sexta-feira, setembro 02, 2011

Quanto custa o ‘bolsa-rentista”


Os próximos passos da política econômica brasileira serão cruciais para definir o espaço da economia do País diante de um cenário adverso em grande parte dos países centrais. Embora muitos dos fundamentos da nossa economia sejam hoje melhores do que no passado recente e em comparação à maioria dos países, isso, por si só, não garante a blindagem ante a crise externa. O desafio será redirecionar as políticas macroeconômicas, levando em conta a substancial alteração dos cenários.

Diante de uma crise, a política fiscal deveria ser anticíclica: expansionista para suportar a demanda agregada, em tese. Mas, no caso brasileiro atual, faz todo sentido a preocupação do governo em promover um ajuste qualitativo, que vise a preservar o investimento público e a brecar o ritmo de expansão do gasto corrente. A tarefa que se apresenta para sustentar os indicadores fiscais é garantir que o crescimento do gasto público ocorra numa proporção menor que o do ritmo de atividade e da receita. É o que vai garantir a continuidade intertemporal da trajetória declinante da relação dívida líquida do setor público (DLSP)/Produto Interno Bruto (PIB).

Comparativamente à média internacional, o Brasil apresenta indicadores fiscais relativamente bons. O déficit público consolidado, de 2,5% do PIB, assim como a DLSP/PIB, de cerca de 40%, são menores do que a grande maioria dos países do G-20. O superávit fiscal primário acumulado no ano, até julho, considerando os dados para o setor público consolidado, é de R$ 91,9 bilhões (4% do PIB, ante 2,1% no mesmo período em 2010). Nos 12 meses acumulados até julho, atingiu R$ 150,1 bilhões, maior resultado da série histórica em valores nominais (3,83% do PIB). O governo federal anunciou esta semana a elevação de R$ 10 bilhões na meta de superávit primário no ano, que cresceu de R$ 118 bilhões para R$ 128 bilhões.

Contraditoriamente, apesar do relativamente bom desempenho fiscal, o País permanece no topo no ranking dos países que mantêm as maiores taxas de juros reais. Como efeito dessa distorção, o custo de financiamento da dívida pública atingiu, nos últimos 12 meses acumulados, R$ 224,8 bilhões, ou 5,7% do PIB! É uma verdadeira “bolsa-rentista”, equivalente a 17 vezes o custo anual do programa Bolsa-Família, que com R$ 13 bilhões atendeu cerca de 60 milhões de pessoas no ano que passou.

Na prática, todo o ganho fiscal foi insuficiente para pagar os juros sobre a dívida pública e o governo federal teve de emitir, no período, títulos no valor de R$ 133 bilhões, ampliando a dívida pública apenas para este fim. O setor público brasileiro paga de juros, proporcionalmente ao produto, cerca de duas vezes a média dos demais países. A redução das taxas de juros tornou-se um imperativo, especialmente diante do agravamento da situação de grande parte da economia internacional. É fundamental diminuir os custos de financiamento da dívida pública e o custo de oportunidade do investimento privado. As pressões inflacionárias serão fortemente amenizadas, não só pelo desaquecimento do ritmo de atividade doméstica, mas pelo efeito da crise externa, que fará com que haja redução de preços no mercado internacional, refletindo aqui dentro.

Diante do quadro de taxas de juros reais muito baixas, até negativas, nos países centrais, precisamos diminuir a enorme distância que deles nos separa neste quesito. Se não o fizermos, continuaremos a ser alvo da especulação com operações de arbitragem. Algo que ainda nos impõe uma valorização artificial da moeda, com todos os efeitos deletérios e os riscos decorrentes.

Sempre haverá vozes que encontram justificativas para procrastinar a queda dos juros e carregam nas tintas nos riscos de fazê-lo, embora não expressem o mesmo zelo quando defendem a sua elevação. Há muita gordura para ser queimada nos juros. Mas ainda há um paradigma a ser superado. E nem sempre o que é bom para o País pode ser bom para um segmento específico, e vice-versa.

PROFESSOR DA PUC-SP, DOUTOR PELO IE/UNICAMP, É ORGANIZADOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE “CRISE E OPORTUNIDADE: O BRASIL E O CENÁRIO INTERNACIONAL” (LAZULI/CIA. EDITORA NACIONAL, 2007). E-MAIL: ACLACERDA@PUCSP.BR

Nenhum comentário: