quarta-feira, abril 25, 2012

Lendas urbanas

ANTÔNIO DELFIM NETO VALOR ECONÔMICO - 24/04/12 Para dar a dimensão adequada a algumas lendas urbanas que dominam certas análises da situação atual da economia brasileira, é preciso, de início, combinar algumas coisas: 1) que o desenvolvimento social e econômico não se faz sem um Estado constitucionalmente controlado, com instituições adequadas e capacidade para regular os mercados, particularmente, o financeiro; 2) que o desenvolvimento econômico depende da quantidade e qualidade dos fatores de produção que o país dispõe, e que, em condições normais de pressão e temperatura, a importação é, também, um fator de produção; Os países podem construir vantagens comparativas 3) que a velocidade do crescimento depende do volume e da qualidade do investimento e, portanto, da distribuição do PIB produzido entre consumo presente e o que se destina ao investimento, ou seja, ao emprego e ao consumo futuros; 4) que no regime democrático essa distribuição não é um fato econômico determinado pelo mercado. É um fato político determinado pela urna. No regime de sufrágio universal, as duas instituições se autocontrolam e determinam a velocidade do crescimento econômico e da inclusão social civilizatória; 5) que devido à finitude dos fatores de produção internos e do limite do crédito para financiar as importações, não é permanentemente possível maximizar, ao mesmo tempo, o crescimento econômico e a inclusão social sem produzir ou um aumento da taxa de inflação, que anula e torna uma ilusão a inclusão social, ou um déficit em conta corrente não financiável, que acaba matando ao mesmo tempo o crescimento e a inclusão. O problema é físico e não ilidível por mágicas monetárias, fiscais ou cambiais; e 6) que os atuais modelos econômicos, como confessou o ex-presidente do Banco Central Europeu Jean-Claude Trichet (em conferência feita em março, na Harvard´s Kennedy School), não lhe deram o menor conforto (e não nos dão!): "o estado da arte da macroeconomia foi praticamente inútil para lidarmos com a crise que se iniciou em 2007". Isso significa que devemos ter muito cuidado e grande humildade quando declaramos que as ações da política econômica e social do governo produzem "distorções" medidas com relação a modelos abstratos, dos quais obviamente não podemos extrair recomendações normativas. A primeira lenda urbana é a frequente afirmação que "não há nada de errado com nossa taxa de câmbio, pois ela reflete apenas o resultado natural das nossas vantagens comparativas". No exemplo do livro escolar, cada país se especializa: o Brasil, por hipótese, em produtos agrominerais, e a China em produtos industriais. É esse o futuro que queremos para o Brasil? Os países podem construir vantagens comparativas, como foi o caso do Brasil no passado e é hoje na China. Quem tem dúvida sobre isso não deve perder o WP/12/79, do FMI, "The Global Welfare Impact of China", de Giovanni, J.-Levchenko e Zhang, J., onde se afirma que "o mundo, inclusive os países desenvolvidos, fica muito melhor quando o crescimento chinês favorece os atualmente desvantajosos setores competitivos". A segunda lenda urbana é que nosso BC teria abandonado a política de metas inflacionárias, o que, "dado à experiência histórica vivida até 1994, pode colocar-nos numa rota hiperinflacionária". É claro que num regime de câmbio flutuante, quando a taxa de juro real interna é igual à externa, a taxa de inflação mais conveniente é a que for igual à de nossos competidores. Mas não há qualquer evidência empírica sólida que uma taxa de inflação acidentalmente acima da meta de 4,5%, que continua a ser perseguida pelo BC, seja prejudicial ao crescimento e ao emprego. A terceira lenda urbana, que perturba o sono de alguns ingênuos adoradores da religião da plena liberdade de comércio, é a que leva a sério a OMC e jura que toda taxa de câmbio é de equilíbrio. O que mais poderia ser, se é o mercado quem a determina? E ainda se atribui ao Brasil a prática de "terrível surto protecionista que, se seguido por outros países, colocará em risco o crescimento mundial". Essa afirmação é desmontada com os dados do "Trade Tensions Mount: The 10th GTA Report", do Global Trade Alert, de novembro de 2011, que incluem as medidas de intervenção no comércio de 19 países. As "tensões no comércio internacional crescem", mas o Brasil não é um caso especial ou notório, como revela a tabela abaixo. Na coluna A, estão registrados os números de 11 países cujas medidas contrariam o interesse do país, e na coluna B, o número de países afetados por suas medidas, exclusive medidas antidumping, antissubsídios e de salvaguarda. Vemos que o Brasil (até o terceiro trimestre de 2011) havia sido atingido por medidas tomadas em 66 países e, por sua vez, tomado medidas que atingiram 131 países. No caso da China, os números são, respectivamente, 75 e 193. Os números mostram que não há nada que possa nos incriminar como "poderosos destruidores do equilíbrio mundial"...

segunda-feira, abril 23, 2012

Vídeo - Caminhando no ar da Nasa

A CPI e o fim do jornalismo investigativo de araque

Redação Conversa Afiada Leandro: CPI da Veja acaba com jornalismo de araque Publicado em 23/04/2012 | Imprima | Vote (+10) O Conversa Afiada reproduz post do Leandro Fortes, no Brasilia – eu vi.
Do Conversa Afiada Por Leandro Fortes Há oito anos, escrevi um livrete chamado “Jornalismo Investigativo”, como parte do esforço da Editora Contexto em popularizar o conhecimento básico sobre a atividade jornalística no Brasil. Digo “livrete” sem nenhum desmerecimento, muito menos falsa modéstia, mas para reforçar sua aparência miúda e funcional, um livro curto e conceitual onde plantei uma semente de discussão necessária ao tema, apesar das naturais deficiências de linguagem acadêmica de quem jamais foi além do bacharelado. Quis, ainda assim, formular uma conjuntura de ordem prática para, de início, neutralizar a lengalenga de que todo jornalismo é investigativo, um clichê baseado numa meia verdade que serve para esconder uma mentira inteira. Primeiro, é preciso que se diga, nem todo jornalismo é investigativo, embora seja fato que tanto a estrutura da entrevista jornalística como a mais singela das apurações não deixam de ser, no fim das contas, um tipo de investigação. Como é fato que, pelo prisma dessa lógica reducionista, qualquer atividade ligada à produção de conhecimento também é investigativa. A consideração a que quero chegar é fruto de minha observação profissional, sobretudo ao longo da última década, período em que a imprensa tornou-se, no Brasil, um bloco quase que monolítico de oposição não somente ao governo federal, a partir da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, mas a tudo e a todos vinculados a agendas da esquerda progressista, aí incluídos, principalmente, os movimentos sociais, os grupos de apoio a minorias e os defensores de cotas raciais. Em todos esses casos, a velha mídia nacional age com atuação estrutural de um partido, empenhada em fazer um discurso conservador quase sempre descolado da realidade, escoltado por um discurso moralista disperso em núcleos de noticiários solidificados, aqui e ali, em matérias, reportagens e editoriais de indignação seletiva. A solidez – e a eficácia – desse modelo se retroalimenta da defesa permanente do grande capital em detrimento das questões sociais, o que tanto tem garantido um alto grau de financiamento desta estrutura midiática, como tem servido para formar gerações de jornalistas francamente alinhados ao que se convencionou chamar de “economia de mercado”, sem que para tal lhes tenha sido apresentado nenhum mecanismo de crítica ou reflexão. Essa circunstância tem ditado, por exemplo, o comportamento da imprensa em relação a marchas, atos públicos e manifestações de rua, tratados, no todo, como questões relacionadas a trânsito e segurança pública. Interditados, portanto, em seu fundamento social básico e fundamental, sobre o qual o jornalismo comercial dos oligopólios de comunicação do Brasil só se debruça para descer o pau. O resultado mais perverso dessa estrutura midiática rica e reacionária é a perpetuação de uma política potencialmente criminosa de assassinato de reputações e intimidação de agentes públicos e privados contrários às linhas editoriais desses veículos. Ou, talvez pior ainda, a capacidade destes em atrair esses mesmos agentes para seu ventre, sob a velha promessa de conciliação, para depois, novamente, estrangulá-los sob a vista do público. “Jornalismo Investigativo”, porém, foi escrito anteriormente ao chamado “escândalo do mensalão”, antes, portanto, de a mídia brasileira formar o bloco partidário ora em progresso, tristemente conservador, que se anuncia diuturnamente como guardião das liberdades de expressão e imprensa – conceitos que mistura de forma deliberada para, justamente, esconder sua real indiferença, tanto por um quanto pelo outro. Distante, por um breve instante de tempo, da guerra ideológica deflagrada a partir do mensalão, me foi possível escrever um livro essencialmente simples sobre o verdadeiro conceito de jornalismo investigativo, ao qual reputo a condição de elemento de influência transversal, e não um gênero capaz de ser enclausurado em editorias, como o são os jornalismos político, econômico, esportivo, cultural, etc. Jornalismo investigativo é a sistematização de técnicas e conceitos de apuração para a produção de reportagens de fôlego, não necessariamente medidas pelo tamanho, mas pela profundidade de seus temas e, principalmente, pela relevância da notícia que ela, obrigatoriamente, terá que encerrar. Este conceito, portanto, baseado na investigação jornalística, existe para se utilizado em todos os gêneros de reportagem, em maior ou menor grau, por qualquer repórter. Daí minha implicância com o termo “jornalista investigativo”, ostentado por muitos repórteres brasileiros como uma espécie de distintivo de xerife, quando na verdade a investigação jornalística é determinada pela pauta, não pela vaidade de quem a toca. O mesmo vale para o título de “repórter especial”, normalmente uma maneira de o jornalista contar ao mundo que ganha mais que seus colegas de redação, ou que ficou velho demais para estar no mesmo posto de focas recém-formados. Para compor o livro editado pela Contexto, chamei alguns jornalistas para colaborar com artigos de fundo, como se dizia antigamente, os quais foram publicados nas últimas páginas do livro. Fui o mais plural possível, em muitos sentidos, inclusive ideológico, embora essa ainda não fosse uma discussão relevante, ou pelo menos estimulante, dentro da imprensa brasileira, à época. O mais experiente deles, o jornalista Ricardo Noblat, hoje visceralmente identificado ao bloco de oposição conservadora montado na mídia, havia também escrito um livro para a Contexto sobre sua experiência como editor-chefe do Correio Braziliense, principal diário de Brasília que, por um breve período de oito anos (1994-2002), ele transformou de um pasquim provinciano e corrupto em um jornal respeitado em todo o país. Curiosamente, coube a Noblat assinar um artigo intitulado “Todo jornalismo é investigativo” e, assim, reforçar a lengalenga que o livro esforça-se, da primeira à última página, em desmistificar. Tivesse hoje que escrever o mesmo livro, eu teria aberto o leque desses artigos e buscaria opiniões menos fechadas na grande imprensa. Em 2004, quando o livro foi escrito (embora lançado no primeiro semestre de 2005), o fenômeno da blogosfera progressista era ainda incipiente, nem tampouco estava em voga a sanha reacionária dos blogs corporativos da velha mídia. No mais, minha intenção era a de fazer um livro didático o bastante para servir de guia inicial para estudantes de jornalismo. Nesse sentido, o livro teve relativo sucesso. Ao longo desses anos, são raras as palestras e debates dos quais participo, Brasil afora, em que não me apareça ao menos um estudante para comentar a obra ou para me pedir que autografe um exemplar. Faz-se necessário, agora, voltar ao tema para trazer o mínimo equilíbrio ao recrudescimento dessa discussão na mídia, agora às voltas com uma CPI, dita do Cachoeira, mas que poderá lhe revolver as vísceras, finalmente. Contra a comissão se levantaram os suspeitos de sempre, agora, mais do que nunca, prontos a sacar da algibeira o argumento surrado e cafajeste dos atentados às liberdades de imprensa e expressão. A alcova de onde brota essa confusão deliberada entre dois conceitos distintos está prestes a tomar a função antes tão cara a certo patriotismo: o de ser o último refúgio dos canalhas. Veio da revista Veja, semanal da Editora Abril, a reação mais exaltada da velha mídia, a se autodenominar “imprensa livre” sob ataque de fantasmas do autoritarismo, em previsível – e risível – ataque de pânico, às vésperas de um processo no qual terá que explicar as ligações de um quadro orgânico da empresa, o jornalista Policarpo Jr., com a quadrilha do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Primeiro, com novos estudos do Santo Sudário, depois, com revelações sobre a superioridade dos seres altos sobre as baixas criaturas, a revista entrou numa espiral escapista pela qual pretende convencer seus leitores de que a CPI que se avizinha é parte de uma vingança do governo cuja consequência maligna será a de embaçar o julgamento do “mensalão”. Pobres leitores da Veja. Não há, obviamente, nenhum risco à liberdade de imprensa ou de expressão, nem à democracia e ao bem estar social por causa da CPI do Cachoeira. Há, isso sim, um claro constrangimento de setores da mídia com a possibilidade de serem investigados por autoridades às quais dedicou, na última década, tratamento persecutório, preconceituoso e de desqualificação sumária. Sem falar, é claro, nas 200 ligações do diretor da Veja em Brasília para Cachoeira, mentor confesso de todos os furos jornalísticos da revista neste período. Em recente panfletagem editorial, Veja tentou montar uma defesa prévia a partir de uma tese obtusa pela qual jornalistas e promotores de Justiça obedecem à mesma prática ao visitar o submundo do crime. Daí, a CPI da Cachoeira, ao investigar a associação delituosa entre a Veja e o bicheiro goiano, estaria colocando sob suspeita não os repórteres da semanal da Abril, mas o trabalho de todos os chamados “jornalistas investigativos” do país. A tese é primária, mas há muita gente no topo da pirâmide social brasileira disposta a acreditar em absurdos, de modo a poder continuar a acreditar nas próprias convicções políticas conservadoras. Caso emblemático é o do atentado da bolinha de papel sofrido pelo tucano José Serra, na campanha eleitoral de 2010. Na época, coube ao Jornal Nacional da TV Globo montar um inesquecível teatro com um perito particular, Ricardo Molina, a fim de dar ao eleitor de Serra um motivo para entrar na fila da urna eleitoral sem a certeza de estar cometendo um ato de desonestidade política. Para tal, fartou-se com a fantasia do rolo-fantasma de fita crepe, gravíssimo pedregulho de plástico e cola a entorpecer as idéias do candidato do PSDB. Todos nós, jornalistas, já nos deparamos, em menor ou maior escala, com fontes do submundo. Esta é a verdade que a Veja usa para tentar se safar da CPI. Há, contudo, uma diferença importante entre buscar informação e fazer uso de um crime (no caso, o esquema de espionagem da quadrilha de Cachoeira) como elemento de pauta – até porque, do ponto de vista da ética jornalística, o crime em si, este sim, é que deve ser a pauta. A confissão do bicheiro, captada por um grampo da PF, de que “todos os furos” recentes da Veja se originaram dos afazeres de uma confraria de criminosos, nos deixa diante da complexidade desse terrível zeitgeist, o espírito de um tempo determinado pelos espetáculos de vale tudo nas redações brasileiras. Foi Cachoeira que deu à Veja, a Policarpo Jr., a fita na qual um ex-diretor dos Correios recebe propina. O material foi produzido pela quadrilha de Cachoeira e serviu para criar o escândalo do mensalão. Sob o comando de Policarpo, um jovem repórter de apenas 24 anos, Gustavo Ribeiro, foi instado a invadir o apartamento do ex-ministro José Dirceu, em um hotel de Brasília. Flagrado por uma camareira, o jornalista acabou investigado pela Polícia Civil do Distrito Federal, mas escapou ileso. Não se sabe, até hoje, o que ele pretendia fazer: plantar ou roubar coisas. A matéria de Ribeiro, capa da Veja, era em cima de imagens roubadas do sistema interno de segurança do hotel, onde apareciam políticos e autoridades que freqüentavam o apartamento de Dirceu. A PF desconfia que o roubo (atenção: entre jornalistas de verdade, o roubo seria a pauta) foi levado a cabo pela turma de Cachoeira. A Veja, seria, portanto, receptadora do produto de um crime. Isso se não tiver, ela mesmo, o encomendado. Por isso, além da podridão política que naturalmente irá vir à tona com a CPI do Cachoeira, o Brasil terá a ótima e rara oportunidade de discutir a ética e os limites do jornalismo a partir de casos concretos. Veremos como irão se comportar, desta feita, os arautos da moralidade da velha mídia, os mesmos que tinham no senador Demóstenes Torres o espelho de suas vontades.

