Receita Federal desde 1982, é coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida e membro do CAIC (Comisión para la Auditoría Integral de Crédito Público) criada pelo Presidente Rafael Correa em 2007.


[1] Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida no Brasil (www.auditoriacidada.org.br),convidada pela presidente do Parlamento Grego Deputada Zoe Konstantopoulou para colaborar com o Comité da Verdade sobre a Dívida Pública criado em 4 de abril de 2015.

[2] “Fora de balanço” significa uma seção à margem da contas normais que fazem parte do balanço contábil, onde ativos problemáticos, tais como títulos desmaterializados, não comercializáveis, são informados.

[3] Securities Markets Programme (SMP) - EUROPEAN CENTRAL BANK. Monetary policy glossary. Disponível em:

https://www.ecb.europa.eu/home/glossary/html/act4s.en.html#696[Acessado em 4 de Junho de 2015]

[4] THE LISBON TREATY. Article 123. Disponível em: http://www.lisbon-treaty.org/wcm/the-lisbon-treaty/treaty-on-the-functioning-of-the-european-union-and-comments/part-3-union-policies-and-internal-actions/title-viii-economic-and-monetary-policy/chapter-1-economic-policy/391-article-123.html[Acessado em 4 Junho de 2015]

[5] Países Membros da zona do Euro ou Sócios da EFSF: Reino da Bélgica, República Federal da Alemanha, Irlanda, Reino da Espanha, República da França, República da Itália, República de Chipre, República de Luxemburgo, República de Malta, Reino da Holanda, República da Áustria, República de Portugal, República da Eslovênia, República da Eslováquia, República da Finlândia e República Helênica.

[6] A companhia privada EFSF foi criada como um instrumento do MECANISMO DE ESTABILIZAÇÃO FINANCEIRA EUROPEIA (EFSM): http://ec.europa.eu/economy_finance/eu_borrower/efsm/index_en.htm

[7] EUROPEAN COMMISSION (2010) Communication From the Commission to the European Parliament, the European Council, the Council, the European Central Bank, the Economic And Social Committee and the Committee of the Regions - Reinforcing economic policy coordination.

http://ec.europa.eu/economy_finance/articles/euro/documents/2010-05-12-com(2010)250_final.pdf- Página 10.

[8] IRISH STATUTE BOOK (2011) European Financial Stability Facility and Euro Area Loan Facility (Amendment) Act 2011. Disponível em: http://www.irishstatutebook.ie/2011/en/act/pub/0025/print.html#sec2[Acessado em 4 Junho de 2015].

[9] Depoimento de Dr. Panagiotis Roumeliotis, representante da Grécia junto ao FMI, para o “Comité da Verdade sobre a Dívida Pública”, no Parlamento Grego, em 15 de junho de 2015.

[10] EUROPEAN FINANCIAL STABILITY FACILITY (2010) About EFSF [online] Disponível em:

http://www.efsf.europa.eu/about/index.htmand http://www.efsf.europa.eu/attachments/faq_en.pdf- Question A9 [Acessado em 4 Junho de 2015].

[11] HAAN, Jacob de; OSSTERLOO, Sander; SCHOENMAKER, Dirk. Financial Markets and Institutions – A European Perspective (2012) 2nd edition. Cambridge, UK. Asset relief schemes, Van Riet (2010) Página 62.

[12] EUROSTAT (2009) New decision of Eurostat on deficit and debt - The statistical recording of public interventions to support financial institutions and financial markets during the financial crisis. Disponível em:

http://ec.europa.eu/eurostat/documents/2995521/5071614/2-15072009-BP-EN.PDF/37382919-ebff-4dca-9175-64d78e780257?version=1.0[Acessado em 4 Junho de 2015]

[13] “Most Directors (…) called for the Fund to collaborate with other institutions, such as the Bank for International Settlements, the Financial Stability Board, and national authorities, in meeting this goal.” InIMF (2013) Selected Decisions. Disponível em: http://www.imf.org/external/pubs/ft/sd/2013/123113.pdf- Página 72 [Acessado em 4 Junho de 2015]

[14] EUROPEAN FINANCIAL STABILITY FACILITY ACT 2010. EFSF Framework Agreement, Artigos 12 (1) a, b, c, d, e (3); Artigo 10 (1), (2) e (3); Artigo 12 (4); Artigo 10 (8).

[15] Somente a partir de Outubro/ 2011 em diante, de acordo com a Decisão do Conselho de 26/Abril/2012, o Grupo de Trabalho do Eurogrupo (EWG) passou a ter um presidente em tempo integral:

OFFICIAL JOURNAL OF THE EUROPEAN UNION (2012) Official Decision. Disponível em:

http://europa.eu/efc/pdf/council_decision_2012_245_ec_of_26_april_2012_on_a_revision_of_the_statutes_of_the_efc.pdf.

A mesma pessoa, Thomas Wieser, ocupou também a presidência do Comitê Econômico e Financeiro (EFC) desde Março/2009 a Março/2011: COUNCIL OF THE EUROPEAN UNION. Eurogroup Working Group. Disponível em:

http://www.consilium.europa.eu/en/council-eu/eurogroup/eurogroup-working-group/

[16]EUROPEAN FINANCIAL STABILITY FACILITY (2013) EFSF general questions. Disponível em:

http://www.efsf.europa.eu/attachments/faq_en.pdf- Question A6. [Acessado em 4 Junho de 2015].

Veja também: Germany Debt Management Agency has issued EFSF securities on behalf of EFSF.

EUROPEAN FINANCIAL STABILITY FACILITY (2010) EU and EFSF funding plans to provide financial assistance for Ireland. Disponível em:

http://www.efsf.europa.eu/mediacentre/news/2010/2010-006-eu-and-efsf-funding-plans-to-provide-financial-assistance-for-ireland.htm [Acessado em 4 Junho de 2015]

[17] Co-Financing Agreement, PREAMBLE (A) and Article 1 – Definitions and Interpretation “Bonds”. Disponível em: http://crisisobs.gr/wp-content/uploads/2012/02/7-co-financing-agreement.pdf[Acessado em 4 Junho de 2015]

Tais títulos são emitidos em forma desmaterializada e não-certificada. Possuem muitas restrições porque são emitidos diretamente para um determinado propósito e não oferecidos em mercado, como exigido pela Lei de Ativos e pelas regras da SEC. Eles são emitidos com base numa exceção dessas regras que é aplicável somente para emissões privadas, não para Países.

