sábado, setembro 29, 2012

DEBATE ABERTO STF caminha para novo caso Dreyfus?



Mais cedo ou mais tarde, este julgamento também será julgado, como ocorreu no caso Dreyfus. O preço desse processo de exceção não é só o risco da injustiça, mas o desrespeito à Constituição. A corte francesa decidiu reincidentemente contra provas, mandando às favas conquistas fundamentais da revolução de 1789. Será esse também o caminho do STF?
Breno Altman
No dia 29 de setembro de 1902, falecia o célebre escritor francês Emile Zola, em circunstâncias até hoje não esclarecidas. Da sua vasta obra literária, um pequeno panfleto foi o que mais causou impacto. Intitulava-se “Eu acuso!”, publicado em 1898, com tiragem inicial de 300 mil exemplares. Abordava rumoroso tema judicial, conhecido como o caso Dreyfus.

Tudo começou nos idos de 1894, quando uma faxineira francesa encontrou, na embaixada alemã em Paris, carta pertencente ao adido militar, tenente-coronel Schwarzkoppen. O texto parecia indicar a existência de um oficial galo espionando a favor de Berlim. Dentre os possíveis autores do documento incriminador, apenas um era judeu, o capitão Alfred Dreyfus.

A possibilidade acusatória caiu como uma luva para as elites francesas, que apostavam em reconstruir sua influência com discurso artificialmente nacionalista. Pairava sobre a burguesia tricolor a pecha de vende-pátria, desde a rendição, em 1871, na guerra franco-prussiana. O primeiro-ministro Louis Adolphe Thiers, depois presidente da III República, chegou a contar com colaboração do invasor alemão para esmagar a Comuna de Paris, poucos dias após o armísticio que colocou fim aos embates entre ambas nações.

Atacar os judeus, portanto, era bom negócio para despertar o ódio racial-chauvinista da classe média e reconquistar sua simpatia. Acovardados diante do império de Bismarck, os magnatas de Paris trataram de buscar apoio social apontando para um inimigo interno. Recorreram à artilharia da imprensa sob seu controle para disseminar imagem de vilania que servisse a seus objetivos.

O julgamento contra Dreyfus incendiou o país. O oficial, além da dispensa por traição, acabou condenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo, na costa da Guiana Francesa. Um processo relâmpago, conduzido por tribunal militar, sob pressão dos jornais direitistas, selou seu destino.

Três anos depois de promulgada a sentença, o irmão do réu descobre documentos que inocentavam Dreyfus e comprometiam Charles-Ferdinand Esterhazy, nobre oficial de origem húngara, com o ato de espionagem. Um segundo julgamento é realizado, em 1898, mas os magistrados mantêm a decisão anterior, a despeito das novas provas.

Emile Zola escreve, então, seu famoso livreto. Destemido e respeitado, denuncia o processo como fraude judicial e conspiração política, provocando enorme comoção. Morreria asfixiado, há 110 anos, presumivelmente assassinado, a mando de quem não gostava de suas posições.

Quanto a Dreyfus, anistiado em 1899, a verdade seria reposta por um tribunal apenas em 1906. Mas jamais foi reincorporado ao exército ou compensado pela injustiça sofrida.

Esta história se conecta como uma parábola ao julgamento da ação penal 470, conhecida como “mensalão”, atualmente tramitando pelo Supremo Tribunal Federal, a máxima corte judicial brasileira.

Uma das inúmeras situações de financiamento ilegal de campanhas vem a luz, dessa vez envolvendo o Partido dos Trabalhadores e seus aliados, e a máquina de comunicação a serviço das elites trata de transformá-la no “maior caso de corrupção da história do país”.

Forja-se uma narrativa verossímil, de votos comprados no parlamento, ainda que não haja qualquer evidência concreta de sua existência. Inflama-se as camadas médias contra o principal partido de esquerda e alguns de seus dirigentes históricos. Lança-se campanha incessante de pressão sobre os ministros da corte, oferecendo-lhes a opção entre o céu e o inferno a depender de sua atitude diante do caso.

Jurisprudências novas são criadas para atender o clamor da opinião publicada. Garantias constitucionais, atropeladas, dão lugar a outros paradigmas. Alguns ministros resistem bravamente, mas vai se desenvolvendo roteiro midiático cujo desfecho está antecipadamente escrito, salvo mudanças abruptas.

Disse o ministro Ayres Britto, a propósito, que não deve ser perguntado se o réu sabia de suposto fato criminoso, mas se haveria como não sabê-lo. Ou seja, não é fundamental que haja provas de autoria daquilo que se denuncia. Basta que sua função – ou até papel histórico – torne legítima a afirmação de que o indiciado tem o domínio do fato, elemento que seria suficiente para condenação exemplar, segundo o mais recente parâmetro judicial.

Há um Dreyfus escolhido, nessa alegoria. Dessa feita não é um judeu, que outros são os tempos, mas a principal figura do PT depois do ex-presidente Lula. José Dirceu, ex-presidente do partido e ex-chefe da Casa Civil, foi sendo transformado, nos últimos anos , em um grande vilão nacional. A campanha orquestrada contra si parece ser o caminho dos conservadores para ajustar contas com a esquerda na barra dos tribunais.

A virulência dos ataques, aliás, é reveladora do pano de fundo que percorre o processo, além de incentivar o raciocínio de algumas das vozes e veículos que mais fortemente combatem os réus. Dirceu e José Genoino, goste-se ou não deles, são representantes ilustres da geração que se dispôs a resistir, com a vida ou a morte, contra a ditadura que muitos de seus detratores apoiaram com galhardia ou diante da qual se acovardaram.

Líderes de um campo político considerado morto no final do século passado, ambos têm que ir ao cadafalso para que a direita possa ter chance de marcar com lama e fel os dez anos de governo progressista, golpeando o partido que encarna esse projeto. Suas biografias devem ser rasgadas ou suprimidas, no curso dessa empreitada, pelo trivial motivo de apresentarem mais serviços prestados à nação e à democracia que as de quem hoje os agride. Inclusive, ironicamente, as de quem tem o dever legal de julgá-los.

Junto com Dirceu e Genoino, sobe ao banco dos réus também Delúbio Soares. Dos três dirigentes, é quem efetivamente assumiu responsabilidade por acordos e financiamentos irregulares para disputas eleitorais e partidos aliados. Sua versão dos fatos, pelos quais jamais culpou quem fosse, foi preterida e desprezada, à revelia das provas, para que vingasse a narrativa de Roberto Jefferson, o candidato a Esterhazy nessa chanchada.

O ex-deputado petebista, contudo, é recebido como anjo vingador na seara do conservadorismo e até por ministros da corte. Sem a tese do “mensalão”, parece evidente, o espetáculo inquisitorial possivelmente estaria esvaziado. A chacina judicial do ex-tesoureiro do PT fez-se indispensável.

Mais cedo ou mais tarde, porém, este julgamento também será julgado, como ocorreu no caso Dreyfus. O preço desse processo de exceção, afinal, não é apenas o risco da injustiça, mas o desrespeito à Constituição e à democracia. A corte francesa dobrou-se aos interesses oligárquicos e decidiu reincidentemente contra provas, mandando às favas conquistas fundamentais da revolução de 1789. Será esse também o caminho do STF? Mesmo sabendo que a história acontece como tragédia e se repete como farsa?

Breno Altman é jornalista, diretor do site Opera Mundi e da revista Samuel.

UM ESPECTRO RONDA O JORNALISMO: CHATÔ




Em texto exclusivo para o 247, o escritor Fernando Morais narra como, em meados do século passado, Assis Chateaubriand encomendou ao diretor do Estado de Minas uma reportagem sobre o estupro supostamente cometido pelo arcebispo de Belo Horizonte contra a própria irmã. Detalhe: Dom Cabral não tinha irmã. Passadas oito décadas, Chatô exumou-se do cemitério e encarnou nos blogueiros limpos e editores dos principais jornais brasileiros


Por Fernando Morais



As agressões e infâmias dirigidas por alguns jornais, revistas, blogs e telejornais ao ex-presidente Lula e ao ex-ministro José Dirceu me fazem lembrar um episódio ocorrido em Belo Horizonte em meados do século passado.

Todas as sextas-feiras o grande cronista Rubem Braga assinava uma coluna no jornal “Estado de Minas”, o principal órgão dos Diários Associados em Minas Gerais. Irreverente e anticlerical, certa vez Braga escreveu uma crônica considerada desrespeitosa à figura de Nossa Senhora de Lourdes, padroeira de Belo Horizonte. Herege, em si, aos olhos da conservadora sociedade mineira o artigo adquiriu tons ainda mais explosivos pela casualidade de ter sido publicado numa Sexta-Feira da Paixão.

Indignado, o arcebispo metropolitano Dom Antonio dos Santos Cabral redigiu uma dura homilia recomendando aos mineiros que deixassem de assinar, comprar e sobretudo de ler o “Estado de Minas”. Dois dias depois o documento foi lido na missa de domingo de todas as quinhentas e tantas paróquias de Minas Gerais.

O míssil disparado pelo religioso jogou no chão a vendagem daquele que era, até então, o mais prestigioso jornal do Estado. E logo repercutiu no Rio de Janeiro. Mais precisamente na mesa do pequenino paraibano Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, um império com rádios e jornais espalhados por todos os cantos do Brasil.

Célebre pela fama de jamais engolir desaforos, o colérico Chateaubriand telefonou para Geraldo Teixeira da Costa, diretor do “Estado de Minas”, com uma ordem expressa, repleta de exclamações:

- Seu Gegê! Quero uma reportagem de página inteira contando que quando jovem Dom Cabral estuprou a própria irmã! O senhor tem uma semana para publicar isso!

Tamanha barbaridade não passaria pela cabeça de quem quer que conhecesse o austero Dom Cabral, cujas virtudes haviam levado o Papa Pio XI a agraciá-lo com o título de Conde. Mas ordens eram ordens.

Os dias se passavam e a reportagem não aparecia no jornal. Duas semanas depois do ultimato, um Chateaubriand possuído pelo demônio ligou de novo para Belo Horizonte:

- Seu Gegê! Seu Gegê! O senhor esqueceu quem é que manda nesta merda de jornal? O senhor esqueceu quem é que paga seu salario, seu Gegê? Cadê a reportagem sobre o estupro incestuoso cometido por Dom Cabral?

Do outro lado da linha, um pálido e tremebundo Gegê gaguejou:

- Doutor Assis, temos um problema. Descobrimos que Dom Cabral é filho único, não tem e nunca teve irmãs...

Sapateando sobre o tapete, Chateaubriand parecia tomado por um surto nervoso:

- TEMOS um problema? Seu Gegê, nós não temos problema algum! Isso é um problema de Dom Cabral! Publique a reportagem! Cabe A ELE provar que não tem irmãs, entendeu, seu Gegê? Vou repetir, seu Gegê: cabe A ELE provar que não tem irmãs!!

Passadas oito décadas, suspeito que Chatô exumou-se do Cemitério do Araçá e, de peixeira na cinta, encarnou nos blogueiros limpos e nos editores dos principais jornais e revistas brasileiros.

Como no caso de Dom Cabral, cabe a Lula provar que não marchou com a família e com Deus, em 1964, quando tinha 18 anos, pedindo aos militares que derrubassem o governo do presidente João Goulart. Cabe a Dirceu provar que não foi o chefe do chamado mensalão.

Fernando Morais é jornalista e escritor. É autor, entre outros livros, de “Chatô, o rei do Brasil”, biografia de Assis Chateaubriand.

quarta-feira, setembro 26, 2012

REQUIÃO DEFENDE LULA E DENUNCIA PRECONCEITO DE CLASSE


“Quando digo oposição, o que menos conta são os partidos da minoria. O que mais conta é a mídia”, disse o senador.

O Conversa Afiada publica vídeo e discurso de Roberto Requião no Senado:





Não costumo assinar manifestos, abaixo-assinados ou participar de correntes. Mas quero registrar aqui minha solidariedade a Luís Inácio Lula da Silva, por duas vezes presidente do Brasil.

