quarta-feira, fevereiro 29, 2012

O "desenvolvimentismo de esquerda"


- JOSÉ LUÍS FIORI
VALOR ECONÕMICO - 29/02/12


No Brasil, a relação entre a esquerda e o desenvolvimentismo nunca foi simples nem linear. Sobretudo, depois do golpe militar de 1937, e do Estado Novo de Getúlio Vargas, que foi autoritário e anticomunista, mas foi também responsável pelos primeiros passos do "desenvolvimentismo militar e conservador", que se manteve dominante, dentro do Estado brasileiro, até 1985. Neste contexto, não é de estranhar que a esquerda em geral, e os comunistas em particular, só tenham mudado sua posição crítica com relação ao desenvolvimentismo depois da morte de Vargas.

Não é fácil classificar ideias e hierarquizar instituições. Mas mesmo assim, é possível identificar pelo menos três instituições que tiveram um papel central, nos anos 50, na formulação das principais ideias e teses do chamado "desenvolvimentismo de esquerda". Em primeiro lugar, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que apoiou a eleição de JK, em 1955, mas só no seu V Congresso de 1958 conseguiu abandonar oficialmente a sua estratégia revolucionária e assumir uma nova estratégia democrática de aliança de classes, a favor da "revolução burguesa" e da industrialização brasileira, que passam a ser classificadas como condição prévia e indispensável de uma futura revolução socialista.

Em segundo lugar, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), que foi criado em 1955, pelo governo Café Filho, e que reuniu um número expressivo e heterogêneo de intelectuais de esquerda que foram capazes de liderar uma ampla mobilização da intelectualidade, da juventude e de amplos setores profissionais e tecnocráticos em torno do seu projeto nacional-desenvolvimentista para o Brasil.

Por fim, desde 1949, a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) produziu ideias, informações e projetos que influenciaram decisivamente o pensamento da esquerda desenvolvimentista brasileira. Mas, apesar de sua importância para a esquerda, a Cepal nunca foi uma instituição de esquerda.

Do ponto de vista político prático, no início da década de 60, a "esquerda desenvolvimentista" ocupou um lugar importante na luta pelas "reformas de base", mas, ao mesmo tempo, se dividiu inteiramente, na discussão pública do Plano Trienal proposta pelo ministro Celso Furtado, em 1963. Mas, logo depois do golpe militar de 1964, a esquerda e o desenvolvimentismo voltaram a se divorciar, e sua distância aumentou depois que o regime militar retomou e aprofundou a estratégia desenvolvimentista do Estado Novo.

Três dias depois do golpe, o ISEB foi fechado; o PCB voltou à ilegalidade e a própria Cepal fez uma profunda autocrítica de suas antigas teses desenvolvimentistas. Mesmo assim, apesar dessas condições políticas e intelectuais adversas, formou-se na Universidade de Campinas, no final dos anos 60, um centro de estudos econômicos que foi capaz de renovar as ideias e as interpretações clássicas - marxistas e nacionalistas - do desenvolvimento capitalista brasileiro.

A "escola campineira" partiu da crítica da economia política da Cepal e de uma releitura da teoria marxista da revolução burguesa para postular a existência de várias trajetórias possíveis de desenvolvimento para um mesmo capitalismo nacional. Por isso, a escola campineira fez sua própria leitura e reinterpretação do caminho específico e tardio do capitalismo brasileiro e dos seus ciclos econômicos. E se posicionou favoravelmente à uma política desenvolvimentista capaz de levar a cabo os processos inacabados de centralização financeira e industrialização pesada da economia brasileira.

Hoje, parece claro que a "época de ouro" da Escola de Campinas foi da década de 70 até a sua participação decisiva na formulação do Plano Cruzado, que fracassa em 1987. É verdade que logo depois do Cruzado, e durante a década de 90, a crise socialista e a avalanche neoliberal arquivaram todo e qualquer tipo de debate desenvolvimentista, independentemente do que passou em Campinas. Mas parece claro que a própria escola recuou, nesse período. E dedicou-se cada vez mais ao estudo de políticas setoriais e específicas, e para a formação cada vez mais rigorosa de economistas heterodoxos, e de quadros de governo.

Seja como for, a verdade é que, com raras exceções, depois do Plano Cruzado, a "escola campineira" perdeu sua capacidade de criação e inovação dos anos 70, e a maioria de suas ideias e intuições originárias acabaram se transformando em fórmulas escolásticas. Por isso, não é de estranhar que neste início do século XXI, quando o desenvolvimentismo e a escola campineira voltaram a ocupar um lugar de destaque no debate nacional, a sensação que fica da sua leitura é que o "desenvolvimentismo de esquerda" estreitou tanto o seu "horizonte utópico" que acabou se transformando numa ideologia tecnocrática, sem mais nenhuma capacidade de mobilização social. Como se a esquerda tivesse aprendido a navegar, mas ao mesmo tempo tivesse perdido a sua própria bússola.

terça-feira, fevereiro 28, 2012

Serra não é o dono da bola


por Maria Inês Nassif
Da Carta Maior

Serra não é o dono da bola
A adesão do prefeito Gilberto Kassab (PSD) à candidatura de José Serra (PSDB) é apenas o começo do jogo. O tucano tem que enfrentar uma alta rejeição, inventar um discurso que não seja o udenista e convencer o eleitor que não vai vencer e dar o seu mandato para o vice.
Maria Inês Nassif

Ao contrário do que diz o senso comum, de que não existe páreo para José Serra nas eleições de outubro, o fato é que a candidatura do tucano está longe de ser um passeio. A aliança com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), serve para não rachar o eleitorado conservador - e era isso que o PT queria quando negociava com o prefeito a adesão à candidatura de Fernando Haddad. O PSD, todavia, não agrega voto não conservador. PSDB e PSD bebem do mesmo copo. A opção de Kassab não divide, mas também não acrescenta.

p class="texto">Era tentadora para o PT a adesão de Kassab à candidatura petista de Fernando Haddad. Pelos cálculos do partido, ela poderia balançar a hegemonia tucana na capital, mantida pela alimentação do conservadorismo de uma classe média facilmente influenciável por um discurso de caráter udenista - que colou no PT a imagem da desonestidade, pelo menos em redutos conservadores -, e que tem uma certa aversão a mudanças. Rachar o eleitorado conservador e agregar a ele o voto não conservador aumentariam, em muito, as chances de vitória do PT. A ausência do apoio do PSD, todavia, não definem a derrota do PT antes mesmo que se inicie, de fato, o processo eleitoral. Votos conservadores do PSDB, somados aos votos conservadores do PSD, podem manter o status quo dos dois grupos junto à direita paulistana, mas não bastam para arregimentar o eleitorado de centro que, em polarizações recentes, tem se inclinado favoravelmente a candidaturas tucanas (ou antipetistas).

O jogo só começou. O PT tem dificuldades na capital paulista, mas Serra não nada em águas calmas. Kassab sai do governo desgastado por sete anos de gestão que não provocaram grandes entusiasmos no eleitorado paulistano (inclusive no que votou nele). A única utilidade do pessedista nessas eleições, estrategicamente, é somar (ou não) o seu eleitorado conservador ao eleitorado conservador de Serra.

O desgaste não é unicamente de Kassab. Serra disputa essa eleição por uma questão de sobrevivência e aposta numa vitória que o fará novamente influente no PSDB, a sigla que deseja para concorrer à Presidência em 2014. Pode perder a aposta, e com isso se inviabilizar por completo no partido. Seu Plano B, o PSD, não o contém mais - para lá afluíram lideranças políticas de oposição que queriam aderir ao governo da presidenta Dilma Rousseff (há uns tempos, Serra encontrou num evento um articulador do PSD e perguntou como ia o "nosso partido". O político respondeu polidamente, mas quando conta a história não consegue evitar um 'nosso de quem, cara pálida. Nós somos Dilma'). Serra leva o PSD para o seu projeto de poder municipal na capital paulista; não o leva para um projeto nacional de disputar novamente a Presidência da República.

O candidato tucano também vai ter de lidar com o fato de que foi eleito prefeito em 2004, ficou dois anos no poder para se candidatar a governador e, eleito em 2006, abandonou o cargo para disputar a Presidência. Isso não é muito simpático para o eleitorado: é vender uma mercadoria e entregar outra. Tem ainda que resolver, do ponto de vista do marketing político, o que pode colar no adversário, sem lançar mão do discurso anticorrupção. Vai ser muito complicado para o candidato tocar nesse assunto com o livro de Amaury Ribeiro Jr., “Privataria Tucana”, ainda na lista dos mais vendidos. A soma dos problemas que Serra terá numa campanha não autorizam, portanto, apostar que um simples discurso antipetista resolva uma rejeição que já é grande e tende a aumentar.

O quadro eleitoral paulistano, antes da definição da candidatura de Fernando Haddad para a prefeitura, era de absoluta fadiga de material. Existiam dois candidatos "naturais", Serra, pelo PSDB, e Marta Suplicy, pelo PT, ambos com alto grau de rejeição. A vitória se daria pela polarização, que chegou ao limite nas últimas eleições, ou se abriria espaço para novas lideranças que fugissem do clima de radicalização, mantido na conservadora capital paulista como uma caricatura da polarização nacional.

Se a adesão de Kassab pode evitar o racha da classe média conservadora paulistana nas eleições, o que favorece Serra, sua adesão aos tucanos tem o seu efeito colateral: permite que não se dividam os votos do PT na periferia, que são Marta (que não queria dormir e acordar de mãos dadas com Kassab) e família Tatto (cujo membro mais importante, Jilmar, ganhou a liderança na Câmara dos Deputados depois que desistiu de sua pré-candidatura). No dia seguinte ao recuo de Kassab, que já estava quase no barco petista remado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT tinha mais chances de reunificar o seu eleitorado de periferia. Haddad não pode prescindir de Marta e Tatto na sua campanha. E ambos não podem achar que o candidato neófito em política não tem chances.

Haddad tem índices pequenos de declarações de voto nas pesquisas até agora feitas, mas jamais disputou eleição. O processo eleitoral o definirá como candidato do PT e, principalmente, de Lula. E ele não tem rejeição própria, como é o caso de Marta Suplicy, que já se expôs muito à classe média paulistana, que tem com ela grandes diferenças. A vantagem de Haddad é que, na primeira disputa eleitoral, terá apenas a rejeição que já é do seu partido. Não agregará a ela nenhuma outra que lhe seja própria. Pelos índices de rejeição exibidos até agora por Serra e Marta (que foi incluída nas pesquisas feitas até agora), isso já é uma grande vantagem.

A hipótese de que surja um terceiro nome, no espaço aberto pela rejeição a Serra e pelo antipetismo, é altamente improvável. O PMDB de Gabriel Chalita não existe há muito tempo na capital e no Estado. Celso Russomano (PRB) tem maior exposição que Haddad, mas não tem partido. O eleitorado que era malufista não foi herdado pelo PRB, mas incorporado pelos políticos petistas, que ganharam a periferia com políticas sociais do governo Marta Suplicy, em São Paulo, e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e com o método tradicional de arregimentação usado pela família Tatto.

O voto conservador é forte em São Paulo, mas não faz milagre. Apenas o sorriso de Serra não ganha uma eleição.

(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.

Auto-estima é riqueza



Maria Sampaio

O Brasil está na moda. Você tem lido e ouvido esta frase com muita frequência nos meios de comunicação.

Com as crises nos EUA e na Europa, não só a condição econômica, mas também nossa cultura, o nosso jeito de viver fica cada vez mais atraente para o resto do mundo.

Produtos que expressam “brasilidade” fazem sucesso entre os estrangeiros. É o caso das sandálias Havaianas, da moda praia, dos restaurantes de carne “a rodízio” e de outros produtos brasileiros desejados em diferentes países pelo mundo.

Do ponto de vista do empreendedor, isso significa que produtos, ingredientes e o jeito brasileiro de fazer negócios podem servir de inspiração para novas iniciativas.

Por muito tempo, quando os brasileiros pretendiam abrir um negócio procuravam inspiração em outros países, algo que existisse lá fora e que pudesse ser “tropicalizado”, adaptado ao nosso gosto.

Com as mudanças no contexto mundial a inspiração está agora na nossa própria cultura. O engenheiro químico Hervé Rogez é professor da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Chegou ao Brasil em 1994 vindo da Bélgica para fazer o doutorado sobre a riqueza nutricional do Açaí. Suas pesquisas demonstravam as excelentes propriedades, entre outras, da fruta na prevenção de doenças cardiovasculares.

Atualmente, o açaí é comparado ao azeite de oliva pela sua riqueza nutricional.



