terça-feira, abril 07, 2015

Dos BRICS à bricolagem chinesa no mundo ocidental

Carta Maior

A China sustenta e apoia negócios que, além de serem de seu próprio proveito, contribuem seguramente para o desenvolvimento mundial.

José Carlos Peliano*


Em inglês, “brics” significa tijolos, enquanto, em francês, “bricolage” ou, em português, “bricolagem”, significa unir vários elementos para formação de um conjunto único. Assim, uma interpretação livre, reunindo as duas palavras, seria tijolos colocados acima e ao lado de outros para montagem, a bricolagem, de uma arquitetura única e comum a partir de uma engenharia concertada a uma ou várias mãos.

Esta arquitetura e engenharia vem sendo feita por um grupo de países tendo como membro mais significativo a China. De início, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, os BRICS, com uma proposta de trabalho e operação comum e um acordo em fase de aprovação final. Posteriormente, um país aqui, outro ali, e a China vai arrebanhando aliados para uma nova e ousada concertação nas décadas vindouras. Sinais nesta direção foram dados pela Venezuela e Argentina.

Com os BRICS nasce um banco de desenvolvimento, acoplado a um forte fundo de financiamento a projetos de infraestrutura em países emergentes. Vem a ser uma resposta à engrenagem emperrada do FMI que ainda não consentiu o aumento da participação dos 5 países em seu capital. Enquanto os EUA detém 17% do poder de voto na instituição, Japão 6%, Alemanha, França e Reino Unido 14%, e os BRICS com somente 11% e a China 3,8%. A governança financeira mundial não conta há tempos com uma posição melhor dos BRICS no FMI.

Num primeiro momento US$ 100 bilhões, denominados Arranjo Contingente de Reservas, estarão à disposição dos membros do grupo, para servir de fundo destinado a ser acionado e a socorrer os membros que sofram riscos de calote e problemas com seus balanços de pagamentos. Num segundo momento, a ideia é usar o fundo para também adquirir participação nos empreendimentos (“equities”), dar garantias, liberar crédito de longo prazo e não simplesmente empréstimos bancários em resgate parcelado. As atuais organizações multilaterais, como o BID e a CAF (Comissão Andina de Fomento), não têm tido recursos suficientes, tampouco reformulam e atualizam seus sistemas.

O banco dos BRICS vem a ser uma alternativa promissora ao FMI e ao Banco Mundial para acesso a crédito disponível em condições mais vantajosas, prazos mais longos e juros mais baixos. Além do que o novo banco deverá diminuir a influência internacional dos Estados Unidos e da União Europeia tanto nos negócios de grande vulto, quanto na influência nos fluxos de capitais e dinheiro.

Desde a Conferência de Bretton Woods, em 1944, quando foram lançadas as bases do sistema financeiro internacional, incluindo a criação do FMI e do Banco Mundial, o controle efetivo das transações está nas mãos dos EUA e parceiros aliados. Os países emergentes, entre eles os BRICS, não têm tido vez nem voz.

De fato, ou os países se submetem ao estado de coisas, ou o estado de coisas submetem os países. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Os termos dos empréstimos e socorros aos balanços de pagamentos são ditados pelo Banco Mundial e FMI, assim como os distúrbios financeiros internacionais, que derrubam as moedas dos países emergentes, os mais pobres e fracos em reservas e volume de comércio, são manipulados pelas transações das nações mais ricas e fortes.

Grécia, Portugal, Espanha, Itália e Irlanda são exemplos de anos recentes. Foram empurrados pelo rolo financeiro em conluio com desgovernos de suas autoridades monetárias e agora sofrem o arrocho da Troika - FMI, Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE). O Brasil já esteve nas cordas por conta do FMI em anos passados quando este ditava as regras para controle da economia e liberação dos recursos de empréstimos reparatórios. Hoje, felizmente o país está fora das cordas e no meio do ringue graças à política econômica dos três últimos governos federais.

