quinta-feira, julho 30, 2015

Segredos militares estariam por trás da prisão de Othon Pinheiro da Silva Da Redação

O Wikileaks havia cantado a pedra em 2011. Na ocasião, a preocupação latente do governo americano com o trabalho desenvolvido por cientistas brasileiros no campo da energia nuclear, que culminaria com a entrada em operação, em 2025, de um submarino de propulsão nuclear, produzido em conjunto com a França, já havia sido tornada pública. Desta forma há de se questionar: qual o papel que a Polícia Federal, sob o mando (e desmando) do ministro Sérgio Moro assume agora? Por que ela invade a área da Segurança Nacional e decide investigar o nosso principal representante no campo estratégico da segurança de estado e da energia? Veja a reportagem publicada pela Gazeta do Povo em 2011.


WikiLeaks revela disputa entre Defesa e Itamaraty nos bastidores da corrida nuclear

Nas correspondências, a diplomacia americana constata que há um único "quase-consenso" em Brasília, que é a resistência em aderir ao Protocolo Adicional do Tratado de Não Proliferação (TNP).

Os bastidores da política nuclear do Brasil ocuparam os Estados Unidos tanto quanto o monitoramento de possíveis acordos de cooperação com potências nucleares como a Índia, ou a aproximação com o Irã. A disputa de poder e influência entre o Ministério da Defesa e o Itamaraty sobre a política nuclear vem à tona em telegramas diplomáticos americanos sobre não proliferação, revelados ao O Globo pelo WikiLeaks. Nas correspondências, a diplomacia americana constata que há um único "quase-consenso" em Brasília - a resistência em aderir ao Protocolo Adicional do Tratado de Não Proliferação (TNP).

As fissuras dentro do governo brasileiro aparecem na descrição de um encontro do então embaixador Clifford M. Sobel com o presidente da Eletrobras, Othon Pinheiro, apontado pelos americanos como "o czar da energia nuclear do Brasil". Diante da constante pressão dos EUA pela adesão brasileira ao Protocolo Adicional do TNP - que autoriza a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) a inspecionar instalações nucleares com um curtíssimo aviso prévio - Pinheiro sugere uma medida menos intrusiva: a instalação de sensores capazes de identificar material nuclear, uma vez que elementos físseis são facilmente detectados. O projeto fora apresentado ao Itamaraty e recebido sem grande entusiasmo. Sobel, então, levou a ideia ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, e questionou quem mais poderia participar do debate.

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"Jobim respondeu que qualquer discussão sobre esses tópicos deve passar por ele, exclusivamente, e não pelo Ministério das Relações Exteriores", relatou um trecho do telegrama enviado a Washington em 17 de fevereiro de 2009.

Outro episódio que expôs irritação do ministro da Defesa foi o pedido da AIEA para entrevistar um cientista brasileiro após a publicação de uma tese sobre como produzir a bomba atômica. Jobim disse ter "ficado perturbado" ao descobrir que o Ministério das Relações Exteriores estava cooperando com a AIEA.

"Ele declarou estar engajado em pôr um fim a qualquer permissão para que a AIEA interrogue o cientista", descreve a embaixada, na mesma mensagem.

O ministro se referia à controvérsia acerca do físico Dalton Barroso, um doutorando do Instituto Militar de Engenharia (IME) que, baseado em sua tese, publicou em livro a fórmula para se chegar à W-87, uma das mais poderosas ogivas americanas - o que explica o alarmismo dos EUA diante da informação.

Três meses depois, a vice-chefe da missão americana em Brasília, Lisa Kubiske, reuniu-se com funcionários do governo brasileiro e observou que Nelson Jobim estava ciente de que sua recusa em cooperar com a AIEA causou desconforto. Segundo o informe da embaixada, "ele está agora buscando uma maneira de cooperar sem minar o que vê como responsabilidade dele em temas nucleares". Na mesma série de reuniões, diante da recusa definitiva do Brasil em aderir ao Protocolo Adicional do TNP na Conferência de Revisão de 2010, os americanos advertiram que o governo do presidente Lula "sempre apoiou com relutância medidas de não proliferação e permanece desconfiado de propostas novas, uma situação que provavelmente só será alterada com a entrada de um novo governo em 2011".

"Embora o Ministério das Relações Exteriores insista que conduz a questão do Protocolo Adicional, na nossa visão, depois do presidente Lula, é o ministro Jobim que tem mais influência em temas nucleares", avaliou o telegrama de 11 de maio de 2009.

O Protocolo Adicional, aliás, era apontado como o único consenso em Brasília. Ou quase, devido à posição do diretor da Divisão de Desarmamento e Tecnologias Sensíveis do Itamaraty, Santiago Mourão, único funcionário brasileiro favorável à adesão. Os americanos também observaram divergências de abordagem entre civis e militares brasileiros quanto aos temas nucleares.

Na correspondência de 26 de janeiro de 2009, pouco depois de uma visita da representante oficial da Presidência dos EUA para Não Proliferação, embaixadora Susan Burk, é relatado um encontro dela com o diretor do Departamento Internacional do Ministério da Defesa, general Marcelo Mario de Holanda Coutinho. E numa indicação de que havia percepções distintas entre o ministro e funcionários do ministério, dele, a americana ouviu que "apesar de o Ministério da Defesa ser parte do grupo que cuida de questões nucleares, é o Ministério das Relações Exteriores quem comanda e fala em nome do Brasil".

O general aproveitou, ainda, para minimizar uma declaração recente do então vice-presidente, José Alencar, segundo a qual "o Brasil estaria melhor se tivesse armas nucleares".

"Ele enfatizou que as declarações devem ser ignoradas e certamente contrariam a política do governo brasileiro. Ele deu de ombros à declaração, como coisa de políticos, que às vezes dizem o que vem à cabeça", informou o texto.

http://www.conexaojornalismo.com.br/colunas/politica/geral/segredos-militares-estariam-por-tras-da-prisao-de-othon-pinheiro-74-40006

Brasil vai enriquecer Urânio com tecnologia 100% nacional

Paulo Henrique Amorim detonando o PIG

Entrevista Roberto Mangabeira Unger

quarta-feira, julho 08, 2015

Richard Duncan: O esquema Ponzi de U$ 50 trilhões vai desabar?

O esquema Ponzi, ilustração de George Bates

por Luiz Carlos Azenha

Richard Duncan é autor do livro The Dollar Crisis, lançado em 2003, que anteviu a crise financeira global deflagrada em 2008 com a implosão do banco de investimentos Lehman Brothers nos Estados Unidos. Em entrevista à revista New Left Review, ele define o capitalismo em que vivemos como a era do “creditismo” e prevê que qualquer regulamentação do sistema financeiro resultará num colapso econômico global, por revelar as falcatruas nas quais o sistema hoje se sustenta. Ele identifica a origem da crise atual na decisão dos Estados Unidos de abandonar o padrão-ouro, que exigia que o país tivesse depositados 25 centavos em ouro para cada dólar impresso pelo Tesouro.

Na entrevista (em inglês aqui), defende um salário mínimo global, diz que o mundo paga no preço dos alimentos pela decisão do governo dos Estados Unidos de imprimir dinheiro e diz que a globalização gerou um investimento tão maciço em capacidade instalada que isso explica a falta de lucratividade e investimento, motores do sistema. Prevê: ou os governos investem maciçamente em tecnologias transformadoras ou o esquema Ponzi de crédito, de U$ 50 trilhões, vai implodir.

Alguns excertos:

NLR: Qual o efeito que o QE [Quantitative Easing, impressão de dinheiro] tem tido nos lucros e no investimento? O lucro dos negócios nos Estados Unidos atingiu 15% este ano, de acordo com a [revista britânica] Economist, mas as corporações parecem sentadas sobre uma montanha de dinheiro que não está sendo usado.

Richard Duncan: Sim, os lucros estão bem altos, primeiro porque a remuneração do trabalho tem ficado com uma porção cada vez menor. Além disso, relativamente ao PIB, a taxação corporativa nos Estados Unidos foi a mais baixa desde os anos 50. A arrecadação no país como um todo ficou em menos de 15% do PIB, o que é, de novo, o índice mais baixo desde os anos 50. Sim, os lucros das corporações tem sido excepcionalmente bons, embora neste trimestre, de repente, todos estejam preocupados com uma queda repentina.

Mas há um problema fundamental: não existem oportunidades de investimento viáveis. Tanto crédito foi dado e tanta capacidade de produção construída que já temos muito de tudo relativamente à renda como é hoje distribuída e absorvida. Se investir mais, você vai perder dinheiro; se você pegar seu dinheiro e comprar títulos do governo, pode preservar o dinheiro para usar num dia melhor — mas isso ajuda a empurrar as taxas de juros para baixas históricas. É por isso que, mesmo no Japão, depois de duas décadas de déficits fiscais maciços, a taxa de juros de um papel de 10 anos do governo é de 0,8%; na Alemanha, 1,2%; nos Estados Unidos, 1,5%; no Reino Unido, cerca de 1,6%. Nunca foram tão baixas e isso é parte da razão. Quando a bolha estoura, não há lugar para investir dinheiro com lucro, então é melhor colocar em papéis do governo.

NLR: Quais são as opções de longo prazo?

Richard Duncan: Acho que há três opções para o futuro da economia dos Estados Unidos — três caminhos que poderiam ser seguidos. Opção um é a dos libertários e do Tea Party: eliminar o déficit. Isso resultaria em imediata depressão e colapso, o pior cenário possível.

A segunda opção é a que eu chamo de modelo do Japão. Quando a grande bolha econômica do Japão estourou 22 anos atrás, o governo japonês começou a gerar grandes déficits de orçamento e tem feito isso por 22 anos. A relação dívida/PIB aumentou de 60% para 240%. Isso é o que os Estados Unidos e o Reino Unido estão fazendo agora: gerando déficits maciços para impedir o colapso da economia.

Eles podem continuar a fazer isso por outros cinco anos com pequena dificuldade e talvez até por dez anos. A dívida do governo dos Estados Unidos é apenas 100% do PIB, o país poderia prosseguir neste caminho por cinco anos sem atingir 150%. Embora não seja claro o quanto é desejável aumentar, sabemos que não pode aumentar para sempre. Mais cedo ou mais tarde — digamos, dez ou quinze anos — o governo dos Estados Unidos estará tão falido quanto o da Grécia e a economia norte-americana vai desabar numa Grande Depressão. Esta é a opção dois. Melhor que a um, já que é melhor morrer em dez anos do que morrer agora; mas não é o ideal.

Opção número três é o governo dos Estados Unidos continuar emprestando e gastando agressivamente, como faz agora, mas mudando a forma como gasta. Em vez de gastar em consumo e para a guerra, por exemplo — o governo dos Estados Unidos gastou até agora U$ 1,4 trilhão para invadir o Iraque e o Afeganistão — deveria investir; não apenas para reformar estradas e pontes, mas investir agressivamente em tecnologias transformadoras do século 21, como energia renovável, engenharia genética, biotecnologia e nanotecnologia, em grande escala. O governo dos Estados Unidos poderia colocar um trilhão de dólares em cada uma destas indústrias nos próximos dez anos — ter um plano para desenvolver estes novos setores da economia.

Um trilhão de dólares, digamos, em energia solar nos próximos dez anos: não estou falando em construir paineis solares para o mercado; estou falando em cobrir o deserto de Nevada com paineis solares, construir uma linha costa-a-costa para transmitir esta energia; converter a indústria automobilística para a eletricidade, substituir os postos de gasolina por postos para recarregar baterias e desenvolver nova tecnologia para fazer o carro elétrico andar a 110 km/hora. Então, em dez anos os Estados Unidos terão energia gratuita e sem limites.

O déficit comercial será equilibrado, já que não teremos de importar qualquer petróleo estrangeiro e os Estados Unidos poderão gastar 100 bilhões de dólares a menos com os militares, que não precisarão defender o petróleo do Golfo [Pérsico]. O governo dos Estados Unidos poderia taxar a eletricidade produzida domesticamente, ajudando a reduzir o déficit do orçamento; e o custo de energia para o setor privado provavelmente cairia 75% — isso, em si, poderia gerar uma onda de inovação no setor privado capaz de criar nova prosperidade.

Se o governo dos Estados Unidos investisse um trilhão de dólares em engenharia genética, é provável que poderia criar milagres médicos: cura do câncer ou formas de reduzir o processo de envelhecimento. Temos de pensar em Projetos Manhattan dos tempos de paz: juntar os melhores cérebros, a melhor tecnologia e definir alvos; usar o ‘creditismo’ para produzir resultados. Podemos todos ver os defeitos do creditismo — eles são óbvios. Mas, como sociedade, penso que os Estados Unidos estão desprezando as oportunidades que existem dentro do novo sistema econômico — a oportunidade para o governo emprestar quantidades maciças de dinheiro pagando juros de 1,5% e investir agressivamente em tecnologias transformativas que poderiam reestruturar a economia dos Estados Unidos, para que ela se livre da dependência debilitadora do setor financeiro — que se tornou um gigantesco esquema Ponzi — antes que ele entre em colapso. Caso contrário, a economia dos Estados Unidos vai, mais cedo que se pensa, entrar numa espiral letal de dívida-deflação.

NLR: Presumivelmente essa estratégia do ‘creditismo’ se aplicaria apenas à economia dos Estados Unidos?