Diante de tanto oportunismo, irresponsabilidade, ciumeira e ressentimento não é possível que se cale, que se furte a um gesto de companheirismo em direção ao presidente Lula. Sim, de companheirismo, que pouco e me dá o deboche do sociólogo.

A oposição não perdoa, e jamais desculpará a ascensão do retirante nordestino à Presidência da República.

A ascensão do metalúrgico talvez ela aceitasse, mas não a do pau-de-arara. Este, não!

Uma ressalva. Quando digo oposição, o que menos conta são os partidos da minoria. O que mais conta, o que pesa mesmo, o que é significante, é a mídia, aquele seleto grupo de dez jornais, televisões, revistas e rádios que consome mais de 80 por cento das verbas estatais de propaganda. Aquele finíssimo, distintíssimo grupo de meios de comunicação “que está fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada”, como resumiu com a sinceridade e a desenvoltura de quem sabe e manda, a senhora Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais.

Este conjunto de articulistas e blogueiros desfrutáveis que faz a “posição oposicionista” nos meios de comunicação usa uma entrevista que não houve para, mais uma vez, tentar indigitar o ex-presidente. Primeiro, tivemos o famosíssimo grampo sem áudio. Mais hilário ainda: a transcrição do áudio inexistente mostrava-se extremamente favorável aos grampeados. Um grampo a favor. E sem áudio.

Lembram?

Houve até quem quisesse o impeachment de Lula pelo grampo sem áudio e a favor dos grampeados, houve até quem ameaçasse bater no presidente.

Agora, este mesmo conjunto de jornais, rádios, televisões e revistas, esses mesmos patéticos articulistas e blogueiros querem que se processe o ex-presidente. Não me expresso bem: não querem processá-lo. Querem condená-lo, pois como a Rainha de Copas, de Lewis Carol, primeiro a forca, depois o julgamento.

Recomendaria a vossas excelências que tapassem o nariz, não fizessem conta dos solecismos, da pobreza vocabular, das ofensas à regência verbal e lessem o que escreve esse exclusivíssimo clube de eternos vigilantes.

Os mais velhos de nós, os que acompanharam o dia-a-dia do país antes do golpe de 64, vão encontrar assustadores pontos de contato entre o jornalismo e o colunismo político daquela época com o jornalismo e o colunismo político dos dias de hoje. Embora, diga-se, os corvos de outrora crocitassem com mais elegância que os grasnadores de agora.

Fui governador do Paraná nos oito anos em que Lula presidiu o Brasil. Por diversas vezes, inúmeras vezes, manifestei discordância com a forma de sua excelência governar, com suas decisões ou indecisões. Especialmente em relação à política econômica, à submissão do país ao capitalismo financeiro, aos rentistas.

Mas havia um Meireles no meio do caminho. No meio do caminho, para gáudio da oposição e para a desgraça do país, havia um Meireles.

É verdade que Lula acendeu uma vela também para os pobres. E não foi pouco o que ele fez. É preciso ter entranhados na alma o preconceito, a insensibilidade e a impiedade de nossas elites para não se louvar o que ele fez pela nossa gente humilde. Na verdade, no fundo da alma escravocrata de nossas elites mora o despeito com a atenção dada aos mais pobres por Lula.

Apenas corações empedrados por privilégios de classe, apenas almas endurecidas pelos séculos e séculos de mandonismo, de autoritarismo, de prepotência e de desprezo pelos trabalhadores podem explicar esse combate contínuo aos programas de inclusão das camadas mais pobres dos brasileiros ao maravilhoso mundo do consumo de três refeições por dia.

A oposição –somem-se sempre a mídia com a minoria, mas o comando é da mídia- também não perdoa Lula porque ele sempre a surpreendeu, frustrou suas apostas, fez com que ela quebrasse a cara seguidamente.

Foi assim em 2002, quando ele se elegeu; foi assim em 2006, quando se reelegeu; foi assim na crise de 2008, quando ele não seguiu as receitas daqueles gênios que quebraram o Brasil três vezes, entre 1995 e 2002, e impediu que a crise financeira mundial levasse também o nosso país de roldão. E, finalmente, foi assim em 2010, quando elegeu Dilma como sucessora.

O desempenho da oposição –isto é, mídia e minoria, sob o comando da mídia- na crise de 2008 foi impagável. Caso alguém queira se divertir é só acessar um vídeo que corre aí pela internet com uma seleção de opiniões dos economistas preferidos dos telejornais, todos recomendando a Lula rigor fiscal extremo, austeridade e ascetismo dos padres do deserto; corte nos gastos sociais, cortes nos investimentos, elevação dos juros, elevação do depósito compulsório, congelamento do salário mínimo, contenção dos reajustes salarial, flexibilização dos leis trabalhistas, diminuindo direitos dos assalariados.

Enfim, recomendavam, como sempre aconselham, atar os trabalhadores ao pelourinho, tirar-lhes o couro, para que os bancos, os rentistas, o capital vadio restassem incólumes e seus privilégios protegidos. Receitavam para o Brasil o que a troika da União Européia enfia goela abaixo da Grécia, da Espanha, da Itália, de Portugal.

Lula não fez nada do que aqueles doutores prescreviam. Em um dos vídeos, um desses sapientíssimos senhores ridicularizava os conhecimentos macroeconômicos do presidente, prevendo que o “populismo” e o “espontaneísmo” de Lula levariam o Brasil ao desastre. Pois é.

A acusação mais frequente que se fazia, e se faz, a Lula é a de ser “populista”. A mesmíssima acusação feita a Getúlio quando criou a CLT, o salário mínimo, as férias e descanso remunerados, a previdência social; a mesmíssima acusação feita a João Goulart quando deu aumento de cem por cento ao salário mínimo ou quando sancionou a lei instituindo o 13° salário ou quando criou a Sunab; ou quando desencadeou a campanha das reformas; a mesmíssima acusação feita a Juscelino quando ele decidiu enfrentar o FMI e suas infamantes condições para liberação de financiamento.

Qualquer coisa que beneficie os trabalhadores, que dê um sopro de vida e de esperança aos mais pobres, que compense minimamente os deserdados e humilhados, qualquer coisa, por modesta que seja que cutuque os privilégios da casa grande, qualquer coisa, é imediatamente classificada como “populismo”.

Outra coisa que a oposição não perdoa em Lula é sua projeção internacional. Quanto ciúme, meu Deus! Quanto despeito! Quanta dor de cotovelo! A nossa bem postada, e sempre constispadinha elite, jamais aceitou ver o país representado por um pau-de-arara. Ainda mais que não fala inglês. Oh, horror!

Divergi de Lula inúmeras vezes. Quase sempre em relação à econômica. Com a popularidade que tinha, com o respeito que conquistara, com a força de seu carisma poderia ter feito movimentos consistentes que nos levassem a romper com os fundamentos liberais que orientavam -e orientam- a política econômica brasileira.

E que mantinham – e mantém- o país dependente, atrasado, em processo veloz de desindustrialização.

Pior, as circunstâncias favoráveis do comércio mundial valorizaram ainda mais o nosso papel de produtores e exportadores de commodities, criando uma “zona de conforto” que desarmou os ânimos e enfraqueceu os discursos de quem lutava por mudanças.

Outra divergência que me agastou com Lula foi em relação à mídia. Era mais do que claro que a lua-de-mel inicial com a chamada “grande imprensa” seria sucedida pela mais impiedosa e, em se tratando de um pau-de-arara, pela mais desrespeitosa oposição.

Em breve tempo, as sete irmãs que dominam a opinião pública nacional cobrariam caro, caríssimo o período em que fora obrigada a engolir o sapo barbudo. O troco viria na primeira crise.

Conversei sobre isso com o presidente, que procurou me aquietar e recomendou-me que falasse com um de seus ministros que, segundo ele, cuidava desse assunto. E o ministro me disse: “Por que criar um sistema público de comunicação, por que apoiar as rádios e a imprensa regional se temos a nossa televisão? A Globo é a nossa televisão”, disse-me o então poderoso e esfuziante ministro.

Pois é.

Quando busco paralelo entre esta campanha de tentativa de destruição de Lula e as campanhas de destruição de Getúlio e Jango, não posso deixar de notar que eles, pelo menos, tinham um jornal de circulação nacional e uma rádio pública também de alcance nacional para defendê-los. Hoje, que temos?

E o que entristece é que essa campanha atinge Lula quando ele se encontra duplamente fragilizado. Fragilizado pela doença, que lhe rouba um de seus dons mais notáveis: a sua voz, a sua palavra, seu poder de comunicação. Fragilizado pelo espetáculo mediático em que se transformou o julgamento do tal mensalão.

Se algum respeito, se alguma condescendência ainda havia para com esse pau-de-arara, foi tudo pelo ralo, pelo esgoto em que costumam chafurdar historicamente os nossos meios de comunicação.

Não sejamos ingênuos de pedir ou exigir compostura da mídia. Não faz parte de seus usos e costumes. Sua impiedade, sua crueldade programada pelos interesses de classe não estabelece limites.

Não é apenas o ex-presidente que é desrespeitado de forma baixa, grosseira. A presidente Dilma também. Por vários dias, a nossa gloriosa grande mídia deu enorme destaque às peripécias de uma pobre mulher, certamente drogada, certamente alcoolizada, certamente deficiente mental que teria tentado invadir o Palácio do Planalto, dizendo-se “marido” da presidente.

Sem qualquer pudor, sem o menor traço de respeito humano, a Folha de São Paulo, especialmente, transformou a infeliz em personagem, em celebridade. Chegou até mesmo a destacar um repórter para “entrevistar” a mãe da tal mulher. Meu Deus!

Às vésperas do golpe de 1964, o desrespeito da grande mídia para com o presidente João Goulart e sua mulher Maria Teresa chegou ao ponto de o mais famoso colunista social do país à época publicar uma nota dizendo que na Granja do Torto florescia uma trepadeira. Torto, como referência ao defeito físico do presidente; trepadeira, como referência caluniosa à primeira-dama do país.

Alguma diferença entre um desrespeito e outro?

Esse tipo de baixeza não se vê quando os presidentes são do agrado da grande mídia, quando os presidentes frequentam os mesmos clubes que os nossos guardiões dos bons costumes.

Nem que tenham, supostamente, filhos fora do casamento, que disso a mídia acha uma baixeza tratar.

Pois é.

terça-feira, setembro 25, 2012

Wanderley Guilherme dos Santos - "Me preocupa quando juízes do STF pensam como taxistas"



Em entrevista à Carta Maior, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos alerta o país sobre o perigo do julgamento do “mensalão” se transformar em um julgamento de exceção, a partir de uma reinterpretação da lei para atender a conveniência de condenar pessoas específicas. “Me chama a atenção o preconceito de alguns juízes contra a atividade política de partidos populares. Minha preocupação é quando a opinião dos magistrados coincide com a dos motoristas de táxi, que têm opiniões péssimas sobre todos os políticos".
Najla Passos
São Paulo - Nenhum preconceito contra os taxistas e nenhum problema quanto ao fato deles manifestarem suas opiniões. A comparação só se faz pertinente porque estudos sociológicos sérios demonstram que a categoria, mais do que outras, é muito suscetível a opiniões extremadas, eivadas de preconceitos, como a defesa da pena de morte e a propagação do lugar-comum de que todo político é corrupto. “A minha preocupação é quando a opinião dos juízes coincide com a dos motoristas de táxi”, afirma o analista político Wanderley Guilherme Santos, que alerta para o perigo do julgamento do “mensalão” se tornar um julgamento de exceção.

Embora considere bem justificados os votos apresentados até agora pelos ministros do Supremo, o decano das Ciências Sociais no Brasil se insurge contra o “discurso paralelo” em construção na corte, tão eivado de preconceitos quanto o cientificamente observado entre os taxistas, que poderá servir a conveniência de condenar pessoas específicas. “Me chama a atenção o preconceito contra a atividade política de partidos populares. O que, obviamente, reflete o preconceito contra a universalização do direito à participação política, que é recente no Brasil”, afirma.

Confira a entrevista:

- Em recente entrevista ao jornal Valor Econômico, o senhor disse que o julgamento do “mensalão” poderá vir a se transformar em um julgamento de exceção. Por quê?