No início dos anos 2000, o sucesso das pesquisas estimulou a exportação da fruta amazonense para outros países e se tornou um produto rentável para empresas americanas.

Foi por tristeza em ver que os brasileiros não se apropriavam empresarialmente do conhecimento científico sobre o açaí que Hervé identificou sua oportunidade de negócio.

O olhar que antes estava voltado para fora das fronteiras nacionais, agora deve buscar as oportunidades dentro do país. O Brasil, neste aspecto, ainda está por ser descoberto.

Nossa diversidade ambiental, social e cultural pode ser uma fonte de criação de empreendimentos inovadores e atraente para o mercado mundial.

Em 2002, Hervé criou a Amazon Dreams em Belém (PA), uma empresa de tecnologia de química fina de produtos naturais capaz de extrair antioxidantes de frutas amazônicas e fornecer para indústria de alimentos funcionais, cosmética e farmacêutica.

Para viabilizar a empresa Hervé investiu em inovação. Junto com mais cinco pesquisadores brasileiros desenvolveu tecnologia capaz de extrair 70% de pureza de antioxidante no açaí.

Por cinco anos investiu no processo de patente antes de ir ao mercado. Seus parceiros foram: a UFPA, principal titular das patentes, e o BNDES através do Fundo Criatec. O investimento foi fundamental para sair do campo das ideias.

Hervé acredita que focar na inovação e estar conectado à realidade local é seu diferencial como empreendedor.

O interesse dele sempre foi romper com a condição de exportador de matéria-prima e fazer o processamento da fruta aqui mesmo no país para agregar valor ao produto.

Brasileiro de coração e alma, o seu compromisso com a região amazônica o estimulou a criar um produto rentável sem prejudicar a floresta e beneficiar o pequeno produtor.

A empresa possui 130 fornecedores de frutas vindos agricultura familiar. Podemos aproveitar esta onda de valorização do Brasil para transformar a forma de empreender no país. Agora, é a hora de criarmos nossa própria cultura empreendedora.

* Mara Sampaio é psicóloga e especialista em cultura empreendedora. Publicado originalmente no Brasil Econômico.

sexta-feira, fevereiro 17, 2012

A ESTRATÉGIA DE DEFESA E O PRE-SAL


Fonte: Blog do Carlos Ferreira


A arrogante e desnecessária demonstração de força por parte da Grã-Bretanha, ao deslocar seu mais poderoso destroier, o “HMS Dauntless”, e um submarino nuclear da classe Trafalgar (o “HMS Tireless” ou o “HMS Turbulent”), armado com mísseis Tomahawk, para as Ilhas Malvinas, deve ser cuidadosamente analisada pelo Ministério da Defesa do Brasil e seus estrategistas navais. Além de buscar humilhar a debilitada Armada argentina e a própria nação irmã, a provocação britânica atinge também os interesses brasileiros, ao militarizar aquela área do Atlântico Sul e ameaçar toda a região.

É sempre bom lembrar que o transporte marítimo responde por mais de 95% de nosso comércio exterior e 90% do petróleo brasileiro é prospectado no mar, demandando um enorme esforço da Marinha do Brasil no controle e proteção desta gigantesca área, denominada “Amazônia Azul”. Para tal é de fundamental importância a atualização dos seus meios navais.
A sociedade deveria estar engajada como um todo no apoio a implantação da Estratégia Nacional de Defesa.

O programa do submarino nuclear brasileiro deveria ser incrementado, antecipando a entrada em serviço da 1ª embarcação, hoje prevista para 2025!
O artigo a seguir, do Comandante e Engenheiro Antonio Didier Vianna, de 2010, porém atual, associa a importância dos recursos do Pré-sal, para a viabilização dos nossos meios de defesa naval.


A ESTRATÉGIA DE DEFESA E O PRE-SAL

Por Antonio Didier Vianna, CMG-EN/Ref, Engenheiro Nuclear/PhD


Com o surgimento dos campos produtores dos reservatórios do Pré-sal, o problema da proteção dessas novas áreas se tornou extremamente complexo. O Pré-sal brasileiro ficou na dependência da soberania do país, assunto que envolve todas as forças vivas da Nação na construção de estratégias, meios e envolvimento de toda a sociedade para garantir o produto e a posse dessas jazidas. O Brasil tem uma posição muito forte sobre essas jazidas, uma vez que foram descobertas, delimitadas, medidas e viabilizadas pela Petrobras, mas talvez não seja suficiente, para garantir a plenitude do uso como único proprietário, exigindo outros enfoques, argumentos e posições e imposições.

A Estratégia de Defesa Nacional em vigor, aprovada por decreto 6703 de 18/12/08 do Governo, estampa na sua Introdução: “Se o Brasil quiser ocupar o lugar que lhe cabe no mundo, precisará estar preparado para defender-se, não somente das agressões, mas também das ameaças. Vive-se em um mundo em que a intimidação tripudia sobre a boa fé. Nada substitui o envolvimento do povo brasileiro no debate e na construção de sua própria defesa”.

Essa política foi estabelecida quando ainda inexistia definido o tamanho da riqueza do Pré-sal. Agora não se pode perder tempo e estar cada vez mais preparados para repelir as ameaças de exploração externa dessa nossa riqueza que breve surgirão, pois teremos a ganância financeira generalizada acrescida das necessidades estratégicas da energia do petróleo que move o mundo atual e que está ficando cada vez mais escassa nos países dominantes. Como a construção dessa Defesa é um processo continuo e permanente, é preciso manter nossa sociedade informada de modo a obter a participação do povo nos processos desse desenvolvimento e se necessário no engajamento direto nas ações.

O Congresso Nacional colocou sob a responsabilidade da Marinha a fiscalização e a proteção das áreas de produção off-shore e destinou parcela fixa dos royalties da produção de petróleo dessas áreas como recursos adequados para isso.

A fiscalização foi organizada pela Marinha em cooperação com o IBAMA e tem sido realizada com eficiência em caráter permanente. A Petrobras que opera a quase totalidade das plataformas off-shore tem priorizado investimentos para que suas equipes de operação das plataformas possam garantir plena execução das leis ambientais. Entretanto, a PROTEÇÃO, converteu-se num problema crucial.

Atentar para o seguinte: as reservas descobertas do Pré-sal dividem-se em três áreas marítimas bem distintas
1- Mar territorial brasileiro. – sem problemas. Aceitação internacional do domínio brasileiro sobre essas áreas.

2- Zona econômica exclusiva (ZEE). Essa zona vai até o limite de 200 milhas náuticas (cerca de 370 km) além do mar territorial. As normas de exploração dessa região estão fixadas na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982. No entanto cerca de 40 nações não assinaram ou ratificaram a convenção, ai incluídos os EEUU e a Venezuela. Nesta zona é que está a maior parte das reservas do Pré-sal. O Itamaraty deveria pressionar o Presidente Lula para conseguir que o Presidente Chaves da Venezuela ratifique essa convenção. Eliminaria um, próximo da área e ativo em petróleo.

3- Mar internacional – há uma faixa da reserva do Pré-sal localizada na área de mar internacional. Esta faixa está sendo reivindicada pelo Brasil de acordo com o dispositivo do tratado que garante aos países direito sobre sua “plataforma continental”. Foi requerido à ONU o direito sobre 960 mil km² de plataforma continental em 2004, mas ainda não houve definição. Portanto essa parcela das reservas do Pré-sal situadas no mar internacional, ainda é “patrimônio da humanidade”. Deverá ser atuação prioritária de nossas Relações Exteriores a obtenção da aprovação, dessa nossa pretensão.

Pela Lei 9478/97 – conhecida como Lei do Petróleo, o Congresso Nacional determinou, no seu Artigo 49, que a parcela do valor do royalty que exceder a 5% da produção terá a seguinte distribuição (vide Lei 10261/01):

I – quando a lavra ocorrer em terra.
II- quando a lavra ocorrer na plataforma continental (off-shore)
a) 22,5% aos estados produtores confrontantes
b) 22,5% aos municípios produtores confrontantes
c) 15% ao Ministério da Marinha para atender aos encargos de fiscalização e proteção das áreas de produção
d) 7,5% aos municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural
e) 7,5% para constituição de um Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Estados, Territórios e Municípios.
f) 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico, relacionados ao produto.

Já imaginaram se a ONU decidisse licitar blocos de exploração do Pré-sal sob o mar internacional? E exigir royalties para as Nações Unidas pela exploração de jazidas que pertencem à humanidade? E se uma empresa pirata resolver se instalar na área? E se os EEUU e outros países que não endossaram a Convenção dos Direitos do Mar exigir uma participação na produção da ZEE, como condição para assinar a dita Convenção. Que condições o Brasil poderia e deveria dispor para enfrentar as possíveis ameaças a essas nossas riquezas?

O país assistiu no Congresso e na mídia uma demonstração publica de cobiça generalizada pelo dinheiro dos royalties não somente pelo que seria gerado pelo Pré-sal, mas também pelo que está sendo produzido pelas plataformas existentes com destinações especificas já estabelecidas pelo Congresso Nacional através da Lei do Petróleo. Essa cobiça que faz parte da mente do ser humano, não é só de políticos brasileiros, mas também de nações que desde que existem procuram saquear os mais fracos e também dos piratas que sempre povoaram os mares do mundo.

Como a riqueza do Pré-sal é muito grande e será explorada pelos próximos 80 anos, é preciso concentrar recursos para progressivamente adequar nossas defesas e construir um aparato de dissuasão para impedir que essas cobiças, inclusive dos brasileiros inescrupulosos, venham desviar e perturbar a utilização dos benefícios que advirão dessa exploração pela sociedade brasileira.

É obvio que, antes de se falar em royalties do Pré-sal, isto é, do lucro liquido da exploração, é preciso garantir abrangência e independência para administrar e gerar recursos para desenvolver os campos, o que permitirá essa exploração. Os royalties são consequência de empreendimento bem sucedido. A prioridade tem que ser focada no planejamento e nos recursos para viabilizar esse empreendimento, e paralelamente, com a mesma determinação, como protegê-lo da cobiça externa. Essa é uma riqueza excepcional e o país precisa aglutinar competências para fazer um planejamento cuidadoso e sem pressa para ir desenvolvendo os campos paralelamente com os recursos financeiros, de pessoal qualificado, de equipamentos e sistemas de segurança operacional para garantir a produção continua desse petróleo sem desastres como o do Golfo do México que podem consumir os royalties.

Temos observado a pressa com a intenção de utilização das providencias sobre o Pré-sal em ativo político, visando vantagens de imagem para as próximas eleições de Outubro de 2010. Por favor, se abstenham desse desserviço ao país. Deixem o grupo competente trabalhar, sem pressões políticas e de pressa, para construir condições para nossa sociedade beneficiar-se continuamente e com segurança dessas riquezas.

O que vimos no Congresso na cobiça pelos royalties foi uma demonstração do desvario de desqualificados querendo se apropriar indebitamente dos ganhos dos outros sem terem executado qualquer trabalho ou contribuição para criação daquelas riquezas. Quem não tem competência para geração riquezas, também não tem para gasta-las. É preciso isolar essa turma de insensatos, do planejamento e execução do Pré-sal.

Embora não tenha sido divulgada para a sociedade, por não termos essa cultura nos governos, o Ministério da Defesa tem atuado para fortalecer nossa soberania. O país tem hoje uma “Estratégia de Defesa” muito bem costurada e tornada publica por Decreto do Presidente da Republica. Paralelamente está implantando o ali estabelecido dentro dos limites de recursos do Governo.

Por exemplo. O melhor meio de dissuasão contra piratas ou ações semelhantes é a disponibilidade de submarinos nucleares. Esses são os únicos que podem negar os mares a qualquer inimigo. Foi assinado um acordo com o Governo Francês para completar o desenvolvimento do Submarino Nuclear brasileiro e toda a infraestrutura de suporte de nossa flotilha de submarinos. O programa tem financiamento do Governo Francês e está em plena execução. Os royalties destinados em Lei do Congresso para a Marinha são suficientes para pagar todo esse programa, desde que liberado para esse fim. Não precisa depender do Tesouro, nem do Orçamento anual da Republica votado pelos Congressistas. Basta cumprir o que já foi transformado em Lei pelo Congresso. Evita-se assim o que aconteceu com Angra 3 que teve paralisada sua obra por 20 anos e o próprio Programa Nuclear da Marinha cujo projeto do seu submarino nuclear ficou no limbo por 10 anos. O Congresso está discutindo agora a cobiça pelos royalties, entretanto é importantíssimo manter o royalty destinado a proteger as áreas do Pré-sal que o Congresso atribuiu à Marinha como condição para que a Marinha possa desenvolver os meios de dissuasão que fortalecerão nossa soberania e protegerão nossas jazidas.

O Ministério da Defesa está também no processo de aquisição de um grupo de aviões de caça e de transporte de pessoal e material para suportar nossa Estratégia de Defesa. Essas ações fortalecem a nossa soberania e essa cobertura aérea é também necessária à proteção das áreas do Pré-sal. Desenvolver as ações previstas na Estratégia Nacional de Defesa são vitais para ir construindo o reforço continuo da soberania nacional, base para qualquer tipo de enfrentamento.

O Brasil dispõe de completo domínio do ciclo de combustível nuclear. Produz seu próprio urânio e as centrifugas para enriquecimento. Como o tratado de não proliferação (TNP) permite o enriquecimento até 20% por qualquer país, esse foi o escolhido para utilização nos submarinos nucleares da Marinha, que não são considerados armas nucleares. Embora nossa Constituição proíba o uso de armas nucleares, é bom que fique bem divulgado que o Brasil não fabrica bombas atômicas por decisão própria do seu povo e do seu Congresso, mas não ameacem a nossa soberania, pois rapidamente é possível o Congresso Nacional reverter essa posição e determinar a produção de algumas bombas atômicas para fortalecer a dissuasão e desestimular as ameaças. Não precisaríamos mais de um ano para telas prontas para uso. Essa informação, que é verdadeira, ajuda a dissuasão e fortalece nossas posições.

O Ministério da Defesa se negou à imposição americana para que proibíssemos a divulgação do livro “Física dos Explosivos Nucleares” do Dr. Dalton Barroso do Instituto Militar de Engenharia (IME). Lá estão didaticamente descritos todos os detalhes físicos e técnicos para a construção dos diferentes artefatos nucleares. É também um reforço para dissuasão saberem que o Brasil dispõe de competência e instalações para tornar a matéria prima disponível para desenvolver a bomba atômica. Foi positiva a posição do Ministro da Defesa. É preciso ser direto e intransigente quando afetando nossa soberania. É preciso que o mundo fique consciente do que foi exposto acima. Assim seremos respeitados, ajudando a dissuasão.

Os militares não desenvolveram cultura de marketing, assunto inexistente nos currículos de suas Escolas. No mundo moderno, o marketing tem força de persuasão que muitas vezes faz reverter até conceitos arraigados na sociedade. Substitui a espionagem e as atividades de quintas colunas, forças da época das guerras do século passado. Com a rede Internet cada vez mais generalizada, o marketing se converteu no vetor estratégico de qualquer empreendimento. É preciso incorporá-lo em todos os procedimentos relativos a nossa Defesa. Assim estará sendo cumprindo o que determina o Decreto da Estratégia Nacional de Defesa, e é uma das condições para o sucesso desse programa

Amorim defende base industrial forte como parte de estratégia de dissuasão


em Ministério da Defesa, por Galante

Brasília, 15/02/2012 – O ministro da Defesa, Celso Amorim, ressaltou hoje a necessidade de uma base industrial de defesa forte como parte de uma estratégia de dissuasão que garanta a paz no Atlântico Sul.

Em discurso na abertura do II Seminário de Defesa Nacional, realizado no Auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados, o ministro Celso Amorim identificou um processo de desconcentração do poder mundial e a criação de “um cinturão de boa-vontade entre o Brasil e seus vizinhos na América do Sul.”

Segundo o ministro o país deve estender esse cinturão até a África, dentro do espírito proposto pela Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.

“Apesar disso, devido à fluidez das relações internacionais, temos de estar preparados para uma eventual ameaça externa. A melhor maneira de se evitar isso é uma defesa forte, que possa causar danos sérios a um possível agressor.” Para garantir esse projeto, seriam necessários meios aéreos, navais e terrestres, como prevê a Estratégia Nacional de Defesa.
Citando um trecho de O príncipe, de Nicolau Maquiavel, o ministro lembrou que os governantes devem usar o período de paz para se preparar para um possível conflito. “Essa preparação, inclusive, pode evitar possíveis adversidades. Nenhum país soberano delega sua defesa a terceiros”, enfatizou o ministro.

Indústria de defesa

O ministro classificou a recente aprovação da MP 544/11 na Câmara “como uma grande vitória”. Assinada pela presidenta da República, Dilma Rousseff, em 29 de setembro do ano passado, a medida cria um regime tributário especial para a indústria de defesa nacional. Aprovada ontem por unanimidade, a proposta será enviada para apreciação do Senado.

Segundo Amorim, as medidas previstas na MP estão alinhadas com o Plano Brasil Maior, que tem como objetivo aumentar a competitividade da indústria nacional. Apesar de sua importância, elas deverão ser suplementadas por uma regulamentação, a cargo do Ministério da Defesa, para que possam ter efetividade e permanência.

“Quando há uma renúncia fiscal do Estado, é necessária uma contrapartida da iniciativa privada”, ressaltou o ministro. “Há vários casos anedóticos, que não cabe aqui lembrar, de capacidades tecnológicas obtidas com financiamento da União e que foram perdidas, porque as empresas beneficiadas foram adquiridas por grupos estrangeiros com sede em países que não admitem que o Brasil domine aquela tecnologia.”

Compra de caças

Ao sair do evento, Amorim foi questionado sobre o programa F-X2, para aquisição de 36 aviões de combate para a Força Aérea Brasileira. Ele disse que o processo de compra pode avançar neste semestre, mas ressaltou que a decisão cabe à presidente Dilma Rousseff.
Amorim lembrou que a compra não é simples, pois envolve a transferência de tecnologia e um índice de produção nacional, além de gerar obrigações contratuais durante dez anos.

Segundo o ministro, a aquisição dos aviões também levará em conta a capacidade financeira do País. “É uma compra necessária, mas não é barata.”

Os finalistas do programa F-X2 são o F/A-18E/F Super Hornet, fabricado pela empresa norte-americana Boeing; o Rafale F.3, produzido pela Dassault, francesa, e o Gripen NG proposto pela sueca SAAB.

Independência tecnológica

O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antonio Raupp, afirmou durante o seminário que o desenvolvimento científico e tecnológico do País precisa estar associado à soberania nacional. Ele afirmou que o ministério desenvolve projetos em conjunto com o setor de defesa, que receberam investimentos de R$ 1,5 bilhão em 2010 e 2011.

Raupp disse que espera um aumento significativo dessa colaboração ao longo dos próximos anos. “Quase 50% das nossas atividades estão previstas na Estratégia Nacional de Defesa”, declarou.

O presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional, deputado Carlos Zarattini, defendeu a necessidade de uma forte base industrial de defesa e o provimento de meios para mantê-la.

“Nós podemos ter um desenvolvimento nacional aliado com o desenvolvimento da defesa”, ressaltou. “A indústria de defesa não é puramente uma questão militar. A soberania não é uma questão das Forças Armadas, é questão do país, que temos que discutir como um todo.”

Zarattini também destacou a importância da transferência de tecnologia, dos investimentos nacionais no setor e na capacitação de pessoal nos últimos anos. “Estamos formando pessoas com conhecimento tecnológico cada vez maior.”

O II Seminário Estratégia Nacional de Defesa foi uma iniciativa da Frente Parlamentar de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde).

FONTE: Ministério da Defesa / Fotos: Felipe Barra

Se não é guerra, o que é?



Quando o ministro Guido Mantega referiu-se à existência de uma “guerra cambial”, houve grande alvoroço e não lhe pouparam críticas. Algumas até ferozes, alimentadas pelo nosso velho “complexo de vira-lata”.

Indignaram-se com a ousadia do representante de um país emergente, que, eles creem, superou suas dificuldades mais ajudado pela sorte (a expansão mundial) do que pelas qualidades da política que herdou e piorou. E mais, que não se cansa de piorá-la com intervenções no mercado cambial condenadas pela “boa teoria econômica”.

Pois bem. Os fatos agora evidenciam que há sim uma “guerra cambial” entre as três maiores economias do mundo (os Estados Unidos, a eurolândia e a China) e que os países emergentes estão sendo constrangidos a aceitar o jogo sujo em nome de uma precária cooperação mundial.

É óbvio que a China mantém há mais de duas décadas uma inteligente política de desenvolvimento (estimulada pelos EUA para isolá-la da URSS no tempo da Guerra Fria), apoiada numa consistente taxa de câmbio superdesvalorizada.

A briga de cachorro grande é entre os EUA e a eurolândia

Não se trata de criticar a China. Pelo contrário, devemos cumprimentá-la (ou invejá-la?) por cuidar tão bem dos interesses do povo chinês. Mas devemos reconhecer que manter o câmbio superdesvalorizado e fingir que segue as regras do “bom e honesto comércio”, definidas pela OMC, é uma manifestação hostil com relação aos seus parceiros.

No caso, por exemplo, da competição interna entre a produção nacional e os produtos chineses importados, podemos aceitar que a superdesvalorização do yuan, somada à supervalorização do real, não é tudo. É, entretanto, no mínimo uma tolice dizer que ela é devida exclusivamente à incapacidade competitiva da indústria nacional.

A luta entre os três parceiros é complicada. A China leva uma grande vantagem: adotou, sem vergonha e sem remorso, uma espécie de “dollar standard”, com o yuan controlado num nível praticamente fixo com relação ao valor do dólar americano. A briga de cachorro grande é entre os EUA e a eurolândia. O primeiro beneficia-se do fato de ser uma federação fiscal com instrumentos redistributivos, ter uma única língua, ter facilidade migratória e ter um Banco Central que é “emprestador de última instância”.

Para entender a situação, é preciso lembrar que o socorro ao setor financeiro, que produziu a crise de 2007-09, destruiu as finanças dos Estados Unidos e revelou as violações fiscais dos países da eurolândia, cuja correção exige um “aperto fiscal”, ou seja, uma redução da demanda pública.

Para não diminuir a demanda global (e o crescimento do PIB) é preciso, portanto, aumentar a demanda do setor privado: o consumo (com menor taxa de juro e ampliação do crédito); o investimento (com juro baixo e cooptação da confiança dos empresários) e a exportação (com a desvalorização da moeda).

É por isso que o Federal Reserve (Fed) e o Banco Central Europeu (BCE), com suas políticas monetárias, estão criando uma desvalorização competitiva entre o dólar e o euro.

Os emergentes (com exceção da China) veem as suas taxas de câmbio valorizarem-se, e seus mercados predados pelo uso da capacidade de produção ociosa dos três gigantes.

Tomemos o caso da Itália para facilitar o entendimento. Não há dúvida que: 1) suas finanças nunca foram de boa qualidade e que nas últimas duas décadas aplicou vários “planos de salvação” nacional (um pelo próprio novo presidente do BCE, Mario Draghi); 2) acumulou uma dívida imensa (com relação ao PIB); 3) foi enormemente beneficiada pela entrada na zona do euro, que produziu uma convergência da taxa de juros que paga, à taxa da dívida alemã, porque os mercados anteciparam que ela iria cumprir as condições do Tratado de Maastricht (déficit estrutural abaixo de 3% e redução da relação dívida/PIB para 60%); 4) a evolução da política italiana e a falta de continência salarial valorizou “virtualmente” a moeda italiana (a lira), que está apenas nominalmente fixada com relação ao euro; 5) isso produziu um déficit em conta corrente, que foi financiado de forma inconsequente pelo sistema financeiro internacional com a conivência das “notas” das agências de risco para os papéis italianos; e 6) quando chegou o momento da verdade (que chegaria de qualquer forma, mas foi antecipado pelo constrangimento do crédito produzido pela crise americana), ela teve de submeter-se a um regime de economia “forçada”, que criou uma pressão recessiva que torna duvidosa a solução do problema.

Se não estivesse comprometida com o euro, a Itália desvalorizaria a sua moeda (a lira, como fez várias vezes no passado). O aumento das suas exportações e a diminuição de suas importações compensariam parte da queda da demanda pública pelo aumento da demanda privada. Como é evidente, esse caminho não existe mais.

Qual é a solução mais razoável para a Itália e seus parceiros dentro do euro? A desvalorização do próprio euro com relação ao dólar! Ela não terá nenhum efeito sobre o comércio dentro da eurolândia, mas será equivalente a uma desvalorização das suas moedas, aumentando as exportações e diminuindo importações para fora da eurolândia.

Pois bem. Um pouco mais da metade das exportações italianas e de seus parceiros é para países fora da eurolândia, o que significa que a desvalorização do euro é uma ajuda para compensar parte da queda de atividade interna produzida pela política de aperto fiscal.

A grave embrulhada é que a política do Fed também estimula a desvalorização do dólar frente ao euro, o que já produz resultado visível a olho nu nos saldos em conta corrente (excluído o petróleo) dos Estados Unidos…


Publicado originalmente no Valor Econômico.