[18]ECONOMIC and FINANCIAL AFFAIRS Council Extraordinary meeting Brussels, 9/10 May 2010. COUNCIL CONCLUSIONS

https://www.consilium.europa.eu/uedocs/cmsUpload/Conclusions_Extraordinary_meeting_May2010-EN.pdf

[19] BANK OF GREECE ANNUAL REPORT 2010. BALANCE SHEET p. A4 http://www.bankofgreece.gr/BogEkdoseis/Annrep2010.pdf

[20] BANK OF GREECE ANNUAL REPORT 2011. BALANCE SHEET p. A4. http://www.bankofgreece.gr/BogEkdoseis/Annrep2011.pdf

[21] Expressão criada pela autora, a partir da constatação, por meio de diversas auditorias cidadãs em diferentes instâncias, do uso do instrumento do endividamento público às avessas, funcionando como uma ferramenta de subtração de recursos públicos em vez de aportar recursos ao Estado, operando por meio de uma série de engrenagens que relacionam o sistema político, o sistema legal, o modelo econômico baseado em planos de ajuste fiscal, a grande mídia e a corrupção.

[22] 24 MARÇO 2009 - Commission Opinion - http://ec.europa.eu/economy_finance/economic_governance/sgp/pdf/30_edps/104-05/2009-03-24_el_104-5_en.pdf

27 ABRIL 2009 - Council Decision– http://ec.europa.eu/economy_finance/economic_governance/sgp/pdf/30_edps/104-06_council/2009-04-27_el_104-6_council_en.pdf

10 NOVEMBRO 2009- Council conclusions - http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/ecofin/111025.pdf

8 JANEIRO 2010- Commission Report - http://ec.europa.eu/eurostat/documents/4187653/6404656/COM_2010_report_greek/c8523cfa-d3c1-4954-8ea1-64bb11e59b3a

2 DEZEMBRO 2009- Council Decision - https://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/ecofin/111706.pdf

11 FEVEREIRO 2010 - Statement by Heads of States or Government of the European Union. - http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/ec/112856.pdf

16 FEVEREIRO 2010 - Council Decision giving - http://ec.europa.eu/economy_finance/economic_governance/sgp/pdf/30_edps/104-09_council/2010-02-16_el_126-9_council_en.pdf

[23] 9/10 MAIO 2010 - Council Conclusions - Extraordinary meeting – Sob a justificativa de uma “crise na Grécia” o esquema de medidas para salvar bancos privados é implementado.

https://www.consilium.europa.eu/uedocs/cmsUpload/Conclusions_Extraordinary_meeting_May2010-EN.pdf

10 MAIO 2010 – Council Decision –

http://ec.europa.eu/economy_finance/economic_governance/sgp/pdf/30_edps/104-09_council/2010-05-10_el_126-9_council_en.pdf

[24] Prof. Zoe Georganta, Professora de Econometria Aplicada e Produtividade, Ex membro da diretoria da ELSTAT, apresentou sua contribuição ao “Comité da Verdade sobre a Dívida Pública” em 21 Maio 2015.

[25] HF International (2011) Georgantas says 2009 deficit was purposely inflated to put us in code red. Disponível em: http://hellasfrappe.blogspot.gr/2011/09/shocking-report-official-admist-2009.html

[26] Um conjunto de 3 Memorandos acompanham a Carta de Intenções que o governo grego teve que assinar para receber um empréstimo Stand-By do FMI, nos quais se compromete a realizar as contrarreformas, cortes de serviços sociais, ao mesmo tempo em que cria fundos privados, com recursos públicos, para realizar o resgate de bancos privados (HFSF) e acelerar as privatizações (HRADT).

[27] Os mecanismos estão resumidos no Capítulo 4 do Relatório Preliminar apresentado pelo “Comité da Verdade sobre a Dívida Pública” em 17 Junho 2015. Disponível em: http://www.hellenicparliament.gr/UserFiles/8158407a-fc31-4ff2-a8d3-433701dbe6d4/Report_web.pdf

Grécia: o discurso histórico de Alexis Tsipras

Caros gregos,

Durante seis meses, o governo grego tem travado uma batalha em condições asfixia econômica sem precedentes a fim de implementar o mandato que vocês nos concederam em 25 de janeiro.

O mandato que nós estávamos negociando com os nossos parceiros era para terminar com a austeridade e permitir que a prosperidade e a justiça social retornassem a nosso país.

Era um mandato para um acordo sustentável que deveria respeitar tanto a democracia quanto as regras europeias comuns e levar para a saída final da crise.

Ao longo deste período de negociações, nós fomos convidados a implementar os acordos fechados pelos governos anteriores com os Memorandos, embora eles tivessem sido categoricamente condenados pelo povo grego nas recentes eleições.

Entretanto, em nenhum momento nós pensamos em nos render, que seria trair a confiança de vocês.

Depois de cinco meses de duras negociações, nossos parceiros, infelizmente, emitiram no Eurogrupo anteontem um ultimato à democracia grega e ao povo grego.

Um ultimato que contraria os princípios e valores fundacionais da Europa, os valores de nosso projeto europeu comum.

Eles pediram ao governo grego que aceitasse uma proposta que acumula um nova carga insustentável em cima do povo grego e prejudica a recuperação da economia e sociedade gregas, uma proposta que não só perpetua o estado de incerteza mas acentua ainda mais as desigualdades sociais.

A proposta das instituições inclui: medidas que conduzem para uma maior desregulamentação do mercado de trabalho, cortes nas pensões, reduções mais drásticas nos salários do setor público e um aumento do IVA sobre alimentos, restaurantes e turismo, além de eliminar as isenções fiscais das ilhas Gregas.

Essas propostas diretamente violam os direitos sociais e fundamentais da Europa: elas demonstram que no referente ao trabalho, igualdade e dignidade, o objetivo de alguns dos parceiros e instituições não é um acordo viável e benéfico para todos os lados, mas a humilhação do povo grego inteiro.

Essas propostas principalmente sublinham a insistência do FMI na austeridade severa e punitiva e tornam mais oportuna do que nunca a necessidade de levar os poderes europeus a aproveitar a oportunidade e tomar iniciativas que finalmente trarão um fim definitivo para a crise da dívida soberana grega, uma crise que afeta outros países europeus e ameaça o próprio futuro da integração europeia.

Caros gregos,

Agora pesa sobre nossos ombros a histórica responsabilidade para com as lutas e sacrifícios do povo grego para a consolidação da democracia e da soberania nacional. Nossa responsabilidade para com o futuro de nosso país.
E essa responsabilidade requer que nós respondamos o ultimato na base da vontade soberana do povo grego.
Pouco tempo atrás na reunião do Gabinete, eu sugeri a organização de um referendo, para que o povo grego seja capaz decidir de um modo soberano.

A sugestão foi unanimemente aceita.

Amanhã a Câmara de Representantes será urgentemente convocada para ratificar a proposta do Gabinete para um referendo para o próximo domingo, 5 de julho, sobre a questão de aceitação ou rejeição da proposta feita pelas instituições.