domingo, abril 22, 2012

Zeca Pagodinho & Jorge BenJor - Ogum

Um poste para chamar de seu

Do Blog do Nassif Por Oswaldo Alves Uma presidenta atônita e desesperada em impedir a realização da CPI de Carlos Cachoeira, Dilma Rousseff amedrontada: foi esta a charge apresentada no Jornal da Globo esta semana como forma de coroar a série de reportagens então exibidas a respeito do atual episódio da política nacional. Qualquer pessoa com um pouco de consciência sabe que no centro desta investigação encontra-se a figura do senador Demóstenes Torres, ex-filiado ao DEM, partido de sustentação dos governos tucanos. É verdade que se encontrarão representantes da base aliada ao governo Dilma ao longo da investigação, mas a própria razão de ser da CPI tornou explícito o fato de que os protagonistas deste caso são partidários do DEM e do PSDB. Praticamente pode-se dizer, por exemplo, que os petistas suspeitos de alguma ligação com o poderoso esquema criminoso em questão são peixes menores. Entretanto, além da imagem de uma Dilma afoita, também foi noticiado um PT com intenções de barrar a CPI. riosamente, a instauração da CPI contou com a assinatura da grande maioria dos petistas na câmara e no senado. Não é novidade esta tentativa de desvio da atenção, este interesse inconfessável de nossa elite midiática de vincular qualquer caso de corrupção ao PT e de preservar a imagem dos amigos demo-tucanos (mais os tucanos do que os demos, é fato). Mas a questão preocupante é que não estamos diante de uma mera tentativa de desgaste do governo frente à opinião pública, estamos sim presenciando o fato de que, para satisfazer esta vontade política, há um verdadeiro dispositivo político capaz de unir representantes eleitos, órgãos hegemônicos de imprensa, membros do poder judiciário, chefes de organizações criminosas, ficando totalmente em segundo plano qualquer noção verdadeira de interesse público. Ainda assim, do ponto de vista político, o cenário não é dos piores: talvez seja a primeira vez, desde o episódio do “mensalão”, que o PT, mesmo ameaçado pelo noticiário, não se encontra acuado e frente à necessidade de tão somente defender-se, mas sim capaz de assumir uma posição política mais assertiva e que possa tratar diretamente do interesse público e da política de modo mais amplo, e não somente visando garantir a própria sobrevivência do partido. Neste caso, as tentativas dos representantes midiáticos deste tabuleiro de criar uma Dilma com medo da CPI demonstre mais o desespero deles do que o dela. Dilma, pelo contrário, demonstra uma tranquilidade até exagerada em relação à CPI. Ela tem motivos para se sentir segura, vejamos somente pelos últimos acontecimentos: colocou a equipe econômica do governo para atuar frente à questão dos juros e do spread bancário e obteve uma vitória rápida (isso junto com as vitórias graduais que vem obtendo frente à confraria da SELIC); na política com P maiúsculo a presidenta tem se afirmado com êxito (enquanto Obama fez um discurso provinciano de que os latino-americanos não tem do que reclamar, pois afinal nossos empresários vendem muitos produtos para o mercado norte-americano e esta preocupação em afirmar relações igualitárias entre as nações seria uma relíquia da Guerra Fria, Dilma não se preocupou em ganhar os aplausos dos empresários presentes e foi direto ao ponto: não é possível haver uma integração interessante para todos dos continente americano se cada nação não for tratada como igual. Ela sabe que a despeito do desdém do presidente norte-americano, esta igualdade não está posta ainda e que os exemplos disso são a composição do FMI e o direito a assentos permanentes na ONU, por exemplo); a presidenta tem trabalhado para que a indústria nacional se recupere, para que a conquista de um novo patamar na produção científica local não seja apenas um slogan vazio do Ciência Sem Fronteiras (como querem alguns) e para que a Conferência Rio + 20 possa obter avanços concretos. Tudo isso para dizer que Dilma tem sim vários ativos políticos para justificar sua segurança. Mas uma declaração que em português bem claro tivesse desmascarado esta tentativa de colar a imagem de seu governo ao caso Cachoeira teria sido bem vinda. A pretensa elite midiática brasileira criou um super herói chamado Demóstenes Torres. Como todo super herói, não passava de uma construção imaginária das mais frágeis. Os mais arrogantes comentaristas vinham a público para dizer que Demóstenes deveria ser reverenciado por todos, até por aqueles que discordavam de suas posições. Na falta de coragem e honestidade para reconhecer que erraram, passaram a procurar psiquiatras para afirmar que Demóstenes doente mental tinha enganado a todos, inclusive eles. Um personagem central de um esquema capaz de colocar em questão a própria vida republicana tornava-se, assim, um caso de escuta clínica. Felizmente, a verdade é que houve aqueles que não se deixaram enganar. Acontece que, apesar do erro, a arrogância continua. Mas desta vez, não se encontram em condições de colocar a máquina midiática para triturar algum ministro de Dilma, mesmo que inocente. Já o PT, se não cair na tese fácil do revanchismo do mensalão, terá uma boa chance de se renovar, ouvindo as vozes críticas internas ao próprio partido, e, de quebra, protagonizar um papel importante neste momento político do país. À Dilma, por sua vez, caberá a capacidade de não se colocar como a ex-ministra que aborda somente assuntos de gestão, mas ser capaz de se dirigir à nação como a estadista que tem demonstrado ser

Um novo ciclo político na França?

Do Blog do Miro - 21/4/2012 Por Altamiro Borges O chamado “deus-mercado” está preocupado com o resultado das eleições presidenciais na França neste domingo (22). Das cinco pesquisas divulgadas nesta semana, quatro apontam uma vitória apertada do social-democrata François Hollande (PS). Ele deverá disputar o segundo turno, marcado para 6 de maio, com o direitista Nicolas Sarkozy. Já o candidato das forças de esquerda, Jean Luc Mélenchon, surpreendeu na reta final da campanha e desponta em terceiro lugar – tornando-se o fiel da balança no pleito. Diante desta perspectiva eleitoral, a elite rentista da França passou a adotar o discurso do medo. Nicolas Sarkozy, o candidato dos banqueiros, atiçou a polêmica nos últimos dias ao alardear que sua derrota agravará a crise econômica do país, causando a “fúria dos mercados financeiros”. Na mesma toada, a revista britânica The Economist, a bíblia dos agiotas internacionais, publicou uma reportagem alarmista sobre os riscos da vitória de forças políticas “contrárias ao mercado”. Sarkozy desindustrializou e demitiu Apesar do terrorismo do “deus-mercado”, os eleitores franceses parecem já não confiar tanto no demagógico Sarkozy. Afinal, ele foi responsável por conduzir o país ao desfiladeiro. Em 2012, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deverá ser de apenas 0,3% e a própria Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) já afirma que o país está em recessão. Como consequência da desaceleração econômica, o desemprego volta a crescer – devendo atingir 10,4% até o final deste ano. Segundo artigo no jornal Valor, a França passa por acelerado processo de desindustrialização. “Entre 2009 e 2011, nada menos de 880 fábricas foram fechadas e 494 começaram a funcionar. Ou seja, o país tem 385 fábricas a menos do que no começo de 2009... A França é agora o país da zona do euro com a menor parte de valor agregado da indústria no PIB - 9,3% em 2010, comparado a 12,1% na Espanha e 18,7% na Alemanha. Entre 1980 e 2007, a indústria francesa perdeu 36% de seus efetivos, ou 71 mil por ano... Somente nos cinco anos da Presidência de Nicolas Sarkozy, a indústria destruiu 355 mil empregos”. Um impulso à esquerda nas eleições A campanha do social-democrata François Hollande centra-se exatamente neste ponto. “A desindustrialização da França não é mais uma ameaça, é um fato consumado”', escreveu recentemente. Ela não propõe medidas radicais para enfrentar os graves problemas econômicos do país, mas prega mudanças de rumo na política aplicada pelo direitista Sarkozy, que sempre privilegiou os interesses do capital financeiro. Defende aumento da tributação sobre os ricaços e mais investimentos públicos. Já o candidato Jean Luc Mélenchon, ex-senador que rompeu com o PS e hoje é deputado europeu pelo Partido de Esquerda, não vacila em defender uma ruptura com o modelo existente no país. Seu slogan “tomem o poder” entusiasmou setores da sociedade cansados com a espoliação da ditadura financeira. Sua candidatura serve, inclusive, para pressionar o vacilante PS. “Quando não há ninguém mais à esquerda deles, eles vão em direção da direita”, comenta o cineasta Gérard Miller, apoiador de Mélenchon. Esta dinâmica da campanha talvez explique porque o “deus mercado” está tão preocupado com as eleições deste domingo. Do Blog ContrapontoPIG. .