O perfil da defesa do futuro

Do Blog do luisnassif

Por Francisco Nixon Lopes Frota
De Tecnologia & Defesa


Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas traça perfil da defesa do futuro


Forças Armadas integradas com comunicação e vigilância em tempo real, cobrindo todo o território nacional e as águas jurisdicionais brasileiras, a chamada Amazônia Azul.


Esse é o retrato da futura defesa nacional traçado pelo chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), general-de-exército José Carlos de Nardi, em palestra sobre o Plano de Articulação e Equipamento de Defesa (PAED) durante o 2º Seminário Estratégia Nacional de Defesa, realizado hoje (15/02) pela manhã no auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados.
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Participaram do painel, além do general de Nardi, os chefes de estado-maior da Marinha, almirante-de-esquadra João Afonso Prado Maia de Faria, e do Exército, general-de-exército Joaquim Silva e Luna, e o presidente da Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate (Copac), brigadeiro-do-ar Carlos de Almeida Baptista Júnior.


Graças aos sistemas Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), de Gerenciamento da Amazônia Azul (Sisgaaz) e de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Sisdabra) poder-se-á analisar as ameaças em tempo real e destacar meios para enfrentá-las.


Os dados são obtidos e transmitidos para um comando central por um satélite geoestacionário, sensores localizados em terra e no mar, aviões radares e de sensoriamento remoto, veículos aéreos não tripulados (Vants) e, até mesmo, soldados no meio da selva.


As forças serão extremamente móveis, dispondo de 28 aviões KC-390, construídos pela Embraer, e de 48 helicópteros Helibras EC 725, para facilitar o deslocamento das unidades, protegidas por sistemas antiaéreos modernos e aviões de caça de última geração.


Barcos e navios-patrulha garantem a segurança das águas jurisdicionais brasileiras, a chamada Amazônia Azul, enquanto duas esquadras, equipadas com dois porta-aviões, 30 navios escoltas, 15 submarinos convencionais e quatro submarinos nucleares, fornecem a dissuasão contra possíveis ameaças internas.


O ciberespaço não foi esquecido. Dentro da visão da Estratégia Nacional de Defesa (END), que determina as diretrizes gerais do PAED, o ciberespaço está sob responsabilidade do Exército que também cuidará das estruturas críticas, como centrais nucleares, refinarias de petróleo, hidrelétricas, sistemas de transmissão de energia e, até mesmo, usinas de tratamento de água.

Remanejamento

Para garantir a proteção das fronteiras e da Amazônia haverá um amplo remanejamento de forças. Tropas e equipamentos colocados no Sul serão transferidos para novas posições na Região Norte, que ganhará 28 novos pelotões de fronteira. O Centro-Oeste, sede do poder político, será reforçado. Serão mantidos grandes efetivos no Rio de Janeiro e São Paulo, estados de grande concentração econômica e industrial.


O II Seminário Estratégia Nacional de Defesa foi uma iniciativa da Frente Parlamentar de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde).

quarta-feira, fevereiro 15, 2012

O otimismo dos analistas em relação a 2012

Por Marco Antonio L.

Do Valor Econômico

Consumo voltou a puxar economia, dizem analistas

A expectativa para a indústria é que 2012 seja melhor do que foi o ano passado, quando o setor amargou crescimento de apenas 0,3%. Ainda assim, é novamente o consumo que vai levar a atividade econômica a ganhar ritmo em 2012, segundo economistas consultados pelo Valor. Esse efeito, dizem, já poderá ser percebido no resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do quarto trimestre de 2011 e mais ainda ao longo deste ano.

Para Aurélio Bicalho, economista do Itaú Unibanco, um impulso relevante ao consumo virá de três frentes. O mais importante é o aumento real de 7,5% do salário mínimo, mas a desoneração de produtos da linha branca, que deve vigorar até o fim de março, combinada à redução da Selic pelo Banco Central dá “condições positivas para o consumo no primeiro trimestre”, afirmou Bicalho. O economista ressalta ainda o recuo mais rápido dos juros de mercado, com efeito importante sobre os índices de confiança, que deram sinais de retomada neste início de ano.

p>Essa combinação deve trazer a inadimplência, que alcançou 7,3% em dezembro do ano passado, para baixo, abrindo caminho para que o consumidor continue a ser o motor da economia.

A expectativa dos analistas consultados pelo Valor é que o PIB pela ótica da demanda já seja mais positivo no quarto trimestre do que foi no terceiro trimestre do ano passado, quando a economia ficou estagnada. Naquele período, o setor externo deu a principal contribuição para que a atividade não fosse negativa. Na comparação com o segundo trimestre, na série com ajuste sazonal, o consumo das famílias, do governo e os investimentos recuaram 0,1%, 0,7% e 0,2%, respectivamente.

O consumo das famílias deve ser ponto importante dessa inversão. O economista-chefe do HSBC, André Loes, estima que a redução da inadimplência aliada às medidas de estímulo do governo, como o desmanche de parte das medidas macroprudenciais pelo BC, terá efeito considerável sobre o consumo, com expectativa de alta de 0,5% no último trimestre do ano passado, na comparação com o período imediatamente anterior, sempre com ajuste sazonal. Em 2012, diz Loes, esse efeito será potencializado, o que explica em parte sua projeção mais otimista do que a média do mercado para o crescimento deste ano, de 3,7%.

Para o Santander, o consumo das famílias deve ter crescido 0,8% no quarto trimestre de 2011. Fernanda Consorte, economista do banco, projeta que a alta do rendimento médio real nos últimos dois meses do ano passado deve ter turbinado esse resultado. Fernanda ainda projeta que o consumo do governo e o setor externo devem ter dado contribuições positivas, com expectativa de que o PIB no período tenha avançado 0,4%. A exceção, pelo lado da demanda, será o investimento, que deve continuar negativo, segundo a economista do Santander. Para ela, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, a medida das contas nacionais do que se investe em máquinas e na construção civil) deve até piorar na passagem trimestral, passando de queda de 0,2% para menos 0,4%.

Bicalho, do Itaú, também ressalta que o investimento não deve ter reagido no quarto trimestre do ano passado e um dos indícios é a atividade industrial, que teve queda mais forte em outubro, na comparação com setembro. O segmento de bens de capital, por exemplo, registrou baixa de 1,8% na produção naquele mês. Assim, apesar do resultado positivo nos dois meses subsequentes, o PIB industrial no trimestre deve ter sido negativo, segundo o Itaú, e a estimativa é que o país tenha crescido apenas 0,2% no último trimestre de 2011, mesma taxa esperada pelo HSBC.

Luis Otávio Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil, tem expectativa um pouco menos otimista para o comportamento da demanda. Apesar de também esperar um crescimento do PIB próximo a 0,4% no quarto trimestre, sempre na comparação com o terceiro trimestre, na série com ajuste sazonal, o economista avalia que o consumo será “levemente positivo”, mas pouco surpreendente. O endividamento das famílias, afirma, deve ter impedido atividade mais robusta, apesar da injeção de renda com o pagamento do 13º salário e a redução da inflação acumulada em 12 meses.

A partir do primeiro trimestre deste ano, no entanto, as medidas de estímulo devem ganhar potência e a atividade começará a reacelerar, estimam os economistas. O crescimento entre janeiro e março deve ser de 0,8%, na comparação com o último trimestre de 2011 para o Itaú Unibanco e para o Santander. Para Aurélio Bicalho, mais uma vez o consumo deve crescer acima da variação do PIB, enquanto a indústria seguirá com avanço inferior à taxa de expansão da economia brasileira.

Para Bicalho, a indústria entrou em 2012 em primeira marcha por causa dos estoques ainda em patamares elevados. “Vamos ver o mesmo padrão observado nos últimos dois anos, em que um pedaço importante da demanda é atendida pelas importações”, segundo Luis Otávio Leal, do ABC Brasil.

Investimento vai superar 20% do PIB, prevê Fazenda

Os investimentos vão saltar quase 11% neste ano, levando a formação bruta de capital fixo (FBCF, que contabiliza os investimentos em máquinas e equipamentos e em construção civil) a atingir 20,8% do Produto Interno Bruto (PIB), prevê o Ministério da Fazenda.

Apesar disso, o ministério reduziu ontem a estimativa para o avanço do PIB no ano – de 5% para 4,5%, de acordo com o documento “Economia Brasileira em Perspectiva”, estudo realizado pela Secretaria de Política Econômica (SPE) que divulga as previsões mais recentes para o ano.

A taxa de investimento vai superar, segundo a equipe econômica, pela primeira vez em dez anos, o patamar de 20% do PIB. De acordo com a SPE, a formação bruta de capital fixo será equivalente a 20,8% do PIB ao fim deste ano – em 2011, segundo a Fazenda, foi de 19,6% do PIB. A taxa de investimento passará por um avanço de 10,8% neste ano, mais que o dobro da alta de 5,3% verificada entre os três primeiros trimestres de 2011 com igual período do ano anterior. Se a projeção se confirmar, a taxa de investimento terá saltado 4,4 pontos percentuais, como proporção do PIB, de 2002 (16,4%) para cá.

A estimativa da Fazenda também serviu para comprovar o ritmo lento que os investimentos tiveram no ano passado. A FBCF cresceu apenas 0,1 ponto percentual entre 2010 e 2011, mesmo em cenário de avanço mais fraco da atividade, que, segundo o ministério, cresceu apenas 3,2% em 2011 – em 2010, o PIB saltou 7,5%.

O avanço dos investimentos será impulsionado, dentre outros canais, pela redução do custo de crédito para as empresas. Os cortes contínuos na taxa básica de juros, a Selic, produzidos pelo Banco Central (BC) desde agosto do ano passado, terão efeito concentrado, estimam os economistas do governo, a partir do segundo semestre deste ano.

Parte deste recuo, avaliam os economistas, deve também forçar novas reduções nos juros cobrados pelos bancos das companhias que tomam dinheiro emprestado para investimentos e capital de giro. A diferença entre o custo de captação de recursos dos bancos (taxa Selic) e os juros cobrados das empresas – o spread bancário – deve cair.

Atualmente, o spread embutido nas taxas de juros cobradas das empresas pelos bancos é de 18 pontos percentuais sobre o custo de captação. Segundo dados do Banco Central, compilados no documento do Ministério da Fazenda, a taxa de operação passiva é de 10,28% ao ano, mas a taxa média cobrada pelos bancos (taxa de operação ativa) é de 28,23% ao ano.

“Houve em 2010 uma redução [no spread] de 0,2 ponto percentual e em 2011 uma redução de 0,4 ponto percentual. O spread incentiva a realização de captações externas por empresas brasileiras que possuem acesso ao mercado internacional”, diz o documento divulgado pelo ministério.

A Fazenda também aproveitou para fazer um “exercício estatístico” com a inflação, ao estimar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2011 com a nova estrutura de ponderação do índice, válida a partir de janeiro. O IPCA seria de 6,1% e não de 6,5%, caso fosse aplicada a nova Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008/2009).

O renascimento do Estado-nação, por Rodrik

Por Marco Antonio L.

Do Valor Econômico

O renascimento do Estado-nação

Dani Rodrik

Um dos mitos básicos de nossa era é o de que a globalização condenou o Estado-nação à irrelevância. A revolução nos transportes e comunicações, costuma-se ouvir, pulverizou fronteiras e encolheu o mundo. Novas formas de governo, desde redes transnacionais de agências de regulamentação até organizações internacionais da sociedade civil e instituições multilaterais, vêm transcendendo e suplantando os parlamentares nacionais. As autoridades políticas domésticas, comenta-se, são impotentes ante os mercados mundiais.

p>A crise financeira mundial acabou com esse mito. Quem socorreu os bancos, injetou liquidez, empenhou-se em estímulos fiscais, proporcionou redes de segurança social para desempregados e evitou a escalada da catástrofe? Quem está reescrevendo as regras de supervisão e regulamentação dos mercados financeiros para impedir outra crise? Quem leva a maior parte da culpa por tudo que sai errado? A resposta é quase sempre a mesma: os governos nacionais. O G-20, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, em geral, ficaram em segundo plano.

Quem socorreu os bancos e evitou a escalada da catástrofe? Quem está revendo a regulamentação dos mercados para impedir outra crise? Quem leva a maior parte da culpa por tudo que sai errado? A resposta é quase sempre a mesma: os governos nacionais

Mesmo na Europa, onde as instituições regionais são relativamente fortes, são os interesses nacionais e as autoridades políticas domésticas, em grande parte, na figura da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, que vêm dominando a definição das políticas. Se Merkel fosse menos apaixonada pela receita de austeridade passada aos países europeus assolados por dívidas e se ela tivesse conseguido convencer seu eleitorado doméstico da necessidade de uma abordagem diferente, a crise da região do euro teria se desdobrado de uma forma bem diferente.

