quinta-feira, setembro 06, 2012

A reescrita da história da Guerra do Vietnã





Por Almeida
Do resistir.info

Obama pretende reescrever a história da Guerra do Vietnam

por Monthly Review



Em Maio último o presidente Obama assinou uma proclamação que estabelecia a "Comemoração do 50º Aniversário da Guerra do Vietname", destinada a perdurar durante treze anos, desde Dia da Memória de 2012 até o Dia dos Veteranos em 2025, e a ser dirigida pelo Departamento da Defesa dos EUA. Poucos dias depois, no Dia da Memória, Obama pronunciou um discurso no Monumento à Guerra do Vietname sobre a Comemoração da mesma. Ele observou que embora "conselheiros" militares dos EUA tivesse morrido no Vietname já nos "meados da década de 50", os combates abertos das forças dos EUA pode-se dizer que começaram apenas em Janeiro de 1962 – o que faz com que 1962 seja o ano mais adequado para datar o desencadeamento da guerra, e 2012 o quinquagésimo aniversário do seu início.
Obama declarou abertamente que a Guerra do Vietname representou uma "vergonha nacional, uma desgraça que nunca deveria ter acontecido". Mas a "vergonha nacional" a que se referiu não se deve às mortes de vários milhões de pessoas, nem a atrocidades como o Massacre de My Lai, o desencadeamento de armas químicas (o Agente Laranja, o mais notório) e a utilização pela máquina de guerra dos EUA de mais do dobro da potência explosiva no Vietname do que a utilizada por todas as partes na Segunda Guerra Mundial – numa tentativa de derrotar um povo a combater para libertar-se primeiro do colonialismo francês e a seguir do neocolonialismo dos EUA. Nada destes factos – com a excepção de uma referência indirecta aos efeitos do Agente Laranja sobre veteranos retornados do Vietname – mereceu sequer menção. Ao invés, para Obama, a "vergonha nacional" foi que o retorno das tropas estado-unidenses nem sempre foi "saudada em casa", elas muitas vezes foram "culpadas pelas malfeitorias de uns poucos" e foram "por vezes... denegridas" – apesar do facto de terem feito enormes sacrifícios numa guerra que "não começaram".

A comemoração de treze anos está portanto destinada a aplacar a culpa do país por ter supostamente deixado de honrar plenamente aquelas tropas dos EUA que combateram na guerra, incluindo os 58.282 americanos que morreram. Além disso, a intenção, como indicou Obama, é comemorar cada batalha da guerra e aqueles americanos que nelas combateram "em Hue e Khe Sanh, em Tan Son Nhut e Saigon, da Colina Hamburger até Trovoada Rolante". Referindo-se frequentemente ao que ele chamou um "tempo de divisão entre americanos" internamente durante a Guerra do Vietname, Obama chamou a atenção explicitamente em certa altura para aqueles que "combateram contra" a guerra, isto é, movimento anti-guerra – embora não tenha havido implicação de que isto foi uma posição "honrosa". Hoje o objectivo, declarou ele, é reunir todos os americanos em torno de uma comemoração da guerra todo o bem que finalmente fez para o país – uma vez "curadas" as feridas – ao tornar a "América ainda mais forte do que antes".

Deveria ser óbvio a partir de tudo isto que os planos actuais para uma Comemoração prolongada do 50º Aniversário da Guerra do Vietname destinam-se a muito mais do que meramente honrar veteranos e aqueles americanos que morreram na guerra. É ao invés uma tentativa de reescrever a história e de apagar da memória nacional os factos básicos acerca da mais horrenda guerra imperialista (Norte-Sul) do século XX, bem como a guerra mais impopular da história dos EUA. Durante cerca de uma década e meia, desde meados da década de 1970 até a Guerra do Golfo, a capacidade dos EUA para empenhar-se em grandes intervenções militares directas no terceiro mundo foi prejudicada pelo que os conservadores etiquetaram como Síndrome do Vietname, isto é, a relutância da população estado-unidense a apoiar tais intervenções directas fortes no Sul global. Finalmente, contudo, uma série de eventos históricos – a queda da União Soviética e a correspondente ascensão dos Estados Unidos como a superpotência única, a Guerra do Golfo, os ataques do 11 de Setembro de 2001 e as invasões do Afeganistão e do Iraque – levaram a uma nova era de apoio difuso (entusiasticamente promovido pelos órgãos de poder) à guerra imperial pelos Estados Unidos naquilo que pode ser chamado uma era de "imperialismo nu". A máquina de guerra imperial encara muito claramente a Comemoração do 50º Aniversário da Guerra do Vietname como uma oportunidade para apagar para sempre quaisquer visões públicas negativas que perdurem da Guerra do Vietname, obscurecendo assim as lições reais da guerra. Mesmo a derrota sofrida pelos Estados Unidos frente à forças vietnamitas está agora a ser minimizada ou negada. "Frequentemente também é esquecido que vocês, nossas tropas no Vietname", proclamou Obama patrioticamente, "venceram toda grande batalha que combateram".

Entre o princípio da década de 1950 e o fim oficial da guerra em 1975, a MR publicou cerca de cinquenta artigos sobre o envolvimento directo dos EUA na Indochina, bem como numerosos artigos que tratavam a guerra menos centralmente no contexto da crítica do capitalismo e do imperialismo. Artigos adicionais relativos à Guerra do Vietname foram publicados na revista nos anos posteriores até o presente. Pretendemos, ao longo dos próximos treze anos (entre este momento e o quinquagésimo aniversário do fim da guerra), referirmo-nos quando necessário neste espaço a alguns destes artigos e aos eventos que eles registam; reimprimir artigos chave; corrigir erros decorrentes da actual propaganda oficial da Comemoração da Guerra do Vietname; e publicar algumas novas análises críticas da guerra. Deste modo esperamos tanto recordar aos nossos leitores mais velho e transmitir aos mais jovens as importantes lições sobre militarismo e imperialismo que a Guerra do Vietname realçou. Se a Comemoração oficial do 50º Aniversário da Guerra do Vietname conduzida pelo Departamento da Defesa destina-se a gerar apoio dentro do corpo político dos EUA à guerra imperial renovada, a rememoração da guerra pela MR tem o objectivo precisamente oposto: reforçar oposição, tanto dentro dos Estados Unidos como por todo o mundo, a intervenções militares presentes e futuras por parte dos EUA e de outras potências imperiais.
(...)

O original encontra-se em Monthly Review , Volume 64, Number 4, Setembro/2012

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