Torturadores, tremei!

Mauricio Dias Há poucos dias, em decisão inédita, o juiz Guilherme Dezem, de São Paulo, determinou que no atestado de óbito de João Batista Drummond, dirigente do PCdoB, morto em 1976, conste que ele morreu em decorrência de “torturas físicas” e não de “traumatismo craniano encefálico” como consta hoje. Esse é o mais recente indício de que a Lei da Anistia brasileira não resistirá ao ambiente democrático. “A revisão dessa lei é só uma questão de tempo”, sustenta o advogado Roberto Caldas, indicado pelo governo brasileiro para disputar, na Assembleia da Organização dos Estados Americanos (OEA), a vaga de juiz titular da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com sede em San José da Costa Rica. Além da criação da Comissão da Verdade, a indicação de Caldas é mais um sólido sinal de intolerância do governo Dilma à Lei da Anistia. Talvez não haja ninguém no País mais versado sobre o tema do que ele. Profissional sóbrio e sem paixões partidárias, Caldas participa das decisões da CIDH desde 2008 e, como juiz ad hoc, já votou por três vezes pela condenação do Estado brasileiro. A mais recente delas foi a decisão sobre a Guerrilha do Araguaia. O julgamento ocorreu em 2010, com base na Convenção Americana de Direitos Humanos, que, segundo Caldas, “declarou nula, de pleno direito, a Lei da Anistia brasileira quanto aos crimes cometidos por agentes do Estado”. A razão é simples. As regras jurídicas não admitem uma lei de autoanistia. Ela é inexistente, inválida, para a Corte e para os tribunais internacionais. Caldas não tem dúvidas sobre a -necessidade de o Brasil se submeter às decisões impostas por tratados internacionais que assinou: “A ordem jurídica internacional está atenta para não permitir que os detentores do poder político legislem em causa própria, com o objetivo de encobrir crimes graves contra direitos humanos. Mais uma razão somou-se a isso: os crimes de lesa-humanidade não podem ser objeto de anistia nem de prescrição”. Ele interpreta assim o sentido dessa decisão: “É a condenação de um crime muito mais agressivo do que o assassinato. Funciona como pressão contra um tipo de pensamento que afeta toda a sociedade e não só os que sofreram”. Um exemplo disso é o medo presente na sociedade brasileira quanto a uma possível retaliação dos militares à apuração de crimes cometidos na ditadura. Embora lento por tradição cultural, Caldas acredita que o Judiciário brasileiro começará a recepcionar as decisões tomadas pelas cortes internacionais. Talvez um pouco mais tarde do que seria preciso, mas certamente antes do que muitos gostariam. Ao declarar a Lei da Anistia constitucional, o STF, no entanto, não a blindou definitivamente? Roberto Caldas diz que não, e explica: “A decisão do tribunal ateve-se à análise da constitucionalidade da lei. Não há qualquer equiparação com decisões tomadas no âmbito do direito internacional vigente à época. É anterior ao julgamento do caso da Guerrilha do Araguaia pela Corte Interamericana, que interpreta e aplica a Convenção Americana, uma espécie de Constituição continental sobre Direitos Humanos”. Isso significa, por exemplo, que “é perfeitamente cabível”, segundo ele, “a análise dos crimes continuados, por parte de agentes do Estado”. A Lei da Anistia não é o nó cego pensado pelos articuladores dela: a proteção permanente das ações desumanas, imposta aos presos políticos na ditadura, está com os dias contados. Portanto, torturadores, tremei! Leia mais em: O Esquerdopata: Torturadores, tremei! Under Creative Commons License: Attribution

Se a chapa esquentar, capo da Veja terá como fugir da lei

Do Blog Cidadania Eduardo Guimarães Apesar da afetação de arrogância de seus paus-mandados, o italiano Roberto Civita, dono da revista Veja, está perdendo noites de sono com a disposição de cerca de metade do Congresso Nacional de convocá-lo a dar explicações na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que terá início na semana que entra. Durante a semana que finda, Fábio Barbosa, presidente do grupo Abril, reuniu-se em Brasília com lideranças dos partidos a fim de apresentar um pleito do patrão: não ser convocado a depor. Há relatos de que Barbosa voltou com a pasta vazia para São Paulo, munido apenas de uma notícia para dar ao chefe: ele colecionou muitos inimigos no Legislativo e, apesar de ter amigos, eles são minoria nas duas Casas legislativas e, assim, dificilmente o capo da Veja não será convocado a explicar uma relação suspeitíssima de sua revista com o crime organizado. Não é por outra razão que, agora, a grande imprensa escrita – que, inicialmente, tentou ignorar as relações de tenentes da Veja com o crime e a constatação de que incontáveis matérias que a revista publicou originaram-se desses contatos – já trata abertamente do assunto. As televisões abertas ainda escondem as relações suspeitas da Veja com o crime organizado, mas será difícil que relação tão íntima da revista com os bandidos fique fora dessa mídia quando a CPMI começar a funcionar, pois, nas escutas, a quadrilha de Cachoeira cita reportagens da Veja para favorecê-la, algumas das quais acabaram de fato sendo publicadas. Além disso, o segredo mais bem guardado sobre a Operação Monte Carlo, até o momento, é o teor amplo dos contatos entre a revista de Civita e a quadrilha. Esse teor, suspeita-se, pode ser muito mais explosivo do que estão supondo jornalistas de outros grandes veículos de comunicação que, tal qual os senadores que apoiaram Demóstenes Torres precipitadamente, nem imaginam o que a Veja andou fazendo nessa cachoeira de corrupção. O ódio visceral que a mídia nutre por Lula impede que reconheça que ele não é um ingênuo que estimularia uma CPI achando que os adversários políticos e midiáticos não tentariam inverter o foco das investigações, jogando-o contra o governo, o PT e aliados. E que, portanto, sabe muito mais sobre o trabalho da Polícia Federal do que supõem seus inimigos. A possibilidade de a chapa esquentar para Civita, portanto, não é desprezível. No limite, pode ser considerado membro da quadrilha de Cachoeira, se não for o cabeça. Se isso ocorrer, tal qual o italiano Salvatore Cacciola, Civita pode picar a mula para a Itália a fim de se colocar a salvo da lei brasileira. Até porque, não haverá de faltar um juiz do Supremo Tribunal Federal para lhe conceder um habeas-corpus às duas da madrugada.

De quem é a CPI?

MARCOS COIMBRA » De quem é a CPI?Quando Lula afirma que a CPI deve ser feita doa a quem doer, podemos apostar que sabe o que diz. E que já calculou em quem doerá mais sociólogo e presidente do instituto vox populi marcoscoimbra.df@dabr.com.br Faz tempo que, na política, não temos um caso tão estranho como esse da CPI do Cachoeira. Quanto mais se leem os jornais, menos se compreende o que está acontecendo. Dão voltas extraordinárias. Não faz mais que dias, a CPI era apresentada como fruto exclusivo das movimentações dos partidos governistas. Como em um passe de mágica, no entanto, na foto dos congressistas saudando a coleta do número suficiente de assinaturas para instalá-la, só havia figuras da oposição. E todas sorriam, com cara de quem celebrava uma vitória. Primeiro, diziam que PT e PMDB estavam unidos na disposição de viabilizá-la. Atualmente, o que se lê é que o PMDB foge da CPI. Que pretende, mantendo-se distante, garantir-se como aliado de Dilma (estaria, por acaso, arriscado a perder essa condição?). Em um esforço de imaginação, pintam agora um quadro em que o PMDB teria decidido permanecer na espreita, apostando no “desgaste do PT” (?) perante a presidente, para assim “aparecer como salvador da pátria”. Que suas principais lideranças planejam carimbar a CPI como “invenção do PT”. Por que precisariam fazê-lo? Não foi o próprio Lula quem, pessoalmente, pôs a comissão em marcha? Passaram dias apregoando que o PT tinha entrado em pânico e estudava a melhor opção para se desembaraçar dela. Na hora em que os votos da bancada foram contados, o que se viu foi que a endossava por unanimidade. Quem procura entender o caso recorrendo à leitura de alguns colunistas famosos fica perplexo. Chegam a caracterizar a CPI como uma espécie de apocalipse petista, sua “hora da verdade”, o momento em que se defrontará com tudo que evitou em sua história. Afinal, a CPI é a “cortina de fumaça” que o lulopetismo inventou para esconder os malfeitos do mensalão — como estampou, na capa, a revista Veja —, ou o Dia do Julgamento Final para o PT? São análises engraçadas. Por elas, parece que Lula não passa de um principiante, um aprendiz de feiticeiro, que deixa livres forças que é incapaz de controlar. Que teria cometido um erro infantil, ignorando a verdade acaciana — que muitos adoram repetir — que “todo mundo sabe como começa uma CPI, mas ninguém sabe como termina”. Achar isso de alguém como Lula — que já deu as mais óbvias provas de que é tudo, menos tolo — é pura pretensão. E não há, na política, erro maior que subestimar o outro lado. E os rostos dos parlamentares da oposição? De onde vinha tanta alegria? Do fato de que o inquérito que envolve Demóstenes Torres se tornará público? De que as relações entre Cachoeira e o PSDB de Goiás serão reveladas? Ou será da satisfação de saber que as conversas entre Cachoeira e a redação da Veja serão conhecidas? Que o papel do bicheiro na fabricação de dossiês usados para criar crises políticas será exposto? Pelo que se sabe até agora, há muita gente e algumas grandes empresas envolvidas nos negócios de Cachoeira. Alguns são petistas de alto coturno. Entre as empresas, estão fornecedores graúdos do governo federal (assim como de governos estaduais e prefeituras administradas por quase todos os partidos). Só um ingênuo imaginaria que Lula e as lideranças petistas ignoravam isso quando resolveram criar a CPI. E só quem não conhece Brasília supõe que deixarão que ela seja transformada em palco para que sejam questionados. Quando Lula afirma que a CPI deve ser feita “doa a quem doer”, podemos apostar que sabe o que diz. E que já calculou em quem doerá mais. Em matéria de previsões políticas, a taxa de acerto de Lula é muitas (mas muitas) vezes maior que a de nossos comentaristas e colunistas.