Embora o Estado-nação ainda sobreviva, sua reputação está em frangalhos. A investida intelectual contra o Estado-nação assume duas formas. Na primeira, há a crítica dos economistas que veem os governos como um impedimento à livre circulação de bens, capital e pessoas pelo mundo. Se impedirmos os políticos de intervir com suas regras e barreiras, dizem esses economistas, os mercados mundiais tomarão conta de si próprios e, no processo, criarão uma economia mundial mais integrada e eficiente.

Quem, no entanto, determinará as regras e regulamentações dos mercados, senão os Estados-nações? O "laissez-faire" é uma receita para mais crises financeiras e maior retrocesso político. Além disso, exigiria delegar a política econômica a tecnocratas internacionais, figuras isoladas das pressões inerentes à política - uma situação que restringe seriamente a democracia e a responsabilidade política.

Em resumo o "laissez-faire" e a tecnocracia internacional não proporcionam uma alternativa plausível ao Estado-nação. Na verdade, enquanto não dispomos de mecanismos viáveis de governança mundial, a erosão do Estado-nação, em última análise, traz pouco de positivo para os mercados mundiais.

Na segunda forma, há os pensadores éticos cosmopolitas que condenam a artificialidade das fronteiras nacionais. Como o filósofo Peter Singer disse, a revolução das comunicações gerou uma "audiência global", que cria uma base para uma "ética global". Se nos identificamos com a nação, nossa moralidade permanece nacional. Se, no entanto, cada vez mais nos associarmos ao mundo em geral, nossas lealdades também se expandirão. De forma similar, o economista vencedor do Nobel, Amartya Sen, fala de nossas "identidades múltiplas" - étnicas, religiosas, nacionais, locais, profissionais e políticas - muitas das quais atravessam as fronteiras nacionais.

Não está claro quanto disso é mera expressão de desejo e quanto é baseado em mudanças reais nas identidades e afinidades das pessoas. Pesquisas mostram evidências de que a afinidade das pessoas com o Estado-nação continua bastante forte.

Há poucos anos, a Pesquisa Mundial de Valores consultou pessoas em vários países sobre sua afinidade com as comunidades locais, suas nações e o mundo em geral. Não foi nenhuma surpresa descobrir que os pesquisados que se viam como cidadãos nacionais superavam amplamente os que se consideravam cidadãos do mundo. Surpreendentemente, no entanto, a identidade nacional superava até a identidade local nos Estados Unidos, Europa, Índia, China e na maioria dos outros lugares.

A mesma pesquisa indica que os mais jovens, os que têm mais estudo e os que se identificam como sendo das classes mais altas são mais propensos a se sentir associados ao mundo em geral. É difícil, no entanto, identificar qualquer faixa demográfica em que a afinidade à comunidade mundial supera a ligação ao país.

Por maiores que tenham sido os declínios nos custos com transportes e comunicações, não foram suficientes para tirar a geografia de cena. As atividades políticas, sociais e econômicas continuam agrupadas em torno a preferências, necessidades e trajetórias históricas que variam ao redor do mundo.

A distância geográfica é um determinante de intercâmbio econômico tão forte quanto era há 50 anos. Mesmo a internet, no fim das contas, não é tão independente das fronteiras quanto parece: um estudo mostrou que os americanos são mais inclinados a visitar sites de países fisicamente próximos do que de lugares mais distantes, mesmo levando em conta o idioma, renda e muitos outros fatores.

O problema é que ainda estamos sob o domínio do mito do declínio do Estado-nação. Líderes políticos alegam impotência, intelectuais sonham com esquemas implausíveis de governança global e os que se veem como perdedores, cada vez mais, culpam os imigrantes ou as importações. Quando se fala sobre revigorar o Estado-nação, pessoas respeitáveis fogem assustadas, como se tivessem ouvido uma proposta de reinstituir a praga.

Naturalmente, a geografia de afinidades e identidades não é fixa: de fato, vem mudando ao longo da história. Isso significa que não devemos descartar inteiramente a probabilidade de surgimento de uma verdadeira consciência mundial no futuro, juntamente com comunidades políticas transnacionais.

Os desafios atuais, entretanto, não podem ser enfrentados por instituições que (ainda) não existem. Por enquanto, as pessoas ainda precisam recorrer a seus governos nacionais em busca de soluções, o que continua sendo a melhor esperança de uma ação coletiva. O Estado-nação pode ser uma relíquia que nos foi legada pela Revolução Francesa, mas é tudo o que temos.

Dani Rodrik é professor de Economia Política Internacional na Harvard University e autor de "The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy" (o paradoxo da globalização: democracia e o futuro da economia mundial, em inglês). Copyright: Project Syndicate, 2012.

sexta-feira, fevereiro 10, 2012

O que está em jogo é o futuro da espécie e não o sistema econômico


Do Site do Leonardo Boff

http://leonardoboff.wordpress.com/2012/02/10/o-que-esta-em-jogo-e-o-futuro-da-especie-e-nao-o-sistema-economico/

Já disse neste espaço que as contribuições semanais do jornalista Washington Novaes de O Estado de São Paulo estão entre as melhores que se publicam na grande imprensa brasileira. Sempre atualizado, pertinente e com o enfoque nas mudanças necessárias. Este artigo é importante porque vários nomes da economia brasileira ou comentaristas econômicos estão despertando para a gravidade da crise ecológica e dos limites físicos do planeta Terra como André Lara Resende, Delfim Neto, Luiz Gonzaga Beluzzo e Miriam Leitão entre outros.Quando os economistas falam nestes assuntos é sinal de que a crise deve ser levada a sério, pois são eles que, por profissão, pensam a lógica e o destino do processo econômico, especialmente, o vigente, de viés capitalista em plena crise de seus fundamentos.
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É curioso e inquietante. À medida em que se vai o tempo e se aproxima o momento da realização da conferência Rio + 20 (que será em junho, no Rio de Janeiro), mais freqüentes se tornam as manifestações de dúvidas quanto à possibilidade de a discussão avançar em direção a formatos concretos de “governança planetária sustentável” e “economia verde” no plano global – seus temas centrais. Por que caminhos práticos e viáveis se chegaria aí, quando, neste momento de crise universal, nenhum país parece disposto a abrir mão de suas regras internas nem abandonar os tradicionais caminhos de aumentar a demanda, sobrecarregar o consumo de recursos naturais, para favorecer o crescimento econômico ? Como deixar de lado as fórmulas repisadas, do monetarismo absoluto ao keynesianismo e vizinhanças?

E, no entanto, lentamente a discussão e o noticiário parecem aproximar-se de um limite indesejado e execrado até em palavras – o da finitude dos recursos físicos, num momento em que o consumo global já está mais de 30% além da possibilidade de reposição planetária; em que já se perdeu também mais de 30% da biodiversidade total; e ainda é preciso avaliar as conseqüências de a população mundial caminhar dos 7 bilhões de indivíduos de hoje para 9 bilhões, pelo menos, até 2050. E isso obrigará só a produção de alimentos – para ficar em um único item – a aumentar 70%. Sem falar no bilhão de pessoas que passam fome, nos 40% da humanidade que vivem abaixo da linha da pobreza.

Bem ou mal, entretanto, o tema vai chegando à comunicação, com a força de diagnósticos e opiniões de economistas e outros intelectuais conceituados. Um deles (Os novos limites do possível) é do ex-presidente do BNDES e um dos autores do bem-sucedido Plano Real, André Lara Resende, que há poucos dias o publicou no jornal Valor (20/1/12 e ver O Globo de 5/2/12). Ali, entre muitas coisas, afirma ele que “não há mais como pretender que a economia mundial poderá continuar a crescer (…) Não há mais como contar com o crescimento da demanda de bens materiais para crescer. O crescimento pode não ser mais a opção de saída para a crise (…) Não há como viabilizar sete bilhões de pessoas com o padrão de consumo e as aspirações do mundo contemporâneo, nos limites físicos da Terra (…) O crescimento baseado na expansão do consumo de bens materiais está no seu capítulo final”. Subscrevendo a tese do economista Paul Gilding, da Universidade de Cambridge, pensa ele que “seremos obrigados a enfrentar uma parada brusca profundamente traumática”. E a reorganização da economia é “questão de, no máximo, uma década”.

Parece curiosa a evolução do pensamento do ex-presidente do BNDES. Porque no livro O Rio é tão longe” (Companhia das Letras, 2011), que traz a correspondência de décadas entre Otto Lara Resende e Fernando Sabino, o pai de André, numa carta de 1959, conta que o filho, então com oito anos de idade, perguntou à mãe: “Se Adão e Eva não tivessem pecado, ninguém morria. Então, como é que ia caber tanta gente na Terra e como é que ia todo mundo comer ?” Observava Otto que “esse menino vai longe, acaba na Cofap.” Foi muito além,chegou à autoria, com outros economistas, dos planos Cruzado e Real, à presidência do BNDES, muitos caminhos. Mas agora, meio século depois, continua preocupado com a finitude de recursos.

Essa inquietação já estava presente no livro O que os economistas pensam da sustentabilidade (Editora 34 – 2010), já comentado neste espaço, onde André Lara Resende afirma que “estamos ameaçando perigosamente o sistema ecológico”; essa idéia “é absolutamente verdadeira e tem de ser enfrentada (…) Mais crescimento pode se tornar menos bem-estar (…) A restrição ecológica, sobre a qual não se prestava atenção porque parecia distante, hoje é premente”. E, pesando sobre tudo, a frase que se torna um desafio para os economistas e todos os que pensam: “O Estado-Nação se tornou uma coisa anacrônica (…) Você tem de ter um governo central, é óbvio, mas o mundo ficou pequeno (…) Quem está ameaçada é a humanidade, não o ecossistema”. Desafios gigantescos, compartilhados – em parte ou não – no livro com professores como Ricardo Abramovay, Edmar Bacha, Eduardo Giannetti, José Eli da Veiga, Besserman Vianna e vários outros. Abramovay chega a dizer que “o que está em jogo, hoje, em torno de uma questão de sobrevivência da espécie humana, não apenas da sobrevivência do sistema capitalista, mas da democracia e da civilização contemporânea, é a capacidade das economias descentralizadas de responder ao desafio da sustentabilidade”.

Sempre surgem vozes que colocam em dúvida diagnósticos com os do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Organização para a Alimentação e a Agricultura (ONU), Worldwatch Institute, WWF e muitos outros, que apontam para a inviabilidade dos caminhos que estão levando à exaustão de recursos – e à impossibilidade de, nos atuais padrões de produção, atender ao consumo futuro.Mas basta relembrar o estudo publicado já em 2007 pela revista New Scientist, comentado aqui (27/7/2007), mostrando que em pouco tempo de esgotarão as reservas conhecidas de vários dos minérios mais utilizados, inclusive em setores estratégicos, como chips de computadores, telefones celulares, catalisadores de veículos, células d combustível. Eles dependem de platina, índio, háfnio, térbio, tântalo, antimônio, zinco, cobre, níquel, fósforo e outros, todos com horizonte curto.

Ainda uma vez, é preciso pensar na situação privilegiada do Brasil em várias áreas – háfnio, níquel, tântalo, alumínio, estanho. E conceber estratégias adequadas, não apenas em termos econômicos, de crescimento de mercados, projeções de demandas etc. – mas de sustentabilidade. E não apenas em termos nacionais, mas globais. Os tempos que estão chegando são outros. É preciso ter competência e urgência.

Publicado em O Estado em 10/2/12 sob o titulo: Os economistas dizem o que está em jogo.

Marinho, Frias e a tortura.



"Seu" Frias na Secessão de 1932: era só o torturador pedir


Do Conversa Afiada


O Blog do Miro reproduz espantoso documento sobre a ação do DOPS e dos torturadores do regime militar – todos anistiados pelo STF, depois de exemplar relatoria de Eros Grau.

A jornalista Marina Amaral fez entrevistas reveladoras.

Inclusive sobre o papel dos condestáveis do PiG (*), Roberto Marinho, ainda hoje Presidente das Organizações (?) Globo, e do “seu” Frias, combatente de 1932, e Localiza dos carros da OBAN, que ainda hoje desenha a primeira página da Folha (**).

Roberto Marinho, na verdade, “jornalista” Roberto Marinho é nome da avenida que, em São Paulo, se tornou símbolo da corrupção da Era Maluf.

E o “seu” Frias é uma ponte.

Os dois, portanto, representam o que São Paulo tem de melhor.

A reportagem também trata do “CCC”, Comando de Caça aos Comunistas, excelsa organização de ilustres membros, que está a merecer trabalho jornalístico mais profundo.

