quarta-feira, agosto 08, 2012

Obama: a economia e a eleição

Do Valor Econômico Por Luiz Gonzaga Belluzzo Nos Estados Unidos, as pesquisas de intenção de voto da última semana apontam empate entre Obama e o republicano Mitt Romney. Um amigo menosprezou os resultados. Sacou da algibeira um desejo mascarado de argumento: Romney vai perecer afogado nas besteiras que jorram de suas opiniões. Temo que se engane. No centro da escalada hiper-conservadora dos republicanos - imagino - está o descompasso entre as promessas do sonho americano e as frustrações que acompanham o declínio econômico da classe média. Há poucas dúvidas entre os especialistas a respeito da razão central da queda dos remediados para as camadas inferiores da pirâmide social: a perda de substância industrial da economia. A desindustrialização queimou milhões de postos de trabalho na manufatura e na malha de serviços que dá apoio aos complexos industriais. O transplante de fábricas para a China e para outros rincões asiáticos destruiu o que Ian Fletcher chamou de ecossistema manufatureiro, isto é, as cadeias de fornecedores, as relações de clientela, os investimentos de longo prazo. "Desindustrialização, diz ele, não significa apenas despedir trabalhadores e derrubar edifícios; as indústrias ficam doentes e morrem de uma forma muito mais complicada". Até agora a "regressão" socioeconômica da classe média secretou ressentimento e engordou as legiões do conservadorismo fanático. O fanatismo dos fundamentalistas americanos consegue sobreviver ao desemprego elevado, à raquítica criação de empregos de baixos salários, para não falar das famílias - milhões de pessoas - despejadas das residências retomadas pelos bancos. Os desalojados vivem em condições precárias. Alguns se refugiaram na casa de parentes. Uma fração não desprezível dos despejados sobrevive em trailers ou até mesmo nos automóveis onde os desditosos dormem e fazem as refeições. No ambiente ideológico em que se desenvolve a campanha de 2012, até mesmo Roosevelt seria massacrado Os "perdedores" se dilaceram entre a condenação moralista dos "gatos gordos" de Wall Street e a memória do delírio consumista das últimas décadas, matriz de um individualismo possessivo e agressivo. Não se dão conta de que "uma coisa é uma coisa e a outra coisa é a mesma coisa". Por isso, as decepções da crise não desmontaram a crença na América como "utopia realizada", nem abalaram as certezas na superioridade e excepcionalidade do american way of life. As dificuldades eleitorais de Obama são notórias. As facções democratas mais radicais não creem no seu empenho em cumprir o projeto liberal-progressista. As credenciais dos liberais americanos foram outorgadas pelo sucesso das políticas sociais e econômicas do New Deal sob a liderança de Franklin Delano Roosevelt. Mas, no ambiente ideológico em que se desenvolvem os debates na campanha de 2012, até mesmo Roosevelt seria massacrado se ousasse repetir o discurso proferido na convenção do Partido Democrata, em 1936. Às vésperas da primeira reeleição - ele ainda seria eleito mais duas vezes - Roosevelt pronunciou um discurso que hoje seria considerado populista e demagógico, tanto pela direita quanto pela esquerda globalizadas. Ele dizia que a moderna civilização depois de demolir as velhas dinastias, erigiu novas. "Novos impérios foram construídos a partir do controle das forças materiais. Mediante o novo uso das corporações, dos bancos e da riqueza financeira, da nova maquinaria da indústria e da agricultura, do trabalho e do capital - nada disso sonhado pelos fundadores da pátria - a estrutura da vida moderna foi totalmente convertida ao serviço da nova realeza. Não havia lugar nos seios da nova nobreza para abrigar os milhares de pequenos negócios e comerciantes que desejavam fazer um uso sadio do sistema americano de livre iniciativa e busca do lucro." Roosevelt atacou os "príncipes privilegiados" das novas dinastias econômicas. "Sedentas de poder elas se lançaram ao controle do governo. Criaram um novo despotismo envolvido nas roupagens da legalidade. Mercenários a seu serviço trataram de submeter o povo, seu trabalho e sua propriedade." Nos primeiros meses da crise, Obama recorreu ao aconselhamento de Paul Volker para cuidar das proclamadas e reclamadas reformas do sistema financeiro americano. Volker sugeriu a Obama que a finança é coisa muito séria para ser deixada aos caprichos dos mercados desregulamentados. Volker propõe basicamente um retorno às regras que guiaram o sistema financeiro americano depois do crash de 1929. Franklin Delano Roosevelt assumiu o governo dos Estados Unidos quando a depressão de 1929 andava brava. A derrocada financeira foi enfrentada com o Emergency Bank Bill de 9 de março de 1933 e pelo Glass-Steagall Act de junho do mesmo ano. Esses dois instrumentos legais permitiram um maior controle do Federal Reserve sobre o sistema bancário. Roosevelt facilitou o refinanciamento dos débitos das empresas, sobretudo da imensa massa de dívidas dos agricultores, estrangulados pela queda de preços. O New Deal utilizou a Reconstruction Finance Corporation, criada por Hoover em janeiro de 1932, para promover a reestruturação do sistema bancário e financeiro. Roosevelt impôs a separação entre os bancos comerciais e de investimento; criou a garantia de depósitos bancários; proibiu o pagamento de juros sobre depósitos à vista e estabeleceu tetos no pagamento de juros para os depósitos e prazo (o Regulamento Q sobreviveu até o 1965). Nos anos 90, os lobistas da finança que infestam o Congresso - com mais grana do que argumentos - convenceram os democratas de Clinton a patrocinar a extinção das regras que determinavam a separação das funções entre os bancos comerciais, de investimento, seguradoras e instituições encarregadas do crédito hipotecário. Não por acaso, o "Wall Street Journal" e as tropas do exército midiático de Ruppert Murdoch torceram o nariz para as sugestões de Volker. Não faltou no arsenal de críticas e vitupérios a palavra "populismo". Não basta uma crise financeira para desacreditar as besteiras de Mitt Romney. Na América de hoje, as tolices são uma arma poderosa na disputa eleitoral. Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.

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