segunda-feira, abril 11, 2011

Abaixar a Selic para crescer com estabilidade :: Amir Khair


artigo visa contribuir ao debate sobre o desafio de crescer com estabilidade e melhorar nossos fundamentos macroeconômicos num ambiente de incertezas sobre os desdobramentos da crise que atinge vários países no crescimento econômico, emprego, situação fiscal, inflação, desastres naturais, choques de ofertas de alimentos e agravamento de tensões políticas e sociais.

Venho defendendo nesta coluna o fortalecimento do mercado interno para não ficar exposto às incertezas externas, ainda mais tendo nossas empresas contra si o custo Brasil, e começar a reduzir a maior anomalia e veneno da economia brasileira, a Selic. A meta é posicioná-la em 6% até meados de 2012, que é a média dos países emergentes.

As resistências à redução da Selic serão fortes, pois contrariam os interesses do mercado financeiro, que dita as expectativas inflacionárias expressas no boletim Focus. Alem disso, ainda crêem muitos analistas que é a Selic que combate a inflação, mesmo nos absurdos níveis em que se encontram.

Ao reduzir a Selic, se obtém o equilíbrio fiscal em 2012, gerando a partir de 2013 excedentes fiscais que poderiam ser usados para ampliar investimentos e reduzir carga tributária, que está estacionada em 33,3% do PIB desde 2005. Evitaria o governo ter que usar o IOF para tentar fechar as brechas da especulação financeira externa em títulos do governo. Ajustaria o câmbio com repercussões favoráveis nas contas externas e seria reduzido o custo de carregamento das reservas internacionais. Isso abriria o caminho para continuar um crescimento virtuoso e seguro.

A estratégica básica consiste em controlar a inflação projetada pelo Banco Central (BC) para o centro da meta visando um horizonte de doze meses à frente (e não anual) e de manter a economia em crescimento pela transferência de renda na base da pirâmide social, especialmente através de programas como o Bolsa Família. O potencial de crescimento do mercado interno é grande e desprezá-lo é incorrer em avaliação equivocada. O Estado (23/3) destaca que “31 milhões subiram de classe social em 2010”. “Formato da distribuição de renda deixa de ser uma pirâmide e se torna um losango.”

O aumento da oferta já está ocorrendo, pois segue essa realidade, e crescerá ainda mais pela maturação dos investimentos já feitos e em processo, que continuariam a ser estimulados pelo BNDES, lançamento de debêntures, mercado de ações e inversão de lucro das empresas.

A conclusão do PAC1 e implementação do PAC2 vão na linha desejada, o mesmo valendo para o Programa Minha Casa Minha Vida. Os estímulos à agropecuária e ações na área fiscal visando estimular as empresas a jusante das cadeias produtivas cujo topo são as commodities, vão também na direção pretendida de maior competitividade e de ajuda no combate à inflação. Aumentos abusivos de preços do minério de ferro feitos pela Vale no mercado interno não seriam permitidos por gerar inflação, prejudicar toda a cadeia produtiva e os consumidores. Os interesses de uma empresa não podem sobrepujar os interesses do País.

Priorizo a redução imediata e progressiva do veneno causado pela Selic substituindo o controle da demanda pelas medidas macroprudenciais. O mercado financeiro quer o contrário, pois perde com elas pela exigência de maior capital e pelo aumento de depósitos compulsórios e, ganha com a Selic elevada nos títulos do governo, na elevação dos juros aos tomadores e na apreciação do real. Daí a briga com o BC. Mas para começar as mudanças o primeiro passo é dar representatividade às expectativas de inflação e crescimento econômico.


Expectativas - Os agentes econômicos tomam decisões baseadas nas expectativas do mercado, principalmente sobre crescimento e inflação. Se prevêem inflação em ascensão, as empresas procuram antecipar elevações de preços e os consumidores antecipam compras, antes que seu poder aquisitivo seja afetado.

Se apontam desaceleração da economia, as empresas pisam no freio, reduzindo produção e postergando investimentos e os consumidores adiam compras, pois temem a perda de emprego. Se favoráveis à inflação controlada e ao crescimento da demanda, as empresas elevam a produção e deslancham investimentos e os consumidores elevam compras, pois seu poder aquisitivo fica preservado e sentem maior segurança em manter o emprego e, com isso, usam mais o crédito para compras a prazo.

As expectativas exercem, por assim dizer, um poder de manada sobre os agentes econômicos. Por essa razão é fundamental contar com um sistema que capte informações representativas das forças econômicas do País.

O fio condutor das expectativas está no boletim Focus divulgado toda 2ª feira pelo BC com ampla repercussão pela mídia. Nele são apresentadas as previsões para as principais variáveis macroeconômicas: inflação, preços administrados, crescimento econômico, produção industrial, Selic, câmbio, dívida líquida, conta corrente, balança comercial e investimento estrangeiro direto (IED). A falha que exige correção urgente é a amostra usada pelo BC. Estranhamente 90% são de instituições financeiras. As consultorias, que normalmente seguem o mercado financeiro, participam com 6% e o setor real da economia com 4%! No entanto, quem forma os preços e têm domínio dos custos de cada ramo de atividade e dos preços da concorrência é o setor real da economia.

Essa amostragem do Focus tem causado desconforto ao BC e a vários analistas. O mais adequado como base da amostra é a composição do PIB sob a ótica da oferta (agropecuária, indústria e serviços). A intermediação financeira faz parte dos serviços e oscilou nos últimos 15 anos entre 5,8% e 8,1% do PIB, com média de 7,2%. Assim, sua representatividade na composição do Focus deveria ser reduzida para no máximo 8%.

