sexta-feira, julho 30, 2010

A bomba-relógio da BP

Michael R. Krätke
Por Luiz Lima
Amig@s,

Reproduzo artigo deste professor da Universidade de Lancaster (RU) publicado n'"ODiario.info".

O que começou como uma crise financeira em Setembro de 2008, com a irrevogável falência do banco Lehman-Brothers, pode agora entrar na próxima ronda com a previsível queda da BP. A transnacional britânica é uma bomba financeira de relógio, não só para a Grã-Bretanha mas para todo o Reino Unido. Os custos do desastre petrolífero no Golfo do México estimam-se em 70 mil milhões de dólares.

Para os britânicos, a BP é como instituição nacional, a maior sociedade anónima do país, a blue chip mais brilhante do mercado de valores londrino. Muitas pessoas julgam que a BP é uma empresa petrolífera. E é verdade. A BP fornece petróleo, tem oleodutos e refinarias um pouco espalhados por todo o mundo. Mas a BP é, simultaneamente, um banco com um raio de acção internacional que, tal como a Enron ou a General Motors, actua nos mercados financeiros internacionais.

De AA a BBB

Como, oficialmente, não é uma entidade financeira, a British Petroleum esta a meio caminho de ser um negócio OTC ou fora do mercado organizado de valores, isto é, que actua fora das bolsas, num negócio sem regulação nem controlo. O refinanciamento é através da titularização de derivados creditícios de alto risco, CSOs [obrigações colaterais sintéticas, na sua sigla inglesa], a que não corresponde qualquer valor patrimonial, mas apenas derivados creditícios. São um próspero comércio esses derivados financeiros. A BP é detentora ou tem participações em pelo menos 18% dos papéis deste tipo que circulam por todo o mundo. Recordamos que a crise financeira mundial foi desencadeada pela queda em cadeia de derivados titularizados: as CDOs [obrigações de dívida colateral, na sua sigla inglesa] e os CDS [derivados creditícios de dívida, na sua sigla inglesa]. Agora, os riscos nas CSOs são muito maiores e o alavancamento creditício de maior envergadura e as regulações são desconhecidas.

Por outras palavras: Quando a BP quebrar, a sua falência terá consequências globais. Como supostamente sucedeu no caso Lehman-Brothers, ninguém sabe até que ponto a BP está endividada, nem quem nem em que jogos de azar estão envolvidos os créditos da BP. Mas, como a transnacional é considerada a pérola da coroa da indústria financeira britânica, com fundamento se pode suspeitar que estão aqui metidos todos os que gozam de reputação e hierarquia no mundo financeiro internacional. Não há dúvidas: a próxima bolha está prestes a rebentar. É só uma questão de tempo. Mais provável dentro de semanas que de meses.

O valor patrimonial das instalações da British Petroleum atinge agora o montante de 240 mil milhões de dólares. Muitos dos seus campos petrolíferos e participações estão à venda por todo o mundo. Desde finais de Abril, perdeu metade do seu valor em bolsa. Deverá entrar um investidor estratégico, provavelmente um fundo estratégico árabe. Os líbios querem ser uma opção mas ninguém se abalança a tamanho risco. E os meros boatos de uma entrada de mil milionários árabes não convencem as agências de qualificação do risco.

A Fitch, a mais pequena das três grandes, baixou drasticamente no passado dia 15 de Junho a qualificação do gigante petrolífero, pela segunda vez em duas semanas: e desta vez nada menos do que seis escalões de uma vezada, de AA para BBB. Se as duas grandes – a Moody’s e a Standard & Poor’s – a seguirem, os empréstimos da BP baixarão à categoria de lixo, como os títulos da dívida pública grega. De qualquer modo, grandes investidores destas agências, como Warren Buffet, colocaram milhares de milhões em acções e obrigações da BP, o que explica a moderação da Moody’s e da Standard & Poor’s.

Nada de OPAs hostis

Entretanto, a BP teve que ceder à pressão do governo dos EUA e sujeitar-se a um fundo de garantias num montante de 20 mil milhões de dólares. Pelo menos até ao próximo ano a BP não poderá continuar a pagar dividendos, terá que seguir uma política de poupança férrea e eliminar milhares de postos de trabalho, os primeiros 5.000 já em 2010. Há fortes indícios que levam à suspeita que a explosão do passado dia 20 de Abril no Golfo do México assenta numa implacável política de redução de custos. A segurança e o cuidado, como é sobejamente sabido, custam tempo e dinheiro. Quem louva o capitalismo pela sua eficiência não sabe do que fala. Ou se sabe, dá a entender aquilo em que não acredita.