Eu já informe sobre minha decisão ao Presidente da França, à Chanceler da Alemanha e ao Presidente do BCE, e amanhã minha carta pedirá formalmente aos líderes da UE e para instituições estenderem por alguns dias o programa corrente a fim de que o povo grego decida, livre de qualquer pressão e chantagem, como prevista pela Constituição de nosso país e pela tradição democrática da Europa.
Caros gregos,

À chantagem do ultimato que nos pedem para aceitar uma severa e degradante austeridade sem fim e sem qualquer perspectiva de uma recuperação social e econômica, eu peço a vocês que respondam de uma maneira soberana e altiva, como a história do povo ensina.
O autoritarismo e a austeridade severa, nós responderemos com democracia, calma e decisivamente.
A Grécia, local de nascimento da democracia enviará uma resposta democrática retumbante para a Europa e para o mundo.
Eu me comprometo pessoalmente a respeitar o resultado da escolha democrática de vocês, qualquer que ele seja.

E eu estou absolutamente confiante em que sua escolha honrará a história do nosso país e eviará uma mensagem de dignidade para o mundo.

Nesses momentos críticos, nós todos temos que relembrar que a Europa é a casa comum dos povos. Que na Europa não há donos e convidados.

A Grécia é e permanecerá uma parte integral da Europa e a Europa é uma parte integral da Grécia. Mas sem democracia, a Europa será uma Europa sem identidade e sem uma bússula.

Eu convido a todos vocês a exibir a unidade nacional e a calma a fim de tomar as decisões corretas.

Para nós, para as futuras gerações, para a história dos gregos.

Para a soberania e dignidade de nossa Europa.

.oOo.
Aléxis Tsípras é o primeiro-ministro da Grécia desde 26 de Janeiro de 2015. É presidente do partido de esquerda Synaspismos (SYN) e o líder da Coligação da Esquerda Radical (SYRIZA).
O Sul21 reserva este espaço para seus leitores. Envie sua colaboração para o e-mail op@sul21.com.br, com nome e profissão.

segunda-feira, junho 29, 2015

A luta da América do Sul contra as oligarquias

Shobeir Ansari / Flickr
Me dizem que não devo morder a mão de quem me dá de comer. Como vivo nos Estados Unidos, pretendem que eu aplauda a política externa desse país, que a reverencie, como fazem muitos latino-americanos que encontram aqui a plataforma perfeita para manipular, estruturar e financiar ataques midiáticos contra a nossa Pátria Grande. Me dizem que, se sou socialista, tenho que viver em algum país socialista e que não critique enquanto “usufruo da comodidade estadunidense”. O socialismo é necessário em todos os lugares, ainda mais dentro do coração latente do capitalismo. Me perguntam, se sou guatemalteca, por que ando defendendo governos de outros países? Então, me chamam de traidora, me acusam de não amar a Guatemala.

Devo à imigração a possibilidade de me sentir cidadã do mundo. Posso me sentir argentina, chilena, equatoriana, boliviana, venezuelana, cubana, nicaraguense, brasileira. Posso me sentir africana dos pés à cabeça, me ver refletida em qualquer jornaleiro mexicano, em qualquer menina marginalizada das zonas rurais da Bielorrússia, posso ver minhas mãos e encontrar nelas o trabalho das mulheres camponesas do Cambodja e do Iêmen. Posso sentir a desolação das crianças sírias, o cansaço dos idosos no Uzbequistão. O choro incontido de uma mulher violentada na Turquia, o sofrimento de um adolescente que vive nas ruas da Letônia, entre pequenos crimes e o uso de drogas para enfrentar o cotidiano de exclusão.

Desde que saí da minha bolha territorial na Guatemala, minhas asas se abriram e pude vislumbrar um horizonte que, dentro do país, era impossível perceber. Despertaram meus sentidos, abriram meus poros, fizeram nascer uma intensa necessidade por expressar o mais profundo da inconsciência humana. Nasci num pequeno vilarejo árido chamado Comapa, na zona oriental do país, e cresci em Ciudad Peronia (meu grande amor), município da periferia da capital. Em Comapa, embaixo do chão de terra da sala da casa da minha avó, está enterrado o meu umbigo, e lá eu tenho guardado minhas raízes, que não me permitem desfazer os vínculos com a minha terra natal. Minha universidade foi o mercado onde cresci vendendo sorvetes. Meus pilares, minha alma e todo o meu ser não têm país de origem, desconhecem fronteiras, essa sensação eu devo ao êxodo. Me chamam de estrangeira, mas eu não sou. Venho de todos os lugares e vou a todos os cantos, com minhas letras, que não precisam de passaporte. Por essa razão, tenho direito e a obrigação humana de expressar e defender o que acho que é justo, sem me importar o país ou o continente. Nasci guatemalteca e morrerei sendo cidadã do mundo, porque quero ser.
Toda reforma que promova a inclusão e a equidade é inaceitável para os burgueses oligárquicos latino-americanos, os verdadeiros entreguistas.

Ilka Oliva Corado - cronicasdeunainquilina.wordpress.com


Nos Estados Unidos, abundam os infames que para lá foram porque nunca gostaram da entranha que os pariu. Também estão os que há muito tempo deixaram a militância e se mudaram para a luxuosa mentira do sonho americano, satisfeitos com a ilusão e fingindo que se sentem realizados quando se sentam na cloaca, sem perceber que vivem no coração da plutocracia.

Esses são que organizam as turbulências, os que pretendem desestabilizar os governos socialistas. Alguns do lado de fora, outros do lado de dentro. No Equador, por exemplo, uma dura semana para o governo de Correa, a direita ataca de novo, dessa vez com mais intensidade, pois se sente ameaçada pelo projeto da Lei de Heranças – que pretende aumentar os impostos das mesmas em quantidades proporcionais. Os “camisas brancas” (militantes opositores) convocaram uma manifestação nas ruas, e orquestram um novo golpe de Estado, com a ajuda absoluta dos Estados Unidos. Não tem sido fácil para a América Bolivariana, com todas as suas correntes progressistas, seja a peronista, a kirchnerista, a petista ou a chavista, dependendo do país ou da região.

Os golpes não são isolados, só mudam de ritmo, mas a estratégia é a mesma, se repetem os meandros e o mesmo fim: acabar com os governos que buscam a igualdade social para os povos. Toda reforma que promova a inclusão e a equidade é inaceitável para os burgueses oligárquicos latino-americanos, os verdadeiros entreguistas, que continuam chamando a eles mesmos de “conquistadores”, que se sentem herdeiros de coroas e de reinos. Esses que desperdiçam ego e arrogância, os verdadeiros genocidas déspotas e tiranos, que estão em qualquer avenida principal dos nossos países, infestando os lugares de privilégio do sistema, encobertos pela impunidade.

