segunda-feira, outubro 07, 2013

O catastrofismo e a negação do jornalismo


No final de semana, ainda premido pelos problemas de ordem familiar que já partilhei com os leitores, deixei de comentar aqui a coluna da Ombudswoman da Folha, Suzana Singer, com quem já travei respeitosamente algumas polêmicas – e de quem sempre registrei a sensibilidade e a boa-fé, nos limites de sua função – registrando a parcialidade da Folha no noticiário sobre os resultados da pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar, a PNAD.

Devemos isso, aliás, a um companheiro de blogosfera, o Edu Guimarães, que – apesar de não ser jornalista, ou talvez por isso mesmo – brigou pela divulgação dos dados que a imprensa sonegara.

Hoje, o jornalista Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, retoma o tema e faz um doloroso raio-X do que vem acontecendo com o nosso jornalismo. Dele, só em um ponto discordo: quando diz que, nos jornais, “as ideias são exclusividade dos donos” e que “os jornalistas não podem pensar diferente deles” ou que podem, mas não podem escrever isso.

Paulo, é triste dizer que, para uma parcela cada vez maior, eles ainda podem, mas já não conseguem, tamanha a mediocridade que a era do pensamento único produziu na cabeça dos profissionais.

O que explica a sinceridade desconcertante da ombudsman da Folha?

Paulo Nogueira

O jornalismo chapa branca, hoje, se pratica no interior das grandes empresas de jornalismo. Já escrevi sobre isso. Os jornalistas, lá, estão numa gaiola: só podem escrever o que os patrões querem que eles escrevam.

Isso quer dizer o seguinte: eles defendem os interesses particulares das empresas para as quais trabalham. Eles são, portanto, a voz do 1%.

Nunca foi tão claro isso. Compete aos jornalistas produzir, mecanicamente, textos, fotos, legendas, primeiras páginas e demais itens que compõem uma publicação. Mas não pensar. Não ter ideias.

As ideias são exclusividade dos donos. Os jornalistas não podem pensar diferente deles. Ou melhor: podem. Mas não podem transformar isso em reportagens, artigos, entrevistas etc.

Não é um trabalho exatamente excitante. É mais parecido com propaganda do que com jornalismo propriamente: você vende ao seu público, como se fosse sabonete, os interesses de um pequeno grupo que fez o Brasil ser o que é, a terra da desigualdade.

Quanto isso pode durar?

É verdade que a internet abre aos jornalistas uma nova possibilidade – defender coisas que vão além dos interesses do 1%.

Mas para quem está engaiolado nas corporações o prolongamento de uma situação em que pensar é proibido pode tornar a situação mais e mais exasperante.

Entendo que isso possa explicar, ao menos em parte, o desabafo franco – e talvez suicida – da ombudsman da Folha, Suzana Singer.

Ao comentar a cobertura de uma pesquisa sobre a situação dos brasileiros, ela se referiu ao tradicional “catastrofismo” da Folha.

Os destaques dados pela Folha foram, todos eles, negativos. As más notícias estavam longe de representar o conjunto. Isso significou que foi oferecido ao leitor um quadro distorcido.

O desafio de um editor é ajudar o leitor a entender o mundo. Uma das armas, para isso, é buscar uma visão de floresta sobre as coisas, e não se limitar a uma árvore ou outra.

A Folha fez o oposto. Se conheço a vida numa redação, os editores da reportagem sobre a pesquisa acharam que, pinçando as estatísticas ruins, estavam agradando a seus patrões.

O acúmulo deste tipo de expediente pode ter esgotado a paciência da ombudsman. Catastrofismo é uma acusação séria. É desvio de caráter numa publicação. Não é um problema ocasional. É um drama no dia a dia do jornal e, sobretudo, dos seus leitores.

Outro episódio que tinha me chamado a atenção, na mesma linha, foi uma surpreendente crítica de Ricardo Noblat no site do Globo a Joaquim Barbosa. Sempre tão obediente à linha de pensamento dos Marinhos, ali Noblat foi para o lado oposto.

Cansaço? Exaustão? Frustração? Alguma preocupação com a posteridade? Problemas de consciência?

Situações extremas não podem perdurar por muito tempo. O jornalismo chapa branca que se faz hoje nas redações brasileiras – um ofício em que você faz pouco mais que beijar as mãos dos donos – é a negação do real jornalismo.

A beleza do jornalismo é dar voz a quem não tem. O jornalismo brasileiro dá voz a quem tem o monopólio da voz.

Uma hora a gaiola fica incômoda demais, por maiores que sejam os salários.

Por: Fernando Brito

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