Richard Duncan: Não necessariamente. Por exemplo, o Banco da Inglaterra imprimiu tanto dinheiro para comprar papéis do governo que agora controla mais de um terço de toda a dívida do Reino Unido. Não custou um centavo para o banco comprar todos estes papéis — nem precisou comprar papel ou tinta para imprimir dinheiro, agora é tudo eletrônico. Por que não cancelar esta dívida? Não custaria nada a ninguém; mesmo que falisse o Banco da Inglaterra, ele poderia imprimir mais dinheiro para se recapitalizar. Da noite para o dia, o Reino Unido teria uma dívida um terço menor e a qualidade de seu crédito aumentaria enormemente.

O governo anunciaria sua pretensão de tirar proveito desta oportunidade histórica para aumentar os gastos e investir em novas indústrias, para que o país pudesse finalmente se livrar de sua dependência debilitadora do esquema Ponzi das finanças e desenvolver indústrias manufatureiras novamente. Por exemplo: jogar 100 bilhões em Cambridge para investir em engenharia genética nos próximos três anos, para se tornar a força dominante em tecnologia genética no mundo. Criaria com isso empregos e ao mesmo tempo poderia reformar a infraestrutura.

NLR: Mas estas novas indústrias não estariam sujeitas à mesma falta de demanda existente hoje?

Richard Duncan: Bem, não haveria falta de demanda para uma terapia molecular que retardasse o envelhecimento ou curasse uma doença fatal. O objetivo seria mirar em inovações tecnológicas que fossem completamente transformadoras, como foi a revolução tecnológica agrícola dos anos 60, que mudou a natureza da produção global de alimentos. De certa forma esta é uma oportunidade sem precedentes, por causa da quantidade de dinheiro que os governos investiriam agora, quando as taxas de juros estão tão baixas. Se houvesse direcionamento [do investimento] para tecnologias transformadoras, poderiamos criar mercados para produtos que nem existem ainda, onde haveria demanda. Se pudessemos mudar a economia dos Estados Unidos, tirá-la da dependência do petróleo para a da energia solar, isso livraria imensa quantidade de dinheiro para gastar em outras coisas. De forma polêmica, quero enfatizar que não podemos apenas esperar por uma recuperação cíclica dos velhos tempos — não vai acontecer.

Temos um novo sistema econômico. Ou nos damos conta disso e tiramos proveito das oportunidades para emprestar e investir, ou o sistema vai desabar numa depressão severa, desfazendo uma expansão de crédito de U$ 50 trilhões. Vai ser pelo menos tão ruim quanto nos anos 30.

Estados Unidos imprimem dinheiro e o mundo paga a conta

por Luiz Carlos Azenha

Richard Duncan é autor do livro The Dollar Crisis, lançado em 2003, que anteviu a crise financeira global deflagrada em 2008 com a implosão do banco de investimentos Lehman Brothers nos Estados Unidos. Em entrevista à revista New Left Review, ele define o capitalismo em que vivemos como a era do “creditismo” e prevê que qualquer regulamentação do sistema financeiro resultará num colapso econômico global, por revelar as falcatruas nas quais o sistema hoje se sustenta. Ele identifica a origem da crise atual na decisão dos Estados Unidos de abandonar o padrão-ouro, que exigia que o país tivesse depositados 25 centavos em ouro para cada dólar impresso pelo Tesouro.

Outros trechos:

[A primeira parte está aqui]

[A segunda parte está aqui]

NLR: Quais foram os objetivos do governo dos Estados Unidos ao lidar com a crise? Como você avaliaria as políticas até agora?

Richard Duncan: O objetivo da política do governo dos Estados Unidos tem sido a de perpetuar a expansão do crédito para evitar um colapso. Até agora os Estados Unidos conseguiram mais ou menos sustentar o nível total de dívida no mercado de crédito. Conseguiram isso acumulando um déficit de U$ 5 trilhões, o qual provavelmente não teriam conseguido financiar se o Banco Central [Federal Reserve] não tivesse imprimido U$ 2 trilhões para injetar na economia. Inicialmente, em 2007 e 2008, o resgate do setor financeiro e o estímulo de U$ 787 bilhões foram financiados com a venda de papéis do governo. Mas aquela rodada inicial de ajuda ao setor financeiro já tinha custado U$ 1 trilhão — cerca de U$ 544 bilhões em empréstimos aos bancos norte-americanos, U$ 118 bilhões ao Bear Stearns e [seguradora] AIG e U$ 333 bilhões à agência de financiamento de papéis comerciais. Então o Banco Central começou sua política de ‘quantitative easing’ em novembro de 2008. Naturalmente, QE é um eufemismo para criação de dinheiro do nada: a ‘quantidade’ se refere ao dinheiro em existência, o ‘easing’ significa criar mais — ‘facilitar’ as condições de liquidez.

A primeira rodada, QE1, foi usada principalmente para dar alívio aos bancos e outras instituições que estavam carregadas de papéis podres do mercado imobiliário. O programa foi ampliado em março de 2009, de U$ 600 bilhões para mais de U$ 1,75 trilhão, para durar até março de 2010. Assim que acabou, a economia dos Estados Unidos entrou numa fase ruim no verão de 2010. Em agosto de 2010 Bernanke já estava falando em outra rodada, a QE2, que foi anunciada formalmente em novembro, para continuar até junho de 2011. Daquela vez o Banco Central imprimiu U$ 600 bilhões, que usou para comprar de volta papéis do governo, financiando assim o déficit do orçamento. Com algumas diferenças, o mesmo caminho foi seguido pelo Banco Central Europeu e pelo Banco da Inglaterra, mas em escala menor.

Dada a natureza do debate sobre o déficit de orçamento dos Estados Unidos, é importante enfatizar qual seria a alternativa se o governo não tivesse se envolvido. O crédito total teria começa a se contrair em 2008, quando o setor privado não teria mais condições de pagar os juros de sua dívida e o tipo de espiral dívida-deflação descrita por Irving Fisher teria acontecido. A economia dos Estados Unidos teria mergulhado em uma nova Grande Depressão e, com ela, o resto do mundo.

[…]

Desde 2011, eu diria que os custos do QE se tornaram maiores que os benefícios, que tem dado retorno cada vez menor. O ‘quantitative easing’ criou inflação no preço dos alimentos, o que é muito danoso para 2 bilhões de pessoas que vivem com menos de 2 dólares por dia. Li que os preços globais dos alimentos subiram 60% durante QE2 e este foi um dos fatores que levaram à Primavera Árabe. O aumento nos preços do petróleo foi muito negativa para a economia dos Estados Unidos; a queda do consumo nos Estados Unidos em 2011 se deveu ao aumento nos preços da comida e do petróleo. Voltamos à velha teoria sobre a quantidade de dinheiro em circulação: se você aumentar a quantidade de dinheiro, os preços sobem. Até agora, isso teve pequeno impacto no preço das manufaturas, por causa do grande efeito deflacionário da globalização e a redução de 95% no custo marginal do trabalho que ela representou.

Então, não vemos inflação nos produtos industrializados. Mas os preços dos alimentos aumentaram em todo lugar. Se o preço em dólar dos alimentos sobe — se o preço do arroz em dólar sobe — o preço do arroz aumenta em todo o mundo; caso contrário, o produto seria vendido no mercado dolarizado. Se o preço do arroz nos Estados Unidos aumenta, também aumenta na Tailândia. E quando o Banco Central dos Estados Unidos imprime dinheiro, o preço da comida sobe. Esta é a grande desvantagem, o grande problema real do QE — caso contrário, seria uma coisa boa: imprima dinheiro, faça o preço das ações subir na bolsa e todo mundo ficará rico e feliz. Mas existe também este impacto, de criar inflação no preço dos alimentos.

Richard Duncan: Sobre a nova depressão global

por Luiz Carlos Azenha

Richard Duncan é autor do livro The Dollar Crisis, lançado em 2003, que anteviu a crise financeira global deflagrada em 2008 com a implosão do banco de investimentos Lehman Brothers nos Estados Unidos. Em entrevista à revista New Left Review, ele define o capitalismo em que vivemos como a era do “creditismo” e prevê que qualquer regulamentação do sistema financeiro resultará num colapso econômico global, por revelar as falcatruas nas quais o sistema hoje se sustenta. Ele identifica a origem da crise atual na decisão dos Estados Unidos de abandonar o padrão-ouro, que exigia que o país tivesse depositados 25 centavos em ouro para cada dólar impresso pelo Tesouro.

Alguns excertos:

No livro “Crises do dólar”, publicado em 2003, examinei como os desequilíbrios globais estavam criando bolhas nas economias que tinham superávit comercial e como os dólares agiam como bumerangues de volta para a economia dos Estados Unidos. Conclui que a expansão ilimitada do crédito possibilitada pela era pós-ouro, pós sistema monetário internacional de Bretton Woods, foi onde tudo começou.

Você advoga pela volta ao padrão-ouro?

Não. Mas penso que se os Estados Unidos tivessem mantido o padrão-ouro não estariam tão próximos do colapso. A economia global seria muito menor do que é; a China não seria nada do que é hoje. Teria havido muito menos crescimento, mas teria sido um sistema mais estável. Mas agora que estamos onde estamos, não tem volta. Se os Estados Unidos tivessem de voltar atrás, o tipo de deflação necessária seria absolutamente insuportável — como na Grã Bretanha em 1926. Mas é importante entender quais foram os efeitos de abandonar os mecanismos de ajuste automáticos inerentes ao sistema de Bretton Woods e ao padrão ouro clássico pré-1914 — eles serviam para corrigir automaticamente grandes desequilíbrios comerciais e os déficits governamentais.

Oficialmente, o sistema monetário internacional que emergiu desde 1973 e a quebra de Bretton Woods ainda não tem um nome. No livro eu chamei de padrão dólar, já que o dólar dos Estados Unidos se tornou o meio para os bens de reserva no lugar do ouro. O livro focou em como o novo sistema permitiu a criação das bolhas de crédito mundiais. O total de reservas internacionais, a melhor medida da oferta global de dinheiro, saltou mais de 2 mil por cento entre 1969 e 2000, com os bancos centrais criando dinheiro de papel numa escala sem precedentes.

A quantidade de dólares dos Estados Unidos em circulação disparou. Uma das características do padrão dólar é que permite aos Estados Unidos incorrer num gigantesco déficit comercial, já que paga pelas importações em dólares — dos quais o Federal Reserve [Banco Central] pode imprimir quantos quiser, sem ter que lastreá-los em ouro — e em seguida recebe aqueles dólares de volta de seus parceiros comerciais quando eles investem em bens denominados em dólares — papéis do Tesouro, ações corporativas, instrumentos de financiamento imobiliário –, o que eles são obrigados a fazer se quiserem ganhar algum juro.

O economista francês Jacques Rueff comparou este processo a um jogo de buricas no qual, depois de cada rodada, os ganhadores entregam tudo o que ganharam aos perdedores. Quanto maior o déficit dos Estados Unidos, maior a quantidade de dólares volta através do vasto superávit financeiro norte-americano. A outra opção para os parceiros comerciais dos Estados Unidos — o que ‘especialistas’ estão sempre pregando — seria trocar os dólares por suas próprias moedas, fortalecendo o câmbio e tornando suas exportações muito caras para competir pelo mercado dos Estados Unidos, ficando assim fora do jogo.

A era pós-Bretton Woods teve muitas crises financeiras mesmo antes de 2008 — na América Latina nos anos 80, no Japão nos anos 90, na Escandinávia em 1992, na Ásia em 1997, Rússia, Argentina, Brasil, a bolha do dot.com. Qual é sua explicação para isso?

Os economistas austríacos estavam basicamente certos sobre o papel que o crédito joga. Enquanto ele se expandir, vai criar um boom artificial, empurrando uma espiral de crescimento econômico e inflacionando o preço dos bens, o que gera ainda mais expansão de crédito. Mas sempre chega o dia em que a economia superaquecida e o crescimento do valor dos bens supera o crescimento dos salários e da renda. Bolhas sempre estouram e quando isso acontece começa uma espiral reversa: queda do consumo, do valor dos bens, falências, concordatas, aumento do desemprego e um sistema financeiro em colapso. A depressão começa — o que, de acordo com os austríacos, significa que a economia vai voltar a algum tipo de equilíbrio pré-crédito.

Nada cai para sempre; em algum momento o valor dos bens se alinha à renda do público e a economia estabiliza. O que mudou sob o padrão dólar foi o advento da criação de vastas quantias de crédito, criando ciclos de boom-and-bust mais rápidos e profundos. Na verdade, o primeiro destes ciclos depois do fim da era de Bretton Woods aconteceu nos anos 70, quando os bancos de Nova York reciclaram os petrodólares depositados pelos paises da OPEP [Organização dos Paises Exportadores de Petróleo] e fizeram empréstimos a paises da América do Sul e da África, enchendo as suas economias de crédito. Quando o boom dos ‘milagres’ estourou, resultou na crise da dívida do Terceiro Mundo nos anos 80.

Mas a criação de crédito desestabilizador realmente decolou quando os Estados Unidos passaram a praticar déficits comerciais de mais de 100 bilhões de dólares, a partir dos anos 80; alguns anos depois Washington começou a praticar também grandes déficits de orçamento, os quais podia financiar usando a entrada de dólares do superávit financeiro. Quando estes dólares entravam nos sistemas bancários dos países que tinham grandes superávits comerciais com os Estados Unidos, tinham o impacto de dólares turbinados — ou seja, a quantia original poderia sem emprestada e reemprestada pelos bancos daqueles países várias vezes –, provocando uma explosão de crédito que gerou superaquecimento econômico e disparada dos preços de bens, primeiro no Japão nos anos 80 e depois nas economias dos Tigres Asiáticos nos anos 90.

Em paises como a Tailândia, em particular, a entrada de capital quente atraído pelo crescimento econômico inicial serviu para tornar a bolha de crédito ainda maior. Eventualmente, investimento acima do necessário provocou excesso de capacidade produtiva e de oferta, seguidos por uma espiral de queda de lucros, falencias e crises na bolsa de valores, deixando os bancos locais entulhados de empréstimos impagáveis e governos profundamente endividados. Depois da crise asiática de 1997, a onda de capital retornou aos Estados Unidos, criando a bolha da ‘nova economia’ [internet] e um boom de crédito.

Não há dúvida de que o Japão, por exemplo, derivou benefícios econômicos tangíveis de seu crescimento baseado em exportações. Sem o poder de compra que veio de seus superávits comerciais com os Estados Unidos a economia japonesa teria crescido a um ritmo muito menor nos anos 60 e 70. Mas o impacto pouco avaliado é o que o superávit comercial japonês teve na expansão do crédito doméstico assim que os dólares entraram no sistema bancário do Japão. Foi isso que ajudou a encher a bolha — a relação entre crédito/PIB aumentou de 135% em 1970 para maciços 265% em 1989.

O Japão tentou exportar maciças quantias de capital na metade dos anos 80, para evitar que a economia superaquecesse: depois de 1985, diante da grande valorização do yen, houve uma grande transferência da capacidade industrial japonesa para as economias da Ásia, dando origem ao crescimento dos Tigres Asiáticos: Tailândia, Indonésia, Coreia do Sul, Malásia. Mas, depois de tantos anos com superávit comercial, crescentes reservas internacionais e oferta de dinheiro à vontade, foi impossível para o Japão evitar o superaquecimento drástico do final dos anos 80. Depois que a bolha japonesa estourou nos anos 90, o preço dos imóveis caiu mais de 50% e o valor das ações, 75%; 22 anos depois, os bancos japoneses ainda estão carregados de empréstimos impagáveis e a dívida do governo é a maior do mundo — 230% do PIB.

[…]

A ascensão da China ameaçou a política dos Estados Unidos [acordada com Alemanha e Japão, no Hotel Plaza, em 1985] de desvalorizar o dólar para aumentar suas exportações?

É uma questão complicada, mas penso que, com a passagem do tempo, a indústria norte-americana desistiu dos Estados Unidos, ao se dar conta de que poderia lucrar fabricando fora dos Estados Unidos em paises de baixíssima renda. E assim começou. Eventualmente, mais e mais corporações se deram conta de que poderiam aplicar o outsourcing. Um momento chave foi no início dos anos 90, quando se tornou interesse de amplos setores da sociedade norte-americana ter um dólar forte e uma moeda chinesa fraca, ou moedas fracas em todos os países nos quais as empresas estadunidenses estavam produzindo para exportar de volta para os Estados Unidos. A questão relativa à Alemanha e ao Japão nos anos 80 tinha sido diferente, já que as forças de trabalho dos dois países tinham salários relativamente altos comparados com os dos Estados Unidos. Foi apenas depois da ascensão dos Tigres Asiáticos e principalmente depois que a China se juntou a eles nos anos 90 que a indústria estadunidense se deu conta de que poderia lucrar muito mais fazendo tudo fora de casa. Depois de 1997, os déficits comerciais dos Estados Unidos aumentaram dramaticamente.

Mais geralmente, como o padrão dólar afetou a economia dos Estados Unidos?

Assim que foi removida a exigência de que 25% de cada dólar deveriam ser lastreados em ouro, foi removido também o limite para a criação de crédito. Tinha sido fácil para os Estados Unidos manter o lastro em ouro nas primeiras décadas do pós-guerra, já que o país tinha a maior parte das reservas em ouro do mundo. Mas com as empresas multinacionais de mudança do país e os crescentes gastos do governo, o padrão-ouro se tornou uma limitação em 1968. Assim, o Congresso simplesmente mudou a lei a pedido de Johnson [ex-presidente Lindon, que promoveu a expansão do envolvimento militar dos Estados Unidos no Vietnã], removendo a necessidade do lastro em ouro. Sem limites no crédito, o crescimento do crédito explodiu. Naturalmente, crédito e dívida são duas faces da mesma moeda. Nos Estados Unidos, a dívida total — do governo, dos domicílios, corporativa e do setor financeiro — expandiu de U$ 1 trilhão em 1964 para mais de U$ 50 trilhões em 2007.

Crescimento de crédito nesta escala passou a ser visto como algo natural; mas, na verdade, é algo inteiramente novo sob o sol — só se tornou possível porque os Estados Unidos romperam a ligação entre o dólar e o lastro em ouro. Esta expansão de crédito criou o mundo em que vivemos. Tornou os norte-americanos materialmente muito mais prósperos do que teriam sido. Financiou a estratégia da Ásia de crescer através das exportações e trouxe a idade da globalização. Não apenas tornou a economia mundial muito maior do que teria sido em outras circunstâncias, mudou em si a natureza do sistema econômico. Eu argumento que o capitalismo norte-americano se tornou algo diferente — em meu novo livro, A Nova Depressão, eu chamei de ‘creditismo’.

Quais seriam as principais características do ‘creditismo’?

Primeiro, o papel expandido do Estado. O governo dos Estados Unidos hoje gasta 24% do PIB — um de cada quatro dólares. Todas as grandes indústrias são subsidiadas, de uma forma ou outra, e metade da população dos Estados Unidos recebe algum tipo de apoio do governo. Veja, uma pessoa pode argumentar que o capitalismo foi um fenômeno do século 19 que morreu na Primeira Guerra Mundial; mas o formato atual não é, claramente, como o capitalismo deveria funcionar. Em segundo lugar, o banco central hoje cria dinheiro e manipula seu valor. Em terceiro lugar — talvez o mais interessante — a dinâmica de crescimento é inteiramente diferente do passado. Sob o capitalismo, os empresários investiam, alguns tinham lucro, que poupavam; em outras palavras, acumulavam capital e repetiam o ciclo: investimento, poupança, investimento, poupança. Era lento e difícil, mas é como o crescimento econômico funcionava. Mas há décadas a dinâmica do crescimento econômico dos Estados Unidos — e crescentemente do mundo como um todo — é dirigida pela criação de crédito e pelo consumo. Os bens usados como garantia para empréstimos saltaram mais de 2.000% do fim da era de Bretton Woods até o fim dos anos 90. Desde então, quintuplicaram.

O problema é que o ‘creditismo’ já não sustenta o crescimento econômico porque o setor privado dos Estados Unidos não pode mais sustentar qualquer dívida. A razão entre a dívida por domicílio e a renda pessoal disponível era de cerca de 70%, da metade dos anos 60 à metade dos anos 80; desde então, disparou para atingir 140% em 2007, na véspera da crise. Ao mesmo tempo, a renda média domiciliar está em declínio e a diferença entre o valor de um imóvel e a dívida existente para quitar o financiamento está em baixa recorde [Nota do Viomundo: Lembrando que muitos norte-americanos refinanciam as casas para conseguir dinheiro para despesas correntes, como comprar automóvel ou mandar o filho para a universidade]. Em 2010, os domicílios norte-americanos tinham dívida de U$ 13,4 trilhões — 92% do PIB.

Richard Duncan: A bolha chinesa e o desespero dos banqueiros


por Luiz Carlos Azenha

Richard Duncan é autor do livro The Dollar Crisis, lançado em 2003, que anteviu a crise financeira global deflagrada em 2008 com a implosão do banco de investimentos Lehman Brothers nos Estados Unidos. Em entrevista à revista New Left Review, ele define o capitalismo em que vivemos como a era do “creditismo” e prevê que qualquer regulamentação do sistema financeiro resultará num colapso econômico global, por revelar as falcatruas nas quais o sistema hoje se sustenta. Ele identifica a origem da crise atual na decisão dos Estados Unidos de abandonar o padrão-ouro, que exigia que o país tivesse depositados 25 centavos em ouro para cada dólar impresso pelo Tesouro.

Sugiro a leitura da entrevista completa, muito interessante. Em inglês, aqui.

Trechos que elegemos traduzir:

Primeira parte

Segunda parte

Terceira parte

Quarta parte

New Left Review: Em 2003 você disse que a economia chinesa era uma bolha esperando para estourar. Como você a vê hoje?

Richard Duncan: Uma bolha ainda maior esperando para estourar. Quando eu escrevi The Dollar Crisis, o superávit da China com os Estados Unidos era de U$ 80 bilhões; agora é de U$ 300 bilhões, mas os Estados Unidos não podem continuar a expandir seus déficits comerciais, o que significa que o superávit da China vai cair, criando um ambiente muito mais difícil. Em 2009, quando o superávit chinês foi corrigido significativamente, a manchete foi: 20 milhões de operários perdem o emprego e voltam para casa para plantar arroz.

Aquilo quase estourou a bolha. A resposta do governo chinês foi deixar os bancos chineses aumentarem o total de empréstimos em 60% nos dois anos seguintes. Como resultado deste estímulo maciço, todo mundo emprestou dinheiro e os preços das propriedades dispararam. Mas agora, três ou quatro anos depois, ninguém consegue pagar de volta, o sistema bancário pode estar próximo de um colapso — embora, oficialmente, a taxa de inadimplência seja extremamente baixa — e terá de ser resgatado pelo governo.

Todo o modelo chinês está em dificuldades sérias: eles tem expandido sua produção industrial em 20% por ano faz décadas, e agora há capacidade excessiva de produção em todos os setores. Os norte-americanos já não podem comprar a produção e 80% dos chineses ganham menos de 10 dólares por dia, assim não conseguem comprar o que eles produzem em suas próprias fábricas. Se eles continuarem a expandir sua capacidade industrial, o problema vai apenas piorar. Penso que eles vão ser obrigados a seguir o modelo do Japão, que tem grande déficits de orçamento para evitar que a economia desabe numa depressão; se eles fizerem isso agressivamente, num bom cenário a China talvez tenha crescimento médio de 3% pelos próximos dez anos.

NLR: De qualquer forma, há um potencial mercado para a primeira geração que vai comprar automóveis e máquinas de lavar, em escala maciça — centenas de milhões de pessoas? Não está adiante de nós?

Richard Duncan: Não necessariamente, a não ser que os salários chineses aumentem — gente que ganha 10 dólares por dia não pode comprar uma máquina de lavar; mesmo que pudesse, o apartamento não seria suficientemente grande para caber uma máquina. O desafio é, se os salários chineses atingirem a quantia astronômica de 15 dólares por dia, existem 500 milhões de pessoas na Índia que trabalham por 5 dólares/dia e os empregos vão se mudar para lá. Então, há o risco de uma corrida para o salário mais baixo, a não se que a gente concorde em criar um salário mínimo global.

NLR: Como você vê o estado atual do setor bancário dos Estados Unidos? Em agosto o New York Times soou o alarme sobre o fato de que o cartel de grandes bancos era o único regulamentador do mercado de derivativos de U$ 700 trilhões, mas depois disso parece que se calou.

Richard Duncan: Uma forma de ver o problema é que quem cria a riqueza tem o poder político. Sob o feudalismo, o poder estava nas mãos da aristocracia que tinha terra. Sob o capitalismo industrial, os capitães da indústria controlavam o poder político. Mas nas últimas décadas a riqueza nos Estados Unidos vem da criação de crédito. Quando os bancos criaram mais e mais riqueza, os banqueiros se tornaram influentes politicamente, de forma crescente; no fim dos anos 90 se tornaram incontroláveis. Primeiro repeliram a [lei] Glass-Steagall [que, entre outras coisas, separava os bancos de consumo dos bancos de investimento] e, no ano seguinte, aprovaram uma coisa chamada Commodity Futures Modernization Act, que removeu as regulamentações dos mercados de derivativos e permitiu a eles vender os papéis no varejo quase sem nenhuma regulamentação. Desde 1990, o total de contratos de derivativos aumentou de U$ 10 trilhões, que já era um número grande, para U$ 700 trilhões — o equivalente a 100 mil dólares por pessoa no planeta, ou o PIB global combinado dos últimos 10 anos. Não há nada no mundo que você pode oferecer em garantia para estes contratos de derivativos; o sistema está se tornando cada vez mais surreal. Você pode imaginar o lucro que os bancos conseguem a partir dos U$ 700 trilhões — primeiro criando os derivativos, depois vendendo e usando os papéis para finança estruturada.

Os derivativos são usados basicamente como veículos de jogatina: você pode apostar na direção das taxas de juros ou das commodities, ou qualquer outra coisa. Mas a maior parte dos negócios não é entre setores reais da economia; dois terços são entre os próprios bancos. Noventa por cento dos contratos de derivativos são vendidos no varejo, o que significa que nenhum regulador sabe o que está acontecendo; mas 10% são vendidos em bolsas, portanto sabemos algo sobre eles. Da última vez que olhei, o movimento daqueles 10% — em dinheiro que troca de mãos, todos os dias — era de U$ 4 trilhões. Agora, se os outros 90% venderem da mesma forma — pode ser mais, menos, não sei — isso seria alguma coisa perto de U$ 40 trilhões por dia.

Se houvesse mesmo um imposto bem pequeno nestas transações de derivativos o governo teria uma enorme fonte de renda, imposto que outras pessoas não teriam de pagar. A maior parte dos negócios é fechada em Londres e Nova York, assim não há o risco de mudança — a ameaça de que todo esse negócio mudaria para a China; os chineses não deixariam seus bancos fazerem estas loucuras. Todos os grandes escândalos de contabilidade dos últimos vinte anos —Fannie Mae, Freddie Mac, General Electric — envolveram finança estruturada, com os culpados usando derivativos para manipular seus portfólios e evitar a cobrança de impostos; os bancos ganham grandes tarifas com isso.

Dado o que sabemos sobre mercados desregulamentados e o incentivo da indústria bancária para promover finança estruturada, parece difícil que nestes U$ 700 trilhões não haja todo tipo de fraude acontecendo. Se você fosse um país do Golfo Pérsico, produtor de petróleo — sem dar os nomes — por que você não manipularia o preço do petróleo, com a ajuda de um dos grandes bancos de investimento dos Estados Unidos/ou uma das grandes multinacionais do petróleo, quando ninguém vê o que você está fazendo? Você fecha contratos que empurram o preço do petróleo para cima e o preço futuro do petróleo empurra para cima o preço à vista. A maioria das commodities é provavelmente manipulada desta forma, sendo o petróleo a mais óbvia.

NLR: O objetivo da lei Dodd-Frank não era acabar com a venda de derivativos no varejo?

Richard Duncan: A Dodd-Frank exigia que os bancos colocassem todos os derivativos em bolsas até a metade de 2011 — mais de um ano atrás. Mas a data foi empurrada para o futuro, sem especificar quando. Em algum momento os reguladores devem ter se dado conta de que, se você colocar tudo à venda nas bolsas, revelaria tamanha fraude e corrupção que todo o sistema implodiria. O valor real dos bancos poderia se revelar algo como menos U$ 30 trilhões — é por isso que não falem, são muito grandes para falir porque estão muito falidos para o governo ser capaz de absorvê-los.

Os bancos deveriam ser obrigados a fazer negócios com derivativos nas bolsas e ter margens de segurança dos dois lados, da mesma forma que quando uma pessoa tem uma conta com um corretor de ações; é ok emprestar dinheiro, mas é preciso ter uma certa margem de segurança; e então, se alguém enfrenta um problema, tem margem suficiente para cobrir as perdas e cair fora. Da forma como é hoje, não é feito através de bolsas, não tem transparência — ninguém sabe quem está fazendo o que — e não há margem de segurança. A indústria reclama que adotar margens sairia muito caro, vai prejudicar os negócios. É como dizer que ter de pagar por seguro de saúde ou seguro da casa própria prejudica meu negócio — mas é o preço da segurança. Se não houver seguro de graça, tem de pagar.

Naturalmente que a indústria está lutando com unhas e dentes, porque já não pode mais criar crédito, já que o setor privado não pode mais assumir dívida; se eles forem forçados a abandonar o proprietary trading nas suas próprias contas, como a regra Volcker exige; se forem forçados a negociar os derivativos em bolsas — então não serão mais a grande fonte de criação de riqueza e seu controle e exercício do poder político serão grandemente diminuídos. Eles estão tentando desesperadamente manter sua capacidade de criar riqueza em um ambiente muito difícil. O creditismo é muito menos estável ou sustentável que o capitalismo industrial — e parece estar bem próximo do abismo.

NLR: Então não há esperança de que legislação financeira reforme o setor? Você argumentaria em defesa de sustentar o sistema bancário, porque seria um desastre global se fosse reestruturado?

Richard Duncan: Não diria que não tenho nenhuma esperança nisso, mas é muito difícil, porque teriam de encontrar uma forma de reestruturar o sistema bancário sem causar seu colapso completo e não sei se existe tal fórmula. Não sei o que vai acontecer com o sistema bancário. Não está claro como eles vão continuar lucrando se não podem aumentar a oferta de crédito e não podem expandir a porção sem regulamentação do mercado de derivativos na mesma taxa exponencial. O problema é que se o sistema bancário falir, vai destruir tanto crédito que tudo o mais desabaria, da mesma forma que desabou quando os meios de pagamento foram destruídos em 1930 e 1931. Agora é a oferta de crédito que os formuladores de política estão determinados a impedir que se contraia, pela mesma razão.

Não penso que vão deixar qualquer banco europeu falir. Em novembro de 2011 houve muita conversa sobre a falência dos bancos franceses, mas estava claro que o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional iriam resgatá-los. Caso contrário, o Banco Central dos Estados Unidos socorreria, por exemplo, o Société Générale — se o Soc Gen falir, o Deutsche Bank cai e, em seguida, o J.P. Morgan. Vão todos falir juntos. Então seria o caso de resgatar o Soc Gen — ficaria mais barato que o Banco Central dos Estados Unidos resgatar todo mundo. Não há escolha. Não deu outra, o Banco Central Europeu deu uma cambalhota [mudando sua posição], imprimiu um trilhão de euros e salvou todo mundo. É o que vão continuar a fazer enquanto for possível, porque sabem que do contrário haverá o colapso dos anos 30.

NLR: Trabalhar as formas positivas e negativas do creditismo — parece ser o essencial do que você defende. É o sistema que temos, mas devemos assumir o controle dele, adotar programas de perdão de dívida e estratégias de investimento racional que prometam ser produtivas.

Richard Duncan: Exatamente. Penso que da próxima vez poderemos fazer melhor.

"BRICS deixam o mundo menos dependente de uma única fonte de poder"

Entrevista - Celso Amorim

por Deutsche Welle —
Ex-ministro Celso Amorim diz que o grupo pode oferecer alternativas ao sistema financeiro mundial, diante da falta de vontade dos países do G7 para reformar os organismos internacionais

Por Francis França

Os líderes dos BRICS – grupo composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – se reúnem pela sétima vez este ano para discutir como tornar o fórum informal de países emergentes em um instrumento eficaz de desenvolvimento. Um passo decisivo já foi dado: todos os países ratificaram a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), mais conhecido como banco dos Brics, que deve começara a operar no início de 2016.

Para o ex-ministro Celso Amorim, que ocupou as pastas das Relações Exteriores (1993-1995 e 2003-2010) e da Defesa (2011-2015), os Brics podem oferecer alternativas ao sistema financeiro mundial diante da incapacidade do G7 – grupo formado por Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão e Reino Unido – de reformar os organismos internacioanais.

DW Brasil: Há quem diga que os países que compõem os Brics têm muito pouco em comum além do desempenho econômico – como, por exemplo, em questões de direitos humanos, proteção ambiental, defesa etc. O que mantém a unidade dos BRICS?

Celso Amorim: Eu diria que o que nos levou a uma aproximação inicialmente foi um movimento entre três países que tinham, sim, muitas afinidades, que é o chamado IBAS: Índia, Brasil e África do Sul. E a Rússia e a China – países que não se encaixam na lógica do G7 [grupo formado por Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão e Reino Unido], mas, ao mesmo tempo, não podem ser considerados meros países em desenvolvimento – fizeram várias ações indiretas para, de alguma maneira, se aproximar do IBAS. Em 2006 o ministro russo [do Exterior], [Serguei] Lavrov, propôs que nós tentássemos fazer algumas conversas envolvendo o grupo dos Bric, que na época não englobava a África do Sul. Finalmente, depois de uma longa história, temos os Brics como eles são hoje desde 2011, um grupo de países que têm a afinidade, talvez, de não compartilhar algumas das afinidades do G7.

DW: Que afinidades não compartilhadas com o G7 seriam essas?

CA: Há um interesse comum dos países dos Brics, por exemplo, em reformar a estrutura do FMI, o sistema de cotas, o que já deveria ter ocorrido. Além de buscar mecanismos de autofinanciamento dentro do próprio grupo, ou de servir de base para financiamento de outros países em desenvolvimento. Há várias coisas que aproximam os Brics, apesar das diferenças em alguns aspectos que você mencionou – que, aliás, não são tão grandes como parecem. Porque, em relação à questão dos direitos humanos, você tem problema de racismo, de tratamento discriminatório de imigrantes, que também são problemas de direitos humanos, em países desenvolvidos. Mas essa já é outra questão.

DW: No próximo ano deve começar a funcionar o banco dos Brics, que terá atuação similar à do Banco Mundial, e um fundo de contingenciamento para crises com papel similar ao do FMI. Os Brics chegaram ao ponto em que podem oferecer de fato uma alternativa às instituições financeiras internacionais já estabelecidas?

CA: É um teste, sem tentar não podemos saber. A realidade é que, em grande parte, a criação desses mecanismos decorre da incapacidade ou da falta de vontade política dos países mais ricos, especialmente os do G7, em reformar os órgãos internacionais. Se nós tivéssemos tido uma reforma adequada do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, talvez não fosse nem necessária a criação do banco dos Brics. Talvez seja útil, de qualquer forma, ter uma alternativa de financiamento, mas ela teria sido menos urgente se essas reformas tivessem ocorrido. E eu acho que os Brics colaboram com uma coisa muito importante, que é a formação de um mundo mais multipolar, menos dependente de um único grupo ou de uma única fonte de poder.

DW: E o que o banco dos Brics faria diferente do Banco Mundial?

CA: Talvez oferecer financiamentos com exigências menos drásticas e menos burocráticas do que o Banco Mundial, porque eles administram o detalhe do detalhe da aplicação dos recursos, com muito pouca margem para a autonomia do país. E os Brics, como ainda são países em desenvolvimento, que enfrentam ou enfrentaram recentemente problemas econômicos, têm uma compreensão melhor de outros aspectos dos países em desenvolvimento, inclusive o desejo de dignidade, de autonomia, que são aspectos que, às vezes, as instituições financeiras internacionais desprezam. Veja o que está ocorrendo agora na Grécia, por exemplo, e todo o impacto que isso pode ter para a Europa.

DW: Se o banco dos Brics existisse hoje, ele seria uma alternativa para a Grécia?

CA: Ah, é uma boa pergunta... não sei se a Grécia quereria, nem estou sugerindo que isso ocorresse, nem ninguém está querendo que a Grécia saia da União Europeia ou do euro, onde ela tem ligações regionais. E essas coisas são muito importantes também, nós não podemos desconsiderá-las.

DW: Mas ele abriria outras possibilidades nas negociações da dívida grega...

CA: A questão é que as tradicionais fontes de poder financeiro não estão conseguindo resolver seus próprios problemas, como no caso da Grécia. Então é preciso, sim, procurar alternativas. A gente não pode, de antemão, ter certeza de que elas vão dar certo, mas elas podem servir como um elemento de emulação que ajude os próprios países mais ricos, do G7, a compreenderem que é necessário haver uma reforma do sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial. Da mesma forma que a Alemanha busca uma reforma do Conselho de Segurança, da qual ela deseja ser membro permanente – junto com o Brasil, por sinal –, também é necessário mudar o sistema financeiro internacional, porque ele não corresponde mais às realidades dos dias de hoje.

DW: Na semana passada, a presidente Dilma esteve em Washington, onde se encontrou com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e nesta semana, na Cúpula dos Brics, senta-se à mesa com Vadimir Putin, que aparentemente voltou a ser um inimigo do Ocidente. Como o senhor avalia essa estratégia? O Brasil pode se beneficiar fazendo alianças de todos os lados ou pode acabar em meio a um duelo de gigantes?

CA: Bom, o Brasil também é um gigante. Nós somos metade da América do Sul, em termos de território e população, um pouco mais da metade em matéria de PIB. Não somos um gigante econômico, ainda, mas mesmo assim somos, apesar de toda a crise, a sétima economia do mundo, então não é algo tão desprezível quanto possa parecer. Aliás, é uma economia maior que a da Rússia. Eu acho que é natural que o Brasil procure diversificar suas relações.

DW: Em Washington, falou-se inclusive em uma disposição para um acordo de livre comércio com os Estados Unidos...

CA: Para dizer francamente, eu não creio em um acordo de livre comércio com os Estados Unidos. Eu participei ativamente da tentativa de negociação da Alca [Área de Livre Comércio das Américas] quando era ministro das Relações Exteriores no governo do presidente Lula. Participei de boa fé. O Brasil fez as propostas que achava que deveriam ser feitas, mas vi que havia muitas dificuldades. As exigências que eles nos faziam em matéria de solução de controvérsias para patentes de remédios, por exemplo, iam contra as normas da Organização Mundial do Comércio. Eu acho que um acordo de livre comércio primeiro teria que ser com o Mercosul, que já é uma união aduaneira. Pode haver acordos de facilitação de comércio, acordos até de facilitação de investimentos, tudo isso eu acho muito saudável e positivo, com os Estados Unidos, com a Europa e também com a China. Por que não? Se a China tem hoje excesso de capital e necessidade de investir, e se o investimento nos interessar, por que não? Nunca é bom colocar todos os ovos numa mesma cesta.

DW: A China, aliás, está fazendo investimentos maciços na América Latina. Há quem alerte para o risco de se criar uma dependência chinesa. Mesmo no banco dos Brics, o maior aporte vem da China. O senhor acredita que exista esse risco?

CA: Cada país defende seus interesses, isso é normal. Por isso mesmo é interessante para o Brasil, e para outros países de porte equivalente ao do Brasil, ter uma relação diversificada. Ninguém quer trocar uma dependência por outra. A China tem no momento um grande poder, uma grande capacidade de investimento, e isso tem lados positivos, porque pode ajudar no desenvolvimento da nossa infraestrutura, mas não vou dizer que não haja um certo risco. Mas as relações têm que ser equilibradas. Por isso acho muito correto que a presidente Dilma tenha recebido o primeiro-ministro chinês no Brasil, tenha ido aos Estados Unidos e agora vá se reunir com os Brics.

DW: Quando eu falei em duelo de gigantes, o senhor disse que o Brasil também é um gigante. Qual é o potencial do país na arena internacional, na sua opinião?

CA: O que eu posso dizer é que a minha experiência, tanto como Embaixador na ONU como ministro das Relações Exteriores por quase dez anos, e mesmo como ministro da Defesa, indica que o Brasil tem um potencial muito grande de servir como facilitador de diálogos. No caso do Oriente Médio, o Brasil tem uma boa relação com os países e, ao mesmo tempo, não tem interesses próprios a defender, não dependemos tão diretamente do fornecimento do petróleo deles. Isso nos dá uma margem melhor [de negociação]. Concretamente, nos foi pedido [em 2010] que ajudássemos no diálogo com o Irã sobre seu programa nuclear. Isso correspondeu a um pedido do presidente Obama, que disse: 'nós precisamos de amigos que possam falar com quem nós não podemos falar'. E, juntamente com a Turquia, obtivemos uma declaração do governo iraniano que, se tivesse sido aceita, teria dado uma base muito melhor para o acordo que está sendo discutido agora.

O Brasil tem capacidade de atuar positivamente em várias situações. Na nossa região é óbvio: o próprio presidente Obama citou o que o Brasil já havia feito em Cuba. Mesmo que a gente não tenha atuado na mediação final para o restabelecimento das relações [EUA-Cuba], todos esses anos o Brasil procurou aumentar o diálogo, sempre levando uma mensagem positiva, por exemplo, quando se discutiu a revogação da suspensão de Cuba da OEA [Organização dos Estados Americanos] em 2009. Aliás, nos casos de Cuba e do Irã, ao adotar como regra o engajamento e não a confrontação, a política externa norte americana está ficando cada vez mais parecida com a política externa brasileira.

Eu acho que essa capacidade do Brasil tem a ver com seu tamanho, mas também com uma certa abertura, uma capacidade de compreensão dos interesses de vários países e de várias culturas. O Brasil é um país novo, dinâmico, não fica preso demais no passado.

Banco dos BRICS poderá começar a emitir créditos já a partir de abril de 2016 Leia mais: http://br.sputniknews.com/mundo/20150708/1510487.html#ixzz3fKi4as3n

O presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), indiano Kundapur Vaman Kamath, revelou nesta quarta-feira, durante o Fórum Financeiro dos BRICS, em Ufa, que a entidade poderá começar a emitir empréstimos já a partir de abril do ano que vem.

A acordo de criação do Novo Banco de Desenvolvimento foi assinado um ano atrás, no Brasil. Segundo revelou anteriormente o ministro das Finanças da Rússia, Anton Siluanov, os primeiros projetos aptos a receber financiamento da nova entidade serão anunciados já em 2015. Segundo ele, trata-se, antes de tudo, de projetos de infraestrutura relacionados à Rota de Seda da China.

O Fórum Financeiro contou com a participação de altos representantes da economia russa, como o presidente do Vneshekonombank, Vladimir Dmitriev, e o presidente da Câmara de Comércio e Indústria da Rússia, Sergei Katyrin, que anteriormente, no mesmo dia, tinha participado do Fórum de Negócios.

O Brasil foi representado no evento pelo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento e Sustentabilidade (BNDES), Luciano Coutinho, que concedeu uma entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, na qual frisou a importância do Banco dos BRICS para o comércio internacional. Para Coutinho, o Banco dos BRICS deve servir como um instrumento de atração de mais investimentos e de maior coesão dos bancos de desenvolvimento nacionais dos países-membros.

Também presente no fórum, o presidente do Banco de Desenvolvimento da China, Zheng Zhijie, informou que até no final do primeiro trimeste de 2015 o volume de créditos emitidos foi de 58,9 bilhões de dólares para os países do BRICS, e de 41,5 bilhões de dólares para os países da Organização de Cooperação de Xangai (SCO).



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Opinião: Banco do BRICS vai servir à agenda político-econômica internacional Leia mais: http://br.sputniknews.com/opiniao/20150708/1511653.html#ixzz3fKhoPtGM

No momento em que começa em Ufá, na Rússia, a 7.ª Conferência de Cúpula do BRICS, o economista e especialista em Relações Internacionais José Niemeyer analisa a função e a projeção do Novo Banco de Desenvolvimento e do Acordo Contingente de Reservas do BRICS.

José Niemeyer, coordenador dos cursos de Relações Internacionais do Ibmec-Rio, acredita que o Banco do BRICS e o Acordo Contingente de Reservas sejam uma espécie de atualização, respectivamente, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. Ele pensa, inclusive, “que o convite para Paulo Nogueira Batista Júnior ser o vice-presidente do Banco – ele que tem uma experiência muito grande no FMI – se dá em função de essa instituição não servir necessariamente aos BRICS, mas servir à política, às agendas determinadas de cada um dos países”.

O Professor Niemeyer esclarece: “Na hora em que, por exemplo, a Rússia precisar ter um papel mais assertivo com relação à ajuda financeira a países europeus como a Grécia. É um Banco dos BRICS, mas que vai servir para a agenda de cada um dos países que fazem parte do grupo na perspectiva do sistema financeiro internacional. Não vai ficar restrito. Não vai ser um Banco para os BRICS. Será a oferta de mais uma instituição financeira para o equilíbrio e para a política internacional, para as trocas dentro da política internacional, a partir da abordagem econômico-financeira.”

“A Rússia já está falando em auxílio à Grécia”, observa José Niemeyer. “E aí o Banco do BRICS vai ser um meio fundamental, estratégico. Não porque ele vá emprestar dinheiro para a Grécia, não é isso. Quando se cria uma nova instituição financeira, azeitam-se mais as relações entre as outras instituições, há mais competição dentro desse grupo de instituições. Isso pode ajudar países que estão necessitados e pode fazer com que a Rússia, por exemplo, seja mais protagonista na ajuda a esses países.



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Banco BRICS vai iniciar reformas econômicas globais

Os líderes dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) vão realizar a primeira reunião do Novo Banco de Desenvolvimento durante a sétima cúpula dos BRICS na Rússia.
A reunião nomeará a primeira equipa de gestão do banco, incluindo o presidente e quatro vice-presidentes. A equipa de gestão passará a trabalhar na sede do banco de Xangai, que começará a operar no final de 2015 ou no início de 2016.

"A alta eficiência reflete a boa cooperação entre os países dos BRICS e também mostra o desejo de iniciar imediatamente a nova instituição financeira para ajudar o seu desenvolvimento", disse Samir Saran, vice-presidente da Fundação de Pesquisa e Observação, com sede na Índia.

Irá o banco vai ameaçar o sistema financeiro atual? O novo banco não tem intenção de ameaçar ninguém e acolhe financiamento dos países desenvolvidos. Ele vai melhorar a coordenação e a cooperação com as instituições financeiras, evitando a concorrência.

O banco vai cobrir as deficiências do atual sistema financeiro, fornecerá uma plataforma de financiamento conveniente para os países em desenvolvimento e aliviará a escassez de fundos para infraestrutura global.

O banco terá uma capitalização inicial de 100 bilhões de dólares. Metade deste dinheiro é dos países dos BRICS. Banker K.V. Kamath será seu o primeiro presidente, enquanto outros dois dirigentes virão da Rússia e do Brasil.

Paulo Nogueira Batista, responsável do Fundo Monetário Internacional (FMI), disse que os países dos BRICS têm vindo a desempenhar um papel vital na economia global, mas isso não se reflete no FMI.

Luis António Paulino, professor da Universidade de São Paulo, Brasil, disse que, anteriormente, a ordem financeira era determinada pelos países desenvolvidos. Mas a ordem econômica mundial está mudando rapidamente. O aparecimento dos BRICS simboliza o início de uma nova ordem econômica mundial. O BRICS irá desempenhar um novo papel na economia mundial.



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O Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, que foi lançado oficialmente na terça-feira (7), irá fomentar o sistema financeiro mundial, e não só dos BRICS, disse o presidente do BNDES em entrevista exclusiva. Leia mais: http://br.sputniknews.com/mundo/20150708/1509159.html#ixzz3fKesS5bX

Vladimir Kultygin

SPUTNIK

Luciano Coutinho concedeu uma entrevista à Sputnik Brasil durante o Fórum Financeiro dos BRICS, celebrado nesta quarta-feira no quadro da cúpula dos BRICS e da SCO em Ufá.

Para o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento e Sustentabilidade (BNDES), o Novo Banco de Desenvolvimento é um instrumento adicional de fomento do comércio internacional que deverá trabalhar em parceria com os organismos econômicos e financeiros internacionais.

Além disso, Luciano Coutinho tocou no assunto da Grécia. Em junho, ele tinha declarado que se a crise grega afetasse o Brasil, só seria “no curto prazo”. O referendo do “não”, do domingo, não mudou esta opinião.
Leia abaixo a íntegra da entrevista.

Sputnik: Hoje em dia, a pergunta mais corrente é sobre o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS e o Arranjo Contingente de Reservas. Qual é o papel destes órgãos? Qual será, ou qual é a correlação entre eles e os organismos econômicos e financeiros nacionais dos países membros, inclusive o BNDES?

Luciano Coutinho: A criação do novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS visa a complementar e agregar novas fontes de financiamento ao sistema existente – o sistema de bancos multilaterais já existentes e os bancos nacionais de desenvolvimento, como é o caso do Banco de Desenvolvimento Brasileiro (BNDES), ou do Vnesheconombank russo, ou do Banco de Desenvolvimento da China. O novo banco deve trabalhar em parceria com os bancos nacionais de desenvolvimento em projetos de infraestrutura de maior escala, e deve buscar agregar novas fontes, mobilizar novas fontes de recursos para acelerar e ampliar a escala dos investimentos, especialmente de infraestrutura.
Para esse objetivo, nós preparamos um memorando de entendimentos entre os bancos nacionais dos BRICS, que têm um mecanismo de cooperação já estabelecido há cinco anos entre si. Esse mecanismo de cooperação deve, nesse momento, celebrar um entendimento com o novo Banco de Desenvolvimento, de forma a, no futuro, trabalhar cooperativamente.

S: Recentemente, o senhor comentou que o default da Grécia só irá afetar a economia do Brasil no curto prazo. Depois do referendo do domingo passado, quando o povo grego desaprovou a continuação da austeridade e quando, na segunda-feira, o ministro das Finanças demitiu, alguma coisa mudou?

LC: Ainda não sabemos. A Grécia está apresentando uma nova proposta, ainda há uma chance de que se encontre uma solução razoável, um pouco mais flexível, que possa contemplar a Grécia – que tem uma justa demanda de que os termos propostos sejam suavizados.
O primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, conversa com o presidente russo Vladimir Putin durante cerimônia no Kremlin
Grécia dá sinais de que quer juntar-se ao Banco do BRICS
No evento de uma saída traumática, creio que a zona do Euro sofrerá mais turbulências – especialmente as economias mais frágeis da zona do Euro. Para as outras economias, como o Brasil, outras economias emergentes que dispõem de reservas de proteção, reservas externas de grande escala, os efeitos serão de moderados a reduzidos, de maneira que não esperamos que um problema mais grave que venha a acontecer na União Europeia nos afete de maneira relevante.

S: Em que sentido o BRICS pode ajudar o Brasil a atrair investimentos? Por exemplo, a juntar [integrar] a economia nacional no âmbito da cooperação do Brasil com o BRICS? O senhor poderia comentar outro aspecto da cooperação internacional que prefere a interação dos países do BRICS com outras organizações, como, por exemplo, o Mercosul e a União Europeia?

LC: Os países dentro do BRICS estão inseridos em áreas comerciais nas suas esferas: a China tem uma crescente área de influência na Ásia, o Brasil tem o Mercosul como área de comércio, a Índia tem um relacionamento na esfera de países próximos, e a África do Sul também tem uma esfera importante de influência no sul da África – de maneira que essas áreas estão, de alguma maneira, polarizadas pelas economias dos países BRICS. E os países BRICS, entre si, têm acelerado o comércio e acelerado os investimentos de empresas, internacionalizado empresas: bilateralmente, entre pares de países BRICS, de uma maneira mais rápida nos últimos anos, de forma que, lentamente, há um estreitamento de relações econômicas dentro do BRICS e dentro das áreas de influência dos países do BRICS. Eu espero que essas tendências continuem prevalecendo.


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Lindbergh adverte: para vencer o golpe, mudar a política econômica

O senador escreveu um artigo muito lúcido sobre os perigos vividos por nossa democracia.

