domingo, agosto 25, 2013

Jabor tem razão: os canalhas são ousados. Mas não corajosos


Do Tijolaço

Está no ar uma chamada para os comentários de Arnaldo Jabor na rádio CBN que me provoca risos cada vez que a ouço.

Uma secretária interrompe uma reunião de diretores de um empresa para entregar uma “chamada de celular” de Jabor ao diretor.

E o performático diz que “o mundo seria bem melhor se os homens de bem tivessem a ousadia dos canalhas”.

Porque é a única vez que concordo com Jabor – e a frase nem é dele – desde que ele escolheu a Vera Fischer para trabalhar no “Eu te Amo”, já lá se vão 32 anos.

Sim, os canalhas são ousadìssimos, neste país.

Dominam, sem deixar espaço, todos os meios de comunicação, com mais coragem do que têm seus donos.

Massacram a todos os que resistem ao poder avassalador da mídia.

Chamam-nos de “sujos”, “guerrilheiros cibernéticos” e outros quejandos.

Não são empregados de seus patrões, são “fornecedores” de “conteúdo”. Têm CNPJ.

Os homens de bem, contudo, existem. E alguns muito ousados, como Miguel do Rosário, que colocou o pescoço em risco para revelar a sonegação de R$ 615 milhões em impostos da Globo.

(Dos quais, com ousadia e sem canalhice, continuamos atrás, com todas as dificuldades de investigação, aguardem)

Em nome dos homens de bem, portanto, publico o texto de Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, onde as coisas são colocadas no seu verdadeiro lugar.

E onde se mostra que, pelo menos nisso, Jabor tem razão: os canalhas são ousados.

Mas não são corajosos, porque não enfrentam o poder que domina o mundo e a mídia: o dinheiro.

O que é jornalismo corajoso.

E o que é o jornalismo falsamente corajoso.

Paulo Nogueira

Muitas vezes leio o seguinte comentário num texto de articulistas da grande mídia: “Como você foi corajoso!”

Quase sempre a alegada coragem é uma pancada no governo.

Pois então eu gostaria de discutir o que é coragem no jornalismo contemporâneo.

Bater no governo, em democracias, não traz risco nenhum. Portanto, não implica, também, bravura.

Uma coisa seria criticar Pinochet. Outra é criticar Dilma.

Muitos jornalistas construíram reputação de corajosos batendo em presidentes, ou ministros, sem risco nenhum.

“Você viu como Fulano bateu no Mantega? Que coragem!”

Há uma única situação de real coragem no jornalismo tal qual conhecemos hoje: criticar alguém de quem o dono goste. Ou elogiar alguém de quem ele não goste.

O resto é silêncio, como escreveu Shakespeare.

Faça o teste. Veja, por exemplo, se Jabor atacou algum amigo da Globo. Ou Merval. Ou Míriam Leitão. Ou tantos outros.

A esse alinhamento automático com os donos dei o nome, há algumas semanas, de verdadeiro “jornalismo chapa branca”.

É a independência mascarada. E a liberdade de dizer sim aos patrões: os bravos colunistas são livres desde que reproduzam os interesses das corporações para as quais trabalham. A esse fenômeno Noam Chomsky deu o nome de “liberdade para dizer sim”.

Embora aqui e ali discordem, as grandes empresas jornalísticas têm interesses econômicos comuns, no geral.

Todas elas desejam a permanência de seus privilégios. Querem a reserva de mercado que condenam em outros setores, por exemplo.

Querem que o papel que utilizam continue isento de imposto. Querem uma legislação tributária frágil o bastante para que sonegar seja um ato banal e impune.

A Globo está no meio de um escândalo fiscal espetacular. Há, no caso, uma mistura de trapaça descarada e esperteza detectada.

Para não pagar imposto, como todos sabemos, a Globo tratou a compra dos direitos da Copa de 2002 como se fosse um investimento no exterior. Por muito menos que isso o presidente do Bayern de Munique está prestes a ser preso. E Berlusconi, na Itália, só escapa das grades por ser septuagenário.

Descoberto o golpe, a Globo foi multada. Em dinheiro de 2006, a empresa devia mais de 600 milhões de reais à Receita Federal.

Para coroar o episódio, uma funcionária da Receita foi presa por tentar fazer sumir a documentação do caso.

Se ela obtivesse sucesso, a Globo estaria livre de uma dívida superior a 600 milhões de reais.

Parece inacreditável, mas é verdade.

Que jornalista da grande mídia tratou do assunto? Descontemos a turma da Globo, por razões óbvias.

Mas e a Folha, com seu autoalardeado espírito combativo e rabo preso com ninguém?

Apenas para efeito de especulação, imaginenos que a News International, de Murdoch, fizesse algo parecido no Reino Unido.

As publicações de Murdoch talvez tentassem minimizar o caso, mas a concorrência disputaria avidamente cada furo sobre o assunto para estampar na manchete.

E a opinião pública estaria num estado de torrencial indignação, como quando se descobriu que um tabloide de Murdoch invadira o celular de uma garota de 13 anos sequestrada e morta.

São as virtudes da concorrência: eu me calo conforme minha conveniência, mas meu concorrente me investiga, e o interesse público é protegido.

O que ocorreu no Brasil no caso da Globo?

Num determinado momento, cheguei a falar, pelo Facebook, com o editor executivo da Folha, Sérgio Dávila. “Escuta, vocês não vão dar nada?”

A Folha deu uma matéria que pode ser classificada como miserável.

Depois, o assunto sumiu fo jornal, como se tivesse sido resolvido. Também Dávila sumiu: deixou de responder a minhas mensagens no Facebook.

Se algum colunista da Folha – Clóvis Rossi, Eliane Cantanhêde ou quem seja – tivesse tratado do assunto mereceria palmas pela coragem.

Mas todos eles sabem que não devem escrever aquilo que seus patrões não querem que seja escrito.

O que terá acontecido no caso da Folha, o leitor pode se perguntar. Trabalhei 25 anos em grandes corporações, e posso imaginar. Um telefonema trocado entre donos resolve tudo.

É possível que, com alguma delicadeza, alguém da Globo tenha lembrado alguém da Folha que a Globo poderia publicar histórias que a Folha não gostaria de ver publicadas.

Uma breve conversa telefônica e o interesse público desaparece sob o peso dos interesses privados.

Coragem, para retomar o tema deste texto, é sair da zona de conforto dos artigos que você sabe que seus patrões irão aplaudir.

Dias atrás, Míriam Leitão defendeu Joaquim Barbosa de um ataque – inusualmente corajoso, aliás – de Noblat. (Noblat é experiente o bastante para saber que mais um prova de independência dessas e sua vida na Globo fica dramaticamente ameaçada.)

Míriam sabia que os Marinhos ficariam felizes com sua defesa de JB. Logo, coragem só teria havido se ela reforçasse os pontos levantados por Noblat contra as grosserias de JB.

O que Míriam fez é um exemplo acabado de “jornalismo chapa branca”. Mas, como numa ação de merchandising, o leitor pode ser enganado e achar que ela demonstrou grande coragem.

Em junho, Jabor fez uma ação memorável de jornalismo chapa branca. Atacou ferozmente os protestos, por dar como certo que os Marinhos eram contra.

Quando ele viu que não, voltou pateticamente atrás. Chapa branquíssima.

A internet ajudou a desmascarar o novo jornalismo chapa branca.

Com o crescimento das audiências na internet e a queda das audiências na mídia tradicional, em breve o jornalismo digital será forte o bastante para exigir esclarecimentos cabais como o caso de sonegação da Globo.

O interesse público agradecerá.

Por: Fernando Brito

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