Através dos seus meios de comunicação, esses mesmos grupos manipulam a informação e despertam as mobilizações, tergiversam, descontinuam… é preciso ter os olhos bem abertos no Equador, e nos governos socialistas da América Latina, porque esta luta é sem descanso, ombro a ombro, porque se mexem com um mexem com todos. A Pátria Grande é de todos.

Na Argentina, desde o surgimento do Caso Nisman, a direita nem respira, em seu afã de atacar Cristian Fernández de Kirchner. A semana passada foi de duras provas para peronistas e kirchnernistas, e a chefa tomou uma decisão importante para assegurar a continuidade do projeto. Cristina não falha com os mais pobres, os mesmos que Evita representou com dignidade. Ao propor a fórmula Scioli-Zannini, deixando Florencio Randazzo fora da chapa, ela desagradou muitos revolucionários fanáticos, que a acusaram de traidora. O mesmo Randazzo escreveu uma carta pública, revelando forte ressentimento, anunciando que não aceitaria o posto menor que lhe foi oferecido em troca, o que demostrou que Cristina tinha razão, ele não está preparado para nenhum dos cargos estratégicos que requerem lideranças fortes, capazes de defender o projeto. Imaturo, egocêntrico, demostrou que sua luta era pessoal, jamais em benefício do povo. Um revolucionário de verdade sabe que todas as trincheiras são importantes, e que se deve defender a revolução com o corpo e a alma, deixando fora egos e arrogâncias. Novamente, Cristina demonstrou que tanto a esquerda ressentida quanto a direita raivosa a subestimam. Suas jogadas são geniais porque não dão lugar a paixões e fanatismos. Quem está com Cristina confia em suas decisões, mesmo quando as consequências não são as esperadas, porque existe a convicção com o projeto de país, que deve continuar, mesmo enfrentando bons e maus momentos.

Também seguimos estando de corpo inteiro com Maduro e com a Revolução Bolivariana na Venezuela. Todos os dias, em todas as horas, porque essa revolução é do povo e para o povo. E estamos com Dilma no Brasil, e apoiando a Bachelet em sua luta contra a oligarquia chilena, como também estamos na luta com os estudantes chilenos, com os professores, e com o povo mapuche. Também estamos com os indignados na Espanha, e apoiando o novo início da Grécia. Claro que sim, porque a luta pela dignidade e pela igualdade social não tem fronteiras. E não podemos deixar de citar o processo de Evo na Bolívia, e a mãe das revoluções, a de Fidel e Raúl em Cuba.

Não nos deixemos enganar, todos os processos são difíceis, enfrentam picuinhas, decepções, traições, deserções, e dói no coração quando essas coisas acontecem, quando as cartas começam a se mover debaixo da mesa. Mas não devemos esquecer, nem por um segundo, que o projeto de país é uma construção coletiva, e deve ser pensado e realizado buscando o benefício dos povos excluídos. Nossa obrigação é defendê-lo, em qualquer trincheira. Defendamos a tentativa incansável dos governos socialistas de estabelecer a igualdade social, por um mundo onde a dignidade não se pague com a vida, onde homens e mulheres sejamos iguais em termos de direitos, um mundo sem classismo e sem ódio racial. Um mundo que provoque mais sorrisos das crianças, onde se possa apreciar as flores dos jardins e a frescura dos riachos.

O “Estado Mínimo” é bom ! Para o Brasil !

O maior empregador do mundo é o Pentágono !

O Conversa Afiada reproduz do Jornal do Brasil artigo de Mauro Santayana:



A OPERAÇÃO LAVA-JATO, A DEFESA NACIONAL, A CONTRA-INFORMAÇÃO E A ESPIONAGEM


Em suas críticas ao tamanho do Estado e na defesa da privatização a qualquer preço, os neoliberais tupiniquins se esforçam por defender a tese de que o poder de algumas das maiores nações do mundo “ocidental”, os EUA à frente, teria como únicos, principais esteios, o capitalismo, a livre iniciativa e o livre mercado, e defendem, sempre que podem, alegando a existência de “cabides de emprego”, e o grande número de ministérios, a diminuição do setor público no Brasil.

A informação, divulgada na semana passada, de que, com três milhões e duzentos mil funcionários, o Departamento de Defesa dos EUA é o maior empregador do mundo, tendo em sua folha de pagamento, sozinho, mais colaboradores que o governo brasileiro, com todos seus 39 ministérios, mostra como essa gente tem sido pateticamente enganada, e corrobora o fato de que a tese do enxugamento do estado, tão cantada em prosa e verso por certos meios de comunicação nacionais, não é mais, do ponto de vista da estratégia das nações, do que uma fantasia que beira a embromação.

Dificilmente vai se encontrar uma nação forte, hoje – como, aliás, quase sempre ocorreu na história – que não possua também um estado poderoso, decidida e vigorosamente presente em setores estratégicos, na economia, e na prestação de serviços à população.

Enquanto em nosso país, o número total de empregados da União, estados e municípios, somados, é de 1,5% da população, na Itália ele passa de 5%, na Alemanha, proporcionalmente, ele é de 80% a mais do que no Brasil, nos EUA, de 47% a mais e na França, também um dos países mais desenvolvidos do mundo, de 24% da população ativa, o que equivale a dizer que praticamente um a cada quatro franceses trabalha para o Setor Público.

Esses dados derrubam também a tese, tão difundida na internet, de que no Brasil se recebe pouco em serviços, comparativamente aos impostos que se pagam. Por aqui muitos gostariam de viver como na Europa e nos Estados Unidos, mas ninguém se pergunta quantos funcionários públicos como médicos, professores, advogados, técnicos, cientistas, possuem a mais do que o estado brasileiro, os governos dos países mais desenvolvidos do mundo, para prestar esse tipo de serviços à população.

E isso, sem ter que ouvir uma saraivada de críticas a cada vez que lança um concurso, e sem ter que enfrentar campanhas quase que permanentes de defesa da precarização do trabalho e da terceirização.

Aos três milhões e duzentos mil funcionários, cerca de 1% da população norte-americana, fichados apenas no Departamento de Defesa, é preciso agregar, no esforço de fortalecimento nacional dos Estados Unidos, centenas de universidades públicas e privadas, e grandes empresas, estas, sim, privadas, ou com pequena participação estatal, que executam os principais projetos estratégicos de um país que tem o dobro da relação dívida pública-PIB do Brasil e não parece estar, historicamente, preocupado com isso.

Companhias que, quando estão correndo risco de quebra, como ocorreu na crise de 2008, recebem dezenas de bilhões de dólares e novos contratos do governo, e que possuem legalmente, em sua folha de pagamento, “lobistas”, que defendem seus interesses junto à Casa Branca e ao Congresso, que, se estivessem no Brasil, já teriam sido, neste momento, provavelmente presos como “operadores”, por mera suspeição, mesmo sem a apresentação de provas concretas.

Da estratégia de fortalecimento nacional dos principais países do mundo, principalmente os ocidentais, faz parte a tática de enfraquecimento e desestruturação do Estado em países, que, como o Brasil, eles estão determinados a continuar mantendo total ou parcialmente sob seu controle.

Como mostra o tamanho do setor público na Alemanha, na França, nos Estados Unidos – ampla e propositadamente subestimado no Brasil – por lá se sabe que, quanto mais poderoso for o Estado em um potencial concorrente, mais forte e preparado estará esse país para disputar um lugar ao sol com as nações mais importantes, em um mundo cada vez mais complexo e competitivo.

Daí porque a profusão de organizações, fundações, “conferencistas”, “analistas” “comentaristas”, direta e indiretamente pagos pelos EUA, muitos deles ligados a braços do próprio Departamento de Defesa, como a CIA, e a aliança entre esses “conferencistas”, “analistas”, “filósofos”, “especialistas”, principescos sociólogos – vide o livro “Quem pagou a conta? A CIA na Guerra Fria da Cultura”, da jornalista inglesa Frances Stonor Saunders – etc, com a imprensa conservadora de muitos países do mundo, e mais especialmente da América Latina, na monolítica e apaixonada defesa do “estado mínimo”, praticada como recurso para o discurso político, mas também por pilantras a serviço de interesses externos, e por ignorantes e inocentes úteis.

Em matéria de capa para a Revista Rolling Stone, no final da década de 1970, Carl Bernstein, o famoso repórter do Washington Post, responsável pela divulgação e cobertura do Caso Watergate, que derrubou o Presidente Richard Nixon, mostrou, apresentando os principais nomes, como centenas de jornalistas norte-americanos foram recrutados pela CIA, durante anos, a fim de agir no exterior como espiões, na coleta de informações, ou para produzir e publicar matérias de interesse do governo dos Estados Unidos.

Muitos deles estavam ligados a grandes companhias, jornais e agências internacionais, como a Time Life, a CBS, a NBC, a UPI, a Reuters, a Associated Press, a Hearst Newspapers, e a publicações como o New York Times, a Newsweek e o Miami Herald, marcas que em muitos casos estão presentes diretamente no Brasil, por meio de tv a cabo, ou têm seu conteúdo amplamente reproduzido, quando não incensado e reverenciado, por alguns dos maiores grupos de comunicação nacionais.

Assim como a CIA influenciou e continua influenciando a imprensa norte-americana dentro e fora do território dos Estados Unidos, ela, como outras organizações oficiais e paraoficiais norte-americanas, também treina, orienta e subsidia centenas de veículos, universidades, estudantes, repórteres, em todo o mundo, em um programa que vem desde antes da Guerra Fria, e que nunca foi oficialmente interrompido.

O próprio Departamento de Defesa, o Departamento de Estado, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, USAID, o Fundo Nacional para a Democracia, NED, o Conselho Superior de Radiodifusão, BBG, e o Instituto dos EUA para a Paz, USIP, bancam atividades de “desenvolvimento de meios” em mais de 70 países, em programas que mantêm centenas de fundações, ONGs estrangeiras, jornalistas, meios de informação, institutos de “melhoramento” profissional, e escolas de jornalismo, com um investimento anual que pode chegar a bilhões de dólares.

Além deles, são usados, pelo Departamento de Estado, o Bureau de Assuntos Educacionais e Culturais, (Bureau of Educational and Cultural Affairs, BECA), o Bureau de Inteligência e Investigação, (Bureau of Intelligence and Research, INR) e o Bureau de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho (Bureau of Democracy, Human Rights, and Labor, DRL), que apenas no ano de 2006 organizou, na Bolívia, por exemplo, 15 diferentes “oficinas” sobre “liberdade de imprensa e expressão”, além do Escritório de Diplomacia e Assuntos Públicos (Office of Public Diplomacy and Public Affaires, OPDPA).

“O que nós estamos ensinando – explica Paul Koscak, porta-voz da USAID – é a mecânica do jornalismo, na imprensa escrita, no rádio ou na televisão. Como fazer uma história, como escrever de forma equilibrada … tudo o que se espera de um verdadeiro profissional de imprensa.”

Isabel MacDonald, diretora de comunicação da Fairness And Accuracy in Reporting (FAIR) – Imparcialidade e Transparência na Informação – um observatório de meios de comunicação de Nova Iorque sem fins lucrativos, não tem, no entanto, a mesma opinião.

Para ela, “esse tipo de operação do governo norte-americano, a despeito de sua alegada defesa das normas da objetividade, trabalha, na verdade, contra a democracia, apoiando a dissensão sufocante, e divulgando informações deliberadamente falsas que são úteis para os objetivos da política exterior dos Estados Unidos.’

Um exemplo clásssico desse tipo de resultado, quanto aos objetivos norte-americanos, foi o envolvimento de Washington, denunciado pela comissão legislativa Church-Pike, no Congresso dos EUA, com o financiamento a jornais de oposição na América Latina, como o grupo “El Mercúrio” do Chile, por exemplo, na conspiração que levou ao golpe militar contra o presidente eleito de orientação nacionalista Salvador Allende, em 1973.

Em abril de 2015, a Associação dos Jornalistas Chilenos decidiu expulsar de seus quadros o dono do Grupo El Mercúrio, Agustín Edwards Eastman, de 87 anos, por violação do código de ética, depois que documentos oficiais revelados nos Estados Unidos mostraram, em 2014, que ele havia recebido dinheiro da CIA para publicar informações falsas contra o governo chileno.

A diferença entre os Estados Unidos, que se dizem “liberais” e “privatistas”, e na verdade não o são, e o Brasil, que cede a todo tipo de pressão, na tentativa de provar, todos os dias, que não é comunista nem estatizante, é que, mesmo quando envolvidas com corrupção – considerada uma espécie de “dano colateral” que deve ser “contornado” e “absorvido”, no contexto do objetivo maior, de permanente fortalecimento do complexo-industrial militar dos EUA – a existência das principais empresas de defesa norte-americanas nunca é colocada em risco.

Apenas como exemplo, a Lockheed Martin, uma das principais companhias de aviação e de defesa dos EUA, pagou, como lembrou André Motta Araújo no Jornal GGN outro dia, entre as décadas de 1950 e 1970, mais de 300 milhões de dólares, ou 3.7 bilhões de dólares em dinheiro de hoje, de propina para autoridades estrangeiras, entre elas – para quem acha que isso só acontece em paises “sub-desenvolvidos” – o então Ministro da Defesa da Alemanha Ocidental, Franz Joseph Strauss, os ministros Luigi Gul, e Maria Tanassi, o Primeiro-Ministro Mariano Rumor e o Presidente da República Italiana, Giovanni Leone, o general Minoru Genda e o Primeiro-Ministro japonês Kakuei Tanaka, e até o príncipe Bernhard, marido da Rainha Juliana, da Holanda.