Em tempo: em nome da verdade factual, diria o Mino Carta: quem deu o nome de avenida “jornalista” Roberto Marinho foi a prefeita Martha Suplicy. A ponte “seu” Frias foi homanagem do prefeito Padim Pade Cerra, o Breve. A ponte liga uma avenida à sede da Globo. É o “Corredor do PiG” em São Paulo.

Vamos ao depoimento de um “bom cristão”, brasileiríssimo:



Marinho, Frias e o Mr. Dops

Por Altamiro Borges

Em mais uma de suas excelentes reportagens, a jornalista Marina Amaral entrevista por mais de 15 horas José Paulo Bonchristiano, um dos poucos delegados ainda vivos do famigerado Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Ele evita falar sobre as torturas e mortes nos porões da ditadura militar, mas ainda hoje se jacta dos serviços de espionagem prestados pelo órgão.

Num dos trechos da entrevista, Bonchristiano confirma a íntima relação dos aparelhos de repressão com os barões da mídia. Sobre Roberto Marinho, o falecido dono do império Globo, afirma que ele “passava no DOPS para conversar com a gente quando estava em São Paulo”. Sobre Octávio Frias, o falecido chefão da Grupo Folha, relata que telefonava para ele “para pedir o que o DOPS precisasse”.
Reproduzo abaixo a reportagem, publicada na agência de jornalismo investigativo Pública:


*****

Aos 80 anos, José Paulo Bonchristiano conserva o porte imponente dos tempos em que era o “doutor Paulo”, delegado do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo, “o melhor departamento de polícia da América Latina”, não se cansa de repetir. “O DOPS era um órgão de inteligência policial, fazíamos o levantamento de todo e qualquer cidadão que tivesse alguma coisa contra o governo, chegamos a ter fichas de 200 mil pessoas durante a revolução”, diz, referindo-se ao golpe militar de 1964, que deu origem aos 20 anos de ditadura no Brasil.

Embora esteja aposentado há 27 anos, não há nada de senil em sua atitude ou aparência. Os olhos astutos de policial ainda dispensam os óculos para perscrutar o rosto do interlocutor, endurecendo quando o delegado acha que é hora de encerrar o assunto.

Bonchristiano gosta de dar entrevistas, mas não de responder a perguntas que lancem luz sobre os crimes cometidos pelo aparelho policial-militar da ditadura do qual participou entre 1964 e 1983: prisões ilegais, sequestros, torturas, lesões corporais, estupros e homicídios que, segundo estimativas da Procuradoria da República, vitimaram cerca de 30 mil cidadãos. Destes, 376 foram mortos, incluindo mais de 200 que continuam até hoje desaparecidos.

Os arquivos do DOPS se tornaram públicos em 1992, mas muitos documentos foram retirados pelos policiais quando estavam sob a guarda do então diretor da Polícia Federal e ex-diretor geral do DOPS, Romeu Tuma. Entre os remanescentes estão os laudos periciais falsos, produzidos no próprio DOPS, que transformavam homicídios cometidos pelos agentes do Estado em suicídios, atropelamentos, fugas. No caso dos desaparecidos, os corpos eram enterrados sob nomes falsos em valas de indigentes em cemitérios de periferia.

Globo, Folha, Bradesco – e Niles Bond

Bonchristiano é um dos poucos delegados ainda vivos que participaram desse período, mas ele evita falar sobre os crimes. Prefere soltar o vozeirão para contar casos do tempo em que os generais e empresários o tratavam pelo nome. Roberto Marinho, da Globo, diz, “passava no DOPS para conversar com a gente quando estava em São Paulo”, e ele podia telefonar a Octávio Frias, da Folha de S. Paulo “para pedir o que o DOPS precisasse”. Quando participou da montagem da Polícia Federal em São Paulo, conta, o fundador do Bradesco mobiliou a sede, em Higienópolis: “Nós do DOPS falamos com o Amador Aguiar ele mandou por tudo dentro da rua Piauí, até máquina de escrever”.

O “doutor Paulo” sorri enlevado ao lembrar dos momentos passados com o marechal Costa e Silva (o presidente que assinou o AI-5 em dezembro de 1968, suspendendo as garantias constitucionais da população). “O Costa e Silva, quando vinha a São Paulo, dizia: ‘Eu quero o doutor Paulo Bonchristiano’”, e imita a voz do marechal – ele adora representar os casos que conta.

“Eu fazia a escolta dele e ele me chamava para tomar um suco de laranja ou comer um sanduíche misto na padaria Miami, na rua Tutóia, vizinha ao quartel do II Exército. Todo mundo querendo saber onde estava o presidente da República, e eu ali”, delicia-se.

Gaba-se de ter sido enviado para “cursos de treinamento em Langley” nos Estados Unidos, pelo cônsul geral em São Paulo, Niles Bond, que admirava a “eficiência” da polícia política paulista. E o chamava de “Mr. Dops”.

Orgulha-se também de outro apelido – “Paulão, Cacete e Bala” – que diz ter saído da boca dos “tiras” quando “caçava bandidos” na RUDI (Rotas Unificadas da Delegacia de Investigação), no início da carreira, com um “tira valente” chamado Sérgio Fleury. Anos depois, os dois se reencontrariam na Rádio Patrulha, de onde saiu a turma do Esquadrão da Morte, levada para o DOPS em 1969, quando Fleury entrou no órgão.

“Polícia é polícia, bandido é bandido”, diz Bonchristiano. “Para vocês de fora é diferente, mas para nós, acabar com marginal é uma coisa positiva. O meu colega Fleury merecia um busto em praça pública”, afirma, sem corar.

O delegado Sérgio Fleury e sua turma de investigadores se celebrizaram por caçar, torturar e matar presos políticos no DOPS, enquanto continuavam a exterminar suspeitos de crimes comuns no Esquadrão da Morte.

Conversas gravadas

No decorrer de nove tardes passadas, entre junho de 2010 e janeiro deste ano, em seu apartamento no Brooklin, no 13º andar de um prédio de classe média alta, aprendi a escutar com paciência os “causos” que “doutor Paulo” narra com humor feroz, até extrair informações relevantes. Repetidas vezes eu as confrontava com livros e documentos e voltava a inquiri-lo; a proposta era que ele se responsabilizasse pelo que dizia.

De certo modo, meu embate com o “doutor Paulo” antecipava as dificuldades que serão enfrentadas pela Comissão da Verdade, a ser instalada em abril para apurar fatos e responsáveis – sem punição penal prevista – pelas violações de direitos humanos cometidas pelo Estado entre 1946 e 1988, abrangendo o período da ditadura militar. O objetivo da comissão é devolver aos cidadãos brasileiros um passado que ainda não se encerrou, como provam os desaparecidos, e impedir que funcionários públicos sigam mantendo segredo sobre atos praticados a mando do Estado.

A fragilidade da lei em pontos cruciais, porém, provoca ceticismo nas organizações de direitos humanos, em especial ao permitir o sigilo de depoimentos – ferindo o direito à transparência pública –, e ao não prever punições aos responsáveis pelos crimes, nem mesmo medidas coercitivas para os que se recusarem a depor.

“Não vou depor. Acho bobagem”, diz Bonchristiano. “Nunca pratiquei irregularidades, mas não sou dedo duro e não vejo utilidade nessa comissão”, justifica o funcionário público, aposentado aos 53 anos, e que recebe hoje 11 mil reais por mês de pensão.

Minhas conversas com Mr. DOPS renderam 15 horas de gravação que revelam a mentalidade e as conexões políticas dos policiais que atuaram na repressão do governo militar. E provam que os detentores das informações estão por aí – embora continuem ocultando as circunstâncias exatas em que os crimes foram cometidos e os mandantes de cada um deles.

Torturadores e repressores

O nome de Bonchristiano – que significa “bom cristão” e veio de Salerno, Itália – não consta das principais listas de torturadores compiladas por organizações de direitos humanos.

O Projeto Brasil Nunca Mais, um extenso levantamento realizado clandestinamente entre 1979 e 1985 com base nos IPMs (inquéritos policiais militares), é até hoje a principal referência, embora muitas vezes liste apenas os “nomes de guerra” dos torturadores, já que os reais eram desconhecidos das vítimas.

No tomo II, volume 3, “Os funcionários”, Paulo Bonchristiano é citado oito vezes em operações de repressão. Mas seu nome também não consta da chamada Lista de Prestes, de 1978, liberada recentemente pela viúva do líder comunista, que traz vários nomes completos e os cargos de 233 torturadores denunciados por presos políticos – entre eles 58 policiais do DOPS de São Paulo, 21 deles delegados.

As lacunas dessa história, porém, não permitem descartar a revelação de novos nomes. Entre 1968 e 1976 – o período mais duro da ditadura –, as torturas faziam parte do cotidiano de todos os policiais e militares envolvidos na repressão. O DOPS era “manejado pelos militares como um órgão federal”, como observa o jornalista Percival de Souza no livro “Autópsia do Medo”, do qual o Paulo Bonchristiano participa como fonte e personagem, qualificado como “um dos delegados mais conhecidos do DOPS”.

Nas entrevistas à Pública, o ex-delegado resistiu duas tardes inteiras antes de admitir que se torturava e matava no “melhor departamento de polícia da América Latina” – o que hoje qualquer cidadão pode constatar através dos depoimentos reunidos no “Memorial da Resistência”, museu que desde 2002 ocupa as antigas instalações do DOPS, no centro de São Paulo.

Nem mesmo o fato de Sérgio Fleury ter se celebrizado como torturador impediu Bonchristiano de tentar isentar o órgão: “O Fleury era do DOPS e não era do DOPS, era o homem de ligação do DOPS com os militares, era delegado das Forças Armadas, do Alto Comando. Não obedecia a ninguém, interrogava presos no DOPS, no DOI-CODI, em delegacias, sítios, no país inteiro. Todo o segundo andar do DOPS era dele, tinha que telefonar antes: ‘Fleury eu vou descer pra falar com você’. Se não, a gente não entrava. Ele tinha uma porta lá, todo misterioso”.

Bonchristiano ainda se lembra, e muito bem, das antigas desavenças com o ex-colega.

“O Fleury estava em todas, se metia em tudo, perdi muitos ‘tiras’ para ele porque lá eles ganhavam mais, tinha um ‘por fora’”, contou na segunda entrevista. “Uma vez prendi um cara em um aparelho no Tremembé, e quando estava chegando no DOPS, o Fleury pediu o preso emprestado, não lembro o nome dele. Depois de dois dias sem notícias do preso, fui perguntar para o Fleury, e ele me pediu desculpas, tinha matado o cara que eu nem ouvi”, relata, como se fosse um contratempo na repartição. “Chegou uma hora que só ele que dominava. Só se falava dele”.

“Graças a Deus só se fala no Fleury”, reagiu dona Vera, a elegante senhora com quem o ex-delegado é casado há 53 anos, que entrava na sala trazendo refrigerantes. E emendou: “Zé Paulo, essa entrevista já não está durando demais?”, frase que ela repetiria muitas vezes depois.

Foi na terceira entrevista – quando já acumulávamos seis horas de gravação – que o “doutor Paulo”, sem dona Vera na sala, finalmente confirmou que “sabia de tudo” o que acontecia no DOPS. E se “justificou”: “Eu não podia fazer nada, isso era com o pessoal de lá de cima. Eu era delegado de segunda classe, respondia apenas ao diretor do DOPS, o resto era com eles”.

Bonchristiano tornou-se delegado de 2ª classe em 1969 e foi promovido “por merecimento” a delegado de 1ª classe em 1971.

Naquele mesmo dia, admitiu que frequentava os outros centros de tortura montados em São Paulo a partir de 1969, como a OBAN (Operação Bandeirante) e o DOI-CODI, comandados pelo Exército e compostos de policiais civis e militares instruídos a torturar. Só no período de 1970 a 1974, a Arquidiocese de São Paulo reuniu 502 denúncias de tortura no DOI-CODI paulista, apelidado jocosamente pelos policiais de “Casa da Vovó”.

Bonchristiano disse então que “alguns da diretoria do DOPS” participaram da montagem da OBAN – “os militares não entendiam nada de polícia, depois aprenderam” – e que cederam três delegados no início das operações, todos incluídos entre os torturadores na Lista de Prestes: Otávio Medeiros, ligado ao CCC (Comando de Caça aos Comunistas) e à TFP (Tradição, Família e Propriedade), assassinado em 1973 por militantes da resistência armada; Renato d’Andrea, colega de Bonchristiano na Faculdade de Direito da PUC; e Raul Nogueira de Lima, o Raul Careca, ex-investigador subordinado a Bonchristiano e ligado ao CCC, que se tornaria delegado depois.

