segunda-feira, novembro 25, 2013

A querela da autonomia do Banco Central

Por Marcus Ianoni, na revista Teoria e Debate:

Recentemente, o presidente do Senado, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou a intenção de pôr em votação o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 102/2007, de autoria do ex-senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) e cujo relator, na Comissão de Assuntos Econômicos, foi o senador Francisco Dornelles (PP-RJ). O relatório propõe, sobretudo, formalizar a autonomia operacional do Banco Central do Brasil (BCB), fixando mandato de seis anos aos presidentes e diretores dessa autarquia, que é uma das principais instituições da autoridade monetária brasileira, cujo órgão máximo é o Conselho Monetário Nacional (CMN).



Segundo a grande imprensa, a matéria acabou não sendo incluída imediatamente na pauta pelo fato de o governo, a começar pela presidenta Dilma Rousseff, e a oposição serem contrários à proposta. No entanto, Renan Calheiros tem dito que é favorável à formalização da autonomia do BCB e que essa medida precisa ser aprovada assim que possível.

Ao longo de 2013, tem crescido a ofensiva política e ideológica de forças neoliberais internas e externas ao país contra a política econômica social-desenvolvimentista do governo Dilma. A grande mídia, principal porta-voz da oposição neoliberal, não se cansa de veicular vozes dizendo que o governo federal é displicente no combate à inflação e irresponsavelmente expansionista em matéria fiscal, posturas que não estariam promovendo o crescimento econômico. O remédio que propõem é, na verdade, o veneno rejeitado em vários países da América Latina: juros altos e política fiscal contracionista, para pagar os custos, em termos de aumento do endividamento público, decorrentes do aperto monetário recomendado pelos que, em nome do combate à inflação, querem destruir a atividade produtiva, a geração de empregos e a capacidade orçamentária do Estado para implementar políticas sociais. Isso já foi feito nos anos 1990, resultando em vulnerabilidade financeira, elevação da dívida pública, desemprego e estagnação do crescimento econômico.

Como as eleições de 2014 se aproximam e o desejo dos neoliberais é derrotar a reeleição de Dilma ou, como segunda opção, enquadrar as políticas governamentais no receituário da economia neoclássica, tenta-se desengavetar, desta vez com a ajuda de um senador da base aliada, uma matéria de fundamentação monetarista: a formalização da autonomia operacional do BCB.

O BCB tem autonomia operacional informal. Com essa autonomia, executa a tarefa de garantir que a inflação se situe dentro da meta estabelecida pelo CMN, tendo como principal instrumento para tanto a determinação da taxa básica de juros, a taxa Selic. Esse desenho institucional da política monetária está em vigor desde 1999, quando a âncora cambial, então em vigor, foi objeto de ataque especulativo e, como resposta, o objetivo da política monetária passou a ser o controle da inflação, com base no sistema de metas. O caráter informal da autonomia deve-se a dois motivos. Em primeiro lugar, porque a Lei nº 4595/1964, instituída na ditadura militar, embora seja matéria legislativa de natureza ordinária, está, ao arrepio da norma jurídica, operando como se fosse a lei complementar prevista no artigo 192 da Constituição Federal, que trata do sistema financeiro nacional, até agora não regulamentado pelo Congresso Nacional. Em segundo lugar, a autonomia é informal porque a Presidência da República tem o poder de indicar o presidente e os diretores do BCB.

Os neoliberais querem que o BCB seja formalmente autônomo. Motivo mais imediato: desde meados de 2011, o governo Dilma, tendo à frente do BCB Alexandre Tombini, sem mudar o arranjo institucional de política monetária preexistente, passou a integrar, de modo ainda mais claro que nos dois governos Lula, as políticas monetária, fiscal e cambial, direcionando-as para o desenvolvimento. Não se visa meramente à estabilidade do poder de compra da moeda, e sim à estabilidade macroeconômica necessária ao crescimento. Nessa perspectiva, os objetivos são múltiplos. Assim, o da política monetária, na prática, tem sido também, como diz o PLS nº 477/2011 (complementar), de autoria do senador Lindberg Farias (PT-RJ), “garantir que o sistema financeiro seja sólido e eficiente, estimular o crescimento econômico e a geração de empregos”.

Há dois principais projetos em disputa no Brasil, o social-desenvolvimentista e o neoliberal. Os outros existentes não têm, até o momento, bases sociopolíticas e político-institucionais suficientes para estar realmente no páreo. As bases sociopolíticas do projeto social-desenvolvimentista, que sustentam o governo da presidenta Dilma, são sobretudo, de um lado, os trabalhadores, os pobres e miseráveis e, de outro, os microempreendedores e empresários que se vinculam às atividades e investimentos produtivos, que geram emprego, renda salarial e lucros. Na oposição, está o partido neoliberal, do rentismo e das finanças, cujo porta-voz é a grande mídia. Nas fontes de renda dos poderosos do partido neoliberal destacam-se os juros e grandes aluguéis, ou seja, a remuneração de investimentos mobiliários e imobiliários, ativos financeiros e imóveis. Para os rentistas, interessam juros altos e liquidez; eles são avessos ao risco. São credores do Estado, detentores de títulos da dívida pública. Têm duas preocupações inseparáveis em relação às políticas do Estado: aumentar a remuneração de seus ativos financeiros e garantir que a política fiscal seja direcionada para o pagamento dos juros que engordam suas fortunas milionárias. O aumento da taxa Selic tem impacto também nos juros e spreads bancários, encarecendo o crédito das instituições financeiras destinado à atividade produtiva e ao consumo.

A ideologia econômica que faz do controle da inflação uma obsessão irresponsável está a serviço dos rentistas e instituições financeiras, aqueles para quem juros extorsivos não são problema, mas sim solução. É por conta deles que temos sido campeões mundiais em taxas de juros altas. Eles não querem que o país perca esse título lamentável. A grande mídia neoliberal não divulga informações sobre o bolsa “grande família”, das famílias ricas detentoras da imensa maioria dos títulos da dívida pública, apenas critica a suposta gastança governamental com o Bolsa Família e outras políticas sociais, assim como com a manutenção e geração do emprego.

O governo Dilma tem mantido a estabilidade macroeconômica orientada para o desenvolvimento, mas a ofensiva neoliberal é gananciosa, quer que o BCB tenha sua autonomia operacional formalizada para insular a política monetária e impedir sua inserção em objetivos múltiplos. Quer, na verdade, facilitar as condições para a captura da política monetária, como ocorreu nos anos 1990, quando a taxa Selic, ao final de 1998, foi de 29% e em dezembro de 2002, de 25%, chegando aos estratosféricos 45%, em março de 1999.

Em vez da formalização da autonomia operacional do BCB, que, com a mesma informalidade herdada dos anos 1990, mas passando a ter objetivos múltiplos de política, está funcionando bem melhor do que quando a oposição governou, o país precisa aprofundar o esforço, iniciado pelo governo Lula, para que as instituições financeiras ofereçam crédito acessível à produção e ao consumo popular, para aumentar a inclusão bancária e a concorrência no setor bancário, hoje altamente concentrado. Nesse sentido, uma iniciativa interessante seria a realização da Conferência Nacional do Sistema Financeiro, proposta pela Contraf-CUT, que permitiria pôr na agenda pública o debate de uma matéria essencial para o fortalecimento do modelo econômico social-desenvolvimentista.

* Marcus Ianoni é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense.

Nenhum comentário: