terça-feira, agosto 06, 2013

A Águia acusou o golpe: EUA se incomoda por Brasil agir por mais soberania na internet


A reputada revista estadunidense "Foreign Policy", especializada em política externa, publicou um artigo do jornalista Shane Harris (que cobre segurança nacional, serviços de inteligência e segurança cibernética), reclamando da posição do governo brasileiro contra a espionagem estadunidense na internet, denunciadas pelo ex-analista Edward Snowden. O artigo foi publicado também no jornal Estadão, traduzido para o português com o título "Tirar os dados dos EUA pode estimular governos espiões".

Escrito sob medida para os interesses imperialistas, Harris é provocativo e até debochado ao sugerir que os EUA seriam o protetor do mundo no reino da internet, e a espionagem pelo governo americano seria, digamos, um mal menor, afinal, segundo ele, seria melhor só um governo "bonzinho" como o do EUA bisbilhotando e com suposto controle sobre a espionagem, do que mais governos que eles sugerem ser "malvados" tendo a possibilidade de acessar dados de privacidade.

O artigo, apesar do cinismo, revela a influência que o Brasil adquiriu nos foros mundiais, a importância econômica do Brasil para as empresas multinacionais de internet, e o quanto as medidas em estudo pelo governo brasileiro incomoda tanto as grandes corporações privadas como o governo estadunidense, afinal o autor não conseguiu disfarçar a aparência do artigo ser resposta encomendada contra a reação brasileira. Esse parágrafo do artigo deixa escapar as intenções de Harris (ou de quem encomendou a ele):

Recentemente, o Ministro das Comunicações do Brasil disse que talvez as provedoras de internet sejam obrigadas a armazenar informações no país, depois que se tomou público que a NSA andou espionando as comunicações no Brasil e em toda a América Latina. O ideal seria que essas companhias mantivessem esses dados no País para que estivessem disponíveis no caso de a Justiça do Brasil necessitar deles", disse Paulo Bernardo Silva, em entrevista. Segundo ele, o controle dos dados é uma questão de soberania nacional.

Chamar de "espiões" os governos dos países que cobram explicação nos fóruns internacionais a respeito da bisbilhotagem patrocinada pelas agências de inteligência dos EUA, e pelo compadrio colaborativo dos Google e Facebooks da vida, parece até piada, e é. Que moral tem os gringos para quererem vir passar "sabão" nos outros, depois de tudo o que fizeram?

Após o escândalo vir a público, até o usuário mais desinformado sobre como funciona a internet e sua governança, ficou sabendo que os "data centers" daquelas empresas não são, digamos assim, “paraísos fiscais de dados pessoais”, que devem permanecer imunes a qualquer regulação nacional justamente para proteger a privacidade de seus usuários. Ficou claro também que elas precisam abrir mão de usar este argumento como um escudo que as exime de responder legal e tributariamente aos Países onde se encontram seus escritórios físicos.

Em troca de entregar os nossos dados para as autoridades dos EUA, as empresas receberam do maior império da Terra patrocínio, promoção e proteção de seus interesses econômicos. Em nome da liberdade de expressão e da democracia ocidental, o dinheiro que damos a estas empresas ajudam a engordar somente o PIB estadunidense e de alguns poucos países aliados.

Aqui no Brasil, tem gente no próprio campo político da esquerda que engoliu a versão romântica de uma Internet acima do bem e do mal, onde os interesses comerciais destes conglomerados são como pôneis bonitinhos que vivem trotando com os internautas, apenas fazendo o que interessa aos usuários, protegendo-os dos perigosos governos totalitários. Estes dias alguém da nossa esquerda chegou a afirmar que a Internet deveria continuar sob o controle dos Estados Unidos porque é melhor ter apenas um Estado vigiando todo mundo do que vários (deve ter lido e gostado do artigo de Harris). Vários ficaram em silêncio, constrangidos por terem sempre defendido a Internet que o Google quer.

A reação do governo brasileiro foi certeira, inclusive de liderança na conquista de corações e mentes dos governos e povos de outros países, pois teve a coragem e ousadia de sair na frente, ao dizer ao "Tio Sam" que tomará medidas internas e externas para proteger os direitos de seus cidadãos e a economia nacional. Ao mesmo tempo, articula medidas que irão cutucar o interesse das grandes empresas estadunidenses de internet que atuam no Brasil.