Vídeo - Fora Marconi - Que país é este? Essa marcha a Globo escondeu


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sábado, abril 21, 2012

Os grandes grupos econômicos argentinos e seus mortos

No livro "Disposición Final", o ex-ditador Videla não dá nomes, não menciona empresas. Mas a Argentina conhece bem o papel de grupos multinacionais – a Mercedes Benz, a Fiat, os bancos – e sabe da ação tanto de grandes grupos de comunicação, como o Clarín e o La Nación, que na base da chantagem e da ameaça se apoderaram da empresa Papel Prensa. Algum dia, chegará a vez de esclarecer o enredo de cumplicidade entre poder econômico e ditadura, entre capital e terrorismo de Estado. O artigo é de Eric Nepomuceno. Eric Nepomuceno Existe um quê de absurdo na frieza com que o general Jorge Rafael Videla se refere aos mortos que a ditadura militar iniciada por ele mandou matar. Curioso reflexo: se no Brasil o que assombra é a covarde desfaçatez dos militares que negam a realidade, na Argentina o assombro vem de um ditador que assume tudo. Tardou anos, é verdade, mas agora, condenado a duas penas de prisão perpétua e com uma pá de processos e julgamentos pela frente, o prisioneiro de 86 anos de idade resolveu falar. E fala com a gelada naturalidade de quem não fez mais do que cumprir uma missão, de quem fez o que fez para atender interesses que assumiu como dele, e apoiava com entusiasmo. Li, em algum lugar, um comentário certeiro: parece que Videla está falando de crimes cometidos por outros, e não por ele. De todos os temas escabrosos que estão no livro “Disposición Final”, do jornalista Ceferino Reato, um me chamou a atenção: pela primeira vez, se admite claramente que havia uma forte pressão econômica para que o golpe fosse dado. Mais do que pressão, cumplicidade direta. No meio da maré de barbaridades onde, além de justificar o uso sistemático da tortura, explica como se decidiu assassinar milhares de pessoas, Videla afirma que, em termos estritamente militares, o golpe de 24 de março de 1976 era desnecessário. Liquida, assim, a indigna teoria de ‘dois demônios’, usada na Argentina e aqui mesmo, no Brasil, para tentar equiparar o terrorismo de Estado com os atos de organizações armadas, também chamadas de ‘terroristas’, e assim justificar o que foi feito. Diz Videla que o golpe foi desnecessário, porque durante o mandato interino de Ítalo Luder, que ocupou brevemente em 1975 a presidência durante uma oportuna ‘licença médica’ da presidente Maria Estela Martínez de Perón, aquela senhora bizarra que usava o codinome de Isabelita, vindo de seus tempos de call-girl em cabarés da cidade do Panamá, foram baixados decretos que autorizavam os militares a ‘eliminar’ militantes de organizações armadas. Ou seja: para matar quem eles mataram, não seria preciso golpe algum. Videla comenta, com a serenidade dos perversos: “Nosso objetivo era disciplinar uma sociedade anarquizada. Com relação à economia, o que queríamos era ir para uma economia de mercado, liberal”. Falta explicar quem ‘queríamos’. A delirante petulância messiânica típica dos militares latino-americanos – “disciplinar uma sociedade anarquizada” –, conhecemos bem. Desde quando, porém, militares admitiram o óbvio, ou seja, terem dado um golpe para “ir para uma economia de mercado, liberal”? Na verdade, o que ele conta dos métodos de controle e de implantação do terrorismo de Estado é tão brutal que esse aspecto parece ter passado meio despercebido pelos jornais na hora de antecipar trechos do livro de Ceferino Reato. Lá pelas tantas, e contando de uma reunião com empresários, Videla diz ter ouvido a seguinte frase: “Vocês foram tímidos, deveriam ter ido mais longe, tinham de ter matado mais uns mil ou dez mil”. Depois, queixa-se o general, “eles lavaram as mãos. Disseram que fizéssemos o que tínhamos de fazer, e caíram em cima da gente”. A ingratidão dói, sabemos todos. Alguma diferença significativa com o que aconteceu aqui, entre nós? Videla não dá nomes, não menciona empresas. Mas a Argentina conhece bem o papel de grupos multinacionais – a Mercedes Benz, a Fiat, os bancos – e sabe da ação tanto de grandes grupos de comunicação, como o Clarín e o La Nación, que na base da chantagem e da ameaça se apoderaram da empresa Papel Prensa, monopólio do papel no país, ou a participação de empresas como a cementeira Loma Negra, a laminadora Acindar (controlada por empresas da Bélgica, Espanha e França), ou o estaleiro Astarsa, que acabou falindo em 1994. Há alguns meses, o mesmo Videla concedeu uma entrevista a Ricardo Angoso, da revista espanhola “Cambio 16”. Nem mesmo a cordial complacência com que Angoso trata seu entrevistado suavizou o peso das palavras de Videla. Que admitiu, com todas as letras, que a ditadura encabeçada por ele manteve, enquanto coalhava o país de mortos e torturados, “excelentes relações” com a Igreja Católica e com o empresariado, a quem, aliás, aproveitou para agradecer a colaboração. Existe algo de insólito e de importante nessas declarações de Jorge Rafael Videla. Jamais foi segredo para quem quer que fosse que os grandes grupos econômicos instalados na Argentina se beneficiaram imensamente da ditadura. Lembro claramente as palavras de meu amigo Eduardo Luis Duhalde, que já não está entre nós e foi secretário de Direitos Humanos, dizendo que, no fundo, o golpe jamais se justificaria (as organizações armadas estavam militarmente desarticuladas e praticamente aniquiladas, lembrava ele) a não ser para impor uma política econômica que beneficiasse os grandes grupos e afundasse de vez o país. Foi o que aconteceu. Algum dia, chegará a vez de esclarecer o enredo de cumplicidade entre poder econômico e ditadura. Porque esses grandes grupos também formam parte indissolúvel da ditadura que sufocou a Argentina entre 1976 e 1983. Apoiaram, incentivaram, instigaram, financiaram, participaram – e depois encheram as burras à custa da destruição do país, do massacre de milhares de vidas. Sem esses grupos, o genocídio não teria acontecido. A Argentina é o país latino-americano que mais avançou no estabelecimento da verdade, no resgate da memória e na implantação da justiça aos responsáveis por crimes de lesa-humanidade. Na recuperação da própria dignidade. Alguma vez chegará a hora de desvendar oficialmente o que todos sabem ou desconfiam: a cumplicidade entre capital e terrorismo de Estado. O lucro obtido à custa dos 30 mil mortos da ditadura. COMENTÁRIO E & P Falta elucidar os papel dos Estados Unidos e da Igreja Católita nessa longa noite de terror que se abateu sobre a América Latina. Sem o golpe de estado nos países latino-americanos o Consenso de Washigton não teria sido possível.