E alguém acha que a Lockheed foi destruída por isso ? Como também informa Motta Araújo, seus principais dirigentes renunciaram alguns anos depois, e o governo norte-americano, no lugar de multar a empresa, lhe fez generoso empréstimo para que ela fizesse frente, em melhores condições, aos eventuais efeitos do escândalo sobre os seus negócios.

A Lockheed, conclui André Motta Araújo em seu texto, vale hoje 68 bilhões de dólares, e continua trabalhando normalmente, atendendo a enormes contratos, com o poderoso setor de defesa norte-americano.

Enquanto isso, no Brasil, os dirigentes de nossas principais empresas nacionais de defesa, constituídas, nesses termos, segundo a Estratégia Nacional de Defesa, em 2006, para, com sede no Brasil e capital votante majoritariamente nacional, fazer frente à crescente, quase total desnacionalização da indústria bélica, e gerir alguns dos mais importantes programas militares da história nacional, que incluem novos mísseis ar-ar, satélites e submarinos, entre eles nosso primeiro submersível atômico, encontram-se, quase todos, na cadeia.

O Grupo Odebrecht, o Grupo Andrade Gutierrez, o OAS e o Queiroz Galvão têm, todos, relevante participação na indústria bélica e são os mais importantes agentes empresariais brasileiros da Estratégia Nacional de Defesa. Essas empresas entraram para o setor há alguns anos, não por ter algum privilégio no governo, mas simplesmente porque se encontravam, assim como a Mendes Júnior, entre os maiores grupos de engenharia do Brasil, ao qual têm prestado relevantes serviços, desde a época do regime militar e até mesmo antes, não apenas para a União, mas também para estados e municípios, muitos deles governados pela oposição, a quem também doaram e doam recursos para campanhas políticas de partidos e candidatos.

Responsáveis por dezenas de milhares de empregos no Brasil e no exterior, muitos desses grupos já estão enfrentando, depois do início da Operação Lava-Jato, gravíssimos problemas de mercado, tendo tido, para gaúdio de seus concorrentes externos, suas notas rebaixadas por agências internacionais de crédito.

Projetos gigantescos, tocados por essas empresas no exterior, sem financiamento do BNDES, mas com financiamento de bancos internacionais que sempre confiaram nelas, como o gasoduto do Perú, por exemplo, de quase 5 bilhões de dólares, ou a linha 2 do metrô do Panamá, que poderiam gerar centenas de milhões de dólares em exportação de produtos e serviços pelo Brasil, correm risco de ser suspensos, sem falar nas numerosas obras que estão sendo tocadas dentro do país.

Prisões provocadas, em alguns casos, por declarações de bandidos, que podem ser tão mentirosas quanto interesseiras ou manipuladas, que por sua vez, são usadas para justificar o uso do Domínio do Fato – cuja utilização como é feita no Brasil já foi criticada jurídica e moralmente pelo seu criador, o jurista alemão Claus Roxin – às quais se somam a mera multiplicação aritmética de supostos desvios, pelo número de contratos, sem nenhuma investigação, caso a caso, que os comprove, inequivocamente, e por suposições subjetivas, pseudo-premonitórias, a propósito da possível participação dessas empresas em um pacote de concessão de projetos de infra-estrutura que ainda está sendo planejado e não começou, de fato, sequer a ser oficialmente oficialmente estruturado.

O caso Lockheed, o caso Siemens, e mais recentemente, o do HSBC, em que o governo suiço multou esse banco com uma quantia mínima frente à proporção do escândalo que o envolve, nos mostram que a aplicação da justiça, lá fora, não se faz a ferro e fogo, e que ela exige bom senso para não errar na dose, matando o paciente junto com a doença.

Mais uma vez, é necessário lembrar, é preciso combater a corrupção, mas sem arrebentar com a Nação, e com alguns dos principais pilares que sustentam nossa estratégia de desenvolvimento nacional e de projeção nos mercados internacionais.
No futuro, quando se observar a história do Brasil deste período, ao tremendo prejuízo econômico gerado por determinados aspectos da Operação Lava-Jato, mutíssimo maior que o dinheiro efetivamente, comprovadamente, desviado da Petrobras até agora, terá de ser somado incalculável prejuízo estratégico para a defesa do país e para a nossa indústria bélica, que, assim como a indústria naval, se encontrava a duras penas em processo de soerguimento, depois de décadas de estagnação e descalabro.

No Exército, na Marinha, na Força Aérea, muitos oficiais – principalmente aqueles ligados a projetos que estão em andamento, na área de blindados, fuzis de assalto, aviação, radares, navios, satélites, caças, mísseis, submarinos, com bilhões de reais investidos – já se perguntam o que irá acontecer com a Estratégia Nacional de Defesa, caso as empresas que representam o Brasil nas joint-ventures empresariais e tecnológicas existentes vierem a quebrar ou a deixar de existir.

Vamos fazer uma estatal para a fabricação de armamento, que herde suas participações, hipótese que certamente seria destroçada por violenta campanha antinacional, levada a cabo pelos privatistas e entreguistas de sempre, com o apoio da imprensa estrangeira e de seus simpatizantes locais, com a desculpa de que não se pode “inchar”” ainda mais um estado que na verdade está sub-dimensionado para as necessidades e os desafios brasileiros?

Ou vamos simplesmente entregar essas empresas, de mão beijada, aos sócios estrangeiros, com a justificativa de que os projetos não podem ser interrompidos, perdendo o controle e o direito de decidir sobre nossos programas de defesa, em mais um capítulo de vergonhoso recuo e criminosa capitulação ?

Com a palavra, o STF, o Ministério da Defesa, e a consciência da Nação, incluindo a dos patriotas que militam, discreta e judiciosamente, de forma serena, honrosa e equilibrada, no Judiciário e no Ministério Público.


Seminário lança cartilha sobre reforma tributária


Sindicato dos Bancários

Material foi apontado como exemplo da importância de todos conhecerem como funciona o sistema tributário no país
São Paulo – O seminário sobre reforma tributária promovido pelo Sindicato na quinta-feira 25 lancou a cartilha Uma reforma tributária para melhorar a vida do trabalhador. O material foi produzido com a finalidade de apresentar as contradições do sistema de impostos no Brasil e alternativas para torná-lo mais justo. Redigida pelo economista João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a cartilha foi ilustrada pelo cartunista Gilberto Maringoni, professor da Universidade Federal do ABC.