Lúcido porque aponta também os erros políticos do governo, e sugere soluções quase óbvias.

Lindbergh chama o que está acontecendo pelo seu verdadeiro nome: conspiração.

Leia abaixo.

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Mudar a política econômica, unificar a base social e enfrentar o golpe

Por Lindbergh Farias

A leitura dos jornais no final de semana me deixou indignado. Jamais pensei que o Brasil iria reviver seu passado obscuro: uma conspiração aberta, sem peias nem pudor, contra uma presidenta eleita democraticamente pela maioria do povo brasileiro. É lamentável constatar que entre os principais envolvidos nessa conspiração estão muitas das principais lideranças do PSDB, um partido que no passado se comportou como um dos fiadores da democracia brasileira.

Advirto que golpe é como brincar com fogo. É como abrir uma caixa de Pandora. Um golpe sabe-se como começa e nunca se sabe como termina. Em 1964, dizia-se que o golpe duraria até 1965, quando da eleição do novo presidente da República. Resultado: durou vinte e um longos anos. Mas os golpistas não passarão, para relembrar as palavras da heroína da guerra civil espanhola, Dolores Ibárruri.

Minha angústia aumenta ao perceber que o governo que elegemos, da honrada presidenta Dilma Rousseff, parece ainda não ter noção da gravidade da conspiração que visa derrubar o seu governo ainda este ano. O povo brasileiro amadureceu e não será conivente com qualquer tentativa de ruptura da ordem democrática no país. É por isso que não se pode ter uma posição defensiva.

Em Brasília, não é segredo para ninguém que a aliança do PSDB com setores do PMDB não está restrita a questões como a redução da maioridade penal. Tramam para afastar uma presidenta da República eleita de forma legítima. Nem se pede mais segredo de bastidores, a conspiração é aberta e escancarada.

Há dois argumentos centrais exibidos pelos que defendem a ruptura da continuidade democrática. O primeiro, pauta de todos os discursos, é o de que a crise política e a fragilidade do governo estão fazendo o Brasil afundar em um cenário de recessão e de alta da inflação. Afirmam que não há como sairmos dessa situação sem mudar o governo.

O outro argumento - este de bastidor - é que nunca houve na história do Brasil um governo tão fraco na relação com o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal. Se em público os tucanos aplaudem o juiz Sérgio Moro, em privado falam de abusos no processo e prometem que, se chegarem ao poder, tudo mudará. Não cansam de repetir que não agirão como Dilma, “que lavou as mãos”, e prometem um governo forte, com ascendência sobre o Ministério Público, trânsito no STF e nos meios de comunicação. Lembram que, no período FHC, era o presidente quem escolhia o Procurador (Engavetador) da República. Não havia eleição, isso foi “invenção do Lula”. Nunca vi tanto cinismo junto!

Trata-se, como evidente, de um discurso encomendado para seduzir setores da própria base governista. Vou mais longe: o que começou como uma conspiração está tomando a feição de um acordo, já com roteiro e plano de ação prontos. Falam-se das “pedaladas” e da rejeição das contas pelo TCU, mas a grande aposta é no TSE.

Sabe-se que o PSDB, logo que terminou as eleições presidenciais do ano passado, entrou com uma representação, uma AIJE (Ação Indireta de Investigação Eleitoral), de suposto “abuso de poder econômico”. Procura-se de todas as maneiras forjar um depoimento de um dos delatores presos na Operação Lava Jato, falando de “origem ilegal de recursos de campanha”. Pronto. Arrumou-se o mote.

A partir desse depoimento, parte-se para cabalar votos no Tribunal. Como é um Tribunal pequeno, apenas sete membros, uma maioria circunstancial de quatro permite o afastamento da presidenta da República. Sem nem precisar passar pelo Congresso! Sem nem passar pelo complexo e desgastante processo de um impeachment! Restaria a Dilma apenas lutar por uma liminar junto ao STF.

Resultado do hipotético julgamento junto ao TSE, afastados a Presidenta e o Vice, assumiria a Presidência da República, por três meses, o deputado Eduardo Cunha, enquanto novas eleições seriam realizadas. Este é o roteiro preferencial da chanchada preparada pela oposição e por alguns setores da ainda formalmente chamada “base governista”.

Alguém pode perguntar: o PMDB embarca nesta canoa furada mesmo contra Michel Temer? Ora, o Temer é minoria no PMDB. Além disso, aqui sabemos que ele não tem boas relações com seu próprio partido no Senado. E o controle da bancada do PMDB na Câmara é de Eduardo Cunha, que adoraria assumir a Presidência da República de forma interina. Evidentemente, se esse caminho não der certo, vão-se tentar outras veredas, a exemplo do impeachment e TCU.

Diante da gravidade da situação brasileira, o que nós, democratas e militantes de esquerda, podemos fazer para impedir o golpe, seja judicial ou parlamentar? Podemos fazer muito. Na minha avaliação, a questão central é mobilizar nossas bases sociais para irem às ruas. Eles têm que temer nossa capacidade de reação. Temos que anunciar que, se optarem por esse caminho, estarão colocando o Brasil em um clima de radicalização e confronto que atenta contra nossa democracia. Mas para isso precisamos da ajuda do governo. É preciso que governo pare de atacar a sua própria base! É hora de reaglutinar aquela turma que foi para as ruas no segundo turno da eleição da Dilma.

Como fazer isso? Tomando coragem (que tal nos inspirarmos nos gregos?) para reorientar a política econômica. É um erro primário conduzir a economia desconsiderando a conjuntura política. Estamos em tempos de guerra. Não se atira contra a própria tropa, contra aqueles que podem sair às ruas em defesa da legalidade democrática.

Ainda resta alguma dúvida de que os “planos de austeridade” de Joaquim Levy estão fracassando? Nesse aspecto, está acontecendo entre nós exatamente uma repetição do que houve na Grécia, Espanha e Portugal. Essa política econômica neoliberal de Levy não é a nossa, nem Dilma foi eleita com essas propostas. Dizer que inexistem alternativas é falso, basta ler o debate econômico brasileiro e internacional e verificar que as alternativas existem, sim.

Essa política econômica mergulhou o país em recessão. O Levy fez o ajuste dizendo que esse era o “único” caminho para recuperar o equilíbrio fiscal. Só que, ao impor ao país, conscientemente, uma recessão mastodôntica, a arrecadação do Estado não para de cair. Consorciado à queda da arrecadação, vem a elevação das taxas de juros (cada 0,5% de subida na SELIC significa R$ 7 bilhões de impacto fiscal negativo).

Resultado: a situação fiscal do Brasil só vem piorando. O déficit nominal de 2014, no ano passado, foi de 6,7; agora, no acumulado dos últimos doze meses, subiu para 7,9. Ou seja, está dando errado, apesar das consequências sociais e políticas desastrosas. O desemprego saiu de 4,9 em dezembro do ano passado e já há previsão de chegar a perto de 9% ao fim do ano. A Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE mostra que a massa salarial real habitual (sem o 13º salário) diminuiu 10% entre novembro do ano passado e maio deste ano.

A consequência dessa política econômica fracassada recai sobre os ombros dos trabalhadores e dos mais pobres, os que votaram em nosso governo, os que fizeram Dilma e Lula presidentes da República. São essas dezenas de milhões de brasileiros que confiaram em nós, a base social de nosso projeto vitorioso de inclusão social. É a confiança dessas pessoas que temos que reconquistar.

Isso só será possível se o governo entender a gravidade da crise, esquecer um pouco o Levy e seu samba de uma nota só do ajuste fiscal. Com isso, girar à esquerda com um programa que defenda o emprego e a renda dos trabalhadores, taxação das grandes fortunas, a legalidade democrática, a soberania nacional e os direitos humanos frente a essa ofensiva conservadora.

Temos que nos associar a essas pautas que, inclusive, serão tema de uma grande Conferência Nacional, no começo de setembro, chamada pelos movimentos sociais. Isso pode reunificar nosso campo político em cima de um programa que daria ânimo e disposição para a tropa ir à luta. É hora de parar com as ilusões: a ideia ingênua de que é possível neutralizar os mercados e a mídia e, dessa maneira, apaziguar o clima de radicalização em curso no Brasil.

Presidenta Dilma, por favor, entenda que essa turma quer a sua e as nossas cabeças. A nossa “Dilma coração valente” tem que reaparecer e governar com o programa vencedor das eleições. Olhar para o seu povo. Ser a guerreira defensora dos mais pobres, defensora dos empregos.

Este é um daqueles momentos de encruzilhada da história do Brasil em que somente o povo é capaz de nos livrar do golpe em curso. Se o governo não entender a gravidade da crise e continuar no mesmo rumo, mantiver a mesma política econômica recessiva, ainda assim vamos continuar na trincheira contra o golpe. No entanto, infelizmente, tudo será mais difícil, principalmente a necessária mobilização popular contra o golpe e os golpistas.

Lindbergh Farias é Senador da República pelo PT-RJ

segunda-feira, julho 06, 2015

O domínio estratégico do petróleo é das estatais: algumas lições da experiência internacional

Até 2008, 73% das reservas de petróleo no mundo pertencia às estatais. Nenhuma das maiores empresas de petróleo do mundo é multinacional. Entenda por quê.


Qual é a maior empresa de petróleo do mundo? A Exxon? A Shell? A Chevron? A BP?

Nenhuma delas.

As maiores empresas de petróleo e gás do mundo são estatais - as chamadas national oil companies (NOCs).

Entre elas, estão a Saudi Aramco (Arábia Saudita), a NIOC (Irã), a KPC (Kuwait), a ADNOC (Abu Dhabi), a Gazprom (Rússia), a CNPC (China), a PDVSA (Venezuela), a Statoil (Noruega), a Petronas (Malásia), a NNPC (Nigéria), a Sonangol (Angola), a Pemex (México) e a Petrobras.

Numa estimativa conservadora, feita em 2008, antes do pré-sal ser bem conhecido, as NOCs já dominavam 73% das reservas provadas de petróleo do mundo e respondiam por 61% da produção de óleo. Segundo a Agência Internacional de Energia, a tendência é a de que as NOCs sejam responsáveis por 80% da produção adicional de petróleo e gás até 2030, pois elas dominam as reservas.

Nem sempre foi assim.

Até 1970, as chamadas international oil companies (IOCs), as grandes multinacionais, as Sete Irmãs, dominavam inteiramente 85% das reservas mundiais de petróleo. Outros 14% das jazidas eram dominados por empresas privadas menores e as NOCs tinham acesso a apenas 1% das reservas. As estatais que existiam na época, como a YPF (Argentina) a Pemex (México), a Petrobras e a PDVSA, não tinham a menor influência real nesse mercado.


As IOCs faziam o que bem entendiam.

Ditavam a produção e o preço do petróleo e derivados no mundo, sempre com a perspectiva de curto prazo de obter o maior lucro possível e remunerar acionistas. Fortemente verticalizadas, as Sete Irmãs se encarregavam da pesquisa, da prospecção, da produção, do refino e da distribuição. Conteúdo nacional? Só o suor de trabalhadores locais de baixa qualificação. Tudo isso começou a mudar ao final da década de 1960.

O nacionalismo árabe, de inspiração nasserista, incitou uma onda de nacionalização do petróleo, que se iniciou na Argélia, em 1967, e na Líbia de Khadafi (o ódio do Ocidente a Khadafi não era gratuito), em 1969 e 1970. Tal onda nacionalizante se estendeu rapidamente por todo o Oriente Médio, no início da década de 1970. Governos nacionalizaram jazidas e expropriaram ativos das multinacionais para criar as suas próprias companhias de petróleo.

Em 1972, Arábia Saudita, Qatar, Kuwait e Iraque, onde estavam as principais reservas mundiais, já tinham iniciado esses processos. Isso mudou inteiramente o mercado do petróleo.

Os governos passaram a se apropriar de uma renda muito maior da cadeia do óleo, até mesmo porque descobriram que as IOCs escondiam deles os reais custos de produção, reduzindo artificialmente a remuneração devida aos países. E os Estados, não as Sete Irmãs, começaram a ditar o ritmo da produção e da comercialização do petróleo, não mais com a perspectiva de obter o máximo de dividendos no curto prazo, mas com o objetivo estratégico de maximizar o uso de um recurso natural finito e não renovável.

No âmbito internacional, esse novo domínio estatal permitiu que os países produtores, reunidos na OPEP, passassem a influenciar efetivamente o preço do petróleo, que se transformou numa commodity mundial.

Em 1973, após a Guerra do Yom Kippur entre árabes e israelenses, os países árabes impuseram um embargo aos EUA, à Europa e ao Japão, que apoiaram Israel, o qual fez disparar os preços do óleo no mundo. Foi o primeiro choque do petróleo, o qual teria sido impossível de realizar num mercado governado apenas pelos interesses das grandes multinacionais. Ao longo da década de 70, o domínio estratégico dos Estados sobre o petróleo cresceu com a ampliação e a sedimentação dos processos de nacionalização das reservas, a criação de grandes companhias estatais e o fortalecimento das já existentes.

Significativamente, a onda privatizante que verificou no mundo todo nos anos 80 e 90, sob o paradigma do neoliberalismo, não afetou, de modo substancial, o domínio estatal sobre a cadeia do petróleo.