Levaram também os métodos da polícia, incluindo o pau-de-arara – na origem um cabo de vassoura apoiado em duas mesas, onde os policiais deixavam o preso pendurado por pulsos e tornozelos até que a dor insuportável os fizesse “confessar”.

“O pau-de-arara não é, assim, uma tortura, vai tensionando os músculos, se o cara falar logo não fica nem marca, mas se o cara for macho e segurar…”, explicou-me ele certa vez. Diante de minha expressão escandalizada, concedeu: “choques, sim, dependendo”. E completou: “Naquela época foi diferente, o governo estava tentando melhorar o país. Aí nós tivemos que fazer essa luta. Nunca considerei os comunistas bandidos, considerava ideologicamente inimigos. Tanto que eu sempre falei, não poderia haver mortes”.

Bonchristiano disse que frequentava a OBAN e o DOI-CODI para “buscar presos, não para levar”, buscando distanciar-se das mal afamadas equipes de captura da OBAN, que realizavam prisões ilegais. Alguns eram soltos sem que sua passagem nos órgãos policiais fosse sequer registrada; outros eram enviados para os cárceres do DOPS, onde assinavam as “confissões” e tinham a “prisão preventiva” decretada.

“Maçã Dourada”, os paramilitares e o DOPS

Em seus primeiros anos no DOPS, Bonchristiano se especializou em infiltrações em movimentos sindicais, mas a partir de 1968 os estudantes se tornaram prioridade. “Quem faz revolução é estudante, operário faz revolução na Rússia”, costumava dizer.

Uma das operações das quais mais se orgulha, que o levou às páginas de revistas e jornais, foi o desmantelamento do Congresso da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna, em 12 de outubro de 1968, comandado por ele. “Prendi 1263 estudantes sem disparar um tiro”, diz – embora os policiais do DOPS e da Força Pública de Sorocaba tenham comprovadamente anunciado sua chegada com rajadas de metralhadora para o ar. “Coloquei a garotada em 100 ônibus cedidos pela (viação) Cometa e levei todo mundo para o DOPS. Separei os líderes e liberei o resto para ir para casa. Não tínhamos vontade de matá-los, eram estudantes”, ironiza.

Entre os 11 líderes que Bonchristiano mandou para o Forte de Itaipu, em Santos, estão os ex-ministros Franklin Martins e José Dirceu, e o líder estudantil Luiz Travassos, já falecido.

“Eu sabia tudo o que o Dirceu fazia porque ele era metido a galã e eu coloquei uma agente nossa para seduzi-lo”, gaba-se o delegado. “Ela era muito bonita, a Maçã Dourada, e me contava todos os passos dele”, diz o delegado. A “estudante” Heloísa Helena Magalhães, uma das 40 moças contratadas pelo DOPS para esse tipo de serviço, segundo ele, chegou a ser secretária de Dirceu na UNE.

Dias antes, havia acontecido o famoso embate entre estudantes de direita reunidos no Mackenzie e estudantes da Faculdade de Filosofia da USP, na rua Maria Antonia, base de resistência contra a ditadura. Pelo lado da direita, os conflitos foram publicamente liderados por João Marcos Flaquer, fundador do CCC, organização paramilitar idealizada por Luís Antonio Gama e Silva, o jurista que redigiu o AI-5 após se afastar da reitoria da USP para assumir o Ministério da Justiça de Costa e Silva.

Flaquer não era do Mackenzie – estava no último ano de Direito na USP – e dividia o comando dos combates com Raul Nogueira de Lima, o Raul Careca, “tira” do DOPS, subordinado a Bonchristiano. Oficialmente, a polícia só entrou no campus no segundo dia de conflitos, depois que um tiro, atribuído a um membro do CCC, Ricardo Osni, atingiu um estudante secundarista. Mas, segundo Bonchristiano, havia outras forças por trás dos conflitos:

“Foi o João Marcos que fundou o CCC e salvou os estudantes de passarem todos para o comunismo, por isso os americanos também gostavam dele”, diz o ex-delegado. “Ele tinha uma capacidade fabulosa, era forte demais, um cara fora de série, muito meu amigo. Eu o conhecia desde o segundo ano da faculdade, ele queria ser delegado mas a família dele era muito rica e não o queria metido com polícia, então ele vinha para o DOPS comigo. Ele dirigia toda essa parte de estudantes, infiltrava gente entre os esquerdistas. Se tinha alguma coisa que interessava ao DOPS, ele fazia. Mas só com minha anuência”, gaba-se o ex-delegado, que diz participado do planejamento do conflito.

O CCC começou com cerca de 400 membros e chegou a reunir 5 mil homens – boa parte deles militares e policiais. Andavam armados, espancavam estudantes e artistas que se opunham à ditadura e seus atentados mataram pelo menos duas pessoas.

João Marcos Flaquer, Ricardo Osni, João Parisi Filho e José Parisi, “estudantes” do CCC, eram colaboradores do DOI-CODI e constam da lista de torturadores do Brasil Nunca Mais.

Os dois primeiros, bem como o mentor Gama e Silva, também participavam de encontros que reuniam policiais da CIA e do DOPS. “A especialidade da CIA era fomentar organizações paramilitares como o CCC. Acho bem possível que eles recebessem, além de apoio, dinheiro”, diz a socióloga Martha Huggins, da Tulane University, New Orleans, pesquisadora de programas de treinamento de policiais estrangeiros pela CIA.

Afinidades eletivas: o DOPS e a CIA

Bacharel de Direito pela PUC-SP, filho de uma farmacêutica e um bancário, José Paulo Bonchristiano não entrou na polícia política por acaso. Ele e a turma de amigos da faculdade – seis deles futuros delegados do DOPS – eram anticomunistas viscerais e católicos conservadores, e representavam a direita no centro acadêmico 22 de agosto.

Esse perfil agradava ao experiente delegado Benedito de Carvalho Veras, que os recrutou em 1957 quando cursavam o último ano de Direito e faziam estágio na polícia. Veras, que se tornaria secretário de segurança do governador Jânio Quadros no ano seguinte, estava à procura de quadros para modernizar a polícia, sob orientação do Programa do Ponto IV – idealizado pelo presidente americano, Harry Truman, com o objetivo de prevenir a “infiltração comunista”. Isso se traduzia na combinação de ajuda econômica e treinamento das forças policiais dos países da região.

A intenção era “profissionalizar” a polícia brasileira – sobretudo os que lidavam com crimes políticos e sociais – para que barrassem o comunismo sob qualquer governo.

No mesmo ano em que Veras assumia a secretaria de segurança e nomeava Bonchristiano como delegado substituto de polícia, uma deputada (Conceição da Costa Neves, do PTB, que fazia oposição ao então governador Jânio Quadros) denunciava publicamente ter sido vítima de um grampo telefônico. “Foi o primeiro grampo que se tem notícia em São Paulo”, conta o ex-delegado, que conheceu de perto o autor da “inovação tecnológica”, o escrivão Armando Gomide, futuro agente do o Serviço Nacional de Informações (SNI). Gomide havia aprendido o “grampo” com os instrutores do Ponto IV, que também forneceram equipamentos para melhorar a qualidade das gravações.

Em 1962, o programa passou a ser dirigido pelo OPS – Office of Public Safety – uma “célula da CIA incrustrada dentro da AID (Agency for International Development, no Brasil, mais conhecida como USAID)”, nas palavras da professora Martha Huggins.

Além de treinar 100 mil policiais no Brasil, a OPS-CIA selecionava policiais e oficiais militares para estudar em suas escolas no Panamá (1962-1964); e nos Estados Unidos, depois que a Academia Internacional de Polícia (IPA) foi inaugurada em 1963 em Washington, funcionando até 1975. No Brasil, o OPS ficou até 1972, quando o Congresso americano começou a investigar as denúncias de que o programa patrocinava aulas de tortura.

A IPA foi um das “escolas” nos Estados Unidos que recebeu Bonchristiano antes mesmo do golpe militar. Dois anos antes – logo depois de ser aprovado no concurso para delegado de 5ª classe, o início da carreira, ele já frequentava a casa do diretor DOPS Ribeiro de Andrade, no Jardim Lusitânia, em São Paulo. “Ele estava sempre de portas abertas para nós, ficávamos lá conspirando”, ironiza.

Foi ali que Bonchristiano conheceu o policial americano Peter Costello, que veio para o Brasil em 1962 como instrutor da OPS depois de treinar 2.500 homens em técnicas de controle de distúrbios na Coréia. “Era um sujeito austero, falava português e entendia de polícia, deu curso de algemas, tiro rápido e outros para os policiais do DOPS, conta, completando: “Alguns meninos do CCC também participaram”.

Antes de 1964 os delegados do DOPS já contavam com a ajuda dos americanos para identificar os “comunistas”, muitos deles presos logo depois do golpe. “A ordem que a gente tinha desde o começo era identificar e prender todos os comunistas. Queríamos acabar com o Partido Comunista”, diz Bonchristiano.

Para contribuir com essa missão, “o Ponto IV nos contemplou com fotografias dos frequentadores (brasileiros) dos cursos de guerrilha na China”, relatou Renato d’Andrea, um dos delegados que foram da turma de Bonchristiano na PUC, ao jornalista Percival de Souza.

Na primeira operação importante que Bonchristiano realizou no DOPS, em abril de 1964, foi a vez de retribuir, entregando aos americanos as 19 cadernetas apreendidas na casa do líder comunista Luiz Carlos Prestes. As cadernetas foram xerocadas nos Estados Unidos (aqui ainda não existia o xerox) e retornaram 15 dias depois para o Brasil, servindo de base para a prisão de diversos militantes comunistas.

Só sobraram as cópias das cadernetas de Prestes, hoje nos arquivos do DOPS – os originais, segundo o “doutor” Paulo, desapareceram. Por aqui as cadernetas serviram de base a um dos maiores IPMs da primeira fase da ditadura, e foram usadas como justificativa para a prisão de diversos militantes comunistas como Carlos Marighella, que o próprio Bonchristiano foi encarregado de conduzir a São Paulo, depois que ele havia sido preso e baleado em um cinema no Rio, em 1964. Solto em 1965, Marighella foi assassinado em uma emboscada de policiais do DOPS em 1969.

“É uma bobagem danada dizer que a CIA mandava no DOPS, que nós éramos agentes da CIA, não era nada disso, nós éramos delegados do DOPS”, resmunga o doutor Paulo. “A América do Sul sempre foi o quintal dos Estados Unidos, e eles olhavam muito para nós, tinham medo do Brasil se tornar comunista. E notaram que tinha um departamento de polícia em São Paulo que trabalhava firme nisso. Porque o DOPS de São Paulo fazia todos os levantamentos que conduzissem a algum elemento do Partido Comunista em todo o Brasil, na América Latina inteira”.

Mr. Dops e Mr. Bond

“Depois que o presidente Truman criou a CIA, era a CIA que acompanhava o movimento dos subversivos”, continua. “Então trabalhávamos juntos, viajávamos juntos em muitos casos, mas nossas reuniões eram fora do DOPS, na happy hour de bares de hotéis como o Jandaia e o Jaraguá, no centro de São Paulo. O Fleury também ia, o Flaquer, o Gama e Silva e até o Carlos Lacerda (ex-governador do Rio, que conspirou pelo golpe e acabou sendo cassado em 1968). O Niles Bond era chefe lá deles, sujeito bacana, conhecia bem o Brasil, e gostava muito de mim. Me chamava de Mr. Dops, porque eu sempre o atendia em tudo que precisava e era ele que me mandava para Langley”, frisa mais uma vez, mostrando uma foto sua com trajes de George Washington ao lado de um colega fantasiado de soldado federalista, tirada durante uma de suas estadas em Washington (FOTO).

“Não lembro quando foi tirada porque estive oito vezes em cursos de treinamento nos Estados Unidos (entre 1963 e 1970)”, diz ele. “Fiz cursos técnicos, de polígrafo, técnicas de inteligência, infiltração. E sobre o comunismo também, eles tinham verdadeira obsessão. Saí de lá convencido de que eles, sim, são duros, fazem o que for preciso para garantir seus princípios”.

Entre 1959 e 1969, Niles W. Bond foi adido da embaixada no Rio e cônsul geral em São Paulo, segundo seu currículo na Association for Diplomatic Studies and Training, que também aponta a ligação com a CIA desde 1956, quando era assessor político da embaixada italiana.

Langley, frequentemente usado como sinônimo de CIA nos Estados Unidos, é o nome dos arredores da pequena cidade de McLean, na Virginia, onde desde o início da década de 1960 ficam os “headquarters” da agência de inteligência americana, a alguns quilômetros de Washington.