“A sociedade não tem ideia do que é o sistema tributário, e com esse nível de consciência não vamos conseguir levar propostas ao Congresso. O primeiro movimento deve ser de discussão nos movimentos sociais, com a sociedade”, explicou Sicsú, falando sobre a importância de uma cartilha como essa ser criada.

Para o professor, além de divulgar informações é preciso transfomar essa discussão em algo concreto. João também ressaltou diversos pontos abordados pela caderno, em especial a taxação de grandes fortunas, dando como exemplo veículos como iates e helicópteros que não possuem tributacão como o IPVA dos carros.

Juvandia Moreira, presidenta do Sindicato comandou a mesa de lançamento que encerrou o evento ao lado de Pedro Onofre Fernandes, diretor de estudos técnicos do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, Dão Real Pereira dos Santos, do Instituto Justica Fiscal, e Marcos Lisandro Puchêvitch, delegado sindical do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda.

“O que foi falado aqui é de suma importância para uma futura reforma, na cartilha o professor Sicsú conseguiu abordar o assunto de forma muito didática. A constituição diz que 'quem pode mais, paga mais e quem pode menos, paga menos', essa deveria ser a diretriz”, comentou Pedro Onofre.

A reforma tributária foi lembrada também como problema político. Segundo Dão, é importante saber quem está por trás dos políticos que regulamentam as leis fiscais, usando como exemplo a atual bancada de empresários que é maioria no Congressso Nacional. “O discurso deve ser popular, muitos pagam impostos sem saber e sem enxergar isso”, afirmou. “O sistema fiscal tem de estar a serviço da redução da desigualdade.”

Elogiando a cartilha, Marcos Puchêvitch, reforçou que “não é só o povo que deve pagar tributos, mas a única coisa que pode resolver isso é a pressão popular”. Para os participantes do lançamento, o material é um exemplo do que deveria ser feito nas escolas, onde o conhecimento sobre o sistema econômico e fiscal poderia ser transmitido desde o ensino fundamental.

“A cartilha está disponibilizada no nosso site para que todos possam ter acesso. Queríamos que ela fosse leve e acessível e acho que atingimos isso. Não haverá democracia total, de fato, se não fizermos as reformas tributária, política, agrária e da comunicação”, concluiu Juvandia Moreira.

Cartilha – O texto analisa o sistema tributário brasileiro como “complexo e regressivo” ao concentrar a arrecadação em impostos sobre consumo, seja de eletrodomésticos, bebidas ou alimentos. E exemplifica como o formato é injusto ao levar pobres e ricos a pagar o mesmo valor sobre um determinado produto. “O tributo que incide sobre um pacote de macarrão, por exemplo, pesa no orçamento de quem ganha um salário mínimo, mas os ricos nem sequer percebem esse valor.”

Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os 10% mais pobres destinam 32% das suas rendas para pagar impostos, enquanto os 10% mais ricos desembolsam apenas 21%. Isso decorre em parte do fato de o maior imposto do país, o ICMS, incidir sobre o consumo. É estadual e, sozinho, representa 20,32% (ou um quinto) de toda a arrecadação tributária do país. Sua carga é de 7,18% do PIB, diz a cartilha.

A edição observa que o ICMS é também responsável pela chamada “guerra fiscal” entre os estados. Cada unidade da federação tem a própria lei. Assim, os governos usam o imposto como instrumento para atrair empresas, por meio de benefícios fiscais. Para mexer no ICMS, é preciso discutir o próprio pacto federativo, defende o texto de João Sicsú.

Carga tributária – De acordo com o levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), divulgado no ano passado, 55,74% da arrecadação tributária do país, incluindo União, estados e municípios vêm de impostos sobre consumo, enquanto 30,48%, da tributação da renda (15,64% da renda do trabalho). Mas a tributação sobre patrimônio é de apenas 3,7%. Outro problema é a recusa dos poderes de encarar questões para as quais falta vontade política. A Constituição Federal de 1988 prevê a cobrança do imposto sobre grandes fortunas, mas esse tributo precisa ser regulamentado por lei complementar, o que nunca foi feito pelo Congresso Nacional.

Sicsú observa que “os que não querem mudanças” desenvolvem campanhas que simplesmente condenam a carga tributária no Brasil. “Uma meia-verdade”, diz. Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a carga tributária brasileira é inferior a muitos países. A carga tributária corresponde atualmente a 35% do PIB do Brasil, menor do que a da Alemanha (37,1%), Áustria (42,1%), Bélgica (44%), Dinamarca (48,1%) e Itália (42,9%), entre outros. “O problema é que em outro países há educação pública, sistemas de saúde e outros serviços, como transporte, gratuitos e de boa qualidade”, ressalva o autor.
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Em pauta, tributar heranças e grandes fortunas


Sindicato dos Bancários

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Em seminário promovido pelo Sindicato, especialistas debatem formas para sistema tributário mais justo
São Paulo – “No Brasil, arrecada-se com os pobres e gasta-se com os ricos”. A frase dita pelo economista Márcio Pochmann durante a mesa de abertura do seminário De qual reforma tributária o Brasil precisa?, promovido pelo Sindicato na quinta-feira 25, explicitou uma das mais graves e injustas distorções do sistema tributário brasileiro.

> Fotos: galeria completa do dia de debates
> Vídeo: tributos para pobres; paraíso fiscal de ricos

A mesa seguinte – coordenada pela secretária-geral do Sindicato, Ivone Maria da Silva, e composta por Marcelo Lettieri , auditor fiscal integrante do Instituto Justiça Fiscal, e pelo economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), José Aparecido Carlos Ribeiro – debateu uma das alternativas para tornar mais justa a composição do nosso sistema tributário: taxação de grandes fortunas e heranças.

Em sua fala, Lettieri enfatizou que a tributação de grandes fortunas está prevista na Constituição de 1988, é praticada pela maioria dos países ocidentais desenvolvidos e, ao contrário do que defendem os críticos desse tipo de imposto, poderia gerar uma importante arrecadação para o Brasil.

“A taxação das grandes fortunas está prevista na Constituição de 1988 e dorme em berço esplêndido desde então. Os neoliberais, críticos do imposto, argumentam que teria baixo potencial de arrecadação. Porém, de acordo com estudos recentes, a estimativa é que se arrecadaria de R$ 6 bilhões, com um modelo de taxação de patrimônios bem altos com alíquotas baixas, até R$ 22 bilhões por ano”, explica o auditor fiscal. “Se aplicássemos o modelo francês, o Brasil arrecadaria 12,6 bilhões. Já seria o suficiente para que não fosse necessário adotar as medidas restritivas do seguro-desemprego”, exemplificou.

Em relação à tributação incidente sobre heranças, Lattieri afirma que o percentual aplicado no país é vergonhoso. “No Brasil, a alíquota média é de 3,8%, enquanto na Inglaterra é 36%, na França 35% e no Japão 44%. Essa é uma fonte extremamente importante de arrecadação, que é simplesmente desconsiderada no Brasil.”