A questão é que Londres prepara-se para o pior. Debaixo de um clamoroso silêncio acompanhado de rotundos desmentidos, trabalha-se em planos de emergência. A queda descontrolada ou uma tomada de controlo da BP seria uma catástrofe para os britânicos. As acções da BP têm fama em todo o mundo de investimentos seguros e lucrativos. A BP pagava regularmente, trimestre a trimestre, chorudos dividendos.

Os fundos de pensões, os maiores investidores institucionais nos mercados financeiros internacionais, compravam e mantinha enormes quantidades de acções da BP. E no sistema britânico de reformas os fundos de pensões jogam um papel chave. Só que, precisamente os rendimentos de reforma cobertas por capital são tudo menos seguros. Quando rebentou a bolha imobiliária estadunidense em 2008, muitos fundos de pensões resultaram em prejuízos dos depositantes e pensionistas. Para os fundos de investimento britânicos que há alguns anos investiam em acções da BP, a catástrofe petrolífera é ao mesmo tempo um desastre financeiro. Cerca de um sexto de todos os dividendos que se pagam no Reino Unido vêm da BP! Assim, os fundos perderam de três formas: patrimonialmente pela queda livre das acções da BP, pelos dividendos evaporados, e pela diminuída capacidade de crédito.

Os fundos de pensões perderam já muito dinheiro com as acções dos bancos e, agora, cai-lhes em cima a situação da BP. Se se calcularem as possíveis perdas tendo por base uma pensão média entre 12 mil e 13 mil libras esterlinas anuais, falamos de 800 a 1.000 libras esterlinas por ano. Daí, o governo do primeiro-ministro Cameron não ter escolha. Se a BP ajoelha, terá que intervir com um novo pacote milionário de resgate. Se foi necessário para os grandes bancos, não será menos necessário para a BP. Isso significa mais dívida pública e ainda mais desproporcionados pacotes de poupança.

A BP não pode desaparecer, pois ela é, de longe, um dos maiores contribuintes fiscais da Ilha e controla uma boa parte das infra-estruturas vitais do reino insular, como a Forties Pipeline System que liga mais de 50 campos petrolíferos no Mar do Norte, ou o oleoduto Baku-Tiblisi-Ceihan, que possibilita o trânsito de petróleo do Cáucaso para a Europa ocidental. Por isso, David Cameron anuncia que o seu governo fará tudo o que estiver ao seu alcance para impedir o controlo da BP por empresas petrolíferas chinesas, árabes ou russas. Se a BP cai nas mãos das gigantes norte-americanas, acabaram-se as considerações para com os fundos de pensões ou para quaisquer outras necessidades britânicas. Dentro de poucos dias a BP tem que liquidar os pagamentos que se vencem no segundo trimestre de 2010. O seu montante é enorme.

Este caso ilustra com clareza como dois elementos tão centrais como obsoletos do capitalismo – uma economia baseada na energia fóssil e na especulação financeira planetária – nos aproximam do abismo da próxima catástrofe.


Michael R. Krätke é Professor de Economia Política e Director do Instituto de Estudos Superiores da Universidade de Lancaster no Reino Unido.

quinta-feira, julho 29, 2010

Brasil: um outro patamar de desenvolvimento

Ladislau Dowbor
do CARTA MAIOR

Esse texto resume de forma ampla um conjunto de discussões que há cinco anos vêm se desenvolvendo no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), refletindo a opinião e as propostas dos mais variados setores da sociedade brasileira. Uma das conclusões é que o Brasil está partindo, nesta segunda década do milênio, de um novo patamar. Em grande parte o futuro dependerá de como o Brasil administrará a equação da produção, do emprego, da renda e do meio-ambiente. O Brasil tem aberto novos caminhos, mas os desafios são grandes. O artigo é de Ladislau Dowbor.