A nova voz do Brasil na geopolítica regional

A reunião da Cúpula das Américas constituiu uma oportunidade para o Brasil, lá representado pela presidente Dilma Rousseff, mostrar-se em seu novo papel na geopolítica latino-americana, agora em posição de proeminência, que o governo dos Estados Unidos, por gestos e palavras – do presidente Barack Obama, também presente em Cartagena, e da secretária de Estado, Hillary Clinton, que visitou Brasília dias depois -, reconhece como fato irreversível. Do Peru ao México, com as exceções de Venezuela, Equador, Cuba e Nicarágua, os Estados Unidos ainda são a grande referência econômica. O Cone Sul do continente e a Venezuela convergiram para a órbita do Mercosul, onde o discurso predominante é o do Brasil, que consolida sua relevância com o apoio de investimentos de grandes empresas em países vizinhos. A definição mais clara desse novo papel geopolítico deve se dar como reflexo do que serão as futuras estratégias americanas para a região – nas quais o Brasil sempre foi peça-chave, mas agora se destaca com luz própria. Vias abertas na América Latina Por Diego Viana e César Felício | VALOR De São Paulo e de Cartagena
Barack Obama beija Dilma Rousseff em Cartagena: “Washington já se deu conta de que o Brasil tornou-se peça importante no jogo global”, diz David Rothkopf No fórum de 590 dirigentes de empresas que ocorreu de forma paralela ao encontro de chefes de Estado da Cúpula das Américas, em Cartagena, o papel que o Brasil desempenhou ficou claro: a presidente Dilma Rousseff dividiu o cenário do principal painel com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Sentado entre ambos, como se fosse um elo entre dois polos, estava o presidente anfitrião, o colombiano Juan Manuel Santos. Era a manhã do sábado, 14 de abril. Santos anunciaria na tarde do dia seguinte a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos. A imagem ilustra a polaridade que se estabeleceu no continente a partir do início do século XXI. Entre o Peru e o México, com as exceções de Venezuela, Equador, Cuba e Nicarágua, os EUA ainda são a grande referência econômica. Quase todos os países nesta faixa estabeleceram tratados de livre comércio com os EUA. Santos, como anfitrião da Cúpula das Américas, esteve à frente desse bloco. O cone sul do continente e a Venezuela convergiram para o Mercosul, em que o discurso predominante é o de Dilma. Talvez seja uma coincidência da diplomacia, mas a Cúpula ficou espremida entre duas visitas de Estado entre Brasil e EUA, cujos contatos estão mais frequentes do que nunca em tempos sem crise. Antes do encontro na Colômbia, Dilma Rousseff visitou Barack Obama em Washington. Em seguida à cúpula, Hillary Clinton tomou um avião para Brasília, onde declarou que “é difícil imaginar um Conselho de Segurança da ONU [Organização das Nações Unidas] reformado sem a presença de um país como o Brasil”. A declaração é um passo discreto na direção do apoio ao pleito brasileiro por um assento permanente no conselho. O papel central exercido pelo Brasil nas reuniões de Cartagena está ancorado na sua participação crescente, e muitas vezes central, na economia dos vizinhos. “Hoje, quem está exposto a riscos na América Latina não são mais os EUA, mas o Brasil”, diz Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas. Portanto, “os investimentos fornecem instrumentos importantes para influenciar os caminhos da região, principalmente através dessa relação de dependência recíproca com os vizinhos”. “Hoje, quem está exposto a riscos na América Latina não são mais os Estados Unidos, mas o Brasil”, diz Matías Spektor Essa exposição é fruto dos investimentos importantes que o governo e as empresas brasileiras mantêm em outros países da região. A política do país está ancorada em um regime definido como “solidário” pelo Itamaraty, ou seja, orientado para se inserir nas economias vizinhas de acordo com suas necessidades: tecnologia de pesca para países caribenhos, mediação com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias) na Colômbia, fornecimento de petróleo com segurança para o Chile. Empresas de peso, públicas e privadas, têm presença forte no continente, como Vale e Petrobras. Também avançam companhias do setor financeiro – agências do banco Itaú estão espalhadas por Buenos Aires e Santiago do Chile -, e empreiteiras, como a Odebrecht, responsável pela modernização do porto de Mariel, em Cuba, e a OAS, que constrói uma estrada na Bolívia como parte do projeto de abrir uma conexão viária para o Oceano Pacífico. A magnitude da presença brasileira no continente é descrita por Kellie Meiman, diretora-executiva na consultoria McLarty Associates, que foi diplomata no Brasil e em outros países do continente: “Ao visitar os países da América do Sul e Central, ouvia constantemente falar nas ‘big americans’, empresas americanas que dominavam a economia desses países. Agora, esse discurso teve de abrir espaço para um novo ator, as ‘grandes empresas brasileiras”. O peso dos investimentos nos países vizinhos produz uma interdependência que, por sua vez, é um primeiro passo para a integração regional, ao torná-la necessária. A Petrobras é responsável por quase um quarto da arrecadação de impostos bolivianos, enquanto a energia que alimenta as indústrias do Sudeste brasileiro vem, em grande parte, da usina binacional de Itaipu, na divisa com o Paraguai. Uma crise em algum desses países, política ou econômica, poderia trazer riscos para a economia brasileira. Nem sempre a interdependência é recebida com sorrisos pelos vizinhos. A construção de uma estrada em terras indígenas na Bolívia, com financiamento do BNDES, foi suspensa no ano passado pelo presidente do país, Evo Morales, acusado pela imprensa de ser um “títere do imperialismo brasileiro”. Os protestos indígenas tiveram um impacto particularmente forte no país, porque Morales foi eleito como um representante da população indígena. Também na Bolívia, as relações com a Petrobras são dúbias. Em 2006, o governo de Morales anunciou a nacionalização do gás boliviano e tropas do país chegaram a ocupar uma refinaria da Petrobras. No ano seguinte, duas refinarias foram compradas pela Bolívia, ainda no esforço de nacionalização. Foram momentos de crise, mas, como assinala o embaixador Antonio Simões, subsecretário-geral da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores, não se chegou ao extremo de cortar o fornecimento de gás para o Brasil. “Não teria sido do interesse deles interromper o fornecimento, vender para o Brasil é importante”, diz o embaixador, usando o caso boliviano como exemplo para as vantagens de estreitar as relações com os vizinhos sem passar a impressão de se tratar de um comportamento de tipo imperialista. O temor boliviano, hoje, foi, desde a independência, expresso também por outros países, a começar pela Argentina. A atuação diplomática do Brasil é considerada “muito sofisticada” por Riordan Roett, cientista político especializado em América Latina, professor da universidade Johns Hopkins e autor de “The New Brazil”. A crise com a Bolívia foi resolvida com uma conversa entre Lula e Evo Morales em Brasília. Quando houve um desentendimento com Fernando Lugo, presidente do Paraguai, por causa da divisão da energia da usina de Itaipu, em 2009, a solução foi encontrada pelo mesmo método. “A maior preocupação dessa diplomacia é evitar ou minimizar danos”, diz Roett. Durante o governo de George W. Bush nos EUA, encerrado em 2009, a orientação da política externa americana foi de delegar ao Brasil a execução, ou ao menos a defesa, de algumas de suas bandeiras, particularmente a oposição às políticas bolivarianas de Hugo Chávez e o combate agressivo, militarizado, ao narcotráfico. “Condoleezza Rice [então secretária de Estado] veio ao Brasil para exigir que o Brasil ‘fizesse alguma coisa’ contra a Venezuela”, diz Roett. “Brasília, já no governo Lula, foi muito sábia ao não seguir o que Washington preconizava.” “‘Delegar’ é uma curiosa escolha de palavras”, afirma Julia Sweig, do “think tank” americano Council on Foreign Relations. “Na verdade, não consigo imaginar alguém em Brasília usando essa palavra para descrever as políticas que Washington tentava empurrar para cima do Brasil.” “Para alguém que trabalhou tanto com a América Latina, é uma pena que o continente não receba mais atenção dos EUA”, diz Donna Hrinak Ainda durante a gestão de Bush, ficou evidente que o Brasil não pretendia ocupar o espaço que Washington lhe oferecia de maneira tão categórica. Hoje, resta aos EUA reconhecer que o Brasil, em particular, e a América Latina, em geral, “já deixaram há muito tempo de ser seu quintal”, como frisa Spektor. “Em Washington, o governo já se deu conta de que o Brasil está em outro patamar, tornou-se uma peça importante no jogo global”, diz David Rothkopf, presidente da consultoria internacional Garden Rothkopf. “Mas ainda não está agindo plenamente de acordo com isso.” Os sinais, segundo Rothkopf, são contraditórios. Por um lado, o Departamento de Estado, comandado por Hillary Clinton, designou Thomas Shannon para a embaixada em Brasília. Trata-se de um dos mais prestigiados diplomatas de seu país e um nome muito próximo a Hillary. Antes de assumir o cargo no Brasil, foi secretário-assistente para assuntos do Hemisfério Ocidental. Por outro lado, o tratamento oferecido ao Brasil continua inferior a seu prestígio e, principalmente, à atenção dispensada a outros países de importância semelhante, como a Índia e a China. Rothkopf ilustra essa discrepância citando o caso do acordo nuclear com o Irã, costurado por Brasil e Turquia em 2010. “Enquanto o Brasil foi criticado e punido, nenhuma palavra foi dita em relação à Turquia. A relação dos EUA com aquele país nunca esteve melhor”, comenta. Dentre os temas que opõem as duas maiores forças do continente, aquele que mais reverbera nos demais países é o do “tsunami monetário”, como diz a presidente Dilma Rousseff. “Temos que tomar medidas para nos defender, e não nos proteger. É importante diferenciar defesa de protecionismo. Não podemos deixar nosso setor industrial ser canibalizado”, disse Dilma aos empresários. O excesso de liquidez atinge os países do continente de maneira desigual. O real tem o câmbio mais valorizado porque sua economia é a maior do continente. Como consequência, afirma Roett, Dilma tem o discurso mais vigoroso em defesa de políticas compensatórias e de proteção à indústria. Os demais países podem interpretar esse discurso como recusa à abertura do mercado, não só para os produtos industriais chineses, mas também aos capitais financeiros abundantes. Roett não vê essas medidas como tendência para o longo prazo. As iniciativas de integração regional são mais fortes, a começar pela rodovia que liga o Brasil aos portos do Peru, a partir de Rio Branco e Porto Velho. Para evitar o risco de desindustrialização, assunto que está em pauta no Brasil atualmente, será necessário tomar medidas de mais longo prazo, como investimento em qualificação da mão de obra e reformas institucionais. “Tenho esperança de que isso aconteça, mas admito que não é uma esperança muito realista”, diz Roett, citando as dificuldades do sistema político. Na parte de cima da América Latina, pontifica o “laissez faire, laissez passer”. “As coordenadas para o crescimento não estão no protecionismo, mas na abertura comercial, e não estão na expropriação de ativos, mas na garantia de livre empresa”, afirmou o presidente mexicano Felipe Calderón, aplaudido de pé. O discurso era uma alfinetada diretamente dirigida ao Brasil, em resposta à mudança no regime automotivo binacional com o México no mês passado, que reduziu drasticamente a importação de carros vindos do país de Calderón. O caso mexicano é particular e ilustra a dinâmica da economia latino-americana nas últimas duas décadas. Com a criação do Nafta (Acordo de Livre-Comércio da América do Norte, na sigla em inglês), o país foi inundado de investimentos americanos – com destaque para as chamadas indústrias maquiadoras, que aproveitavam a eliminação das tarifas e os baixíssimos salários para montar produtos sem transferir tecnologia – e se tornou a principal economia do continente. Já no século atual, com a ascensão da China, seguida da alta vertiginosa dos preços de produtos primários, a balança do continente passou a pesar a favor do Brasil. Os países cuja política econômica estava voltada para o mercado interno foram favorecidos, ao promover uma redistribuição da renda e uma alta dos salários. Até 2004, Brasil e México tinham PIBs em nível semelhante, mas, desde então, o produto brasileiro disparou, permitindo ao país a manifestação de ambições diplomáticas mais vistosas. A ascensão do Brasil não foi bem recebida pelos mexicanos. O país investe numa oposição ativa contra a candidatura brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Na votação para a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), no ano passado, o México foi o único país latino-americano a não apoiar o candidato brasileiro, José Graziano, que acabou eleito. No mês passado, os chefes de Estado dos países da Aliança do Pacífico, formada por México, Peru, Chile e Colômbia, se reuniram pela primeira vez em Santiago. O grupo, constituído pelos principais países do bloco mais ligado à economia americana – portanto, contrapostos à corrente inspirada em iniciativas como o Mercosul -, tem no México seu integrante mais entusiasmado. Para Rothkopf, é normal que a ascensão internacional do Brasil provoque reações de preocupação – e de ciúmes – em alguns de seus vizinhos, notadamente aqueles que aspiravam a um destino semelhante. O México, em particular, tem sido uma barreira eficaz contra algumas pretensões do Brasil também junto ao governo americano, diz Rothkopf. Um dos motivos da lentidão no avanço do governo Obama para o reconhecimento do pleito brasileiro na ONU é a tentativa de evitar ferir os sentimentos mexicanos. “Será que as Filipinas têm ciúme da proeminência da China?”, pergunta Rothkopf. “Será que o Canadá tem ciúmes dos EUA? Ninguém aqui fica cheio de dedos com os ciúmes do Canadá.” “Os EUA já perderam a influência que tinham no continente, isso é fato consumado”, diz Julia Sweig, do Council on Foreign Relations americano Roett acrescenta mais uma causa para a irritação mexicana com o Brasil. “O Itamaraty concentra seus esforços na integração da América do Sul”, diz. Em 2000, foi feita a primeira reunião de presidentes sul-americanos. O México reclamou e acabou obtendo status de observador. Vicente Fox, presidente mexicano de 2000 a 2006, quis integrar o país ao Mercosul, mas foi rejeitado. “A proximidade com os EUA sempre incomodou a América do Sul, não só o Brasil.” Por outro lado, o Brasil tem uma situação melhor do que as demais potências ascendentes, no objetivo de conjugar a posição global e a local. Ao contrário da China, e principalmente da Índia, não tem conflitos históricos ou de fronteira com seus vizinhos. E, ao contrário da Alemanha que crescia na época de Otto von Bismarck, “há 140 anos que o Brasil não entra em guerra no continente”, ressalta Rothkopf. Roett cita o barão do Rio Banco, “essa figura adorável”, para assinalar a tradição brasileira de trabalhar em conjunto com os vizinhos, em vez de escolher a via do confronto. “Ao contrário de vários outros países da América do Sul, o Brasil não tem quase nenhum conflito de fronteiras.” O embaixador Simões segue na mesma linha de Roett. Entende que as eventuais desconfianças dos vizinhos quanto às verdadeiras intenções do Brasil são compreensíveis, mas equivocadas, e afirma que “o Brasil não quer ser rico, mas crescer com seus vizinhos”. Outrora a maior rival do Brasil no continente, hoje a principal parceira comercial e política abaixo do Rio Grande, a Argentina, na pessoa da presidente Cristina Kirchner, foi frustrada, na cúpula de Cartagena, em seu propósito de obter uma declaração conjunta sobre a disputa das ilhas Malvinas. Também muito distante do encontro dos empresários, Cristina voltou para Buenos Aires ainda na manhã de domingo para preparar a expropriação da petroleira YPF, até o momento de capital espanhol, no dia seguinte. A única reação significativa à decisão de Cristina veio da Espanha, que ameaçou com retaliações e avaliou a parte da companhia que terá de vender em US$ 10,5 bilhões. Em perspectiva histórica, o pouco barulho é significativo. Há menos de uma década, uma decisão drástica como a da Argentina teria provocado uma reação em cadeia no continente, como nas crises políticas dos anos 1960 e 1970 e na montanha-russa financeira dos anos 1980 e 1990. Já não é assim. “A Argentina está claramente isolada”, diz Julia Sweig. “Os investidores sabem que o ambiente econômico e político do continente está sólido e estável.” Para Rothkopf, “a Argentina só fez o que fez porque está sem dinheiro. Acredito que entrará em crise muito em breve”. Do outro lado do panorama continental, os países que gravitam em torno dos EUA têm no baixo custo da mão de obra um de seus principais ativos e na violência urbana a principal debilidade. Jornais favoráveis ao governo colombiano festejavam os índices animadores do país, como a inflação de apenas 3,4% no ano passado e o crescimento de mais de 100% das exportações nos últimos cinco anos. Mas também recordavam o desemprego persistente em 11,9% da população econômica ativa (no Brasil, de 5,7% em fevereiro) e um dos 20 salários médios mais baixos do mundo. Não é à toa que a principal reação contra os TLC nos Estados Unidos tenha partido da central sindical AFL-CIO, preocupada com a migração da mão de obra para países de salários mais baixos, que, graças a essa condição e aos acordos de livre comércio, exportariam produtos de menor preço para os EUA – com ganho certo em geração de postos de trabalho e divisas. Se existe a divisão na economia, no âmbito político a equação é outra. “Caminhamos do Consenso de Washington para o consenso sem Washington”, comentou, em Quito, o presidente do Equador, Rafael Correa, o único a boicotar a cúpula em razão da ausência de Cuba em Cartagena, uma exigência americana. Nos debates a portas fechadas, os Estados Unidos ficaram “solos, solitos”, ironizou o chanceler da Venezuela, Nicolás Maduro, que representava o presidente Hugo Chávez, ausente por doença. A política interna é citada como principal entrave à atuação dos EUA no continente. “Para alguém que, como eu, trabalhou tanto com a América Latina, é uma pena que o continente não receba mais atenção dos EUA”, diz Donna Hrinak. A ex-embaixadora no Brasil faz a ressalva, porém, de que uma das principais funções da diplomacia americana, hoje, é criar condições para a atuação do setor privado. “Mas o setor privado, adiantando-se aos diplomatas, “já busca intensamente maneiras de investir no continente, particularmente no Brasil.” Em ambos os lados do espectro político, a referência evocada é quase sempre a mesma: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva Para Julia Sweig, “a América Latina deveria ser uma região importantíssima para os EUA”. A explicação, paradoxal segundo ela, está justamente na tranquilidade e na solidez da região. A política externa americana se concentra em regiões de conflito e instabilidade que possam colocar em risco a segurança alimentar, energética e econômica do mundo. Trata-se de uma visão, segundo Kellie Meiman, baseada na “realpolitik”: uma diplomacia baseada em preocupações práticas e imediatas. “Os EUA já perderam a influência que tinham no continente, isso é fato consumado”, diz Sweig. Maduro exagerou ao falar da solidão americana. Os Estados Unidos ficaram em companhia do nada tropical Canadá em sua intransigência em relação a Cuba, na resistência a discutir uma mudança na política antidrogas no Continente e na oposição a se debater a reivindicação argentina pelas Malvinas. E até Felipe Calderón, antes de chegar à Colômbia, passou por Cuba para se encontrar com Raúl Castro. Neste “consenso sem Washington”, a estrela de Hugo Chávez esmaece. A tendência é para o predomínio dos presidentes eleitos pela esquerda, mas com compromissos de manutenção de políticas econômicas favoráveis ao meio empresarial. É o caso de Dilma Rousseff, do peruano Ollanta Humala, do uruguaio José Mujica – cujo país acaba de subir no rating das agências de classificação de risco – e do salvadorenho Mauricio Funes. O grupo começa a ganhar a adesão de uma geração eleita pela direita e interessada em políticas sociais. Estão no grupo o colombiano Santos, que promove uma reforma fundiária que beneficia as famílias de camponeses atingidas pelos grupos de extermínio, e o guatemalteco Otto Pérez, defensor de investimentos em saúde e educação no tratamento da violência urbana. Em ambos os lados do espectro político, a referência evocada é quase sempre a mesma: o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Lula virou uma espécie de símbolo na região porque foi, nas palavras de Donna Hrinak, o primeiro a chamar para os próprios latino-americanos o peso da responsabilidade de resolver os problemas do continente. A transição política suave entre o governo do PSDB e o do PT também é citada como prova da maturação do continente, em paralelo com o controle continuado da inflação e a ênfase em políticas sociais. Um elemento citado por diplomatas para explicar a transformação de Lula em “grife” na política continental é o sucesso em provocar a sensação, na população, de que a vida está melhorando de fato. Mesmo em países com grande sucesso econômico, como o Chile, o orgulho com a força financeira pode ser eclipsado pela ausência dessa sensação. O Chile sofreu com vastos protestos estudantis no ano passado e seu presidente, Sebastián Piñera, não goza de bons índices de popularidade. Aproveitando a aproximação, primeiro da União Europeia e depois, principalmente, da China, esses países estão conseguindo conjugar a liberdade de mercado com a atenção a problemas sociais. A retórica inflamada de Hugo Chávez empalidece diante da capacidade que países como o Brasil e o Peru – em que a eleição de Humala, no ano passado, causou a mesma apreensão que a vitória de Lula em 2002 – têm demonstrado de produzir crescimento econômico com sucessos na área social, sempre com independência de políticas, mas sem bater de frente a cada momento com os EUA ou os mercados. Para ser protagonista dessa nova tendência, falta a Dilma certos gestos de apelo popular, nos quais Lula sempre foi pródigo. Em Cartagena, a presidente não bebeu cerveja em uma boate, como a secretária de Estado Hillary Clinton. Jantou em um restaurante refinado da cidade colombiana e se retirou, sem acenar para turistas brasileiros. “O Piñera é mais simpático”, lamentou uma paulistana a passeio. O presidente do Chile, apesar de não fazer parte do grupo que reivindica o legado de Lula, visitou comunidades carentes durante sua estadia na Colômbia.

sexta-feira, abril 20, 2012

Santayana, Cristina Kirchner e Evita. Pobre Urubóloga

Santayana, Cristina Kirchner e Evita. Pobre Urubóloga Publicado em 20/04/2012 | Imprima | Vote (+28) Evita a Franco: e por que não fazem pão ?
O Conversa Afiada reproduz artigo de Mauro Santayana, do JB online: Mauro Santayana O Brasil e a Argentina, sendo os dois maiores países da América do Sul, têm sido alvos preferenciais do domínio euro-americano em nosso continente. A Argentina, sob Cristina Kirchner, depois de anos desastrados de ditadura militar, e do governo caricato e neoliberal de Menen, se confronta com Madri, ao retomar o controle de suas jazidas de petróleo que estava com a Repsol. Quando um governo entrega, de forma aviltante, os bens nacionais ao estrangeiro, como também ocorreu no Brasil, procede como quem oferece seu corpo no mercado da prostituição. Assim, as medidas de Cristina buscam reparar a abjeção de Menem. Será um equívoco discutir o conflito de Buenos Aires com Madri dentro dos estreitos limites das relações econômicas. A economia de qualquer país é um meio para assegurar sua soberania e dignidade – não um fim em si mesma. As elites espanholas, depois da morte de Franco, foram seduzidas pela idéia de que poderiam recuperar sua presença na América Latina, perdida na guerra contra os Estados Unidos e durante a ditadura de quase 40 anos. Já durante o governo de Adolfo Suárez, imaginaram que poderiam, pouco a pouco, readquirir a confiança dos latino-americanos, ofendidos pela intervenção descarada dos Estados Unidos no continente. De certa forma, procediam com inteligência estratégica: a nossa América necessitava de aliados, mesmo frágeis, como era a Península Ibérica, na reconstrução de sua soberania, mutilada pelos governos militares alinhados a Washington. Mas faltou aos governantes e homens de negócios espanhóis a habilidade diplomática, que se dissimula na modéstia, e lhes sobrou arrogância. Essa arrogância cresceu quando a Espanha foi admitida na União Européia, e passou a receber fartos recursos dos países ricos do Norte, a fim de acertar o passo continental. A sua estratégia foi a de, com parte dos recursos disponíveis, “comprar” empresas e constituir outras em nossos países. Isso os levou a imaginar que poderiam ditar a nossa política externa, como serviçais que foram, e continuam a ser, dos Estados Unidos. A idéia era a de que, em espanhol, os ditados de Washington seriam mais bem ouvidos. O paroxismo dessa paranóia ocorreu quando José Maria Aznar telefonou ao presidente Duhalde, da Argentina, determinando-lhe que aceitasse as imposições do FMI, sob a ameaça de represálias. E a insolência maior ocorreu, e sob o governo socialista de Zapatero, quando esse heróico matador de paquidermes indefesos, Juan Carlos, mandou que o presidente Chávez (eleito livremente pelo seu povo, sob a fiscalização de observadores internacionais, entre eles o ex-presidente Carter) se calasse, no encontro iberoamericano de Santiago. Um rei matador de elefantes indefesos e sogro de um acusado de peculato – o bem apessoado serviçal da Telefónica de Espanha, Iñaki Urdangarin, pago com lucros obtidos pela empresa na América Latina, principalmente no Brasil. Os espanhóis parecem não se dar conta de que as suas antigas colônias se tornaram independentes, umas mais cedo – como é o caso da Argentina – e outras mais tarde, embora muitas passassem ao domínio ianque. Imaginaram que podiam fazer o que faziam antes disso no continente – e incluíram o Brasil na geografia de sua presunção. O Brasil pode e deve, ser solidário com a Argentina, no caso da recuperação, para seu povo, das jazidas petrolíferas da YPF. E manter a nossa posição histórica de reconhecimento da soberania de Buenos Aires sobre o arquipélago das Malvinas. Que querem os espanhóis em sua gritaria por solidariedade contra a Argentina, pelo mundo afora? Eles saquearam tudo o que puderam, durante o período colonial, em ouro e prata. Usaram esses recursos imensos – assim como os portugueses fizeram com o nosso ouro – a fim de construir castelos e armar exércitos que só se revelaram eficazes na repressão contra o seu próprio povo – como ocorreu na guerra civil. Durante o seu período de arrogância subsidiada, trataram com desdém os mal chamados iberoamericanos, humilhando e ofendendo brasileiros e hispanoamericanos, aviltando-os ao máximo. Um só ser humano, em sua dignidade, vale mais do que todos os poços de petróleo do mundo. Antes que Cristina Kirchner determinasse a recompra das ações da YPF em poder da Repsol, patrimônio muito maior dos argentinos e de todos os latinoamericanos, sua dignidade, havia sido aviltada, de forma abjeta e continuada, pelas autoridades espanholas no aeroporto de Barajas e em seu território. Que se queixem agora aos patrões, como seu chanceler, Garcia-Margallo fez, ao chorar nos ombros da senhora Clinton, e busquem a solidariedade de uma Europa em frangalhos. Ou que rearmem a sua Invencível Armada em Cádiz, e desembarquem no Rio da Prata . Isso, se antes, os milhões de jovens desempregados – a melhor parcela de um povo maravilhoso, como é o da Espanha – não resolvam destituir suas elites políticas, corruptas, incompetentes e opressoras, e seu rei tão ocioso quanto descartável. E, ao final, vale lembrar a viagem histórica que Eva Perón fez à Europa, no auge de sua popularidade. Em Madri, diante da miséria em que se encontrava o povo, ofereceu a Franco, em nome do povo argentino, alguns navios cheios de trigo. O general respondeu que não era necessário, que os celeiros espanhóis estavam cheios de farinha. E Evita replicou, de pronto: ¿entonces, por qué no hacen pan?