De acordo com os dois especialistas, além da arrecadação gerada, taxar grandes fortunas e heranças também seria um incentivo para direcionar o capital para o setor produtivo. “O imposto sobre as grandes fortunas e heranças seria um estímulo para a utilização produtiva dos recursos. Um incentivo para que se produza renda para que se pague o tributo”, afirma Lettieri. “Precisamos de um sistema tributário que dê mais incentivos para a atividade produtiva do que para o rentismo”, completa Ribeiro.

Por fim, o economista do Ipea destacou também a importância de tornar o sistema tributário brasileiro mais transparente. “A transparência do sistema tributário pode ser dolorida para a gente como pessoa física, mas é uma condição necessária para aumentar o nível de civilização do sistema político, social e econômico brasileiro”, diz.

“Quanto mais transparente for a tributação, mais sofrida será. Nós saberemos o que estamos pagando e quanto estamos pagando. Mas é melhor saber, porque assim a gente mobiliza, a gente cobra e não fica achando que a culpa é toda da presidenta que está lá. Vamos cobrar do prefeito o que é da sua responsabilidade, do governador o que é do governador e dos vereadores o que cabe a eles”, defende Ribeiro.
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Os aprendizes de feiticeiro e as soluções radicais na economia

Luis Nassif


Não existe nada de mais descolado da realidade econômica do que a ideia de que ajustes radicais promovem recuperações rápidas na economia.

Trata-se de opinião de economistas que jamais conseguiram avançar para além das planilhas. No poder, esses economistas promovem estragos incalculáveis.

Foi assim no plano Real, quando jogaram as taxas de juros para níveis inimagináveis. Em pouco tempo formou-se a maior dívida pública da história sem contrapartida de ativos.

O que aconteceu na economia real?

Ela já vinha em queda desde o final de 1994. No segundo semestre de 1994, a estabilização fez explodir o consumo e houve grande estímulo ao endividamento das empresas, visando ampliar seu capital de giro para atender o mercado que explodia. No final do ano, sentindo que haviam batido no limite, começaram a reduzir estoques e a sair gradativamente do nível anterior de endividamento.

Aí a elevação radical das taxas de juros apanhou-as no contrapé. Impedindo-as de voltar ao patamar anterior. Foram apanhadas pela armadilha do endividamento, criando-se o maior endividamento circular da história, que manietou a economia pelos anos seguintes. A crise arrebentou com o setor agrícola, bateu na indústria e desmontou a arrecadação. A dívida aumentou pelo exercício exagerado dos juros e pela queda da receita.

Isso acontece porque a economia é um conjunto de relações entre setores, que se afetam mutuamente. Não se está tratando com máquinas, mas com intenções, expectativas, um equilíbrio permanentemente precário entre crescimento e preços. E, na economia real, o tempo é muitissimo mais lento do que nos computadores dos traders de mercado.

Se a economia está em vôo cruzeiro, as empresas aumentam seus estoques, os consumidores ampliam seus financiamentos. Quando a economia começa a fraquejar, há um processo inverso de queima gradativa de estoques e de pisada no freio do endividamento pessoal. É um processo que demanda tempo. Não se liquidam dívidas em um piscar de olhos.

Quando, a pretexto de corrigir um desequilíbrio, inserem-se medidas radicais na economia - como essa mistura fatal de recessão, ajuste fiscal irreal e suspensão total do crédito -, corta-se a travessia de empresas e consumidores para a nova realidade que se pretende introduzir. Ambos são apanhados no contrapé e ficam presos à armadilha do endividamento.

O pensamento monofásico

Essas loucuras decorrem do pensamento monofásico dos nossos gestores econômicos.

O Ministro da Fazenda Joaquim Levy só tem olhos para uma equação simplória, tendo como foco único as decisões de investimento: Não se investe por falta de confiança na parte fiscal.

Se se fizer uma arrumação fiscal, aumenta-se a confiança. Ou seja, se vou de 0 para 1 na parte fiscal, a confiança aumentará de 0 para 1. Logo, se eu for de 0 para 5 na parte fiscal a confiança aumentará de 0 para 5.

Não lhe passa pela cabeça - ou melhor, só lhe passa depois do desastre consumado - o momento 2 do choque radical: a queda de receita, inviabilizando as metas fiscais; o aumento da fervura política, deixando o governo no corner junto ao Congresso e à opinião pública.

O presidente do Banco Central Alexandre Tombini é o monofásico das metas inflacionárias. Se a inflação sobe, basta aumentar os juros que a inflação desce. Debaixo dessa formulação simplória, há a economia como organismo vivo.

Divida-se o mercado em três preços: os importados, os administrados e os de mercado. Os primeiros e segundos independem da demanda; os terceiros são fundamentalmente regidos pela demanda. A inflação está sendo puxada pelos dois primeiros.

Se optasse por uma política gradativa, os preços de importados e administrados se estabilizariam em um patamar mais elevado - mas se estabilizariam. E inflação não é nível de preços, mas variação de preços.

Mas Tombini quer as soluções heróicas. Aumenta as taxas de juros a níveis pornográficos e corta completamente o crédito, para que a queda nos preços de mercado compense a alta nos preços dos importados e os administrados. Afinal, quanto mais radical o ajuste, mais rapidamente a inflação voltará para a meta.

Para atingir esse objetivo radical, só à custa de uma deflação radical nos preços de mercado.

Deflação ocorre apenas em situações em que a recessão é tão aguda que leva à queda até de preços em equilíbrio. Ou seja, pega-se um consumo em queda, com preços estabilizados, e aplica-se uma dose radical de juros para cair mais ainda, a fim de compensar as altas de preços não regulados pela demanda.

Nem tem o que calcular: somado à política fiscal de Levy, o resultado será recessão da grossa, com implicações no mercado de trabalho, na armadilha do endividamento das empresas. Em suma, tudo igual a 1995, com o agravante de não ter um Plano Real nas costas para legitimar as barbaridades cometidas.

Quando Gustavo "Saco de Maldades" Franco finalmente saiu do Banco Central, após uma sucessão amalucada de medidas "heroicas" que arrebentaram com a economia, ouvi de Luiz Carlos Mendonça de Barros - que foi economista do Cruzado - uma explicação sobre a formação dos economistas que sobem ao poder:

- Saiu quando ia ficar bom. Todos nós, na primeira vez, nos deslumbramos com o poder que tem uma autoridade monetária e econômica e cometemos as maiores barbaridades. Depois amadurecemos e aprendemos que a economia não é assim.

O problema brasileiro é o eterno aprendizado dos novos aprendizes de feiticeiro que ascendem à área econômica.