Ele pode vir a se transformar em um julgamento de exceção, na medida em que viole as leis vigentes no país, especificamente para atender ao que eu já chamei de “condenatório ad hominem”, ou seja, que permita uma interpretação da lei para atender a conveniência de condenar pessoas específicas. Se isso ocorrer, a implicação que eu imagino que aconteça é que esses argumentos não venham a ser utilizados em relação a mais ninguém.

- Nesta mesma entrevista, o senhor disse também que, até agora, o julgamento tem apresentado um caráter técnico. Como o senhor avalia essas inovações de jurisprudências, essas mudanças de procedimentos poucos habituais que têm ocorrido?

Eu não sou especialista em direito. Eu não estudo os códigos penais. Como analista político, estou me guiando pelo que é apresentado na televisão. Mas a lógica é um patrimônio genético. Em qualquer área de conhecimento, a lógica tem que ser obedecida. E, até agora, embora pareça que nunca houve tanta reinterpretação em um julgamento só, quando os ministros votam, para mim que não sou especialista, mas estou dotado de alguma lógica, parece que eles buscam fundamentar bem, apontar bem os pontos dos códigos vigentes, do Código Penal em particular, que dão sustentação aos juízos, de condenação ou absolvição, que têm proferido.

Essa fundamentação, essa justificativa com base em códigos, em artigos, em incisos, parágrafos, dá a impressão de que eles estão utilizando a legislação vigente no país, ainda que, em alguns pontos, a estejam reinterpretando de forma inédita. Por este motivo, a minha capacidade lógica não foi agredida até agora pelas justificativas dos votos dos ministros. Mesmo quando eles interpretam contrariamente, divergem em interpretações de fatos, me parecem que todos tem tido cuidado em compatibilizar os votos com as regras e normas vigentes nos códigos do país.

- Então, por que falar em julgamento de exceção?

O me chama a atenção é uma diferença muito grande entre a argumentação que justifica o voto e um “discurso paralelo” que nada tem a ver com o que tem sido usado para fundamentá-lo. É como se fossem dois julgamentos: um invisível, que faz parte de um discurso, de uma retórica paralela à discussão oficial, e outro fundado nos autos, ainda que com discrepâncias de interpretações. A minha preocupação é com este “discurso paralelo” que vai se materializar em algum momento do processo.

- Este discurso paralelo se desvela na própria dinâmica do julgamento ou é uma construção mais reverberada pela mídia?

Sem dúvida, esse discurso está sendo reverberado pela imprensa, pela corrente política de oposição e, também, pelas opiniões de certas camadas populares. É normal que casos de grande repercussão, de grande mobilização da opinião pública ou da opinião publicada, afetem a opinião das pessoas. Isso ocorre não apenas neste julgamento, mais em qualquer tipo de crime desses mais escandalosos. As pessoas têm sua opinião, o que é absolutamente normal, embora nem sempre seja opinião mais correta. Nós temos grandes exemplos de julgamentos, feitos não pela justiça, mas pelos jornais, revistas e grupos de opinião, que, na verdade, se revelaram como grandes erros de avaliação.

- O senhor pode citar um exemplo?

Eu citaria o exemplo da Escola de Base, em São Paulo. Já tem muito tempo, mas o que houve foi um julgamento fora do Judiciário, na verdade um linchamento da reputação de um grupo de educadores, com acusações de pedofilia e abusos, e a justiça posteriormente registrou que nada disso existia. Só que, até lá, essas pessoas foram destruídas moralmente, profissionalmente. Mas isso acontece não só no Brasil. Essa divergência de entendimento ocorre no mundo inteiro. E é por isso que é fundamental um judiciário isento, que não aja de acordo com a emoção.

- Então o problema central não é a imprensa ou a opinião manifesta de determinados grupos sociais, mas o próprio Judiciário?

Que exista este juízo diferente na sociedade, nos órgãos de imprensa, é natural. É bom que exista esta liberdade de pensar, ainda que com base em um conjunto de informações às vezes não muito precisa. É assim que o mundo anda, no Brasil e nos outros países. Não vejo nisto nada de patológico. A forma com que essas opiniões se manifestam em atores políticos como a imprensa, a televisão – que são atores políticos, devido à capacidade de liderança – às vezes não é algo positivo, devido à intensidade e à precipitação. Mas não atribuo a essas agências à responsabilidade pelo andamento do caso específico da ação penal 470.

Atribuo a uma coisa, a meu ver, muito menos defensável, que é um sistema de valores e preconceitos dos próprios juízes, que são seres humanos, que às vezes concordam muito mais com valores emitidos pela imprensa, ou por motoristas de táxi, que são sabidamente pessoas que reagem com posições sempre muito extremadas. E isso não é preconceito contra os taxistas, é uma informação de sociologia. Há estudos que apontam que essa categoria é muito vulnerável às posições extremadas. Em pesquisas sobre pena de morte, por exemplo, os taxistas são os mais extremados, tem um percentual altíssimo favorável a pena de morte. Eles têm opiniões péssimas sobre todos os políticos, sobre os que estão aí e os que estão por vir. Pois bem, a minha preocupação é quando a opinião dos magistrados coincide com a dos motoristas de táxi.

- E isso está acontecendo? Os ministros do STF estão pensando como os motoristas de táxis?

Isso aparece precisamente no discurso paralelo: o preconceito contra a atividade política profissional, o preconceito contra os políticos populares, o preconceito contra atividades cotidianas ou generalizadas da política, que eles preferem considerar como sendo gerada por uma conspiração maligna de certos tipos de pessoas, e não, muitas vezes, pelos posicionamentos legais que fazem com que as pessoas ajam de certa maneira.

- O senhor se refere, mais especificamente, ao caixa dois de campanha?

Sim, e eu tenho chamado a atenção para isso, para a origem do caixa dois que todos os partidos fazem. A justiça eleitoral brasileira faz uma sucessão de normas que, embora todas elas de boa fé, criaram uma confusão, um sistema que condiciona à prática do caixa dois, que é simplesmente um fluxo clandestino de financiamento de campanha. Mas, exatamente porque é clandestino, favorece o cometimento de vários crimes, como subornos, apropriações indébitas, desvios de dinheiro, que nada tem a ver com o ilícito inicial, que é o processo de financiamento ilegal de campanhas. E quando a gente diz financiamento ilegal, as pessoas já ficam muito indispostas quanto a isso, por conta da palavra ilegal. Mas só é ilegal porque existe uma norma contrária. Se acabar a ilegalidade, tudo isso passa a ser do bem.

É o que acontecerá quando se legalizar o uso de maconha, que é algo defendido, por exemplo, elo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Hoje, pessoas que compram, que estão envolvidas com drogas, são chamadas de quadrilheiros, de criminosos, uma série de adjetivos muito pesados, porque a lei impõe isso. Como era até recentemente com quem praticava o aborto de anencéfalos. Porque até este próprio STF decidir que não era crime, as grávidas que se submetiam ao aborto em virtude desta tragédia eram consideradas assassinas, com agravantes. Os médicos que procediam a defesa da saúde dessas mulheres eram outros assassinos, porque é esta a terminologia jurídica.

Bastou uma decisão do mesmo STF que falava em assassinos para que eles passarem a ser protegidos e defendidos, por exemplo, da opinião religiosa que proíbe isso. Veja como o preconceito transforma pessoas normais em assassinos e, de repente, as retransforma e as tornas pessoas normais outra vez. Então, no caso do caixa dois, meu medo é em relação a este discurso paralelo, que tem embasamento em preconceitos pré-democráticos contra a atividade política, sem examinar a origem de certos processos ilícitos, que não está na atividade política porque ela seja maligna, mas sim condicionados por legislação que pode mudar de uma hora para outra.

- O senhor falou em preconceitos pré-democráticos contra a atividade política. Mas me parece que, neste julgamento, há outros fatores. No caso do “mensalão” do PSDB, por exemplo, os deputados que receberam dinheiro do “valerioduto” não foram sequer denunciados pelo MPF, que entendeu que se tratava de mero caixa dois de campanha. No mensalão do PT, os deputados que sacaram dinheiro do mesmo “valerioduto” não só foram denunciados como, ao que tudo indica, serão também condenados. Não haveria também um preconceito de classe?

Esse preconceito de classe contra a atividade política de partidos de origens populares existe, sem dúvida. Então, há atividades que são piores consideradas para determinados partidos que têm origem popular, até porque isso é uma novidade na história do Brasil e fere a sensibilidade de quem ainda não digeriu isso bem. E leva tempo mesmo para digerir a participação de grandes massas na vida política. Eu acho que existe um descompasso grande entre o comportamento do Supremo em causas sociais em geral, nas quais ele tem se mostrado modernizador, e em relação a um caso como este, em que alguns juízes manifestam um preconceito contra a atividade política de partidos populares. Sem dúvida.

E, certamente, isso pode ajudar a entender a diferença de comportamento entre a ação penal 470, contra partidos populares, e fundamentalmente o principal deles, o PT, e as que envolvem os demais. Eu não sou militante de partido nenhum, mas é óbvio que a política brasileira mudou com o surgimento do PT, dentro de um contexto em que mesmo os partidos mais de esquerda, os mais avançados, representavam a classe média ilustrada, como o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e até o Partido Democrático Trabalhista (PDT). O ponto fundamental é que preconceito de classe pode haver. Mas é algo para ser investigado cm um pouco mais de cuidado. O que tem me chamado a atenção é o preconceito contra a atividade política de partidos populares. O que, obviamente, reflete o preconceito contra a universalização do direito à participação política, que é recente no Brasil.

Dilma condena violência na Síria e defende reforma do Conselho de Segurança da ONU


Presidenta Dilma Rousseff durante discurso na abertura da 67ª Assembleia-Geral das Nações Unidas. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

A presidenta Dilma Rousseff condenou hoje (25) a violência na Síria e afirmou que a maior parte da responsabilidade pelo conflito armado recai sobre o governo de Bashar al-Assad. Ao discursar na abertura da 67ª Assembleia-Geral das Nações Unidas, Dilma disse que a oposição síria também tem responsabilidade e apelou às partes em conflito para que deponham as armas. Ela defendeu a diplomacia e o diálogo como única opção para encerrar a crise na Síria.

“Assistimos consternados à evolução da gravíssima situação da Síria. O Brasil condena, nos mais fortes termos, a violência que continua a ceifar vidas nesse país. A Síria produz um drama humanitário de grandes proporções no seu território e em seus vizinhos. Recai sobre o governo de Damasco a maior parte da responsabilidade pelo ciclo de violência que tem vitimado grande número de civis, sobretudo mulheres, crianças e jovens. Mas sabemos também da responsabilidade das oposições armadas, especialmente daquelas que contam com apoio militar e logístico de fora”, disse.

No discurso, a presidenta pediu o fim do embargo econômico à Cuba e voltou a defender a criação de um Estado Palestino.

“Reitero minha fala de 2011, quando expressei o apoio do governo brasileiro ao reconhecimento do Estado Palestino como membro pleno das Nações Unidas. Acrescentei, e repito agora, que apenas uma Palestina livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por paz com seus vizinhos, segurança em suas fronteiras e estabilidade política regional”, afirmou.

A presidenta também reafirmou o pleito brasileiro pela reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Segundo Dilma, a crise iniciada em 2008 mostrou que é necessário reformar os mecanismos da governança mundial.

“As guerras e os conflitos regionais, cada vez mais intensos, as trágicas perdas de vidas humanas e os imensos prejuízos materiais para os povos envolvidos demonstram a imperiosa urgência da reforma institucional da ONU e em especial de seu Conselho de Segurança. Não podemos permitir que este Conselho seja substituído – como vem ocorrendo – por coalizões que se formam à sua revelia, fora de seu controle e à margem do direito internacional (…) O recurso fácil a esse tipo de ação é produto desse impasse que imobiliza o Conselho. Por isso, ele precisa urgentemente ser reformado”, defendeu.

segunda-feira, setembro 24, 2012

ICMS e guerra fiscal




AMIR KHAIR - O Estado de São Paulo


O ICMS é o vilão do sistema tributário brasileiro. É o maior tributo, superando o imposto de renda e a contribuição previdenciária. Onera a carga tributária em 7% do PIB e, mais importante do que tudo, é responsável por metade (!) do valor dos tributos que incidem sobre o consumo. Como se trata de um imposto que incide diretamente sobre o preço de venda, acaba elevando o preço final do produto.

É um imposto que pune o consumidor, especialmente das camadas de menor renda, cuja despesa com consumo incide mais fortemente sobre a renda da pessoa. Atinge em cheio os preços dos artigos que compõem a cesta básica. O governo federal já reduziu seus tributos sobre a cesta básica, restando pouco ainda a tirar, mas os Estados, responsáveis pelo ICMS, nada fizeram para retirar o peso sufocante deste imposto.

É um imposto invisível, não percebido pela população, a não ser quando aparece claramente destacado, como nas contas da energia elétrica e do telefone. O governo federal reduziu quase toda a tributação sobre a energia elétrica e pediu aos Estados que fizessem o mesmo, mas estes se negaram.

Para reduzir esse imposto, a melhor forma é diminuir suas elevadas alíquotas, sendo a mais comum a de 18%, podendo ir a até 30% em alguns casos. Nas contas de energia elétrica e telefone, a alíquota mais usada é 25%, onerando as contas em 1/3, pois o imposto incide por dentro. Essa diminuição de alíquotas não irá implicar necessariamente em perda de receita para os Estados, pois a redução de alíquota pode gerar maior nível de atividade econômica e menos sonegação.

Guerra Fiscal. A Constituição atribuiu aos Estados o ICMS, com regras para a sua aplicação detalhadas em lei complementar. Entre essas regras, há as contidas na Lei n.º 24, de 7 de janeiro de 1975, que dispõe sobre os convênios para a concessão de isenções de ICMS.

Segundo o artigo 2.º desta lei, os convênios para a isenção do ICMS só podem ser feitos nas reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do governo federal.

Essas reuniões se dão no âmbito do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), onde os representantes dos Estados são seus secretários de Fazenda e, do governo federal, o secretário executivo do Ministério da Fazenda.

Reza o § 2.º do artigo 2.º que: "A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados".

E, no artigo 8.º: "A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente: I - A nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria; II - A exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente".

Visando atrair empresas para seu território, os Estados vêm há tempos instituindo benefícios fiscais de ordem econômica e/ou financeira no ICMS, ao arrepio da Lei n.º 24/75, que, como visto, determina que a concessão do benefício só pode ocorrer se aprovada por todos os Estados, o que não ocorre.

Na guerra fiscal, o valor do imposto que aparece na nota fiscal é o calculado com as alíquotas estabelecidas pelo Senado; mas, de fato, o imposto não é cobrado ou é devolvido, total ou parcialmente. Diversos Estados têm se negado a conceder esse crédito, tendo por base que o desrespeito à Lei implica em nulidade de pleno direito do ato, conforme o art. 8.º da LC nº 24/75.

Quando a empresa está instalada num Estado e é atraída para outro que concede o incentivo fiscal, ocorre um prejuízo na arrecadação global do ICMS. O mesmo ocorre quando a empresa já tinha decidido que vai se instalar no Brasil e depois promove o "leilão" entre Estados para obter o máximo de benefício fiscal.

Outra forma danosa ao País é a concessão de benefício fiscal na importação de bens do exterior, onde o ICMS é reduzido. É a chamada "guerra dos portos". A solução apresentada pelo Senado, por meio da Resolução n.º 13, de 25 de abril deste ano, acabaria com a guerra a partir de 2013, mas tem tudo para não sair do papel, pois estabeleceu que o Confaz poderá baixar normas para fins de definição dos critérios e procedimentos a serem observados no processo de Certificação de Conteúdo de Importação. Há quem duvide que o Confaz, que sempre se omitiu no cumprimento da Lei n.º 24/75, vá baixar essas normas.

Na guerra dos portos, o ICMS cobrado da empresa que importa é reduzido, digamos, a 2%. Ao vender para outro Estado com alíquota interestadual de 12%, o comprador se credita de 12%. Ao vender, se a alíquota interna for de 18%, paga de ICMS 6% (18% menos 12%). O produto nacional, no entanto, paga 18% e o importado paga apenas 8% (2% no Estado de origem e 6% no Estado de destino).

Além de ter contra si o câmbio valorizado e enfrentar custos elevados de infraestrutura, logística, carga tributária e juros, a guerra dos portos reduz ainda mais a competitividade do produto nacional com o importado, podendo gerar desemprego e induzir as empresas a produzir no exterior.

Em muitos casos, a guerra fiscal pode trazer consequências danosas ao desempenho econômico, ao trocar critérios de eficiência econômica por artificialismo tributário na localização de uma indústria. Outra consequência é a distorção que causa na competição entre empresas, por estarem em locais fora do território onde é dado o benefício fiscal. Essa distorção é tanto maior quanto maior for a participação do custo fiscal no custo final do produto.

Numa rara investida contra a guerra fiscal, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou 23 normas criadas pelos Estados para favorecer empresas e atrair investimentos à custa de outros Estados. Foram julgadas num único dia 14 ações de inconstitucionalidade. Alguns dias depois, vários dos Estados envolvidos revalidaram essas normas com outra redação, tentando escapar da decisão do STF.

Uma forma de acabar com a guerra fiscal, porém dependente da aprovação dos Estados, é através da reforma tributária, com a mudança na cobrança do ICMS da origem para o destino. Com a mudança, o Estado produtor ficaria com uma alíquota pequena, a título de pagamento pelo trabalho de fiscalização. Essa alíquota desestimularia a concessão de benefícios para a atração de empresas para o seu território.

Os Estados sempre boicotaram a aprovação da reforma, e dificilmente isso deixará de ocorrer.

A única forma de encerrar de vez a guerra fiscal é o STF editar súmula vinculante que tornaria todos os benefícios concedidos em desacordo com a LC n.º 24/75 nulos, com a devolução do impostos não recolhidos. Com a palavra, o STF.

Não se pode passar ao largo dessa questão. As faltas cometidas por autoridades governamentais e empresas beneficiadas são graves e demandam o rigoroso cumprimento da lei.

Gradualmente, com a extinção da guerra fiscal, é provável que ocorra uma elevação na arrecadação do ICMS, sendo esse um fator a contribuir para melhorar as finanças dos Estados. Vamos aguardar.

* AMIR KHAIR É MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR

DE QUAL LADO FICARÁ O STF?


BRENO ALTMAN

Os monopólios da comunicação exercem pressão para que a corte endosse sua versão e condene a qualquer custo. Mais que preocupação eleitoral imediata, a batalha se trava para legitimar a velha mídia, verdadeiro partido das elites
Ao longo da história, o Supremo Tribunal Federal, além de bons serviços, prestou-se também a várias ignominias, chancelando a violação de paradigmas constitucionais.

O presidente do STF em 1964, Álvaro Moutinho da Costa, foi à posse de Ranieri Mazzilli na noite do golpe militar, quando o presidente João Goulart ainda se encontrava em território nacional. A corte responsável pela guarda da Carta Magna fazia-se avalista de sua ruptura.

Outra afronta ocorrera quando o Tribunal Superior Eleitoral, em maio de 1947, cancelou o registro do Partido Comunista. Aceitou alegação de que se tratava de organização comandada por potência estrangeira, a União Soviética. O STF indeferiu recurso e afiançou a degola. Deixou-se levar pela mesma intolerância ideológica com a qual refutou habeas corpus contra a extradição de Olga Benário Prestes, em 1936, para ser assassinada na Alemanha de Hitler.

Novamente assistimos, no curso da ação penal 470, publicamente tratada como "mensalão", poderosa tendência a um julgamento de exceção, em pleno regime democrático.

Os monopólios da comunicação exercem pressão para que a corte endosse sua versão e condene a qualquer custo. Mais que preocupação eleitoral imediata, a batalha se trava para legitimar a velha mídia, verdadeiro partido das elites, como senhora da opinião pública, além de impor gravame ético ao PT e ao governo Lula.

Apesar da resistência de alguns juízes, vem à baila comportamento que remonta a práticas inquisitoriais. Jurisprudências estão sendo alteradas por novas interpretações. Magistrados que absolveram o ex-presidente Fernando Collor da denúncia de corrupção passiva, inexistindo ato de ofício, agora apregoam que essa já não é exigência seminal.

Fala-se abertamente em "flexibilização de provas", eufemismo para que condenações possam ser emitidas a despeito da materialidade dos fatos, ampliando de forma quase ilimitada a subjetividade de opinião dos que têm o dever de julgar.

Também apela-se à tese de "domínio funcional do fato". Por esse conceito, pode-se condenar sem provas cabais de autoria, bastando que o cargo do réu, mais evidências latu sensu, corrobore ilação de responsabilidade, na prática eliminando a presunção de inocência.

Essa novidade suscita curiosa comparação. Nos idos de 1933, em Berlim, foi incendiada a sede do parlamento alemão, o Reichstag. Os nazistas, no poder, prontamente acusaram os comunistas. A polícia prendeu o holandês Marinus Van Der Lubbe e três búlgaros pertencentes aos quadros da Internacional Comunista. Entre eles, Georgi Dimitrov, um dos dirigentes máximos da organização.

Os réus foram julgados por uma das câmaras criminais da Suprema Corte, localizada em Leipzig e presidida pelo juiz Wilhelm Bürger. Apenas Van Der Lubbe acabou condenado, à pena de morte.

Apesar de estar convencido de que se tratava de conspiração comunista e da função de Dimitrov, o magistrado considerou que não havia prova contundente que o ligasse, ou a qualquer de seus companheiros, salvo o holandês, à execução do delito concreto.

O processo de Leipzig, embora outras as circunstâncias, impôs fronteira doutrinária para os direitos constitucionais. O STF, ao decidir sobre a ação penal 470, escolherá o lado no qual deseja escrever esse capítulo de sua conturbada história.

BRENO ALTMAN, 50, é jornalista e diretor editorial do site "Opera Mundi" e da revista "Samuel"

FIM DA CONCESSÃO DO CLARÍN TEM DATA MARCADA

No dia 7 de dezembro, grupo de mídia perderá a licença para explorar a televisão por assinatura na Argentina, de Cristina Kirchner
24 DE SETEMBRO DE 2012 ÀS 06:38

247 – A presidente argentina Cristina Kirchner já fixou a data para cassar a concessão para explorar televisão por assinatura do grupo Clarín, o mais importante conglomerado de mídia do país vizinho. Será em 7 de dezembro.

A decisão é decorrente da aprovação, em 2009, de uma Lei de Meios Audiovisuais pelo Congresso argentino, a chamada Ley de Medios, que impede monopólios na área de comunicação. Cristina Kirchner fixou o 7 de dezembro como a data para o início da vigência da lei.

A lei limita a no máximo 24 o número de concessões de TV a cabo a cada empresa (o Clarín tem 240, além de dez emissoras de rádio e quatro canais de TV aberta). Para celebrar o fim do monopólio, a Casa Rosada trata o 7 de dezembro como o 7D, “D de diversidade, D de democracia”.

Assista ao vídeo do governo argentino sobre o 7D:

Ditadura e PIG ☛ Tudo a ver

domingo, setembro 23, 2012

E Jango tinha o “Última Hora”…




por Rodrigo Vianna

É claro que são conjunturas muito diferentes. Na época do Jango, havia a Guerra Fria. Os EUA desconfiavam de um presidente que se dava ao desplante de visitar a China comunista e que, apesar de grande proprietário de terras, era a favor da Reforma Agrária. Além disso, Jango governava com apoio do velho partidão (que, aliás, ele gostaria de tirar da ilegalidade). Lula/Dilma são líderes brasileiros de centro-esquerda, num Brasil onde a Guerra Fria acabou. Acabou?

Os EUA seguem sem gostar de governos que rechaçam golpes em Honduras ou no Paraguai. Não aceitam governos que adotem medidas, ainda que tênues, para redução da desigualdade. Não aceitam governos que tenham projeto de Estado nacional, como tinham Vargas e Jango.