A política brasileira, a virtude e a fortuna

DEBATE ABERTO A política brasileira, a virtude e a fortuna Depois de 27 anos de redemocratização do país, e de um período prolongado de luta aberta entre forças que se opõem no cenário político, talvez seja conveniente lembrar Maquiavel também no nosso pedaço de mundo, onde atribuímos à velha ordem excessivo poder para decidir nosso futuro.
Do Carta Maior Maria Inês Nassif Houve um tempo em que a desenvoltura de velhas raposas da política tradicional, e uma vocação dessas lideranças para remar a favor da maré, davam a impressão, para quem as assistia do lado de fora do palco institucional, de que elas tinham um quase monopólio, um poder ilimitado de construir a história. Depois de 27 anos de redemocratização do país, e de um período prolongado de luta aberta entre forças que se opõem no cenário político, talvez seja conveniente lembrar Maquiavel também no nosso pedaço de mundo, onde atribuímos à velha ordem excessivo poder para decidir nosso futuro. Dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva e pouco mais de um ano com Dilma Rousseff – três gestões onde a disputa política saiu dos porões do poder e se escancarou para outros setores sociais – mostraram que o jogo político, mesmo quando escamoteado, é virtude e fortuna. Ou seja, nunca é produto exclusivamente da vontade de um governante, embora a virtude seja fundamental para mover um governo, e a fortuna, isto é, a roda da história, nunca acontece descolada da virtude. As virtudes de um e outro governante não são iguais, mas já se pode dizer, com um alto grau de certeza, que o correr dos acontecimentos – a fortuna – foi adequada às diferenças entre Dilma e Lula. Dilma está no lugar e na hora onde tem que estar; Lula cumpriu o seu papel no seu momento. E o processo histórico, como se move, saiu de uma realidade onde o governo era defensivo e tinha como contraponto um presidente com raras qualidades de conciliação; para uma outra, em que o governo é ofensivo e a presidenta, sem habilidades específicas para manobrar a política institucional, encontra terreno para exercer a sua vocação maior, que é a de se contrapor. A rápida intervenção de Dilma nos juros domésticos (o pesadelo para todos os governantes das últimas duas décadas) tanto pela via institucional, o Copom, como da pressão direta sobre os bancos, é o estilo Dilma, beneficiado pelo gradual abandono da ortodoxia econômica iniciada no governo Lula e pela crise mundial. A volta por cima da crise política do chamado “mensalão” de 2005, via apoio popular, é estilo Lula. Nos mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), exceto em um breve primeiro ano de lua-de-mel com as elites políticas brasileiras, o governo foi mantido acuado na política institucional por uma minoria oposicionista amplificada por uma mídia hegemônica; e, no plano da sociedade civil, manteve uma aproximação permanente com setores não organizados, beneficiados pelos programas sociais e/ou atraídos pelo carisma do chefe do Executivo. Com os movimentos sociais organizados o governo Lula não teve sempre um bom diálogo, mas o fato de ser entendido como um mal menor, contra um partido, o PSDB, que criminalizou a ação política desses setores, poupou-o de uma oposição forte à esquerda. O MST, por exemplo, nunca se declarou feliz com o PT no governo federal, mas foi atraído pelas suas próprias bases e pela opção do “mal menor” a se encontrar com o partido em períodos eleitorais, e a aliviar a pressão quando os setores conservadores tocavam fogo na política institucional. O governo Dilma Rousseff mostrou algumas coisas mais. Primeiro, que no final das contas os estilos diferentes dos dois presidentes petistas vieram na hora certa. Em segundo, que a vontade pessoal de um mandatário popular conta, mas desde que ele entenda, conflua e aproveite o processo histórico que o levou ao poder. Dificilmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria chegado ao final de seu mandato, se não tivesse algumas qualidades essenciais: a habilidade e pragmatismo de negociador sindical e uma grande facilidade para se fazer ouvir pelas massas, que deram a ele a sustentação política necessária para se contrapor a uma oposição fraca, porém associada a uma mídia tradicional hegemônica. Suas duas administrações, exceto a trégua inicial – necessária para atenuar os efeitos da investida especulativa do mercado financeiro no ano eleitoral de 2002 – ocorreram sob forte ofensiva. A pequena oposição falou grosso pela voz da mídia. Dilma Rousseff tem outro perfil. Não teria cintura para sobreviver numa conjuntura política tão desfavorável como a enfrentada por Lula, mas o fato é que o governo de seu antecessor, os compromissos políticos assumidos por ele e a montagem de seu palanque permitem, ironicamente, que ela seja ela mesma. Se tivesse tentado ser Lula, teria fracassado. Além disso, uma gestão econômica que é continuidade do governo Lula, mas que é a sua praia, numa conjuntura que o mundo chafurda na lama do neoliberalismo, simplesmente desmonta qualquer oposição significativa às orientações de governo, e dão a ela dimensão própria no âmbito internacional, mesmo fazendo uma política externa de continuidade à anterior. Dilma falou de igual para igual na Cúpula das Américas porque sabe ser positiva; mas tem o respeito da comunidade internacional não apenas porque é positiva, mas porque o ex-presidente Lula, que atuou com desenvoltura nessa área, deixou no passado o complexo de vira-lata neoliberal. Antes disso, a elite brasileira tomava como referência os países ricos nas formulações econômicas externas e extasiada, olhando para fora, deixava visível a enorme vergonha do próprio país. Os êxitos do governo Lula encheram o palanque de Dilma e sua base aliada. A habilidade política de Lula costurou o resto. Sem isso, no entanto, dificilmente a presidenta teria condições de tentar mudar os termos de relacionamento com a sua base parlamentar. E sem o estilo Dilma, seria complicado levar essa tentativa muito longe. Também seria difícil manter o estilo Dilma nas relações políticas institucionais se a oposição, menor ainda do que era no governo Lula, não tivesse sido severamente atingida pela enorme crise decorrente das denúncias contra seu principal porta-voz, o senador Demóstenes Torres, envolvido com uma quadrilha comandada pelo contraventor Carlinhos Cachoeira. Não foi apenas a oposição que perdeu a credibilidade, mas a banda de música do DEM e do PSDB passou a ser menos crível numa mídia que acuou o governo passado, mas está acuada agora. Por mais irônico que seja, fica mais fácil agora para Dilma definir novas relações com o Legislativo. Ela não está na posição permanente defensiva em que Lula foi mantido nos seus dois governos, não tem as dívidas de gratidão que seu antecessor tinha com políticos tradicionais da base aliada e lida numa situação em que foi escancarado não apenas o uso da máquina administrativa pelos aliados, mas pelos próprios oposicionistas, ao que tudo indica um avanço sobre território alheio obtido pelo expediente da chantagem. O momento é outro e o processo histórico anda, sempre. Qualquer análise política sobre o Brasil de hoje tem que se livrar dos fantasmas do passado e dar a eles sua devida dimensão. Esta é a condição para virtude e fortuna. (*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.

domingo, abril 15, 2012

Como seria a capa da Veja se ela não apadrinhasse o PSDB e não estivesse envolvida com o Cachoeira


Por não publicar uma capa como essa, retratando a maior roubalheira que já fizeram contra o povo brasileiro, a Privataria Tucana, é que a Veja recebe milhões do governador Geraldo Alckmin, através da compra de assinaturas da revista. Os tucanos usam o dinheiro do nosso imposto para comprar a Veja em São Paulo. Isso sem concorrência nenhuma. Por isonomia os tucanos também deveriam ter adquirido assinaturas da revista Carta Capital, Isto É, Forum entre outras. A veja foi classificada pelo grande Leonel Brizola, como a maior revista estadunidense publicada em português. O objetivo dela é envenenar a classe média brasileira contra o desenvolvimento do país. A impressão que a Veja tenta passar é que nada presta no Brasil para acabar com a auto-estima do povo. Em uma parte da classe média isso funciona. Eles não percebem que estão passando por uma lavagem cerebral dirigida por essa revista. E acham que estão informados. A Veja ajudou a eleger Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab, desinformando os eleitores acerca desses dois, que são gestores medíocres. A segurança em São Paulo, a educação e mobilidade urbana,estão um caos, mas nunca eles cobram do governador e do prefeito, eficácia nessas áreas. Assim qualquer imbecil governa. É ISSO!

Os juros alto no Brasil são como saúva, destroem o país. Fianalmente estamos indo no caminho certo de acabar com essa tirania


A pessoas reclamam de pagar impostos, sendo que os brasileiros acham que pagam demais. Nem chegam perto dos suecos, filandeses, noruegueses, entre outros povos que pagam mais de 50% do que ganham em tributos. Nesses países houve um pacto social e saúde e educação é de boa qualidade para todos. Nós brasileiros temos pago as maiores taxas de juros do mundo quando pegamos um dinheiro emprestado no banco, compramos um bem a prestação, usamos o cheque especial ou o cortão de crédito. Isso porque os bancos brasileiros fizeram um oligopólio, isso é, apesar de existirem vários bancos, há um acordo para que os juros sejam altos. Não há competição. Dessa forma, cobrando juros de agiota, os bancos brasileiros são os mais rentáveis do mundo. Isso foi possível por causa do casamento com a imprensa corrupta, que também ganha através da publicidade que os bancos fazem em emissoras de rádio, televisão, jornais e revistas. E para ajudar há também o que o desembargador chamou de bandoleiros da mídia. São comentaristas econômicos que defendem os juros cobrados pelos bancos, em troca mantém o seu emprego e ganham dando palestras para esses mesmos bancos. Agora a farra do boi acabou, pois o governo brasileiro percebeu o quanto isso é prejudicial à economia popular e à competitividade das empresas brasileiras. O juro alto acaba tornando o preço das nossas fábricas maior e eles não podem concorrer com o chines, que pagam juros baixos. Os palpiteiros econômicos dizem que é o custo Brasil, a carga tributária e os custo trabalhistas. Esses vendilhões nunca citaram os juros estratosféricos cobrados pelos bancos no Brasil. Finalmente estamos no caminho de nos tornarmos um país com os padrões internacionais de juros. A subelite está esperneando querendo manter os seur privilégios, mas isso acabou, estamos num novo tempo. O futuro chegou para o Brasil.

segunda-feira, abril 09, 2012

Lula x FHC. A tabelinha. Por que a Dilma se reelegerá

(Charge: Wilson Estrella)


O Farol de Alexandria propaga que o Nunca Dantes só fez “surfar”.

Ele, o Farol, reinventou o Brasil e o Lula passou oito anos a se beneficiar dele e da maré montante da economia mundial.

Esqueceu-se do Tsunami da Urubóloga de 2008 !

E da Herança Maldita que deixou.

Por elas e outras, na eleição de 2002, nem o Padim Pade Cerra defendeu o Governo do Farol !

Para evitar dúvidas que o PiG (*) faz questão de difundir, aqui vai uma “tabelinha”, ou por que a Dilma vai se reeleger, ou por que nenhum tucano, tão cedo, sobe a rampa do Palácio do Planalto:

Extraído de “Economia Brasileira em Perspectiva” – 14ª Edição Especial – de fevereiro de 2012, do site do Ministério da Fazenda.

PIB

2002 – US$ 500 bilhões

2012 – US$ 2,6 trilhões, o que faz do Brasil a SEXTA economia do Mundo

PIB per capita

2002 – US$ 2,8 mi

2012 – US$ 13,3 mi

Ou seja, os dois casos, o Brasil se multiplicou por CINCO.

Produção de automóveis

2002 – 1,8 milhão de unidades

20111- 3,4 milhões de unidades, o que faz do Brasil o SEXTO maior produtor mundial

Safra de grãos

2002 – 96,8 milhões de toneladas

2011 – 163 milhões (campeão mundial na produção de cana e vie campeão mundial na produção de soja)

Taxa de investimento sobre o PIB

2002 – 16, 4%

2012 – 20,8%

Investimento Estrangeiro Direto

2002 – US$ 16,5 milhões

2011 – US$ 66,6 bilhões – 4o. Lugar emingressos de IED

Inflação – IPCA

2002 – 12,5%

2012 – 4,7%

Desemprego

2002 – 12,9%

2011 – 4,7 – entre 2002 e 2001 o Nunca Dantes criou 18 milhões de postos de trabalho

Formalização do trabalho

2002 – 45,5%

2011 – 53,2%

Salário Mínimo nominal

2002 – R$ 200

2012 – R$ 622 – ganho real : 66%

Coeficiente de Gini, que mede a desigualdade de renda (quanto mais perto de 1, pior)

2002 – 0,589

2011 – 0,541 – queda de 8,9%

Taxa de pobreza (Classe “E” no total da população)

2002 – 26,7%

2012 – 12,8%

Classe C sobre total da população

2002 – 37%

2012 – 50%

Número de matrículas no ensino profissional

2002 – 565 mil

2012 – 924 mil

Percentual da força de trabalho com 11 anos ou mais de estudo

2002 – 44,7%

2012 – 60,5%

Bolsas de Mestrado e Doutorado no Capes e CNPq

2002 – 35 mil

2010 – 74 mil

2013 – 105 mil

Títulos em doutorado

2002 – 6.894

2012 – 13.304

Dívida externa

2002 – US$ 165 bilhões

2011 – US$ – 79,1 bilhões

Reservas Internacionais

2oo2 – US$ 36 bilhões

2012 – US$ 353 bilhões

Exportações

2002 – US$ 60 bilhões

2011 – US$ 256 bilhões

Juros – taxa Selic

2002 – 25% aa

2012 (31 janeiro) – 10,50% (9,75% em março)

Taxa que o Brasil paga em título vendido no exterior

2002 – 12,6% aa

Janeiro de 2012 – 3,5% aa

Dívida do setor público sobre o PIB

2002 – 60,4%

2012 – 36,9%

% da dívida indexada à taxa de cambio

2002 – 45,83%

dez 2011 – 21,89

Despesas de pessoal

2002 – 4,8% do PIB

2012 – 4,4% do PIB


(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.

sábado, abril 07, 2012

A imprensa transformou Demóstenes em figura nacional


Por Webbert

Nassif, segue mais um texto preciso do Paulo Nogueira.

Do Diário do Centro do Mundo

Demóstenes

Texto de Paulo Nogueira

Usou e foi usado

A imprensa operou uma mágica em Demóstenes Torres: transformou rapidamente um político paroquial e inexpressivo numa personalidade nacional.

Demóstenes, para ganhar uma cobertura extraordinária de jornais e revistas, seguiu a receita clássica: falou o que os outros queriam ouvir. Basicamente, um discurso arquiconservador enfeitado por uma pregação moralista em que o governo era combatido pela ótica da corrupção.