Ladislau Dowbor

O Brasil está partindo, nesta segunda década do milênio, de um novo patamar. Resistiu de forma impressionante à maior crise financeira desde 1929, e está apontando rumos baseados fundamentalmente no bom senso, e numa visão equilibrada dos interesses econômicos, das necessidades sociais, e dos imperativos ambientais. A visão econômica tradicional, presa às simplificações do Consenso de Washington, envelheceu de repente, e não corresponde aos desafios de uma sociedade moderna e complexa, que tem de buscar novas articulações de política econômica, social e ambiental.

Constatamos hoje que a presença de um forte setor estatal não é um estorvo, é um suporte fundamental. A regulação das finanças não implica burocratização, é uma proteção necessária contra a irresponsabilidade. Assegurar melhores salários e direitos aos trabalhadores não é demagogia, é a forma mais simples e direta de gerar demanda e uma conjuntura favorável. Apoiar os mais pobres da sociedade não é assistencialismo, é justiça, bom senso, e dinamiza a economia pela base. Investir nas regiões mais pobres não é um sacrifício, prepara novos equilíbrios ao gerar economias externas para futuros investimentos. Fazer políticas sociais não é um “bolo” que se divide, pois é o investimento na pessoa que mais gera dinâmicas econômicas, como já analisava Amartya Sen.

Apoiar movimentos sociais não é distribuir benesses, é dar instrumentos de trabalho a organizações que conhecem profundamente a realidade onde estão inseridas, e apresentam flexibilidade e eficiência nas suas áreas específicas. Fazer política ambiental não “atrasa” o progresso, pois muito mais empregos geram as alternativas energéticas e o apoio à policultura familiar, do que extrair petróleo e desmatar para buscar lucros de curto prazo. Manter uma sólida base de impostos, não é “tirar da população”, é assegurar contrapesos indispensáveis para o desenvolvimento equilibrado do país.

A constatação dos avanços não implica subestimação dos desafios. O contexto internacional continua instável, com boa parte dos desequilíbrios do sistema financeiro privado dos países desenvolvidos simplesmente transformada em desequilíbrios públicos, gerando deficits impressionantes. Os desafios sociais, em que pesem os grandes avanços dos últimos anos, continuam imensos, exigindo iniciativas mais abrangentes. O conjunto do sistema tributário ainda aguarda uma revisão em profundidade, buscando maior racionalidade e justiça na captação, e maior eficiência e redistribuição na alocação orçamentária. A modernização e o resgate da dimensão pública do Estado ainda aguardam uma reforma política cada vez mais premente.

As políticas ambientais precisam ser consolidadas e absorvidas na cultura tanto da administração pública, como das empresas e do comportamento do consumidor. De certa forma, os rumos tornaram-se mais claros, e a confiança da sociedade aumentou ao ver que os resultados os confirmam. Mas são etapas de uma construção que exige um constante repensar das estratégias.

Um eixo chave a se considerar, é o aproveitamento racional dos potenciais impressionantes que o país possui, e a sua conjugação com os novos desafios ambientais. Temos a maior reserva de solo agrícola parado do planeta, uma das maiores reservas de água doce, temos clima e mão de obra, isto numa época em que a pressão por alimentos e biocombustíveis aumenta por toda parte. E o Brasil hoje domina tecnologias de ponta nesta área. Tem uma matriz energética invejável numa época em que a mudança do paradigma energético-produtivo está se tornando peça chave da construção do futuro. Tem a médio prazo eventos internacionais que o projetam mais ainda no cenário mudial. A disponibilidade maior do petróleo abre novas perspetivas. Juntando estes e outros fatores, se o país conseguir evitar a tentação de mais um ciclo agro-exportador, ou o uso apressado dos novos recursos, e souber proteger o seu meio ambiente e aprofundar a construção de um novo equilíbrio social, a continuação do círculo virtuoso tem boas perspectivas. Em grande parte o futuro dependerá de como o Brasil administrará a equação da produção, do emprego, da renda e do meio-ambiente. O Brasil tem aberto novos caminhos, mas os desafios são grandes.