Houve alguns episódios de privatizações totais ou parciais, especialmente na América Latina e no Leste europeu. Na Argentina, por exemplo, ocorreu a privatização da YPF, a segunda estatal do petróleo a ser criada, em 1928. No Brasil, a Petrobras teve o seu capital aberto na Bolsa de Nova Iorque. Na Rússia, alguns setores da indústria de hidrocarbonetos foram também privatizados.

Contudo, o aumento dos preços do petróleo ocorrido a partir do início deste século provocou nova onda de nacionalizações e de criação de estatais. Na Rússia, Putin reverteu as privatizações, conformando uma poderosíssima Gazprom. O mesmo ocorreu em países da Ásia Central, como o Azerbaijão e o Uzbequistão. Na Bolívia, o governo Morales nacionalizou as jazidas de hidrocarbonetos. Na Argentina, o governo Kirchner desapropriou a Repsol, que havia se apossado dos despojos da YPF.

Essa tendência praticamente mundial ao controle estatal do petróleo não ocorre por acaso. No estudo de mais de mil páginas intitulado Oil and Governance: State-owned Enterprises and the World Energy Supply, publicado em 2012 pela Cambridge Press e que analisa a experiência de 15 grandes NOCs (inclusive a Petrobras), os organizadores mencionam algumas fortes razões para o surgimento e a persistência dessa tendência. Há, é óbvio, motivos políticos, como o apelo do nacionalismo e a conveniência de obter ganhos geopolíticos com o controle efetivo e direto de bens sensíveis e estratégicos como os hidrocarbonetos, como faz a Rússia, por exemplo.

Mas há também razões vinculadas estritamente à racionalidade econômica de longo prazo. O controle direto das jazidas e da produção do petróleo permitiria, com maior facilidade:

1) Influenciar o preço dos hidrocarbonetos no mercado interno, conferindo, se necessário, subsídios em energia ao setor produtivo.

2) Instaurar políticas de conteúdo nacional, que se aproveitem das oportunidades e sinergias criadas pela produção de hidrocarbonetos para criar uma longa cadeia nacional do petróleo, estimulando indústrias e o setor de serviços.

3) Ditar o ritmo de exploração das reservas e de comercialização do óleo, conforme o interesse nacional e dentro de uma visão estratégica de aproveitar ao máximo a existência de um recurso natural finito e não renovável.

4) Gerar e obter informações detalhadas sobre as jazidas de óleo e gás, seu potencial e seus custos de exploração.

5) Desenvolver tecnologia própria relativa à cadeia dos hidrocarbonetos.

Alguns podem argumentar que pelo menos parte desses objetivos poderia ser alcançada sem a participação necessária de uma NOC. Em tese, um bom modelo regulador tornaria possível a consecução desses objetivos estratégicos e de longo prazo sem a participação direta de uma estatal como grande operadora das jazidas.

A experiência internacional demonstra, contudo, que isso é muito difícil.

No estudo mencionado, entre as 15 grandes NOCs analisadas, somente 2 não são grandes operadoras: a NNPC, da Nigéria, e a Sonangol, de Angola. Essas grandes companhias africanas desempenham funções básicas de regulação e não têm capacidade técnica de operar na prospecção e na produção dos hidrocarbonetos.

No caso da Nigéria, a análise mostra que o país não consegue controlar a contento seu setor petrolífero, base da economia nigeriana. As grandes companhias multinacionais que lá atuam dominam inteiramente a produção e a prospecção e remuneram o Estado com base em suas próprias informações sobre custos e volume produzido.

A NNPC, por não ser operadora, não tem condições técnicas reais de avaliá-los. Também não há política efetiva de criação de uma cadeia de petróleo na Nigéria. Soma-se a isso, uma péssima gestão da estatal e sua submissão a um sistema político fortemente fisiológico. A NNPC não consegue ser nem operadora competente, nem reguladora efetiva do setor, apresentando um desempenho muito pobre. Desse modo, a Nigéria não tem a gestão estratégica de seu recurso natural mais valioso.

No que tange à Sonangol, embora o capítulo a ela dedicado a destaque como uma reguladora eficiente e estável, que não atrapalha as operações das multinacionais lá instaladas, as informações que chegam diretamente de Angola conformam um quadro muito ruim.

Conforme Francisco de Lemos Maria, que assumiu a presidência da empresa em 2012, o atual modelo operacional caracteriza-se pela crescente dependência da Sonangol, quer da contribuição de terceiros para a geração de resultados, quer de outsourcing de serviços, do básico ao especializado.

Segundo esse novo presidente, o sistema de hidrocarbonetos em Angola é “insustentável”. Com efeito, a prometida “angolonização” dos insumos e dos serviços da cadeia do petróleo não funcionou e, agora, a nova presidência vem envidando esforços para transformar a Sonangol também numa operadora eficiente e robusta.

Parece haver, portanto, uma correlação positiva, entre ter capacidade de gestão estratégica dos hidrocarbonetos e contar com uma NOC que tenha efetiva capacidade de operar as jazidas. É evidente que as NOCs não são uma panaceia em si e podem, inclusive, ser instrumento de distorções e ineficiências, especialmente em países com ralos controles democráticos da gestão estatal. Mas a sua existência facilita muito, sem dúvida, a gestão estratégica dos recursos do petróleo por parte dos Estados nacionais. Mesmo o tão elogiado modelo norueguês de gestão dos hidrocarbonetos, que contém elementos liberalizantes, se assenta, no fundamental, na Statoil, que opera, com muita eficiência, cerca de 80% das reservas de petróleo da Noruega.

Deve-se ter em mente que as grandes nacionalizações do petróleo na década de 1970 foram suscitadas essencialmente pela necessidade que os Estados detectaram de ter acesso a informações fidedignas sobre as jazidas e os custos de produção e operacionalização das atividades da cadeia do petróleo. De um modo geral, as grandes multinacionais da época ocultavam essas informações dos governos, os quais, por não contarem com operadoras próprias, não tinham como aferir ou contestar os dados apresentados pelas empresas.

Por isso, a grande maioria dos governos não se limitou a mudar o modelo de regulação, mas também se preocupou em criar NOCs, como grandes operadoras, para dar sustentáculo prático e técnico aos novos parâmetros de gestão estratégica dos hidrocarbonetos. Afinal, informação é poder.

No caso da Petrobras, sua utilidade para o Brasil e sua competitividade única no mundo reside justamente nas informações e na tecnologia que ela detém. A Petrobras é a única, entre todas as grandes NOCs, que foi criada antes de haver a constatação da existência de reservas provadas de petróleo em seu território de atuação. Todas as outras foram geradas num ambiente de certeza de reservas provadas e/ou de fácil nacionalização de ativos pré-existentes.

Desse modo, a Petrobras teve de investir pesadamente, desde o início, em prospecção e desenvolvimento próprio de tecnologia, principalmente de tecnologia de exploração em águas profundas e ultraprofundas, o que já lhe valeu merecidos grandes prêmios internacionais.

Por conseguinte, o grande diferencial da Petrobras, no concorrido mercado dos hidrocarbonetos, reside na sua tecnologia de vanguarda e no domínio das informações estratégicas sobre as jazidas, particularmente as do pré-sal. Esse diferencial permitiu à Petrobras manter-se como a grande operadora do petróleo no Brasil, mesmo após os famosos contratos de risco da década de 1970 e da adoção do modelo de concessão, na década de 1990. Pois bem, retirar da Petrobras a condição de operadora única do pré-sal pode subtrair da empresa esse diferencial único, e, do Brasil, a capacidade de gerir estrategicamente os fantásticos, mas finitos recursos do pré-sal.

De fato, a depender do ritmo dos leilões do pré-sal, a Petrobras não conseguiria participar da maioria, o que poderia resultar em seu alijamento da maior parte do pré-sal. Deve-se ter em mente que, num ambiente de crise e de estrangulamento das receitas, a tentação de acelerar, numa perspectiva de curto prazo, os leilões do pré-sal pode eclipsar as considerações estratégicas de longo prazo.

Para a empresa, tal alijamento resultaria num célere enfraquecimento e, provavelmente, numa dificuldade em honrar sua dívida contraída justamente para ter condições de explorar o pré-sal. Todo o seu capital tecnológico e informacional poderia ser vendido ou perdido e ela acabaria se transformando, em um cenário mais pessimista e no longo prazo, numa grande NNPC ou Sonangol, dedicada a atuar secundariamente como reguladora. Para o país, o quadro de alijamento da Petrobras da maior parte do pré-sal ou mesmo de parte significativa dele, provavelmente resultaria numa grande dificuldade para gerir estrategicamente os seus recursos oriundos dos hidrocarbonetos.

Encontraríamos, nesse cenário, obstáculos consideráveis para controlar o ritmo da produção, amealhar os royalties efetivamente devidos e implantar a política de conteúdo nacional.

Nesse sentido, retirar da Petrobras a condição de operadora única do pré-sal pode ser o início de seu fim e o começo sub-reptício de uma Petrobax. Pode ser também, num sentido maior, o início do fim de um Brasil desenvolvido, soberano e justo.
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Marcelo Zero é sociólogo, especialista em Relações Internacionais e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI).

PT: o cheiro de morte iminente exige mudança

O PT e o governo têm cada vez menos governabilidade sobre a conjuntura; são expectadores de um bonde que pode conduzir ao cadafalso.


Jeferson Miola


Recentes pesquisas de opinião ajudam a entender a encruzilhada do PT e do governo Dilma nesta conjuntura crítica e perigosa para ambos.

A Vox Populi revela, em síntese, que o tamanho do ódio ao PT é menor que a sensação midiática criada; e, além disso, que os limites do antipetismo são maiores que aqueles que a mídia oposicionista desejaria que fossem: “apenas” 12% odeia o PT, 21% não vota no PT, 33% vota no PT e outros 33% podem – ou não – votar no PT. O povo humilde, a maioria absoluta da população brasileira, ainda acredita no PT.

As duas últimas pesquisas de avaliação do governo Dilma [Datafolha, 21/06 e CNI/IBOPE, 01/07], por seu turno, evidenciam a tendência de aplainamento da popularidade da presidente: atingiu apenas 9% de ótimo e bom, ante 68% ruim e péssimo. Inversamente à taxa de juros, o viés é de grande baixa da popularidade.

Parece que o PT ainda consegue se preservar um pouco nesta conjuntura mais pela reserva de confiança popular histórica que por iniciativa e inteligência política atual. Acometido por uma síndrome catatônica e com uma direção paralisada devido aos segredos nunca revelados das finanças internas que o impedem de responder assertivamente em relação à corrupção, o Partido perdeu inúmeras oportunidades para corrigir a trajetória errática e produzir respostas adequadas aos desafios deste complexo momento.

O 5º Congresso é a expressão viva da catatonia partidária e da falência da direção. E os últimos lances de Lula mostram que até mesmo o principal líder do PT está com a bússola desorientada. Faz um zig-zag que desorganiza e desarticula a reação política: numa ocasião, dispara petardos no PT e no governo. Alguns dias depois, convoca reunião de emergência com lideranças do PT e do PMDB e, surpreendentemente, baixa muitos decibéis do tom.

Nesta realidade confusa, as pesquisas indicam que a corrupção é um fator que ainda não afeta a confiança popular no PT na proporção em que [ii] a crise econômica prejudica a popularidade do governo. O aumento do desemprego, a perda do valor real dos salários, a suspensão dos investimentos e os juros altos – em suma, a profecia da crise econômica finalmente cumprida – é o veneno que corrói a popularidade da Dilma e a sujeita à governabilidade congressual ditada por um personagem doentio.

A presidente Dilma aposta nas escolhas econômicas do Ministro Levy, confiando que com elas o país retomará o crescimento rapidamente. Essa percepção, contudo, colide com a avaliação convergente de empresários, trabalhadores, economistas heterodoxos e liberais que alertam para o risco de continuidade de piora da economia por um período prolongado. Insistir na manutenção desta política poderá levar a popularidade da presidente a níveis críticos, comprometendo a própria continuidade do governo.

A corrupção é, evidentemente, um fator de vulnerabilidade, mas somente se converterá em vetor político para o golpe do impeachmentse a economia continuar piorando a vida da maioria da população que elegeu Dilma em 2014. Caso nada seja feito urgentemente, o colapso do governo será uma hipótese realista, que sugaria junto Lula e o PT.

Em 2005, no episódio do chamado "mensalão", Lula conseguiu aplacar a ira reacionária que babava pelo o "fim da raça" dos petistas, acelerando as mudanças sociais e expandindo a atividade econômica, o emprego e a renda dos trabalhadores.

Existe uma interdependência complexa entre o PT, Dilma e Lula. Analistas políticos inferem que o fracasso individual de um dos componentes dessa tríade causaria o desastre de todos. Isso é fato, assim como é fato que a inoperância política pode ser fatal.

Não restam muitas alternativas para o PT nesta circunstância de urgência política com “cheiro de morte iminente” [Eric Hobsbawn em “Tempos fraturados”, sobre a queda e o declínio das vanguardas no século XX]: ou oferece à presidente Dilma uma proposta de outra política econômica para o desenvolvimento, elaborada a partir de um amplo debate na sociedade, ou será tragado pela crise.

Outro padrão de gestão política é também um imperativo da conjuntura. Não é crível que o governo de um país como o Brasil perca totalmente a capacidade de iniciativa política, de agendamento do debate público e de convocação da sociedade organizada para ficar refém de personagens tresloucados do parlamento.