Ao contrário do que disse Shane Harris, se tem alguém que pode ser responsável pelo eventual fim da Internet como a conhecemos é o governo imperialista que não respeitou este território neutro e passou a impor monopólio e espionagem com alcance global.

Pelo tom do artigo (a baixo), e de outros que estão saindo na imprensa mundial, a Águia estadunidense acusou o golpe. Agora é trabalhar pra forçá-la a voar mais baixo, respeitando as regras do direito internacional e os tratados de direitos humanos.


Tirar os dados dos EUA pode estimular governos espiões

(Artigo) Shane Harris/Foreign Policy

Quando Edward Snowden, que trabalhava para a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA, escancarou o funcionamento da maior organização de inteligência do país, afirmou que seu objetivo era acabar com um sistema de espionagem que colocou os EUA no rumo de uma "Verdadeira tirania". Mas é possível que suas revelações provoquem o resultado oposto.

As informações difundidas por Snowden poderão, ironicamente, intensificar a espionagem do governo em todo o globo. Segundo especialistas que assessoram as companhias americanas de e-mail, armazenamento de dados em nuvem e mídia social dos EUA, executivos estão preocupados com o fato de que alguns governos estrangeiros - particularmente aqueles que dispõem de menos proteção da privacidade pessoal e da Liberdade de expressão - comecem a exigir que as companhias de tecnologia americanas transfiram seus servidores e bancos de dados para dentro de suas fronteiras.

"Apesar das revelações de Snowden, os dados não estarão mais protegidos fora dos EUA em países onde a privacidade é, no máximo, uma mera aspiração", diz o advogado Al Gidari, do escritório Perkins Goie, que defende empresas sobre questões de vigilância e comunicações. "Os dados armazenados nesses países se tornarão combustível para a corrupção, o abuso e a repressão na maioria deles, principalmente nos países que mais se queixam das atividades de espionagem dos EUA." Recentemente, o Ministro das Comunicações do Brasil disse que talvez as provedoras de internet sejam obrigadas a armazenar informações no país, depois que se tomou público que a NSA andou espionando as comunicações no Brasil e em toda a América Latina. O ideal seria que essas companhias mantivessem esses dados no País para que estivessem disponíveis no caso de a Justiça do Brasil necessitar deles", disse Paulo Bernardo Silva, em entrevista. Segundo ele, o controle dos dados é uma questão de soberania nacional.

Nos últimos anos, os governos estrangeiros intensificaram sua pressão sobre empresas da área de tecnologia para que forneçam uma maior quantidade de dados sobre seus clientes e obedeçam a ordens oficiais consideradas inconstitucionais nos EUA. Em 2011, a Research in Motion (RIM), que produz o BlackBerry, concedeu ao governo da índia o acesso aos seus serviços de mensagem e ao consumidor, atendendo à preocupação das autoridades de não conseguirem monitorar criminosos que se comunicam pelas redes da companhia. As autoridades haviam ameaçado cortar o acesso aos serviços da companhia no país caso a RIM não obedecesse à lei.

No ano passado, o diretor de operações com empresas do Google no Brasil foi preso porque a companhia não atendeu a uma ordem do governo de retirar vídeos do YouTube que criticavam um candidato a prefeito. O Google, que é proprietário do YouTube, disse que não era responsável pelo conteúdo que os usuários postam na rede. Companhias americanas são obrigadas a obedecer às leis de vigilância em qualquer país.

Os governos estrangeiros, em geral, transmitem suas exigências por meio de canais oficiais e as autoridades americanas as transmitem às companhias americanas. O processo provoca lentidão da máquina de vigilância nesses países, que agora procuram maneiras para acelerar o processo. O Brasil será um dos primeiros países a testar uma resposta ao tumulto provocado por Snowden.

O governo apresentará uma "condenação formal das técnicas de coleta de dados dos EUA" ao Conselho dos Direitos Humanos da ONU, em Genebra, no dia 9 de setembro. Existe uma maneira, embora improvável, de as companhias americanas melhorarem sua posição e manterem as informações dos clientes fora da NSA. Elas podem transferir sua infraestrutura para o exterior ou ser adquiridas pelos proprietários majoritários estrangeiros. /tradução de Anna Capovilla.

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