sexta-feira, julho 26, 2013

O colonialismo mental faz enxergar o mundo “ao contrário

Do Tijolaço

A semelhança é tão grande e repetida que não dá para considerar coincidência.

Ontem, escrevi aqui provocado por uma nota da Folha sobre os lucros da multinacional Unilever, onde se dizia que o crescimento de “apenas” 10,3 nas vendas nos emergentes tinha sido a causa do retraimento dos ganhos da empresa, embora o mercado nos países ricos tenha sido negativo em 1,3%.

É ótica distorcida dos cordeiros que pensam com a “razões do lobo”.

Mais tarde, o Estadão publicou outra matéria, desta vez com o próprio lobo falando, pela revista The Economist.
A sua capa mostra o Brasil e os demais emergentes atolados num lamaçal.

A imagem não é má, desde que se façam algumas correções.

Primeiro, o lamaçal é feito pela enxurrada de moeda que os países-lobos despejaram sobre nós, para continuar remunerando seu capital, sem opções de investimento em seus territórios queimados pela recessão econômica e seus povos com o consumo interno estagnado pelo desemprego monstruoso que se gerou por lá e pela queda de sua renda.
Segundo, era preciso desenhar umas cordinhas nas costas dos emergentes, para mostrar que eles, além de se desvencilharem da lama monetária que nos arranjaram, ainda tem que carregar o peso dessa retração econômica na estagnação do preço das matérias primas que exportam para o mundo desenvolvido, que atendem pelo pomposo nome de commodities.

A The Economist acerta ao dizer que “a Grande Desaceleração significa que as economias emergentes em expansão já não conseguem compensar a fraqueza nos países ricos. Sem uma recuperação mais forte nos Estados Unidos ou no Japão, ou um avivamento na área do euro, a economia mundial dificilmente crescerá muito mais rápido do que ao ritmo medíocre de hoje, de 3%”.

Acerta no diagnóstico, mas erra nas causas da doença.

A começar que, se de alguém seria necessário “compensação” seria deles, dos países ricos, que construíram suas riquezas ou com o saque colonial mercantil (a Europa) ou com o saque colonial monetário-financeiro, quando os Estados Unidos transformaram o dólar num bem internacional, que podiam produzir sem efeitos inflacionários, desde o final da 2a. Guerra.

Depois, porque insistem em um modelo de relações internacionais perverso, tanto nas trocas comerciais quanto nas financeiras e nas tecnológicas, onde nos exigem preços aviltados, juros suicidas e patentes escravizantes.
E – last but not the least, como dizem por lá – com o atraso e a destruição que produziram continuamente desde o final dos nos 50, pelos territórios do Terceiro Mundo. Se só a guerra do Iraque custou aos EUA mais de dois trilhões de dólares, quanto terá custado ao pobre povo daquele país bombardeado, destruído e massacrado por eles? Quanta riqueza os 190 mil mortos por lá deixaram de produzir?

É bom lembrar que diziam fazê-lo em busca de “armas de destruição em massa” que nunca foram descobertas, embora tenham descoberto mais petróleo, minérios caros, etc…

Não vamos falar do Vietnã, nem de Angola, nem da Coreia, nem do Afeganistão, nem da Líbia, nem da Síria, para não ficarmos parecendo ressentidos, não é? Nem nas dezenas de golpes autoritários que promoveram, criando elites perdulárias e insensíveis, governos corruptos e flagelos como a violência e o tráfico de drogas.
E há algum sinal de arrependimento e vontade de mudar? Nada, nadica de nada.

Países como a Grécia – e logo a Espanha e a Itália, veremos – são forçados a se ajoelhar, implorando e suplicando ajuda, à custa de mais recessão e desemprego.

A The Economist diz que “ao longo dos próximos dez anos, as economias emergentes ainda vão crescer, mas de forma mais gradual” e que ”isso marca o fim da primeira fase mais dramática da era dos mercados emergentes”
sur
Fim, uma pinóia!

Isso é o que eles desejam que façamos, quando começam a colocar o pescoço alguns centímetros fora do pântano em que estão mergulhados desde o crack financeiro de 2008.

O mundo em desenvolvimento não pode se conformar com a tal “desaceleração” além do que ela é inevitável pela recessão dos ricos. Se, em nome dos interesses dos países ricos, nos submetermos a voltar ao receituário que sempre nos impuseram e que só nos trouxe empobrecimento e crises, estamos olhando o rio da economia fluir com a visão do lobo e a nós sempre nos caberá a sede.

E continuaremos a achar estranho o desenho do artista e pensador uruguaio Joaquín Torres Garcia que reproduzo aí ao lado e não entenderemos as palavras com que ele o explica:
“Não deve haver norte, para nós,
senão por oposição ao nosso Sul.
Por isso agora colocamos o mapa ao contrário,
e então já temos uma justa ideia de nossa posição,
e não como querem no resto do mundo”


Por: Fernando Brito

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