Entre o governo e o programa com o qual o governo foi eleito, qual será a escolha do PT? Na Grécia, o primeiro-ministro Alex Tsipras renunciaria ao governo caso o plebiscito opte pela política de austeridade imposta pela troika [Alemanha, Banco Central Europeu e FMI], que obriga o pagamento da dívida imoral e ilegítima com o sacrifício do povo grego.

Estamos ingressando numa dinâmica histórica que pode se tornar irreversível. O PT e o governo têm cada vez menos governabilidade sobre a conjuntura; são expectadores, meros passageiros de um bonde que poderá conduzir ao cadafalso.
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Jeferson Miola é integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

O golpe em marcha: mirem-se no exemplo das lideranças de Atenas


Seja qual for o desfecho do plebiscito deste domingo, é o método o que mais importa à encruzilhada do Brasil nos dias que correm.

por: Saul Leblon


Levar a lógica dos mercados financeiros a um plebiscito é algo de que nunca se tinha ouvido falar antes.

Mas foi justamente isso o que ocorreu na Grécia neste domingo.

Independente do resultado das urnas - a essa altura já sabido - é forçoso reconhecer: um anel poderoso da blindagem neoliberal foi rompido na cena política.

E isso não é um detalhe: é um método.

O que ele ensina é que a única opção à tirania financeira é submeter o mercado ao escrutínio da democracia.

Na crise de 2008, a brava Islândia já havia decidido o destino de seus bancos - um buraco especulativo dez vezes superior ao PIB do país - a um plebiscito.

Entre sacrificar a nação ou a banca, a decisão foi salvar a nação e deixar o rentismo falir.

A abrangência e o impacto daquela consulta, porém, foi menor. A pequena nação de 320 mil habitantes - que se recuperou de maneira formidável e hoje desfruta de pleno emprego - sequer pertencia ao euro.

Foi tratada como um pitoresco ponto fora da curva pelo colunismo de mercado.

O que a Grécia fez agora é de superior importância e vai muito além do pitoresco.

Ela resgatou o princípio segundo o qual política é economia concentrada na expressão mais direta dos conflitos de classe de uma sociedade.

Seu inestimável exemplo foi justamente dar transparência àquilo que as ideias dominantes de nossa época lograram mascarar. Ou seja, a farsa que empresta aos interesses plutocráticos da finança a condição de uma ciência acima dos conflitos sociais e econômicos.

Reforçar a blindagem a-histórica do capitalismo, de modo a cegar os olhos para a relação de poder que lhe é intrínseca, foi uma das maiores vitórias do neoliberalismo em nosso tempo.

Para consumar esse abastardamento, ademais de se atribuir à economia uma autossuficiência regulatória que ela não tem, o neoliberalismo cuidou de aprofundar a interferência do dinheiro no sentido inverso.

O esforço obstinado de Eduardo Cunha para legitimar a presença do dinheiro empresarial nas campanhas eleitorais é um emblema dessa inversão dos papéis, com o sotaque golpista que marca a urgência brasileira nesse momento.

Que isso tenha acontecido em meio a investigações de corrupção cuja origem reside justamente no intercurso entre empresas e partidos não é apenas um escárnio.

É a força do sistema corruptor do dinheiro impondo a sua supremacia na vida do país de forma explícita, quase obscena, nesse momento.

A dissonância aberta pela Grécia não é pequena.

Sobretudo, porém, não deve ser avaliada pelas forças progressistas brasileiras apenas com base no resultado efêmero do plebiscito deste domingo.

Seja qual for o seu desfecho, é o método o que mais importa à encruzilhada do país nos dias que correm.

Ou não foi justamente a equivocada decisão de endossar a ‘objetividade’ dos mercados na definição dos ajustes que deveriam ter sido repactuados politicamente, que levou ao afunilamento golpista atual?

A opção pela estratégia publicitária nas eleições de 2014 (criticada então neste espaço, e que quase levou à derrota da candidatura Dilma) subestimou a capacidade de luta e discernimento do protagonista social que que poderia fazê-lo.

Negligenciou-se a força e a centralidade política da tomada de consciência histórica de 60 milhões de brasileiros que saíram da miséria e da pobreza e ascenderam na pirâmide da renda no ciclo de 12 anos de governos progressistas.

Ao invés de ser corrigido, o equívoco eleitoral se aprofundou uma vez instalada o novo mandato.

A um centurião dos mercados foi dada carta branca para proceder a ajustes cuja pertinência e ponderação só teriam viabilidade se negociados com as forças sociais do país.

A frente de esquerda Syriza não cometeu esse erro; pode pagar caro por sua ousadia, é verdade.

Mas não tão caro a ponto de ver esfarelar a confiança de suas bases em sua coerência.

Não tão caro a ponto de, eventualmente derrotada no referendo, perder o vigor representativo para uma volta ao poder até com maior força, quem sabe.

É a emergência ameaçadora dessa força - não os bilhões de euros em questão no calote grego - que explica a determinação da troika (FMI, BCE e Comissão do Euro) de não permitir a consumação de um acordo favorável ao governo do primeiro ministro Alexis Tsipras.

A sequência política antecedente ao plebiscito ilumina essa hierarquia com clareza.

Vejamos:

1. Em 21 de junho, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e o primeiro ministro grego, Alexis Tsipras, chegaram a um esboço de acordo que gerou euforia nos mercados;

2. Em 23 de junho, tudo havia ruído. O que se passou nessas 48 horas é a pergunta que analistas isentos se fazem em diferentes veículos;

3. A maioria atribui ao FMI, aos falcões germânicos e a governos reacionários do euro que vergastaram seus povos, Espanha e Portugal, por exemplo, o veto ao acordo favorável à Grécia. Não por divergências intransponíveis em relação a valores. Não. Acima de tudo porque uma vitória do Syriza abriria o precedente encorajador a novos hereges em marcha. Caso do Podemos espanhol, por exemplo;

4. O argumento é corroborado matematicamente:

- cálculos do Royal Bank of Scotland, divulgados pelo jornal Valor, estimam que a soma total das dívidas pendentes no imbróglio grego é de 537 bilhões de euros;

- se o país saísse do euro, as perdas para os credores seriam de 234 bi de euros (2,4% do PIB do euro);

- todavia, se lograsse uma reestruturação, como reivindica o Syriza, trazendo a dívida de 200% do PIB para 100% dele, com o perdão do restante, a perda seria de apenas 1,4% do PIB da zona do euro;

5. Estudos do próprio FMI divulgados na 6ª feira admitem que a dívida da Grécia é impagável, qualquer que seja o grau de sacrifício que venha a ser imposto a sua população;

6. De acordo com o estudo, vazado sem a assinatura da direção do FMI, a dívida grega deveria ser abatida em 30%, ademais de se assegurar uma carência de 20 anos para iniciar o pagamento restante. Qualquer ‘ajuste’ sem esse requisito é insustentável.

Tudo isso é muito, muito próximo do que argumenta e reivindica o governo Syriza.

Mas nunca lhe foi oferecido na mesa de negociações.

Por quê?

Justamente porque a vitória da democracia grega implodiria uma das mais eficazes operações ideológicas das últimas décadas.

Essa que apresenta a economia como um enclave autônomo, esfericamente subordinado às leis naturais dos livres mercados.

A serviço dessa mesma assepsia histórica vicejam no Brasil as editorias de economia e o colunismo dos vulgarizadores do capital metafísico, esse que em textos abestalhados de tanta toxina neoliberal, apresenta os desequilíbrios estruturais do desenvolvimento como mera inépcia do lulopopulismo.

Essa lixeira histórica e ética prendeu a respiração diante da odisseia do país que mais longe levou a politização da disjuntiva em torno da qual se debate a luta pelo desenvolvimento em nosso tempo: a economia deve trabalhar pela sociedade ou contra ela para servir a banqueiros e rentistas?

A transformação da pergunta em uma disputa política aberta e explícita é uma vitória da Grécia e uma derrota antecipada da ideologia mercadista urbi et orbi.

Não por acaso, uma gigantesca operação de asfixia foi acionada para impedir que esse levante se consumasse no plebiscito deste domingo.

A sociedade que já perdeu 1/5 de quase tudo, empregos, salários, aposentadorias, leitos hospitalares etc foi explicitamente ameaçada de confinamento financeiro e político, se insistisse em reinventar seu contrato social no escrutínio proposto pelo primeiro ministro, Alexis Tsipras.

A 48 horas do referendo, na sexta-feira, o sindicato dos banqueiros da Grécia lançou um comunicado coercitivo para dizer que o sistema dispunha de apenas um bi de euros em caixa --insuficiente para prover a liquidez do mercado no day after do escrutínio, quando o país ficaria órfão se votasse ‘não’ ao arrocho.

Grandes empresas e redes de serviços –postos de gasolina, por exemplo— anteciparam-se para vender exclusivamente cash a uma população sem caixa, confrontando-a assim com a prefiguração do colapso acenado.

Na antevéspera do plebiscito, as principais redes de televisão, as Globos de lá, dedicaram 46 minutos à cobertura dos comícios favoráveis ao arrocho e apenas oito minutos às concentrações pelo ‘não’.

Autoridades da União Européia, governantes conservadores, bancos e consultorias –compulsivamente ecoados pelo dispositivo midiático local—fecharam o cerco com ameaças, coações e chantagens.

Consumou-se assim uma operação de propaganda de guerra de virulência equivalente ao cerco do exército branco contra a Rússia revolucionária, em 1917.

‘O que estão fazendo com a Grécia tem um nome: terrorismo”, disse o ministro Yannus Varoufakis, autor também da frase síntese da polaridade entre a coerência e a coerção: ‘Prefiro cortar um braço a assinar um acordo que não contemple a reestruturação da dívida da Grécia'.

Independente do veredito do domingo, portanto, a heresia já terá desempenhado a missão pedagógica de produzir um clarão capaz de iluminar o imaginário social para muito além das fronteiras gregas.

Para que servem as urnas afinal, se um governo, e o projeto por elas escolhidos, é literalmente destruído no momento seguinte ‘pelas imposições dos mercados' assim afrontados?

Ou para ser mais explícito diante da urgência do Brasil nos dias que correm: para que servem se, uma vez eleito, o governante é coagido pelo cerco do dinheiro a fazer concessões que corroem os vínculos de confiança com sua principal base de apoio, tornando-se ainda mais vulnerável às imposições dos mercados e dos interesses determinados a derrubá-lo?

A força e a tragédia do povo grego reside em particularizar a heresia em relação à encruzilha diante da qual muitos hesitam na vã esperança de obter a indulgência dos mercados.

Um dos principais jornais brasileiros, a Folha, dedica seu caderno de Política, na edição deste domingo, a avaliar as possibilidades, preferências e métodos mais adequados à derrubada do governo da Presidenta Dilma Rousseff, eleita com 54 milhões de votos há apenas e longínquos oito meses.

A principal batalha do nosso tempo, portanto, aqui ou na Grécia, fique claro, não se trava em torno de cifras ou adequações macroeconômicas em si. Mas, sim, em se preservar ou não o poder de dominação dos detentores das cifras.

O câmbio defasado no caso brasileiro - um exemplo de problema real que sucateou parte da indústria - não é tão grave para a plutocracia local e global quanto a consolidação de um poder progressista no comando do Estado.

Derruba-lo é uma prioridade que antecede e independe da genuflexão macroeconômica – ou as concessões suicidas em curso já teriam erradicado o furor golpista.

Não é propriamente uma trégua que se assiste no Brasil nesse momento.

A resposta, portanto, é de outra natureza.

Trata-se de trazer a economia para a política e de levar a política para a economia. Ou seja, repactuar o desenvolvimento com uma nova correlação de forças.

É essa fusão que pode devolver à democracia um poder ordenador que a sociedade cedeu ao mercado.

Não se negue à economia leis próprias, circunstâncias limitadoras e incertezas a exigir gestão, equilíbrio e bom senso.

Mas sancionar a não ingerência da política nas decisões do desenvolvimento é tão somente uma operação suicida de entorpecimento social para preservar e engordar interesses sabidos.

Nas crises cíclicas do sistema, quando se descarrega sobre a sociedade um fardo de sacrifícios dificilmente vendável como ciência ou fatalidade, o labor dessa catequese é afrontado pela natureza crua das coisas.

Democracia e capitalismo deparam-se então em pé de igualdade com a disputa pelo destino da nação e do seu desenvolvimento.

Atenas se transformou na capital dessa transgressão nos últimos meses.

O nó górdio que impede o Brasil de extrair as devidas lições dessa experiência é a rala contrapartida de organização coletiva para levar a cabo a luta por uma outra agenda de desenvolvimento.

Não há espaço para mágicas na história.

O país não sairá do atoleiro se o sujeito do processo, aquele do qual depende o respaldo para enfrentar a coerção mercadista, permanecer alheio aos conflitos que determinarão o seu destino.

O salto em direção a isso hoje no Brasil chama-se frente progressista e democrática.

E a pergunta que ela enseja às organizações populares é curta e grossa:

"o que mais precisa acontecer aqui para que as lideranças sociais anunciem um comitê unificado contra o golpe e uma agenda política de repactuação do desenvolvimento?"

Mirem-se no exemplo das lideranças de Atenas.

Enquanto há tempo.