A hegemonia do mercado financeiro distorce as expectativas, pois o interesse dele é vinculado a uma taxa Selic elevada e em ascensão. Para isso a expectativa da inflação tem que ser elevada para justificar a taxa de juros. Isso explica a posição vexatória do Brasil ostentar as mais altas taxas de juros no mundo há mais de uma década. Nos últimos levantamentos a taxa de juros real atingiu 6,1% que é o triplo (!) do segundo colocado que é a Austrália com 1,9%. Os países emergentes têm taxa negativa de 0,5%.

Assim, o primeiro passo é dar aos agentes econômicos uma visão representativa do universo que se pretende consultar. Enquanto isso não ocorrer as pressões do mercado financeiro sobre o BC irão se avolumar exigindo mais elevação da Selic, com acusações de que a política monetária está frouxa e conivente com a inflação para não sacrificar o crescimento da economia. Na realidade até a troca de comando do BC, quem influenciava suas decisões era o mercado financeiro, que impedia sua autonomia operacional.

As análises do mercado financeiro indicam que a inflação está elevada e em ascensão devido ao excesso da demanda que é superior ao denominado produto potencial estimado em 3,5% a 4%. Ou seja, se o crescimento econômico for superior a esses níveis fatalmente se terá inflação. O pior é que fazem verdadeiro terrorismo inflacionário através do boletim Focus, com as previsões de inflação crescendo e a economia encolhendo a cada semana.

Posição do governo - A presidente em entrevista ao Valor de 17 de março deixou clara a posição do governo em relação ao falso antagonismo entre inflação e crescimento. “Não tem nenhuma inconsistência com o fato de que o país pode aumentar a sua oferta de bens e serviços aumentando seus investimentos. E ao fazê-lo vai contribuir para diminuir qualquer pressão de demanda. Hoje, eu acho que aquela velha discussão sobre qual é o potencial de crescimento do país tem que ser revista.”

E em seguida afirma: “Mas o que não é possível é falar que o Brasil está crescendo além da sua capacidade e que, portanto, tem um crescimento pressionando a inflação. O mundo inteiro, na área dos emergentes, está passando por isso. Houve um processo de pressão inflacionária que tem componente ligado às commodities e, no Brasil, tem o fator inercial. Mas é compatível segurar a inflação e ter uma taxa de crescimento sustentável para o país. Caso contrário, é aquela velha tese: tem que derrubar a economia brasileira.” Essa tese é que causou o fracasso de políticas econômicas dominadas pelo terror inflacionário, mesmo após dezesseis anos de bom comportamento da inflação.

Ela foi categórica ao afirmar: “Não permitirei que a inflação, sob qualquer circunstância, volte. Também não acredito nas regras que falam, em março, que o Brasil não crescerá este ano. Tenho certeza que o Brasil vai crescer entre 4,5% e 5% este ano.”

Os componentes que influenciam a inflação com maior peso são os alimentos e commodities, que passam por ascensão em seus preços em escala internacional e, portanto, nos afetam. Contra isso nada se pode fazer. Além deles, tem-se casos de reajustes de contratos de preços administrados, que representam 30% do IPCA e que também escapam da ação de governo. O que normalmente sobe acima da inflação é o setor de serviços, menos expostos à concorrência internacional. Sobre isso cabem algumas observações.

Inflação de serviços – Por ser menos sujeito à concorrência externa, o setor de serviços (e isso vale para o mundo todo) tende a apresentar uma inflação superior àquela dos produtos comercializáveis, que sofrem a concorrência dos similares e/ou substitutos importados. Em artigo anterior constatei que a inflação dos serviços tem sido maior do que a dos produtos comercializáveis desde 2004. Em termos médios anuais, entre 2004 e 2010, os serviços tiveram inflação 46% maior do que os comercializáveis, mas essa diferença foi de 14% nos anos que o PIB cresceu acima de 5% (2004, 2007, 2008 e 2010) e de 149% quando o PIB cresceu abaixo de 4% (2005, 2006 e 2009). Em 2010, com crescimento de 7,5% essa diferença foi de apenas 6%! Portanto, não é o crescimento econômico que distancia a inflação de serviços daquela dos bens comercializáveis.

Outra questão relevante é que a participação dos serviços na composição da inflação. Ela é de 24,64%, ou seja, bem inferior ao peso dos alimentos, commodities e preços administrados que compõem a maior parcela da inflação. Em síntese não é derrubando o crescimento econômico que se irá reduzir a inflação.

Mesmo as medidas macroprudenciais, que são eficazes para regular o crédito podem não surtir efeito para os casos acima colocados. Muito menos a Selic cujo nível já é uma aberração e só causa impactos fiscais e cambiais de séria gravidade.

Para tentar atenuar os danos causados pela Selic o governo vai elevando o IOF. Situações aberrantes como o aumento artificial do IED e contratações de empréstimos externos a juros de 2% para aplicações em títulos do governo são operações que podem estar fugindo da tributação do IOF.

Reduzir a Selic é o primeiro passo a ser dado para um crescimento sustentável com equilíbrio das contas internas e externas e eliminação da especulação externa que tantos males vem causando ao País. Vamos aguardar para ver se o governo enfrenta as pressões do mercado financeiro e rompe as barreiras do atraso.

(Artigo publicado no Estadão em 10 de abril de 2011)

Amir Khair é mestre em finanças públicas pela FGV e consultor

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