O grande segredo de Lula/Dilma – e esse era também o segredo de Vargas/Jango – é que conseguiram atrair para a aliança governista as forças de centro. Jango caiu quando o PSD de Juscelino bandeou-se para a direita. Lula quase caiu porque no primeiro mandato fez a escolha errada: em vez de uma aliança com o PMDB, preferiu que o PT se acertasse no “varejo” com pequenas legendas conservadores (Valdemar Costa Netto, Roberto Jefferson e seus “partidos”).

Nos anos 50/60 ou agora no século XXI, a direita isolada (sem programa, e afastada do centro) refugiou-se no moralismo e na imprensa. A diferença é que Vargas e Jango, ao menos, tinham o “Última Hora” - jornal de Samuel Wainer, um dos poucos contrapontos à imprensa conservadora comandada por Lacerda e Roberto Marinho. Dilma e Lula nem isso possuem.

Digo tudo isso porque estou encantado com a leitura de “João Goulart”, a biografia escrita pelo professor Jorge Ferreira (UFF). É um catatau (700 páginas), como dizíamos na época da ficha telefônica e do telex. Mas um catatau que tira o fôlego.

Ferreira não escreveu apenas (e não seria pouco) uma biografia de Jango. A vida de Jango, na verdade, é o mote que ajuda a costurar o perfil de uma época. O livro se apóia em documentos, entrevistas, em memórias escritas por quem viveu próximo a Jango. Dois capítulos (8 e 9), especialmente, são brilhantes e nos ajudam a pensar no Brasil de hoje. O autor reconstrói os embates e as escolhas políticas de Jango, nos últimos 12 meses antes do golpe de 64.

A leitura nos leva para um mundo em que o golpe não era “inevitável”. Em nenhum lugar estava escrito que a direita deveria sair vitoriosa. A costura dos fatos, na miudeza da conjuntura politica de enfrentamento em 1963 e 1964, põe a nu também os erros da esquerda.

Brizola, Julião (e as ligas camponesas), trabalhistas de esquerda, movimentos de marinheiros e sargentos, intelectuais, sindicalistas, comunas liderados por Prestes e Hercules Correa… Todos eles acreditavam que tinham forças para prescindir do centro. Jango, não. Por temperamento, cautela ou moderação política mesmo, ele queria aprovar as reformas via Parlamento. E aí não tinha jeito: era preciso negociar, era preciso ceder para aprovar as reformas possíveis. A esquerda enquadrou Jango: isso seria conciliação com os conservadores!

A esquerda (ou “as esquerdas”, como prefere Jorge Ferreira) dizia abertamente que as reformas teriam que ser feitas no confronto. Se a institucionalidade entravava as reformas, às favas com a institucionalidade – pregavam alguns. A esquerda tinha uma visão puramente “tática” da democracia parlamentar. Em dado momento, acreditou que – pela mobilização popular e pelos apoios de grupos nacionalistas e reformistas nas Forças Armadas – poderia prescindir do centro.

Brizola mesmo, que nunca foi marxista, chegou a 64 com uma agenda em que a prioridade era fechar o Congresso Nacional, não para instaurar ditadura “comuno-sindical” como diziam os inimigos, mas para convocar uma Assembléia Constituinte formada por operários, camponeses, oficiais e sargentos nacionalistas (ver p. 422 em “João Goulart”, de Jorge Ferreira). Seria o rompimento com a velha ordem liberal. A esquerda tinha força pra isso? Acreditou que sim.

O PSD de Juscelino, então, foi-se embora da aliança. Só nessa hora é que Jango, sem alternativa, assumiu a agenda da esquerda trabalhista/comunista e foi para o famoso Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 64. A descrição do comício, no livro, é primorosa. Para quem cresceu com a idéia de que militares e movimentos sociais devem ser – sempre e inexoravelmente – ”inimigos”, chocou saber que foi a cúpula das Forças Armadas que garantiu a segurança para que Arraes, Brizola, Jango e líderes sindicais e populares pudessem subir ao palanque no Rio – governado na época por um direitista (Carlos Lacerda).

Os círculos golpistas entre os militares, àquela altura, eram minoritários. A “esquerda” militar também era minoritária. A maioria dos soldados e oficiais simplesmente fazia seu trabalho. Quando a esquerda errou? Quando (e aqui volto a me apoiar no relato de Jorge Ferreira) assustou o oficialato mais “centrista”, dando apoio a greves de marinheiros e soldados. A “quebra de hierarquia” lançou a maioria silenciosa das Forças Armadas nos braços dos golpistas.

Jango ajudou a cavar a prórpia cova, é verdade. Acreditou no “dispositivo militar” do general Assis Brasil. Trocou de ministro da Guerra várias vezes. Não tinha um Marechal Lott. E fez escolhas erradas. Às vésperas do golpe, e isso Ferreira narra em detalhes, recebeu várias recomendações para não ir ao ato no Automóvel Clube no Rio – posse da diretoria da Associação de Sargentos. Jango foi. Os golpistas ganharam o pretexto de que necessitavam para o golpe.

Leio, escrevo e penso numa certa esquerda (entre a qual me incluo) insatisfeita com os titubeios de Lula/Dilma. A esquerda, hoje, tem força para avançar sozinha? Não. Jogar o centro no colo de PSDB/DEM seria o caminho para a derrota política e eleitoral. Lula/Dilma e o PT fazem a leitura correta, percebem que a famosa “correlação de forças” não permite arroubos.

Onde erram? Ao abrir mão de intervir com vigor, para fazer a mesmíssima “correlação de forças” avançar na direção de mais reformas.

Qual o pai de todos os erros? Comunicações. Lula e Dilma (essa mais ainda!) abrem mão de reformas nessa área. Lula acreditou que podia se comunicar direto com as massas. Em 2005, notou o erro. Dilma parece acreditar num “diálogo” com a velha mídia. Ficam reféns da correlação de forças, determinada (e pautada) pela velha mídia – apesar do contraponto dos blogs e redes sociais.

O erro não é apostar em governo de coalizão. O erro é não agir com mais firmeza -especialmente, nas Comunicações – para impor uma agenda mais avançada a ser sustentada pela ampla coalizão governista.

DILMA NÃO TRAIU. POR ISSO SERÁ ABATIDA




A Dilma é incurável. Foi ela própria quem disse: ela tem lado. O “lado de cá”


JK começou do “lado de cá”, com Vargas, e acabou do “lado de lá”, ao trair Jango, tirar o PSD da coalizão governamental, e ajudar a derrubar, com a ajuda do PiG (*) e da Frota americana, um Governo eleito de acordo com as regras constitucionais em vigor.

Do “lado de cá” e do “lado de lá” são expressões do mago pernambucano Fernando Lyra, que sabe que Eduardo Campos é do “lado de cá”.

Sarney sempre foi do do” lado de lá”.

Collor se elegeu com o voto do subproletariado – clique aqui para ler Andre Singer, autor de “Lulismo”.

Governou do “lado de lá”.

Mas caiu quando o “lado de lá” perdeu a confiança nele.

Itamar foi um presidente do “lado de cá”, fez os genéricos, o Plano Real, mas terminou do “lado de lá”, na canoa do Aécio Never.

Fernando Henrique começou mais do “lado de cá” do que qualquer presidente contemporâneo – ele era confessadamente marxista.

E chega ao fim, melancolicamente, como herói do Moralismo Hipócrita da elite, nos braços do Padim Pade Cerra, a quem elegeu como o simbolo da Ética – ate que se desfaça sua inimputabilidade .

FHC é o mais exuberante exemplo da conversão radical ao”lado de lá” !

Lula é Lula ate debaixo d’água.

Pode ter optado por um “reformismo fraco”, como define Singer, mas governou para os pobres.

E por isso, como diz a capa da Carta Capital, em excelente texto de Cynara Menezes, é ” o alvo eterno”.

A elite jamais o perdoará por ter dado certo.

Aí, veio a Dilma.

Ela foi à Folha de S. Paulo (**), que editou a Ficha Falsa e celebrou a “ditabranda” que a torturou.

Depois, foi fazer omelete com a Ana Maria Braga.

Deu a impressao de que se tornaria uma especie de Mario Monti, o primeiro-ministro italiano.

Um tecnocrata, acima dos partidos.

E, portanto, do “lado de lá”.

Parecia que ela ia mexer num dos pontos de sustentação do prestígio de Lula: a política externa.

Foi apenas “wishful thinking” do PiG (*).

Aí, ela começou a voltar para o “lado de cá”.

Pegou os bancos (embora não pegue o PiG (*)).

Reviu parte da Privataria tucana, especialmente as doações de rodovias, pontes e ferrovias.

(“Doações”, porque, como se sabe, especialmente com a telefonia e a Vale do Rio do Doce, proposta pelo Cerra, não se caracterizaram, sequer, como “concessões”.)

E cometeu dois pecados capitais, segundo o mervalismo pigânico.

Primeiro, desmoralizou o Fernando Henrique, que tentou, exatamente, dar a impressão de que a seduzia para atravessar a ponte e chegar ao “lado de lá” – e trair o Lula.

FHC, o ressentido, se arrpenderá para sempre de ter provocado aquela nota fulminante.

Agora, Dilma dinamitou a teoria da “compra de voto” do PiG e do Supremo.

A “compra de voto” do PiG e do Supremo pressupõe que o professor Luizinho, líder do PT na Câmara, recebese R$ 20 mil par votar com o PT; pressupõe que deputados do PSDB e do PFL levaram uma grana para votar a Reforma da Previdência, Tributária e o marco regulatorio do Sistema Elétrico, para evitar a repetição daquele momento sublime do Governo Cerra/FHC, o Apagão.

Na teoria da compra de votos, até o Jorge Boornhausen levou grana, já que tinha a honra de presidir o PFL.

A Presidenta Dilma, ao responder com vigor à ligeira menção que o Ministro Relator fez ao seu nome, despiu a farsa do “mensalão” do PT.

Como diz o professor Wanderley: o que eu vi até agora foi o Caixa Dois, que está em operação neste exato momento, na campanha para prefeito e vereador.

Mas, como se sabe, nao existe Caixa Dois no Brasil

Porque, se houver, o Dirceu sai do patíbulo.

E o Caixa Dois acabou quando o Paulo Skaf, presidente de que a FIESP jamais se esquecerá, e o Arthur Virgilio Cardoso (cuspe, pode, como diz o Miro), com o apoio fervoroso do Farol de Alexandria, acabaram com a CPMF.

Ali e no Supremo o Caixa Dois acabou.

A Dilma é incurável.

Foi ela própria quem disse: ela tem lado.

O “lado de cá”.

E por isso precisa ser abatida.

O que Cerra faz agora – com o PiG, o Datafalha e o Globope – contra o Haddad e o Russomano, em São Paulo, é o Jardim de Infância do que fará com a Dilma em 2014.

Não adianta ignorar o PiG.

Fingir que ele não existe.

O PiG não confia mais nela.

E cobrará caro não trair o Lula.

Em tempo : devo essas inúteis reflexões a conversa com o bom amigo Mauricio Dias. Que começou com a traicao de JK a Jango.

Paulo Henrique Amorim

(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.

(**) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que matou o Tuma e depois o ressuscitou; e que é o que é, porque o dono é o que é; nos anos militares, a Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.

A desnacionalização fundiária


Os grandes agronegocistas brasileiros estão pressionando o governo e o Congresso, a fim de que sejam abolidas as restrições (já de si débeis) à aquisição de terras nacionais pelos estrangeiros. Eles querem ganhar, ao se associarem aos capitais de fora ou participando da especulação de terras.
Mauro Santayana
Há cem anos, sobre um vasto território entre o Paraná e Santa Catarina, uma empresa norte-americana, a Southern Brazil Lumber & Colonization, reinava absoluta. Com a maioria de empregados norte-americanos, contratados por Percival Farquhar, que pretendia transformar o Brasil em vasta empresa de sua propriedade, a Lumber abatia todas as árvores de valor comercial, da imbuia à araucária. Todas as manhãs, ao som de um gramofone, os empregados – incluídos os brasileiros – reunidos na sede da empresa, em Três Barras, entoavam o hino norte-americano, The Star-Spangled Banner, enquanto a bandeira de listras e estrelas era hasteada. Ao anoitecer, repetia-se a cerimônia, ao recolher-se o pavilhão. Ali mandavam e desmandavam os ianques. O imenso espaço em que se moviam os homens de Farquhar estava fora da jurisdição brasileira.

Embora não houvesse sido a única razão do conflito, a Lumber esteve no centro da Guerra do Contestado, um dos mais épicos movimentos de afirmação nacionalista do povo brasileiro. Nele, houve de tudo, dos interesses econômicos de Farquhar e seus assalariados pertencentes às oligarquias políticas, ao fanatismo religioso, em que não faltou uma Joana d’Arc – a menina Maria Rosa morta aos 15 anos na beira do Rio Caçador, lutando como homem.

Enquanto houver nações, a terra, o sangue e a honra continuarão unidos para dar corpo ao que chamávamos pátria, e de que nos esquecemos hoje. Quem conhece história sabe que os movimentos internacionalistas, quase sempre a serviço dos impérios, acabam sendo vencidos pelos sentimentos mais poderosos dos povos identificados pela cultura, pelas crenças – e pela língua. Nós podemos conhecer muitas línguas, mas só saberemos expressar os sentimentos mais fortes naquela que aprendemos dos lábios maternos. Podemos conhecer todas as paisagens do mundo, mas só nos identificamos com aquelas que os nossos olhos descobriram sob o sol da infância.

Mas há duas formas de pisar o chão pátrio: a dos ricos e a dos pobres.

Isso explica por que os grandes agronegocistas brasileiros estão pressionando o governo e o Congresso, a fim de que sejam abolidas as restrições (já de si débeis) à aquisição de terras nacionais pelos estrangeiros. Eles querem ganhar, ao se associarem aos capitais de fora ou participando da especulação de terras. Calcula-se que mais de um por cento das terras brasileiras já pertençam, e de forma legalizada, aos alienígenas. A essa enorme área há que se acrescentar glebas imensas, adquiridas de forma subreptícia, e sem conhecimento público, porque os cartórios de imóveis estão dispensados de registrar a nacionalidade dos compradores.

O Congresso está para aprovar a flexibilização das leis que regulam o assunto, ao estender à agropecuária a Doutrina Fernando Henrique Cardoso, que considera empresa nacional qualquer uma que se estabelecer no Brasil, com o dinheiro vindo de onde vier e controlada por quem for, e que tenha sua sede em Nova Iorque ou nas Ilhas Virgens.

Nós tivemos, no século 19, uma equivocada política colonizadora, que concentrou, nos estados meridionais, a presença de imigrantes europeus.

Isso implicou a criação de enclaves culturais que se revelariam antinacionais, durante os anos 30 e 40 do século passado. Foi difícil ao Brasil conter a quinta-coluna nazista e fascista que se aliava ao projeto de Hitler de estabelecer, no Cone Sul, a sua Germânia Austral. O governo de Vargas foi compelido a atos de firmeza – alguns com violência – a fim de manter a nossa soberania na região. Só no Piauí, a venda de glebas aos estrangeiros aumentou em 138% entre 2007 e 2010. São terras especiais, como as do sudoeste da Bahia, que estão sendo ocupadas até mesmo por neozelandeses.

estamos em momento histórico delicado, em que os recursos naturais passam a ser disputados com desespero por todos. As terras férteis e molhadas, de que somos os maiores senhores do mundo, são a garantia da sobrevivência no futuro que está chegando, célere. Nosso território não nos foi doado. Nós o conquistamos, e sobre ele mantivemos a soberania, com muito sangue e sacrifícios imensos. Não podemos cedê-los aos estrangeiros, a menos que estejamos dispostos a viver contidos em nossa própria pátria, desviando-nos das colônias estrangeiras, cada uma delas marcada por bandeira diferente.

Ao contrário da liberalização que pretendem alguns parlamentares do agronegócio, que esperam um investimento de 60 bilhões na produção de soja e milho transgênicos no país – o que devemos fazer, e com urgência, é restringir, mais ainda, a venda de terras aos estrangeiros, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Do contrário, e em tempo relativamente curto, teremos que expulsá-los, seja de que forma for, e enfrentar, provavelmente, a retaliação bélica de seus países de origem.

É melhor evitar tudo isso, antes que seja tarde.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte

sexta-feira, setembro 21, 2012

EUA e a tecnologia nuclear brasileira


Por jucapastori
Do DefesaNet


Diálogo Estratégico Brasil-EUA: o Brasil e a Tecnologia Nuclear

Entre os dias 13 e 14 de agosto, ocorreu em Brasília, um evento intitulado Diálogo Estratégico Brasil-EUA, organizado pelo Naval Postgraduate School e com apoio do Departamento de Estado dos EUA. Além de representantes brasileiros e estadunidenses, o evento contou com a participação de representantes da Argentina e da Índia. Da parte brasileira, além de acadêmicos, estiveram presentes representantes do Ministério da Defesa, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, da Agência Brasileira de Inteligência e do Senado Federal. Representando a UFF, eu apresentei um seminário intitulado “O Brasil e a tecnologia nuclear: integração, desenvolvimento e soberania” na Sessão Interesses da Política Doméstica relacionados a Não Proliferação, Controle de Armas e Questões de Desarmamento”. Aproveito a minha coluna no Portal DefesaNet para tornar pública a minha apresentação.

O Brasil e a tecnologia nuclear: integração, desenvolvimento e soberania

Fernanda Corrêa
Historiadora, estrategista e pesquisadora do INEST/UFF.
fernanda.das.gracas@hotmail.com


O Programa Nuclear Brasileiro, diferente do ocorrido nos EUA, nasceu de um Programa Maior civil datado de 1975. O Governo brasileiro procurou três países, Inglaterra, França e a Alemanha Ocidental, para adquirir um reator nuclear com transferência de tecnologia. O único País que aceitou tal condição na época foi a Alemanha. Em 1975, se assinou o acordo nuclear que ficou conhecido na história como o Acordo do Século. Havia um interesse brasileiro em construir navios oceanográficos com propulsão nuclear que atendessem as necessidades petrolíferas off shore. O projeto do submarino de propulsão nuclear brasileiro é fruto das negociações entre Brasil e Alemanha, na qual empresários alemãs sugeriram ao Governo brasileiro construir uma frota de submarinos com propulsão nuclear. Seria um desafio para ambos os países; pois, nem Brasil nem a Alemanha possuíam submarinos com propulsão nuclear. A Alemanha havia desenvolvido a propulsão nuclear para navios e o único que tinha naquele momento era o navio Otto Hahn. Assim, ao setor civil coube desenvolver o reator nuclear para geração de energia elétrica e à Marinha coube desenvolver a propulsão nuclear para submarinos. Por falta de dinheiro e de visão estratégica por parte do Governo brasileiro, nas décadas de 1980 e 1990, pouquíssimos investimentos foram feitos, provocando paralisações e recuos nas próprias pesquisas científicas realizadas no setor civil brasileiro. No setor naval, houve importantes conquistas científicas e tecnológicas ao longo da década de 1980. Já na década de 1990, houve também cortes, paralisações e a própria transferência do conhecimento e da equipe de pesquisadores do projeto do submarino nuclear para a área civil. Principalmente, em função da crise energética que sofremos em 2001, na qual parte da região sudeste do Brasil teve sua rede elétrica complementada pela energia provinda da usina nuclear de Angra 2, a energia nuclear voltou aos debates políticos e o Programa Nuclear Brasileiro voltou a ser retomado. Em função das pressões, em 2004, da AIEA para que o Brasil assinasse o Protocolo Adicional ao TNP que o Governo brasileiro passou a dar mais atenção ao projeto nuclear da Marinha. Contudo, somente, em 2009, com a assinatura do Acordo Militar com a França que, oficialmente, este projeto passou a fazer parte do Programa Nuclear Brasileiro.

Em função das insistentes perguntas sobre as razões pelas quais não assinamos o Protocolo Adicional ao Tratado de Não Proliferação Nuclear, sobre o que entendemos como Segurança e Novas Ameaças, sobre as razões para construirmos submarinos com propulsão nuclear, sobre os documentos que temos relacionados à Defesa Nacional, sobre os acordos de fiscalização e cooperação na área nuclear que mantemos com a Argentina, sobre a construção de mais usinas nucleares no Brasil e sobre como a sociedade brasileira tem se articulado junto ao Governo Federal para formular pensamentos estratégicos na área de Defesa, procurei pontuar as minhas considerações:

• Por considerar discriminatório, o Governo brasileiro até 1998 não assinou o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Mudando de ideia, por considerar que o Brasil receberia um maior apoio em seu Programa Nuclear, o Brasil, em 1998, assinou o TNP. Há um consenso político social sobre a importância da Não Proliferação Nuclear no Brasil, embora também haja um consenso de que os benefícios desta adesão ou são inexistentes, ou irrisórios. Só o fato de termos assinado o TNP, Salvaguardas Internacionais, nos comprometido constitucionalmente com a Não Proliferação Nuclear e facilitarmos o acesso e a fiscalização, inclusive, às nossas instalações militares, já demonstra o quanto somos comprometidos com a Não Proliferação. Estes são os motivos pelos quais não assinaremos o Protocolo Adicional.

• Há, no Brasil, uma comunidade científica com expertise na tecnologia nuclear em função da participação de civis e militares tanto no Programa Nuclear Brasileiro quanto no projeto do submarino com propulsão nuclear. As pesquisas nucleares das outras Forças Armadas que constituíam o Programa Nuclear Paralelo, o qual era realizado paralelamente ao programa nuclear oficial. Cabia ao Exército Brasileiro construir um reator nuclear baseado em grafite e à Força Aérea desenvolver um reator nuclear por meio de enriquecimento de urânio a laser. O único que se mostrou viável foi o da Marinha. Havia um plano de construção da bomba atômica no Governo Figueiredo (1979-1985); contudo, também não atendeu as expectativas dos setores envolvidos e, no governo seguinte, o projeto já havia sido desativado.

• No nosso primeiro dia de encontro foi perguntado sobre quais as Ameaças que temos para construirmos submarinos nucleares. Há muito pouco debate sobre Defesa e menos ainda sobre Segurança no Brasil. Isso, como ressaltei, ainda é um resquício temeroso de se discutir estudos militares em função das abordagens da participação das Forças Armadas na política nacional. Pelo pouco debate sobre Defesa e Segurança que temos no Brasil, a sociedade não se sente muito a vontade ou mesmo não tem muito interesse em discutir sobre armamentos, por exemplo. Como sabemos, no Brasil, estes assuntos ainda estão majoritariamente concentrados nas mãos de militares. São poucos os documentos oficiais que temos que abordam a Defesa e a Segurança Nacional; portanto, a Política de Defesa Nacional (1996, 2005 e 2012), a Estratégia Nacional de Defesa (2008) e o Livro Branco da Defesa (2012) são os documentos de maior referência para aqueles se se dispõem a estudar Defesa no Brasil. O Brasil adotou na Política de Defesa Nacional o conceito de Segurança da ONU de que segurança é uma sensação, é um estado de espírito. De acordo com dados do Departamento de Agricultura dos EUA cerca de 40% das terras não povoadas do mundo se concentram no Brasil e na Argentina, o que, a longo prazo, tornam estes países um dos poucos países capazes de propiciar água potável, múltiplas formas de energia e alimentos às suas populações. O homem nunca parou de fazer Guerras, seja por Glória, por Poder ou por Sobrevivência. Não podemos esperar que, diante deste cenário futuro, a sobrevivência de outros povos ameacem a nossa própria sobrevivência. A cooperação e a integração com outros países faz parte da nossa política internacional. Não temos inimigos neste momento, o que não significa que, no futuro, diante do cenário de escassez de água, alimentos, energia e terras cultiváveis no mundo e de abundância no Brasil, não possamos ser alvos de outros países e de interesses escusos de outros atores. O mundo que queremos é mundo kantiano, mas o mundo que vivemos é um mundo hobbesiano. Há normas, há regras internacionais que servem para tornar a vida em coletividade mais suave, mais agradável; no entanto, apesar de todo esforço internacional, os países continuam guerreando, com ou sem o apoio das próprias instituições internacionais responsáveis pela manutenção da paz mundial. Os EUA não foram, não são e não pensamos que os EUA serão nossos inimigos. Somos irmãos naturais e; portanto, pelos nossos laços naturais e históricos devemos nos relacionar de igual para igual.