Com isso, Demóstenes se tornou uma presença ubíqua, previsível e maçante na mídia. Ele se juntaria a um coral conservador do qual fazem parte articulistas como Merval Pereira, Ali Kamel, Marco Antonio Villa, Luiz Felipe Condé e Arnaldo Jabor. Todos eles falam, essencialmente, a mesma coisa, frases como que extraídas dos discursos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher nos anos 1980. (Curioso que a nenhum deles ocorra fazer, já com a distância que vinte anos permitem, o balanço da obra que Reagan e Thatcher legaram aos Estados Unidos, ele, e ao Reino Unido, ela: declínio econômico acrescentado de uma elevação notável da desigualdade social. Cada um de seu lado do Atlântico, os dois criaram o que um economista americano chamou, num livro recente, de Nanny State ao contrário – Estados-Babás para os ricos.)
.

É vital que haja microfones para o pensamento conservador. Mas onde o contraponto para ajudar o leitor a formar opinião? Hoje, esse contraponto está praticamente confinado à internet no Brasil. Até por razões econômicas – o consumidor de notícias que não se sente representado é sinônimo de perda de circulação e de audiência – é imperioso para a indústria da mídia brasileira a retomada do equilíbrio perdido. O Deus Mercado, para usar uma expressão cara ao conservadorismo, demanda isso. Os leitores — eu incluído — ficarão felizes.

Demóstenes floresceu exatamente num ambiente de perda de pluralidade de idéias na mídia brasileira. Picaretas aparecem assim, porque a filtragem fica rala. Basta dizer coisas como as que Demóstenes dizia, e seu celular vai tocar, chamado por jornalistas que precisam de frases para preencher textos com idéias preestabelecidas. Das entrevistas telefônicas a convites para participar de programas na Globonews ou escrever colunas é um passo. (Numa rápida pesquisa que fiz, vi que Demóstenes tinha até uma coluna no blog de Ricardo Noblat, das Organizações Globo.)

Demóstenes pertencia claramente à categoria dos conservadores de conveniência. Espertalhões como ele sabem como atrair os holofotes, e se adaptam às circunstâncias. Se para conseguir espaço ele tivesse que adotar uma retórica de esquerda, com certeza Demóstenes andaria com um chaveiro de Marx no bolso e repetiria frases de Lenine. Homens como ele têm uma única ideologia: a do dinheiro.

Demóstenes usou a imprensa, com motivos pecuniários, para se promover. Foi usado por ela, por motivos ideológicos. E quem perdeu nisso foi o Brasil: é nociva para a democracia a crença de que todo político é corrupto. E é difícil fugir dessa conclusão ao ler a história de Demóstenes.

Há uma espécie de justiça poética no fato de que a notícia mais importante da política brasileira em muitos anos tenha nascido não da mídia — mas da Polícia Federal. Para a qual seguem aplausos de pé.

Clap, clap, clap

COMENTÁRIO E & P


Quem assistiu o Canal Livre (?) no qual Joemir Betting, Mitre e Teles entrevistaram o Demóstenes Torres pode constatar o que Paulo Nogueira escreveu. Os três jornalistas puxaram o saco do cara o programa inteiro. Dava a impressão de que eram filiados ao DEM. E o Demóstenes se mostrou um político totalmente despreparado, oco, sem projeto de povo e de nação. Se limitou a falar mal do Bolsa Família e frases vazias. E os três jornalistas babando pelas imbecilidades que o senador dizia. O jornalismo brasileiro é ridículo, comprometido com interesses privados e contra o povo brasileiro. Não há nenhuma racionalidade no que dizem. Os jornalistas que alçam postos mais altos são ideologicamente de direita, aliados ao PSDB e DEM, alguns até fascistas, que apoiaram o golpe de estado de 1964 e apoiariam outro golpe se fosse para implantar um regime de direita no Brasil como o de 1964. A maioria defende os interesses dos Estados Unidos, o que ganham com isso ainda não se sabe. Defendem juros altos, como os jornais O Globo e O Estadão criticando a baixa de juros dos bancos estatais quando os juros que os bancos cobram no Brasil não diferem muito do juro cobrado pelos agiotas. É por enaltecer indivíduos como Demóstenes e a prática contra o desenvolvimento brasileiro que a imprensa mercantil perdeu credibilidade. Será que apenas Demóstenes é o bandido nessa história? A imprensa, que o criou, para usá-lo contra o governo brasileiro, não é da mesma laia que Demóstenes?

Santayana: a crucificação de Cristo e o suicídio em Atenas



O Conversa Afiada reproduz artigo de Mauro Santayana, extraído do JB online:


A crucificação de Cristo, o suicídio e a rebelião em Atenas

por Mauro Santayana


O homem que prenderam, interrogaram, torturaram, humilharam, escarneceram e crucificaram, na Palestina de há quase dois mil anos, foi, conforme os Evangelhos, um ativista revolucionário. Ele contestava a ordem dominante, ao anunciar a sua substituição pelo reino de Deus. O reino de Deus, em sua pregação, era o reino do amor, da solidariedade, da igualdade. Mas não hesitou em chicotear os mercadores do templo, que antecipavam, com seus lucros à sombra de Deus, o que iriam fazer, bem mais tarde, papas como Rodrigo Bórgia, Giullio della Rovere, Giovanni Médici, e cardeais como os dirigentes do Banco Ambrosiano, em tempos bem recentes. O papa reinante hoje, tão indulgente com os gravíssimos pecados de muitos de sua grei, decidiu, ex-catedra, que as mulheres não podem exercer o sacerdócio.


Ao longo da História, duas têm sido as imagens daquele rapaz de Nazaré. Uma é a do filho único de Deus, havido na concepção de uma jovem virgem, escolhida pelo Criador. Outra, a do homem comum, nascido como todos os outros seres humanos, em circunstâncias de tempo e lugar que o fizeram um pregador, continuador da missão de seu primo, João Batista, decapitado porque ameaçava o poder de Herodes Antipas. Tanto João, quanto Jesus, foram, como seriam, em qualquer tempo e lugar, inimigos da ordem que privilegiava os poderosos. Por isso – e não por outra razão – foram assassinados, decapitado um, crucificado o outro.


Um e outro tiveram dúvidas, segundo os evangelistas. João Batista enviou emissário a Jesus, perguntando-lhe se era mesmo o messias que esperava, e Cristo, na agonia, indagou a Deus por que o abandonava. Os dois momentos revelam a fragilidade dos homens que foram, e é exatamente nessa debilidade que encontramos a presença de Deus: os homens sentem a presença do Absoluto quando as circunstâncias o negam. João Batista sentia-se movido pela fé, ao anunciar a vinda do Salvador.


Era um ativista, pregando a revolução que viria, chefiada por outro, pelo novo e mais poderoso dos profetas. Ao saber que Cristo pregava e realizava milagres, supôs que ele poderia ser aquele que esperava, mas duvidou. Nesse momento, moveu-se pela esperança de que o jovem nazareno fosse o Enviado – o que confirmaria a sua fé. Cristo, na hora da morte, talvez levasse a sua dúvida mais adiante, e se perguntasse se a sua morte, que previra e esperara, serviria realmente à libertação dos homens – desde que salvar é libertar. O Reino de Deus, sendo o reino da justiça, é a libertação. Daí a associação entre essa felicidade e a vida eterna, presente em quase todas as religiões. Na pregação de Cristo, a libertação começa na Terra, na confraternização entre todos os homens. Daí o conselho aos que o quisessem seguir, e ainda válido – repartissem com os pobres os seus bens, como fizeram, em seguida, os seus apóstolos, ao criar a Igreja do Caminho. Se acreditamos na vida eterna, temos que admitir que a vida na Terra é uma parcela da Eternidade, que deve ser habitada com a consciência do Todo. Assim, a vida eterna começa na precariedade da carne.


Quarta-feira passada – quando em São João del Rei, em Minas, a Igreja celebrou o Ofício das Trevas no rito antigo – um grego, Dimitris Christoulas, chegou pela manhã à Praça Syntagma, diante do Parlamento Grego, buscou a sombra de um cipreste secular, levou o revólver à têmpora, e disparou. Em seu bilhete de suicida estava a razão: aos 77 anos, farmacêutico aposentado, teve a sua pensão reduzida em mais de 30%, ao mesmo tempo em que se elevou brutalmente o custo de vida. As medidas econômicas, ditadas pelo empregado do Goldman Sachs e servidor do Banco Central Europeu, nomeado pelos banqueiros primeiro ministro da Grécia, Lucas Papademos, não só reduziram o seu cheque de aposentado, como o privaram dos subsídios aos medicamentos. “ Quero morrer mantendo a minha dignidade, antes que me veja obrigado a buscar comida nos restos das latas de lixo” – escreveu em seu bilhete de despedida, lido e relido pelos que tentaram socorrê-lo, e que se reuniam na praça.


“Tenho já uma idade idade que não me permite recorrer à força – mas se um jovem agora empunhasse um kalashinov, eu seria o segundo a fazê-lo e o seguiria”.


No mesmo texto, Christoulas incita claramente os jovens gregos sem futuro à luta armada, a pendurar os traidores, na mesma praça Syntagma, “como os italianos fizeram com Mussolini em Milão, em 1945”. O tronco do cipreste se tornou painel dos protestos escritos. Em um deles, o suicídio de Christoulas é definido como um “crime financeiro”.


A morte de Christoulas, em nome da justiça, pode trazer nova esperança ao mundo, como a de Cristo trouxe. Não importa muito se ainda não foi possível construir o reino de Deus na Terra, e tampouco importa que o nome de Cristo tenha sido invocado para justificar tantos e tão repugnantes crimes. No coração dos homens de boa vontade, qualquer que seja o seu calvário – porque todos os homens justos o escalam, onde quer que nasçam e morram – a felicidade os visita quando comungam do sentimento de amor de Cristo pela Humanidade. Nesses momentos, ainda que sejam apenas segundos fugazes, habitamos o Reino de Deus.


Nunca, em toda a História, tivemos tanto desdém pela vida dos homens, como nestes tempos de ditadura financeira universal. Estamos vivendo vésperas densas de medo, mas dentro do medo, há centelhas de esperança. A morte do aposentado, quarta-feira de trevas, em Atenas, é, com toda a carga trágica de seu gesto, partícula de uma dessas centelhas.


Estamos cansados de sangue, mas o que está ocorrendo hoje – teorizem como quiserem economistas e sociólogos – é a etapa seguinte do grande projeto dos neoliberais, que vem sendo executado sistematicamente pelos que realmente mandam no mundo e que assumiram sua governança (para usar o termo de seu agrado), mediante a Trilateral e o Clube de Bielderbeg, controlados, como se sabe, por meia dúzia de poderosas famílias do mundo. Esse projeto é o de dizimar, por todos os meios possíveis, a população, e transformar a Terra no paraíso dos 500.000 mais poderosos, ricos e eleitos, em oposição à utopia cristã. Mas é improvável que os pobres, que são a maioria, não identifiquem seu real inimigo, e se sacrifiquem, sem resistência, ao Baal contemporâneo – esse sistema financeiro que acabou com a antiga sacralidade da moeda, ao emitir papéis sem nenhuma relação com os bens reais do mundo, nem com a dignidade do trabalho. A força da mensagem do nazareno deve ser retomada: os oprimidos – negros, brancos, mestiços, muçulmanos, cristãos, budistas e ateus – devem compreender que os habita o homem, e não animais distintos, destinados à violência em proveito dos promotores da barbárie.


Ao expirar, depois de torturado, ultrajado seu corpo, humilhado, escarnecido, Cristo se tornou a maior referência de justiça. Aos 77 anos, o aposentado grego, ao matar-se, transformou-se em bandeira que ameaça iniciar, na Grécia, novo movimento em favor da igualdade – a mesma idéia que levou Péricles a fundar o primeiro estado de bem-estar social, ao reconstruir Atenas, empregar todos os pobres, e dotar os marinheiros do Pireu do pioneiro conjunto de casas populares da História.


Vinte séculos podem ter sido apenas rápido intervalo – um pequeno descanso da razão.