Com o tempo, descobri que quando o doutor Paulo se referia a Langley, significava que estava em treinamento em instalações na CIA, não apenas na sede, mas “em muitos outros lugares, até na Flórida”, como confirmou depois.

As informações sobre a CIA foram reveladas por doutor Paulo quando o inquiri sobre sua transferência, em 1ª de setembro de 1964, para o Ministério da Guerra, lotado no II Exército – informação que obtive checando todas as suas nomeações, transferências e promoções no Diário Oficial (seu currículo oficial omite essa significativa passagem).

Ele diz que foi transferido porque havia sido encarregado (com mais três delegados) de montar um plano de estruturação da Polícia Federal pelo general Riograndino Kruel, irmão do comandante do II Exército, Amaury Kruel (ambos também treinados nos Estados Unidos): “O Edgar Hoover (fundador do FBI) é um cara que admiro muito, e os americanos achavam muito importante montar uma polícia como essa no Brasil – o DOPS paulista já atuava como polícia federal, mas era subordinado à secretaria de segurança estadual, o que atrapalhava nossos movimentos”, explicou.

Até hoje a Polícia Federal registra seus agradecimentos à “revolução de 1964” no site oficial da entidade: “Somente em 1964, com a mudança operada no pensamento político da Nação, a idéia da criação de um Departamento Federal de Segurança Pública, com capacidade de atuação em todo o território, prosperou e veio a tornar-se realidade”.

O capitão americano e a guerrilheira

“Felizmente aqui no Brasil não fizemos como em outros países, matanças. Não houve isso. Houve só morte de quem quis enfrentar a polícia. Isso em qualquer lugar do mundo. Quando uma guerrilha deles lá, um aparelho, matou o nosso colega lá em Copacabana, o Moreira, o que nós tinhamos que fazer? Descobrir os caras e matar também”, ri. “Polícia é assim”, avalia o “doutor” Paulo.

Dulce de Souza Maia, militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) sentiu na carne o peso dessa vingança, quando foi presa na madrugada do dia 25 de janeiro de 1969, enquanto dormia na casa da mãe.

Dois dias antes, vários líderes da VPR tinham sido presos e os repressores já sabiam que ela havia participado de um atentado a bomba no II Exército, que matou o sentinela Mario Kozel Filho. Também havia sido erroneamente apontada como uma das autoras do atentado que em 1968 matou o capitão do Exército americano, Charles Chandler, acusado pelos guerrilheiros de dar aulas de tortura no Brasil a serviço da CIA.

Dulce não sabe dizer se todos que a torturaram no quartel da Polícia do Exército eram militares, mas sua lembrança mais forte é a cara redonda do homem que a estuprou, depois de dar choques em sua vagina. “Eu aguentei 48 horas”, me disse, por telefone. “Depois acabei dando um endereço de um apartamento que eu conhecia porque tinho ido a uma feijoada, não era um aparelho”.

Foi então levada para o DOPS, metida em uma viatura com uma equipe de policiais dos quais não sabe o nome: “Nem lembro das caras, estava quase morta, sei que eles me levaram para a rua Fortunato e apontei o prédio que só reconheci porque tinha parado o meu carro na frente – eu não sabia que o João Leonardo, que inclusive era de outra organização (ALN), morava ali. Lembro só que o vi quando a porta abriu”, lamenta.

A versão do delegado Bonchristiano sobre o mesmo episódio omite detalhes significativos. “Nós estávamos atrás dos caras que mataram o Chandler, coitado, executado na porta da casa dele, no Sumaré. Em 36 horas, o Cara Feia, um tira excepcional que já morreu, sabia quem tinha feito. Aí, uma menina que nós prendemos, nos conta de uma reunião na Rua Fortunato, perto da Santa Casa da Misericórdia. Eu fui com a menina. Mandamos ela tocar a campainha. Peguei o professor que era o dono do apartamento, prendemos. “Voltamos para o DOPS, eu, Tiroteio, Cara Feia e a menina e deixei dois tiras, o Raul Careca e o Nicolino Caveira, para ver se acontecia mais alguma coisa. Telefone. ‘Doutor, o senhor tem que vir aqui, teve um problema’. ‘Muito problema?’ ‘Demais’, quando é demais é que houve morte. Quando cheguei lá, tinha sangue para todo lado. O Raul Careca, que era um ótimo atirador, tinha dado 18 tiros no Marquito (Marco Antonio Brás de Carvalho). Aí que eles me contaram o que tinha acontecido: esse que matou o Chandler tinha chegado e quando abriu a porta, falou assim: “Quem são vocês?” E os tiras: “Nós somos da família”. “Ah é?” E puxou a arma. Os tiras revidaram e ele morreu”.

Bonchristiano jamais mencionou que a “menina” estava quebrada pela tortura. Mas corrigiu a versão que consta do depoimento de Raul Careca em um processo movido pela família de Marquito. Ali ele dizia que foram dois os tiros disparados.

Mano nera

“O caso Chandler gerou consternação, mas, sobretudo preocupação entre o grupo de assessores policiais, pois estes poderiam tornar-se alvo também. Participaram das investigações e ajudaram a identificar as armas utilizadas, enviando o material para estudo em laboratórios de criminalística do FBI”, relata o professor Rodrigo Patto, da UFMG, que estuda a relação entre a USAID e a CIA.

Patto, porém, não sabe dizer se Chandler era de fato da CIA como acreditavam os militantes da ALN e da VPR que decidiram matá-lo. “Ele havia estado no Vietnã, e estava oficialmente em viagem de estudos no Brasil, diz.

Em seguida ao assassinato de Chandler, um ex-instrutor americano de Bonchristiano, Peter Ellena, veio para o Brasil para acompanhar as investigações, o que melindrou o pessoal do DOPS. “Demos para ele a mano nera (símbolo da máfia), a mão negra ensaguentada”, diverte-se, contando que os policiais simularam um bilhete de ameaças dos guerrilheiros para assustar o “gringo”. “Ele ficou morrendo de medo”.

O jornalista Percival de Souza relata que o DOPS produzia relatórios confidenciais diários sobre o caso para o consulado americano, e que descobriram o fio da meada que os levaria a Marquito, “menos de um mês depois do fuzilamento”, registrando em seguida a versão que Bonchristiano continua a defender: um acidente ocorrido na BR-116 no dia 8 de novembro de 1968, na altura de Vassouras (RJ), teria matado Catarina e João Antonio Abi-Eçab que estava em um fusca.

Ao socorrer o casal, a polícia teria encontrado uma metralhadora INA calibre 35, como a que matou Chandler. O DOPS foi avisado, e Bonchristiano viajou imediatamente a Vassouras. Lá o delegado teria descoberto que o casal, militante da ALN, teria ido ao Rio de Janeiro para encontrar Marighella, e que a metralhadora era a mesma que matou Chandler. Tinha encontrado a arma do crime.

O “teatrinho”, como os policiais chamavam as versões criadas para encobrir seus crimes,

foi desmontado a partir do relato de um ex-soldado do Exército ao jornalista Caco Barcellos, em 2001, em que reconheceu Catarina “como presa, torturada e morta em um sítio em São João do Meriti (município vizinho a Vassouras)” e afirmou que os órgãos de repressão, após a execução, teriam forjado o acidente.

Mais uma vez a “eficência” do DOPS veio da tortura. Bonchristiano, que insistiu até o fim na desmentida versão, diz que foi cumprimentado por Niles Bond pelo feito. “O Chandler era um dos nossos, frequentava nossas reuniões, o Bond sabia que eu ia resolver o caso”, gaba-se.

Esticadinha no chão

Em 1983, os ventos democratas extinguiram o DOPS e trouxeram um novo delegado geral, Maurício Henrique Pereira Guimarães, que despachou Bonchristiano para uma obscura seção da Secretaria de Justiça, encarregada das viúvas dos soldados mortos na II Guerra. “Preferi me aposentar, hoje não acredito mais em nada. Fiz o que o presidente queria, os militares queriam, e não ganhei nem aquelas medalhinhas que eles davam para todo mundo”, desdenha, referindo-se à Medalha do Pacificador, entregue pelos militares a torturadores famosos.

Mas o Mr. Dops não tem muito do que reclamar. Em seus primeiros oito anos de DOPS subiu da 5ª para a 1ª classe, como só acontecia aos que participavam da linha de frente da repressão. Ficou um tempo na “geladeira” quando um desafeto, o coronel Erasmo Dias, assumiu a secretaria de segurança (1974-1979). Mas conseguiu depois a promoção a delegado de classe especial e se aposentou no topo da carreira, em 1984.

A família, porém, ainda sofre com o passado do delegado. A filha, uma artista plástica, escolheu o prédio do antigo DOPS como cenário de uma performance acadêmica. No Facebook, comenta que o pai ficou “do lado dos algozes da ditadura”, enquanto uma de suas filhas – neta de Bonchristiano – faz campanha pela Comissão da Verdade em seu perfil.

Dona Vera sente a distância dos netos e lembra com amargura do tempo em que o marido trabalhava no DOPS. Via-se sozinha dias a fio com três filhos pequenos: “Eu não podia falar com ele nem por telefone, ligava lá e me diziam ‘a senhora fica tranquila que ele está bem’”, conta. “E eu, apavorada com as ameaças que a gente recebia por telefone, meus filhos iam escoltados para a escola”, diz.

Ela traz ainda outra lembrança: “Uma vez, minha filha era pequenininha, e quando o Campão, que trabalhava para o Zé Paulo, veio buscá-la para escola, ela desatou a chorar ao ver aquele homão, parecia um índio, vestido de amarelo da cabeça aos pés”, diz.

“Era o meu motorista no DOPS, depois veio me pedir licença para trabalhar com o Fleury, ‘lá a gente ganha mais, né doutor?’ Já morreu, coitado”, intervém Bonchristiano.

José Campos Correia Filho, o Campão, era um conhecido torturador – dos mais cruéis – segundo Percival de Souza, e membro do Esquadrão da Morte. Além motorista do “doutor”, ele conduzia cadáveres levados do DOPS na calada da noite para desová-los nos cemitérios de periferia, segundo o próprio Bonchristiano.

No final de novembro de 2011, o governador Geraldo Alckmin acatou o lobby da Associação de Delegados de São Paulo (cujo patrono é o falecido delegado Antonio Ribeiro de Andrade, o primeiro chefe de dr. Paulo no DOPS) e mandou para a Assembléia Legislativa um projeto de lei que equipara as carreiras de delegados de polícia, procuradores e promotores, sob o argumento de que a polícia civil é judiciária, e portanto deve ser ligada ao Poder Judiciário e não à Secretaria de Segurança Pública.

O projeto, que o “doutor” Paulo muitas vezes defendeu em nossas entrevistas, faria sua aposentadoria pular dos atuais 11 mil reais para cerca de 20 mil reais, de acordo com os cálculos que ele mesmo fez.

A partir do momento em que o acalentado projeto foi enviado para a Assembleia, o ex-delegado resolveu encerrar nossas conversas.

Retornei uma última vez a seu apartamento, em janeiro deste ano, para checar alguns dados e ele deixou escapar o trecho de uma conversa que tive com um dos meus filhos, por celular. Estava disposto a me assustar.

Na despedida, preveniu-me mais uma vez sobre o “perigo” que “nós dois” estaríamos correndo se eu levasse adiante qualquer investigação sobre a localização dos corpos desaparecidos, advertência que fez desde a primeira entrevista. Perdi a paciência: “Mas, doutor, quase todo mundo que o senhor conheceu naquela época já morreu! Nós vivemos em uma democracia, ninguém vai matar assim um jornalista ou um delegado aposentado”.

“Isso é o que você pensa”, retrucou. “Os que hoje ocupam os cargos daqueles, antigos, também assumiram o compromisso de proteger o pacto”, afirmou. “Não tem isso de democracia, minha cara jornalista, eles fazem o que precisa ser feito. Se alguém é atropelado ou baleado no trânsito, é uma coisa que acontece, em São Paulo. Não quero ver você esticadinha no chão”.

Quando entrei no taxi para ir embora, refletindo sobre quem afinal estaria ameaçando quem, lembrei de uma ocasião em que nossas relações eram mais amistosas e pude lhe perguntar por que “eles” tinham enterrado os corpos, em vez de atirá-los ao mar ou incendiá-los para apagar definitivamente as provas.

De pé, na sala decorada com os estofados confortáveis, rodeados por mesinhas enfeitadas com fotos de família e bibelôs de inspiração religiosa, Bonchristiano reagiu: “Nós somos católicos, pô!”.


(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.

(**) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que matou o Tuma e depois o ressuscitou; e que é o que é, porque o dono é o que é; nos anos militares, a Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.