• Bomba atômica ou submarino nuclear não geram poder ou status, geram efeitos colaterais. Não é o nosso futuro submarino nuclear que nos permitirá assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Há uma incompreensão em diversos setores brasileiros sobre esta relação. Submarinos nucleares são armas e são, portanto, empregadas por militares, mediante autorização da política. Os efeitos colaterais dissuadirão ou protelarão iniciativas que violem a soberania brasileira nas nossas águas jurisdicionais. Assim como os caças brasileiros contribuirão com a defesa do nosso espaço aéreo e os blindados na defesa de nosso espaço terrestre, por exemplo. Não podemos subjulgar nossos inimigos no futuro, imaginando que adentrarão em nossas águas com meios navais com tecnologia ultrapassada. Pode ser que sim, pode ser que não! Infelizmente, temos que estar preparados tecnológica e militarmente para este futuro! Resumidamente, essa é a compreensão que temos de Ameaças, Segurança e Defesa Nacional.

• A Estratégia Nacional de Defesa está vinculada à Estratégia Nacional de Desenvolvimento. Isso significa que há um esforço no Brasil para que, por exemplo, o arraste tecnológico do projeto do submarino nuclear brasileiro possa propiciar à sociedade benefícios científicos, tecnológicos, comerciais, industriais e sociais.

• No Brasil, a energia nuclear é uma fonte de energia complementar. A nossa matriz principal é a água. A participação da energia nuclear na geração elétrica nacional é de cerca de 2%.

• Em função das pressões que AIEA exerceu sobre o Brasil para a assinatura do Protocolo Adicional ao TNP, houve um maior engajamento do Governo na questão nuclear e na sua promoção pacífica no sistema internacional. Exemplo disso foi o apoio do Brasil ao Programa Nuclear Iraniano de finalidades pacíficas. Embora, o Brasil não tenha convencido o Irã a desistir de seu enriquecimento de urânio, houve um relativo sucesso, do ponto de vista do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, a medida que, logo após a assinatura do acordo nuclear Brasil, Turquia e Irã, por sugestão de Israel, o Brasil foi convidado a participar da reconstrução da paz no Líbano. Recursos energéticos são uma das estratégias do Brasil para maior inserção internacional. Ao defender o Programa Nuclear Iraniano de finalidades pacíficas, o Brasil está defendendo o direito de todos os países utilizarem a tecnologia nuclear para finalidades pacíficas.

• O corte no fornecimento dos radiofármacos da empresa canadense, em 2009, que abastecia mais de 300 clínicas e hospitais brasileiros também nos foi um exemplo de que deveríamos sair da dependência tecnológica na questão nuclear. Neste contexto, a Argentina despontou no cenário como nossa maior parceira, a medida que nos forneceu os radiofármacos para o nosso setor de saúde e nos propôs a construção conjunta de um reator nuclear para finalidades de pesquisa chamado de multipropósito. A Marinha do Brasil cedeu terreno em Aramar para que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação possa construir o reator nuclear, o que permitirá que haja uma maior integração entre pesquisadores deste Ministério e do próprio projeto do submarino com propulsão nuclear da Marinha do Brasil. Além do reator multipropósito, garantir a autossuficiência na produção de radiofármacos e a independência tecnológica. Graças a sua participação no RMB, a Marinha do Brasil contribuirá na redução das vulnerabilidades científicas e tecnológicas, contribuirá com a consolidação das políticas de cooperação e integração na América do Sul e fortalecerá a soberania do Brasil nas suas águas jurisdicionais.

• A maior parte dos estudos voltados para as Forças Armadas nas áreas de humanas referiam-se a atividades de militares em golpes de Estados, recrutamento e formação militar. Até então, não havia perspectiva de carreira acadêmica, em especial, na área de humanas, em Defesa Nacional. Em 2005, o Ministério da Defesa em parceria com o Ministério da Educação e Cultura e com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, criaram o Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Defesa Nacional – Pró-Defesa. O Pró-Defesa foi criado para durar cinco anos. Os programas de pós-graduação deveriam propor linhas de pesquisa ou áreas de concentração em parceria com escolas superiores militares tendo em seus quadros discentes mestrandos e doutorandos civis e militares. O Pró-Defesa teve um grande sucesso e incentivou a criação de cursos de graduação e pós graduação na área de defesa em todo o Brasil. Este ano de 2012, criou-se o Pró-Estratégia, no qual se ampliou os objetivos, baseado no sucesso e na diversificação de pesquisas estimuladas pelo Pró-Defesa. Cito o escopo do Pró-Estratégia publicado no Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES): “o Pró-Estratégia visa estimular a produção de ciência, tecnologia e inovação, bem como a formação de recursos humanos pós-graduados, em áreas relativas à defesa, ao desenvolvimento e a outros temas estratégicos de interesse nacional”.

• Assim, estudos na academia, na área de humanas, sobre recursos energéticos como estratégia de inserção internacional são muito recentes. Não por não haver interesse, mas por não haver maior incentivo por parte do Governo. Havia até alguma produtividade de pesquisas na área de ciências humanas, mas programas de pós graduações com linhas de pesquisa específicas nesta área ou eram inexistentes ou raros. O Pró-Defesa tornou possível a academia brasileira se lançar tanto na área de Defesa quanto na área de Bens Sensíveis.

• Na área nuclear, os EUA sempre foram a nossa primeira opção na busca por cooperação tecnológica, tanto é que o nosso primeiro acordo nuclear foi assinado em 1945 com os EUA. O Brasil assinou este acordo, exportando aos EUA areias monazíticas e tório, enquanto os EUA se comprometeram em facilitar o acesso à tecnologia nuclear. O Brasil chegou a assinar três acordos e em nenhum dos três obtivemos acesso à tecnologia nuclear. O Acordo Nuclear Brasil-EUA de 1945 ficou conhecido na história como o Acordo da Farinha, no qual exportávamos matéria-prima radioativa aos EUA e estes nos enviavam toneladas de farinha. Foi em função destes agravantes que recorremos à França e à Alemanha para adquirir centrífugas nucleares. Nós encomendamos três centrífugas com a Alemanha e os EUA mais uma vez impediram que essas centrífugas chegassem ao Brasil, na década de 1950. Nas décadas seguintes novas promessas estadunidenses foram feitas para tornar facilitado o acesso à tecnologia nuclear. No final da década de 1960, o Brasil contratou a empresa estadunidense Westinghouse para construir o reator nuclear de ANGRA 1 e em 1972, as obras para a construção da usina foram iniciadas. Devidos à problemas no fornecimento do combustível, o qual os EUA se comprometeram a fornecer, o Brasil decidiu obter independência tecnológica nuclear buscando outras parcerias. Recorre-se à Inglaterra, à França e à Alemanha Ocidental para o Brasil obter independência tecnológica nuclear. Os alemãs mais uma vez, foram os únicos que aceitaram fornecer ao Brasil a tecnologia nuclear com transferência de tecnologia. Assim, como mencionado, sempre recorremos aos EUA como primeira opção na busca por cooperação; no entanto, como a história comprova, são os EUA que não demonstram interesse em cooperar. Como podem perceber, o Brasil tem numerosas razões para desconfiar das promessas de cooperação científica e tecnológica em áreas estratégicas com os EUA. A maior inserção do Brasil no sistema internacional é um fato. Precisamos caminhar como irmãos.

Comentário E & P

Os Estados Unidos nunca foram irmãos de ninguém. O único interesse estadunidense na América Latina é manter o continente pobre e ignorante, como reserva de matéria-prima para ser explorada em benefício do povo dos Estados Unidos. Para isso, através de golpes de estado em toda latino-américa,como a partir de 1964 no Brasil, colocaram no poder uma sub-elite, subordinada aos seus interesses e que através de uma imprensa corrupta e servil são como capitães do mato do seu próprio povo. Essa pequena parcela da sociedade da América Latina, não atinge 5% da população, vive na opulência se locupletando do trabalho dos seus povos. São traidores e copiam formas de consumo, simulacros de cosmopolitas. A função histórica da sub-elite é manter os países atrasados e o povo na miséria. Temos expoentes dessa gente, como Fernando Henrique Cardoso, no Brasil, Fujimori, no Peru, Menem, na Argentina, Carlos Salinas, no México e tantos outros que implantaram a ideologia neoliberal, sob orientação de Washington. Criaram desemprego em massa, endividaram os países, venderam as empresas estatais a preços banais, aumentaram a pobreza e o projeto era atrasar todo progresso social e econômico dos nossos países. O Brasil, com Lula, a Argentina, com Kirchner, a Venezuela, com Cháves, a Bolívia com Morales, o Equador com Rafael Correa,o Uruguai com Mujica, assim como o eterno combatente Fidel Castro em Cuba, representaram o conjunto de forças sociais que se negaram à barbárie,mudaram o modelo social e econômico, que não coincide com o projeto de longo prazo dos Estados Unidos para o conjunto da América Latina. O objetivo dos esteites é manter o subdesenvolvimento nessa região do mundo e o seu povo miséria. Dessa forma o autor está equivocado ao achar que podemos caminhar como irmãos, pois não se caminha ao lado de lobos famintos de forma ingênua e sem precaução. Os Estados Unidos tem por missão destruir todo desenvolvimento social e econômico do povo brasileiro e do conjunto dos povos do nosso continente. Para isso tem a Rede Globo, Folha de São Paulo, Veja, Estado de São Paulo e o PSDB como instrumentos para tentar atingir os seus intentos. O artigo serve como uma reflexão de como o desenvolvimento brasileiro sempre foi sabotados pelos Estados Unidos e como dizem os mineiros, caldo de galinha e cautela não faz mal a ninguém. É ISSO!

Editorial: A obsessão da mídia



Por: Mino Carta, Carta Capital

Por que Lula se tornou a obsessão da mídia nativa? Por que tanta raiva armada contra o ex-presidente? Primeiro é o ódio de classe, cevado há décadas, excitado pelo operário metido a sebo, tanto mais no país da casa-grande e da senzala. Onde já se viu topete tamanho? Se me permitem, Lula é personagem de Émile Zola, assim como José Serra está nas páginas de Honoré de Balzac. O sequioso da emergência que chegou lá.



Dez anos depois. No fim de setembro de 2002, jornalões e revistões enxergavam Lula como se vê acima. E o operário ganhou as eleições…

Depois vem a verdade factual, a popularidade de Lula, avassaladora. E vem o confronto com os tempos de Presidência tucana, e o triste fim de Fernando Henrique Cardoso, o esquecido, no Brasil e no mundo. Assim respondem os meus meditativos botões às perguntas acima. E as respostas geram outra pergunta.

Por que a mídia nativa, intérprete da casa-grande, goza ainda de prestígio até junto a quem ataca diária e obsessivamente se seus candidatos perdem os embates eleitorais decisivos? Memento 2002, 2006, 2010. Mesmo agora, véspera dos pleitos municipais, as coisas não estão bem paradas para os preferidos de jornalões e revistões. Será que o jornalismo brasileiro dos dias de hoje faz apostas erradas? Defende o indefensável?

Na semana passada publiquei os números da verba publicitária governista distribuída entre as empresas midiáticas. Mais de 50 milhões para a Globo. Para nós, pouco mais de 100 mil reais. E sempre há quem apareça para nos definir como “chapa-branca”… E a Editora Abril, então? Na compra de livros didáticos, fica com a parte do leão em um negócio imponente que em 2012 já lhe assegurou a entrada de 300 milhões. (grifos nossos) Pode-se imaginar o que seus livros ensinam. Enquanto isso, a Petrobras acaba de cancelar um contrato de 11 milhões que estava para ser fechado com a casa do Murdoch brasileiro. Vem a calhar, a confirmar-lhe tradições e intentos, a última capa da sua querida Veja, ponta de lança na estratégia da guerra contra Lula.