Surgem temores de que a hegemonia americana através do Banco Mundial e do FMI será substituída pela chinesa através do banco dos BRICS. Ocorre que até agora os chineses não têm agido da mesma maneira que americanos e europeus ao não condicionarem termos restritivos aos seus empréstimos, por exemplo, como se dá na África. Ademais, a China não tem o modus operandi neoliberal, sendo o Estado o dono da maior parte de seu sistema financeiro, ao contrário dos demais países capitalistas ocidentais onde as grandes companhias dominam o sistema e o Estado.

O banco dos BRICS vem a ser igualmente um primeiro teste em direção à diminuição da dolarização do sistema econômico mundial, o qual está ao fim e ao cabo nas mãos de seis bancos americanos que controlam praticamente 2/3 de todos os ativos bancários mundiais (JP Morgan, Bank of America, Citigroup, Wells Fargo, Goldman Sachs, Morgan Stanley). O que significa que as turbulências e as crises financeiras internacionais acabam governadas ou desgovernadas por esses seis bancos. Os EUA se tornam na realidade o banqueiro internacional.

Em contraposição à hegemonia americana, a importância do novo banco pode ser avaliada pela soma do PIB dos 5 países membros em torno de US$ 16 trilhões. Esta cifra supera a soma dos produtos de todos os países que fazem parte da Zona do Euro e atinge 14% do produto bruto mundial. Ademais, os 5 países detém 35% do total das reservas internacionais em moeda.

A presidência rotativa do banco dos BRICS foi recém assumida pela Rússia, o que certamente deverá refletir em movimentos políticos e diplomáticos para fazerem frente à hegemonia americana. Arranjos diferenciados para o desenvolvimento e a segurança poderão ser implementados que redundem em iniciativas promissoras nas áreas comercial, econômica e diplomática para o grupo de países.

A Rússia, em particular, se beneficia face ao embargo que sofre dos EUA e aliados europeus, funcionando os 4 países restantes do grupo como sua janela temporária de oportunidade comercial e econômica. A próxima reunião do grupo em julho na Rússia deverá consolidar as medidas tomadas até agora bem como expandir e detalhar novas ações e atividades.

Antes disso, no entanto, o empresariado brasileiro já se mobiliza para apressar as definições oficiais de instalação do banco dos BRICS. Reunidos recentemente na Confederação Nacional da Indústria (CNI) pediram agilidade na liberação dos recursos para projetos públicos e privados de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Os pleitos serão levados à reunião dos representantes dos BRICS na Rússia. As limitações financeiras nacionais e internacionais estão pesando no andamento dos portfólios de investimentos industriais.

A China tomou a frente e deu início à liberação de recursos, se não sob a égide do banco, pelo menos em sua direção ao se comprometer com a Petrobras no financiamento de US$ 3,5 bilhões através do Banco de Desenvolvimento chinês. O documento é o primeiro de um acordo de cooperação que será levado a efeito de 2015 a 2016. Sob o espírito da cooperação entre países do grupo dos BRICS, a iniciativa mostra que a Petrobras, apesar das denúncias de corrupção, é uma empresa sólida e recebe a confiança de credor internacional fora do âmbito dos bancos americanos e europeus.


A confiança da China no acordo de cooperação da Petrobras não só mostra ao mundo sua disposição em garantir condições de expansão da maior empresa brasileira, como também aprova a condução de seus negócios na área do petróleo. Ao contrário de grupos da opinião pública nacional que querem desabonar e desqualificar a empresa mesmo sabendo de sua vitalidade, resultados e capacidade de tecnologia e produção.


Se o banco dos BRICS mostra sua força e poder de influir positivamente no cenário financeiro internacional, a China sozinha com sua bricolagem econômica e financeira sustenta e apoia negócios que, além de serem de seu próprio proveito, contribuem seguramente para o desenvolvimento mundial.

*Economista, colaborador da Carta Maior

Nenhum comentário: