sexta-feira, fevereiro 15, 2013

A chegada dos novos tempos


Luis Nassif

Há uma frase fundamental de Abraham Lincoln: “Nada é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou”.

Vale para o Brasil de hoje, para a política e para a economia.

Democracia é o ambiente mais favorável às políticas de inclusão, ao acesso dos diversos grupos aos benefícios da cidadania. São processos lentos, porém irreversíveis. E foi assim com o Brasil, depois de um século 20 amplamente dominado por regimes autoritários ou modelos políticos anacrônicos e excludentes.

A transição custou caro ao país. Perdeu-se o rumo nos anos 80, a economia foi vítima de uma inflação renitente, nos anos 90 a carência de informações permitiu uma gigantesca transferência de recursos da economia real e das políticas sociais para juros.

Mas, aos trancos e barrancos, foi-se firmando o rumo para a estabilidade política e para a consolidação de novos valores democráticos. A política brasileira caminha para se encontrar no centro.

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No plano das eleições presidenciais, por exemplo, o jogo encaminha-se para três personagens forjados na democracia: Dilma Rousseff, pleiteando a reeleição; Aécio Neves, como candidato do PSDB; e Eduardo Campos, como candidato do PSB.

Dos três, o único a radicalizar o discurso tem sido Aécio, muito mais por pressão da mídia do eixo Rio-São Paulo – e dos maus conselhos de FHC – do que por vocação própria. Quando cair em si e voltar a ser Aécio, poderá aspirar a recuperar o espaço perdido para Eduardo Campos.

Os três candidatos empunham bandeiras de gestão e praticam uma política de alianças e coalizão partidária.

O candidato que representava o obscurantismo mais atroz – José Serra – já faz parte de um passado que, espera-se, não volte mais.

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Seja no estado de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, Sergipe e na União, governantes de todos os partidos já aderem a um conjunto de novos valores políticos altamente democráticos:

- O primado da gestão para controle dos atos de Estado. Esse modelo será aprofundado com a Lei da Transparência.

- Políticas sociais inclusivas. Recorde-se que, no choque de gestão de Minas, a ponta mais vulnerável era a questão social. O mesmo ocorria em São Paulo. A consagração de políticas como o Bolsa Família mostrou que o atendimento das demandas dos mais pobres é ponto central de legitimação das políticas públicas.

- As parcerias Eduardo Campos-Lula, em Pernambuco, Anastasia-Dilma, em Minas, Alckmin-Haddad-Dilma, em São Paulo, enterra o clima de ódio que marcou a política brasileira pós-redemocratização, polarizada entre o PSDB e o PT paulistas, os dois principais agentes da política nacional.

-Cooperação federativa. Hoje em dia há uma boa estruturação de associações de secretários estaduais das diversas áreas, associação de municípios, conferências nacionais, permitindo troca de experiências e aprofundamento do modelo federativo.

Anos atrás, o PT era conhecido por sua intransigência, incapacidade de montar alianças ou abrir mão de poder nos locais em que governava. Na presidência, Lula – e, agora, Dilma – montaram um governo mais amplo do que o partido, consolidando um espaço socialdemocrata que ficou vago quando FHC afastou o partido das ruas.

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No PSDB, governantes totalmente infensos a qualquer política de alianças e de distribuição de poder, ouvindo a sociedade civil – como Geraldo Alckmin – começam a rever posição.

A nova mídia – 1

Ponto central dessas mudanças é o crescimento da Internet e dos diversos polos de irradiação de opinião. A democracia se acelera quando os diversos grupos de interesse têm acesso aos mesmos meios de disseminação das suas bandeiras. No pós-redemocratização, o jogo político foi dominado pela presença avassaladora das mídias paulista e carioca pautando as políticas públicas e definindo um conjunto restrito de atores.

A nova mídia – 2

Nesse jogo, apenas o mercado financeiro tinha voz permanente. Nem industriais, nem ruralistas, muito menos movimentos sociais, estados fora do eixo, tinham voz. Temas centrais de modernização – como inovação, gestão, políticas de segurança – passaram ao largo das grandes discussões midiáticas. E criaram-se imagens totalmente dissociadas da realidade, como a de um José Serra gestor competente.

A nova mídia – 3

A Internet passa a ser a mesma plataforma por onda transitam tanto as informações dos grandes grupos como dos blogs mais distantes. Mas um bom argumento tem condições de se espalhar através de redes sociais, permitindo o surgimento de novos veículos fazendo o contraponto. Muitos se assustam com o caos atual da Internet, com milhares de informações circulando, grupos se digladiando.

A nova mídia – 4

Os cientistas sociais sustentam que o excesso de manifestações políticas, longe de prenunciar o caos, na verdade ampliam a democracia, ao permitir um debate mais rico e com mais personagens. O mesmo acontecerá com a Internet. A grande quantidade de informações permite o aparecimento de novos veículos, cujo diferencial será o de agregar as informações existentes e fomentar a participação dos leitores.

A nova mídia – 5

Hoje em dia, um fato só se torna notícia depois que um jornalista entrevista um personagem e escreve ao seu modo. Nesse modelo de produção, o jornal (e o jornalista) são não apenas os intermediários, mas os donos da informação. Eles podem selecionar quais informações dar, quais as que jogará fora, quais aqueles que irá valorizar. No novo tempo, as informações serão construídas colaborativamente.

A nova mídia – 6

Grupos especializados montarão suas redes, para discussões amplas; governos, empresas, ONGs, associações, se prepararão para gerar suas próprias notícias. Não haverá mais a necessidade de se ouvir uma fonte e colocar uma declaração em aspas – muitas vezes fora do contexto – para levantar a opinião de uma empresa sobre determinado tema. A posição estará em notícias publicadas em seus próprios sites.


A chegada dos novos tempos – 2


Ontem apresentei o que julgo ser o cenário provável para os próximos tempos: o amadurecimento político brasileiro, a convergência para o centro, a inclusão gradativa da população aos bens da cidadania.

Alguns leitores julgaram a visão muito panglossiana.

De fato, busquei traçar o cenário otimista para o país, as grandes linhas que – acredito eu – conduzirão a política brasileira no longo prazo. Não se trata de uma linha reta, mas de um caminho sujeito a muitos percalços, a muitos assomos de radicalismo, mas conduzindo inexoravelmente à um aprofundamento da democracia brasileira.

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Vamos nos estender um pouco mais sobre o tema.

Há dois tempos na democracia: as eleições e o período entre eleições, aquele no qual os poderes efetivos se manifestam. Apesar de ser o regime que propugna, por excelência, a igualdade de oportunidades, historicamente o exercício do poder democrático sempre foi concentrado nos grandes acordos políticos, com grupos econômicos.

O modelo democrático ocidental fundou-se na relativa independência entre três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário -, no sistema de freios e contrapesos (isto é, cada poder ajudando a delimitar os demais poderes), teoricamente fiscalizados pela opinião pública, através dos meios de comunicação.

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Nos primórdios da democracia, o jornal impresso era o grande veículo de expressão da opinião pública. Com o tempo, passou a representar interesses de partidos ou grupos políticos e econômicos. Depois, os jornais tornaram-se empresas consolidadas, com interesses próprios.

A não ser nos primórdios – no caso brasileiro, na campanha da Abolição e da República -, a imprensa hegemônica (eixo Rio-São Paulo) sofreu da mesma estratificação de conceitos que imobilizava os demais poderes.

Por exemplo, os interesses particulares de Rui Barbosa, primeiro Ministro da Fazenda da República, quebraram o país, gerando uma dívida externa imensa. Os movimentos de capitais impediam a industrialização, devido à enorme volatilidade que imprimiam ao câmbio. O bom senso recomendaria controle estrito dos capitais, renegociação da dívida.

No entanto, antes de assumir a presidência, Campos Salles excursionou pela Europa para negociar com os credores, levando jornalistas a tiracolo. Eles se incumbiam de disseminar os elogios com que a Casa Rothschilds e outros credores saudavam a disposição brasileira de renegociar a dívida com o mínimo de perdas para os credores.

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Para um país provinciano, mal saído das fraldas, elogios de grandes banqueiros internacionais influenciavam toda a discussão pública. Mesmo com elevadíssimo grau de analfabetismo, jornais de baixa tiragem – no Rio e em São Paulo – pautavam a discussão pública e apresentavam as receitas a serem seguidas.

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O novo quase nunca era encampado pelo establishment midiático. Não aceitaram Villa-Lobos, a Semana de Arte Moderna, as pinturas modernistas nem a ascensão da nova classe média urbana, os imigrantes e filhos de imigrantes que vinham inocular a sociedade brasileira com valores do trabalho – tão mal apreciados naquele início de formação do país.

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Foram o aparecimento do rádio e a disseminação do disco que abriram espaço para a manifestação e afirmação da nova cultura urbana, com os poetas populares, músicos, cantores que, ainda nos anos 20, ajudaram a formar a identidade nacional.

Porta de entrada

Novas classes surgiam. Mas a afirmação política, social e cultural dos novos incluídos depende fundamentalmente do acesso aos meios de informação, não apenas como consumidores de notícias, mas como protagonistas. É a exposição pública que confere protagonismo político dos novos atores. O rádio permitiu a disseminação dos novos tipos populares, assim como a televisão. Mas sempre como o pitoresco, o curioso.

Porta de entrada – 2
O movimento político civilizatório consiste em incorporar gradativamente todos os setores da população e todas as regiões do país. Sem a mediação da política, dos partidos políticos, instaura-se a selvageria. Rixas de grupos terminam em bala e busca de direitos em agitação. Com a redemocratização, especialmente com a excepcional Constituição de 1988, o país foi jogado na modernidade dos direitos civis.

Porta de entrada – 3
Embora consagrado na Constituição, direitos, formas de expressão e manifestação (como os conselhos municipais e as Conferências Nacionais) ficaram muito tempo na geladeira, justamente por não entrar na pauta da mídia. Tratava-se toda manifestação popular como agitação, em vez de interpretar como vestibular para o grupo, no momento seguinte, ganhar voz e inserir-se no jogo democrático. Tratava-se o brasileiro não incluído ou como agitador ou como dependente.

Novos tempos – 1

Até então, quem quisesse se manifestar fora dos meios hegemônicos de comunicações, tinha que se valer do mimeógrafo, da pichação de muros ou de jornalecos distribuídos pessoa a pessoa. Criava-se, então, um enorme vácuo não apenas de cidadania mas de informação, já que era ignorado todo aquele imenso país que crescia à sombra do país formal. Boas experiências não eram compartilhadas, manifestações culturais ignoradas.

Novos tempos – 2

Com a Internet, todos os agentes passam a compartilhar a mesma plataforma tecnológica. Agora é possível a todo o país saber que a melhor música popular brasileira se faz em Minas, que Pernambuco é um manancial inesgotável de cultura popular, que existe uma geração riquíssima de jovens instrumentistas. É possível saber das experiências administrativas bem sucedidas, dos problemas econômicos regionais.

Novos tempos – 3

Em um primeiro momento, os novos tempos assustam. Há um volume imenso de informações disponíveis, sem a mão organizadora da imprensa tradicional – que entregava tudo mastigado para seu leitor, desde as notícias selecionadas, até o enfoque único, pasteurizado. Ou do partido político tradicional, que pretendia representar o eleitor em todos os temas. Tem-se um novo tempo, uma nova liberdade. E um belo processo de construção pela frente.




A chegada dos novos tempos – 3

Nesses dias tenho procurado expor os novos valores que passam a dominar a política brasileira. São ideias cujo tempo certo chegou, para usar a expressão de Abraham Lincoln.

O grande problema brasileira é a falta de instituições que garantam a continuidade dessas novas ideias, desse novo tempo.

O primeiro problema sério é o Congresso e o modelo político. Ninguém sabe a rigor quem é seu representante no Congresso. Existem deputados bancados por empresas, por setores, grupos ou corporações.

Na verdade, essa pulverização é própria da Câmara Federal que, espera-se, represente um leque variado de interesses setoriais ou regionais. O problema é o financiamento público de campanha que terminou por jogar nos braços dos grandes grupos a definição da lista de candidatos partidários (escolhe-se quem tem mais possibilidade de trazer financiamento para o partido). Ou seja, os agentes orquestradores das demandas deveriam ser os partidos políticos, definindo programas claros. Mas não existem.

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Esse modelo levou aos governos de coalizão e a crises institucionais periódicas, lembra o leitor Igor Cornelsen, que vão do suicídio de Vargas, à renúncia de Jânio, ao golpe de 64, ao impeachment de Collor.

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Outro ponto sensível é a questão do desenvolvimento.

Na Ásia, o modelo econômico é o mesmo, com a busca da industrialização, do crescimento, da inovação, do emprego qualificado. Entra governo, sai governo, mantem-se os mesmos valores e as mesmas linhas de ação.

No Brasil, depende do governo de plantão. FHC e o governo Lula (até a crise de 2008) vieram a reboque dos ventos internacionais. Só quando a crise internacional explodiu, o país conseguiu se livrar da inércia na política econômica.

Agora, tenta-se retomar o desenvolvimentismo, mas com enormes dificuldades em todas as áreas, em sistemas de controle, na mídia, nos setores ambientalistas, nas próprias empresas (muitas delas inconformadas com redução de margem). É só analisar o problema de definir um câmbio competitivo, dos custos do investimento e da falta de competitividade da empresa nacional.

Não se trata, portanto, de um sentimento capaz de garantir o projeto de desenvolvimento independentemente do presidente do momento.

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A falta dessas ideias mobilizadoras torna o quadro político instável. Não existem partidos programáticos. O PSDB tentou ser socialdemocrata, tornou-se neoliberal no período FHC e hoje em dia não é nada. No PT convivem desde linhas de pensamento amplamente estatizantes até setores que buscam a social democracia.

Tem-se em Dilma Rousseff e Fernando Haddad um modelo socialdemocrata claro, com atuação indutora forte do Estado e parceria com a sociedade civil – empresas privadas, organizações sociais, etc. Mas seria um pensamento consolidado no partido? Não é certo.

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São duas realidades desafiadoras. Numa ponta, a Internet avalanche de novas ideias que brota das discussões públicas nas redes sociais; novos grupos sendo incluídos no debate. Na outra, um aparato institucional anacrônico, dos partidos políticos às máquinas estaduais e federal, passando pelos demais poderes – incluindo a mídia.

Este será o desafio das próximas décadas: criar instituições suficientemente dinâmicas para absorver o novo.


A chegada dos novos tempos – 4



Ontem expus as dificuldades principais para a consolidação de valores e de políticas públicas no país: a falta de âncoras conceituais, de valores incutidos no pensamento nacional, que definam ações permanentes, independentemente do governante de plantão.

Historicamente, a rigor apenas a Escola Superior de Guerra (ESG) (e as Forças Armadas), talvez o Itamarati, em alguns momentos o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) lograram alguma espécie de pensamento estratégico sistemático.

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A grande âncora do desenvolvimento chinês é o Partido Comunista Chinês e suas correias de transmissão de conceitos. É um modelo autocrático que não serve para o Brasil.

No modelo democrático norte-americano, há uma correia de transmissão que começa na academia, propaga-se pelos chamados think tanks (centros de pensamento estratégico), de lá para os partidos políticos e, deles, para os correligionários, incluindo a mídia aliada.


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Aqui é mais difícil.

A indústria possui instituições como o IEDI (Instituto para Estudos de Desenvolvimento Industrial), importante para acompanhamento conjuntural mas que há tempos deixou de ser um propagador dos ideários do setor. O mercado de capital teve o IBMEC. Mas a ideologia de mercado atual é defendida por sites preocupados exclusivamente em demonizar gastos públicos e políticas sociais – o melhor caminho para estigmatizar uma ferramenta relevante, como o mercado.

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E os partidos políticos muitas vezes patinam nessas definições programáticas.

Tome-se o caso do PT. Em 1993, a cúpula partidária – conduzida pelo então economista Aloizio Mercadante – soltou um manifesto puxando o PT para o centro, à luz dos ventos liberalizantes da era Thatcher. Houve grita geral obrigando a um recuo. De lá em diante, evitaram-se definições programáticas mais nítidas, para não provocar dissensões.

Só após a eleição de Lula em 2002, com a Carta aos Brasileiros, permitiram-se definições mais claras, que terminaram por consolidar o partido no espectro da social democracia.

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Já o PSDB beneficiou-se de uma sólida aliança com a grande mídia do eixo Rio-São Paulo. Mas não havia nenhuma definição programática, nem do lado do partido nem de seus candidatos. Consequência: todo o aparato midiático foi utilizado somente para propagar o “anti” – o antipetismo, o antilulismo, o antipolíticas sociais, o anti-Bolsa Família.

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O novo não surgirá do velho.

A nova militância e as novas formas de propagação do novo pensamento estão sendo formados nas redes sociais. Novos personagens estão surgindo, novas formas de participação, do botão “curtir” às petições online.

É apenas o início. O futuro dos partidos políticos está naqueles que entenderem a dimensão das redes sociais.

Não se trata de armar correligionários para batalhas sangrentas e inconsequentes em Twitters e Facebooks, mas de saber captar os grupos de interesse especializados, desde as manifestações culturais do Brasil profundo e os movimentos de favela e periferia, até os novos empreendedores, os grupos de interesse regionais e o pensamento acadêmico de ponta.

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É tarefa que exige desprendimento para se abrir para novo, para democratizar as instâncias internas do partido e definir formas permanentes de renovação dos seus quadros.

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