A revista de Policarpo Jr., parceiro de Carlinhos Cachoeira em algumas empreitadas, produz esta semana mais uma obra-prima de antijornalismo. Formula acusações gravíssimas contra Lula sem esclarecer quem as faz (Marcos Valério ou seus pretensos apaniguados?), mas nome algum é citado, e o advogado do publicitário mineiro desmente a publicação murdoquiana. Ricardo Noblat (porta-voz de Veja?) informa no seu blog que a Abril vai divulgar o áudio de uma entrevista com Valério, e horas depois comunica que Policarpo Jr. convenceu a direção da Abril a deixar para lá, ao menos por ora.

Quanta ponderação, por parte de Policarpo… Suas relações com Cachoeira Carta Capital provou com documentos tão irrefutáveis quanto inúteis: a CPI não vai convocá-lo para depor, como seria digno de um país democrático, porque o solerte presidente-executivo abriliano foi ter com o vice-presidente da República para lembrá-lo de que se Veja for julgada, todos os demais da mídia nativa entram na dança. (grifos nossos)

Este específico enredo prova as dificuldades de governar o país da casa-grande e da senzala. É preciso recorrer a alianças que funcionam como a bola de ferro atada aos pés do convicto e padecer como vice o representante de um partido pronto a ceder diante das pressões da Abril. E da Globo, como Carta Capital relatou ao longo da cobertura da CPI do Cachoeira. Resta o fato: a mídia nativa é bem menos poderosa do que os graúdos supõem, inclusive os do próprio governo. (grifos nossos que não cansam de repetir isso neste Blog: Se Veja fosse tão poderosa como este governo pensa que é e deixa ser, este governo não teria sido eleito).

Uma exceção talvez seja São Paulo, com sua capital dos shoppings milionários, da maior frota de helicópteros do mundo depois de Nova York, de favelas monstruosas a rodear os bairros endinheirados, de mil homicídios anuais (5 mil no estado). Refiro-me à cidade e ao estado mais reacionários do Brasil. Aqui tudo pode acontecer. De todo modo, os senhores, de um lado e do outro, caem na mesma esparrela dos jornalistas que os apoiam ou os denigrem. Os jornalistas e seus patrões, na certeza da ignorância da plateia, acabaram por assumir o nível mental que atribuem a seus leitores, ouvintes e assistentes. Os graúdos apoiados agarram-se em fio desencapado, os ofendidos temem um poder em vias de extinção. E não percebem que a tentativa de demonizar Lula consegue é endeusá-lo. (grifos nossos)

Tropicália na auto-glorificação




Da Época

Sai de “Tropicália” convencido de que assisti a um filme bom mas envelhecido precocemente.

O filme tem imagens inéditas e importantes. Apresenta, por exemplo, fotos de Caetano e Gil quando eram vigiados pela polícia política do regime militar.

Outras imagens mostram seus amigos e os filhos – estes são crianças — durante o exílio, em Londres. É impressionante imaginar que isso tenha acontecido em nosso país. Milhares de brasileiros foram para o exílio naquele tempo. Outros sofreram crueldades ainda maiores. Mas é chocante recordar que artistas de primeira linha, que faziam sucesso na TV e em espetáculos no país inteiro, davam autógrafos, usavam roupas e cabelos que tantas pessoas imitavam, de uma hora para outra podiam ser levados para a cadeia e, sem processo nem sentença judicial, forçados a deixar o país.

A pesquisa do filme é uma coisa tremenda, de qualidade.

A trilha sonora faz justiça à obra.

O problema é que Tropicália não se limita a fazer todos os elogios – merecidíssimos – a Gilberto Gil, Caetano, Mutantes, Tomzé e os outros. Rogério Duarte é recuperado, o que não deixa de ser um mérito adicional.

O filme parte para a glorificação. As entrevistas são na linha: como fomos bons, como fomos bacanas, como é legal falar bem da gente. Há imagens de puro narcisismo, na linha caras e bocas.

Comprei, em sua devida época, os principais álbuns de Caetano, Gil, Tomzé, Gal, Bethânia. Eu era daqueles que ia antes até a loja perguntar quando os discos iriam chegar. Ouvia músicas, aprendia as letras, ia para o bar discutir.

Mas, 45 anos depois, a distancia cobra seus direitos e pede distanciamento.

Por exemplo: é difícil deixar de pensar que o simples nome Tropicalismo ainda não disse muito a que veio, passados tantos anos desde que foi anunciado e, dois anos depois, como Caetano afirma num depoimento do próprio filme, extinto.

O que seus integrantes pretendiam? No que acreditavam? Gostavam de que? O filme não ajuda a pensar sobre isso.

É verdade que Tomzé faz esforço numa cena do filme. Fala que as ideias de Caetano Veloso ajudaram a encarar a Segunda Revolução Industrial. É complicado o suficiente para que pareça profundo.

Mas como Tomzé sempre foi profundamente engraçado, isso não tem importância.

Fazia parte do charme daquela época dizer coisas que ninguém entendia mas fazia cara de inteligente para não ficar chato.

Vivíamos um período de busca permanente às frases definitivas. Eram uma forma de cada um ter seu direito a 15 segundos de celebridade, mesmo que fosse apenas no barzinho perto da faculdade.

De forma direta ou indireta, explícita ou implícita, o filme trata de política o tempo inteiro. Teria sido enriquecedor ouvir pessoas que tinham uma visão crítica de seus protagonistas. Teria ajudado a entender a história no conjunto. Mas não.

A principal cena do filme é conhecida. Mostra o discurso de Caetano Veloso no TUCA, em 1968, quando a plateia não parava de vaiar, apitar e xingar a exibição da música É proibido proibir.

Microfone na mão, Caetano diz uma frase que ninguém iria esquecer: “Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos…”

Também diz outra frase: “Vocês não estão entendendo nada…

Desde 1968 eu me perguntava qual era a política daquela estética.

O filme não oferece todos elementos para que a plateia possa entender a discussão. A turma que apita, xinga e grita contra Caetano era formada por estudantes que se batiam por uma música que expressava a resistência a ditadura militar – Caminhando, de Geraldo Vandré.

Essa plateia é apresentada como autoritária e intolerante e aquele momento tem uma importância considerável para se entender o período e o que veio depois.

O confronto do Tuca não era estético. Nas circunstâncias dadas, era político. Acredite ou não, concorde ou não, a vitória de Caminhando era vista como uma derrota da ditadura, que já se mostrava menos contida e muito mais violenta. Pode parecer absurdo hoje.

Mas, se você recordar que vivíamos num tempo em que as músicas eram censuradas e vários cantores, perseguidos, há de reconhecer que um regime de força tem a capacidade de politizar até aquilo que, em situações de normalidade democrático, poderia ser visto como “uma simples música.”

A canção de Vandré apostava numa força fora de moda naquele regime – o povo – e dizia “quem sabe faz a hora, não espera acontecer.” Era voluntarismo, sim. Continha um apelo sem sutilezas à luta armada.

Mas o golpe dentro do golpe estava em marcha e Caminhando falava em resistir a isso.

Caminhando foi censurada e proibida pouco depois. Geraldo Vandré foi, possivelmente, o mais perseguido dos músicos brasileiros. Durante muitos anos, a censura proibia os jornais de mencionar seu nome.

A vaia “pode ser democrática mas não é civilizada,” disse Therezinha Zerbini, num debate com estudantes que criticavam sua proposta de fazer uma Lei de Anistia que pacificasse adversários e aliados do regime de 64.

Mas em 1968, num país cada vez mais sufocado, a música era um oxigênio. Os estudantes cobravam um engajamento dos compositores nos protestos contra o regime. Você pode dizer que não eram elegantes nem bem educados. Mesmo que seja difícil encontrar alguém educado naqueles tempos, em São Paulo, Paris ou Praga, invadida por tropas da ex-União Soviética, apoiadas por Fidel Castro, vale pergunta: estavam errados? Eu acho que naquele turbilhão de forças e rostos enlouquecidos, estavam sendo coerentes com seu momento. Como seus colegas de maio-68 em Paris, que pararam até o festival de Cannes. Grandes momentos não estão livres de episódios que os sábios do futuro irão classificar como grandes besteiras, transformar em folclore e anedota. Nem sempre é justo. AQuase nunca.

Apesar da observação de Therezinha Zerbini, é claro que o debate não envolve boas maneiras, apenas.

A experiência passada e futura mostra que a resistência a uma ditadura é um dever. Ela é formada por valores e não envolve escolhas puras. Não é uma opção, como escolher entre açúcar ou adoçante na hora de tomar café.

Embora se considere que a palavra-de-ordem É proibido proibir tenha sido inspirada pelo levante estudantil-operário de Paris, em sua tropicalização ela adquiriu outro significado.

A revolta de Paris é considerada um dos últimos levantes anti-capitalistas do mundo desenvolvido.

Falando sobre suas próprias ideias politicas, Caetano expressa outras opiniões. Diz no filme que, ao desembarcar em São Paulo, vindo da Bahia, não concordava com o valor atribuído a Terra em Transe, filme de Glauber Rocha. Aquele filme, um dos maiores da história do cinema brasileiro, em qualquer aspecto, exibe uma belíssima tradução poética-cinematográfica dos impasses e angustias do governo João Goulart, deposto em 64. Favorável a Goulart, é um filme crítico, profundo. Chega a ser sublime.

Caetano também critica o nacionalismo – identificado com Goulart e a oposição ao regime de 64 – e também o anti imperialismo, que tinha um significado semelhante.

Um dos pontos centrais da mobilização dos estudantes –aqueles que foram ao TUCA – era a denúncia dos acordos MEC-Usaid, que pretendiam privatizar o ensino superior brasileiro com o argumento – lançado naquela época – de que só os filhos de famílias ricas conseguiam entrar nas universidades públicas.

Sem entrar nesta polêmica, Caetano diz no filme que sempre gostou muito de “cinema americano.”

Não é preciso dar a essa visão uma importância maior do que ela realmente possui. O próprio Glauber era um admirador de John Ford. A crítica que se fazia ao “cinema americano” envolve o tratamento favorável que o governo dos EUA obteve para exibição dos filmes de Hollywood em outros países, negociando concessões culturais com a agressividade permitida por sua força econômica.

Ampla, irrestrita, a palavra de ordem É proibido proibir se dirigia especialmente aos adversários da ditadura. Essa era a questão.

Grande parte da oposição ao regime militar era formada por stalinistas, castristas, maoístas – uma turma que dificilmente deixaria de ser identificada com autoritarismo, em qualquer dicionário de política. O problema era o contexto, esse cruzamento de geografia e história.

São Paulo sempre esteve muito mais perto de Osasco e São Bernardo do que de Paris e Praga, diferença que exigia um cuidado especial com a chamada antropofagia, não é mesmo?

Os chamados tropicalistas ajudaram o Brasil a viver um 1968 criativo, original, contestador. Mas havia um certo elitismo em sua visão. Eles abusavam da crítica do brega e tratavam o Brasil como algo meio folclórico, um motivo para riso.

Numa cena de uma grande passeata associada a morte de Edson Luiz Lima Souto, executado a tiro de fuzil num restaurante do Rio de Janeiro, a música Coração de Mãe serve de trilha sonora.

É a reinterpretação da reinterpretação. Pelos códigos tropicalistas, o trágico Vicente Celestino fora revisado em tom irônico.

No caminho de casa, depois do filme, eu lembrava que o violão de Geraldo Vandré tocou a musica que colocou o país em movimento. A canção daqueles que não estavam “entendendo nada” tornou-se o hino pela democracia.

Conheço pessoas que chegam a chorar quando lembram dela naqueles momentos em que o centro das grandes cidades tinha cheiro de pólvora e gás lacrimogêneo, os cassetetes vibravam no ar.

Caminhando sequer é mencionada pelo filme, embora tivesse ficado em segundo lugar no mesmo Festival onde É Proibido Proibir acabou desclassificada ali, no Tuca, na noite do discurso tão famoso.

Nos anos seguintes, a música de Vandré era berrada, falando, afinal, com a voz da história.

E até hoje eu me espanto com nossa dificuldade em pensar com duas ideias diferentes ao mesmo tempo.

De certo modo, as duas ideias perderam e ganharam. Mas Tropicália ainda quer enxergar o mundo com uma visão só.