Não basta ter rumos, é preciso conseguir resultados. Imensa importância tem a lenta construção de formas mais democráticas de tomada de decisões. Frente ao peso político dos grandes grupos econômicos e das elites tradicionais a eles aliadas, o governo tem assegurado uma política de equilíbrios, buscando estimular a economia e assegurar as contrapartidas em termos sociais, e cada vez mais em termos ambientais. Os programas simplesmente funcionam, e funcionam porque são negociados, assegurando uma base razoável de apoio político. Mas também funcionam, no caso dos grandes programas sociais, porque no primeiro e segundo escalão técnico, que são as pessoas que carregam efetivamente o peso da gestão, estão pessoas que em geral vêm dos movimentos sociais, e conhecem efetivamente os problemas, sabem que tipo de parcerias têm de ser organizadas, entendem de mobilização em torno aos programas. Os movimentos sociais têm um papel vital nestes processos, e crescente no futuro. Com todas as dificuldades, gerou-se, entre os diversos setores, uma cultura da negociação, da pactuação, do respeito aos interesses nucleares dos diferentes segmentos.

A visão desenhada no presente texto obedece a certas definições conceituais que se consideram adquiridas, e fazem parte do ideário básico que vem se cristalizando no país. Assim, antes de tudo, estaremos distinguindo o conceito de crescimento econômico, na visão estreita de dinamização do produto interno bruto, do conceito de desenvolvimento que envolve a progressão equilibrada nos planos econômico, social, ambiental e cultural. O conceito de sustentabilidade aqui utilizado, refere-se à sustentabilidade ambiental, na definição clássica do Relatório Brundtland, de resposta às necessidades presentes sem comprometer as das gerações futuras. O conceito de desenvolvimento local ou regional não se refere a uma opção por uma unidade particular como o município, mas às complexas articulações territoriais que exigem os programas que, em última instância, exercem o seu impacto em espaços geográficos concretos. O conceito de planejamento não se refere a algum tipo de planejamento central autoritário, mas aos processos pactuados de definição de programas estruturais que permitem reforçar na gestão governamental a visão sistêmica que ultrapassa os cortes setoriais, e a visão de longo prazo que assegura a continuidade entre ciclos de gestão governamental. O conceito de governança é aqui utilizado no sentido amplo da gestão que envolve tanto a máquina governamental propriamente dita, como as articulações com o conjunto de atores sociais organizados que participam do processo decisório e impactam os rumos do desenvolvimento.

Não se trata aqui de elaborar um plano no sentido tradicional, que nos levaria a apresentar propostas para todos os setores, inclusive a política de esportes, a política florestal e assim por diante, com todos os projetos. O presente documento tem dimensões muito limitadas, e busca desenhar em grandes traços o novo referencial, tanto nacional como internacional, que incide sobre os rumos desta década. Na parte propositiva, e buscando capitalizar acúmulos anteriores, privilegiou-se os eixos de ação que podem ser considerados “estruturantes” pelo peso sistêmico nas mudanças que estão ocorrendo no país. Isto envolve tanto uma visão para o futuro, como no caso das políticas tecnológicas que estão adquirindo peso determinante no planeta, como a correção dos desequilíbrios herdados que pesam sobre o conjunto e precisam de correção acelerada, como a inclusão produtiva. Não haverá texto desta amplitude que recolha a unanimidade das visões, nem que responda a tantos interesses específicos. A lista de coisas a fazer é grande. O que se busca aqui é uma visão articulada dos principais eixos que ajudarão a dinamizar o conjunto.

O texto que segue resume de forma ampla um conjunto de discussões que há cinco anos vêm se desenvolvendo no CDES, refletindo o amplo espectro de participantes, mas também os numerosos documentos, propostas e resoluções que têm sido discutidas com os mais variados setores da sociedade, além de consultas com especialistas das principais áreas de atividade. Há uma forte convergência no conjunto das visões, ainda que muita diversidade nas propostas. Recolhemos aqui as que nos pareceram mais contribuir para uma visão sistêmica coerente, e privilegiando a visão de conjunto. Buscamos também evitar a tentação de um texto que de tão geral e prudente, pouco significa.

Para efeitos de sistematização, e evitando um texto demasiado burocrático, dividimos a apresentação em duas partes (respeitando essa divisão, a Carta Maior está publicando o texto em duas partes): a primeira trata do novo patamar de desenvolvimento que de certa forma constitui o referencial das mudanças ocorridas durante a última década, e aponta os ajustes necessários. A segunda se concentra na estratégia de desenvolvimento que permitirá ampliar as dinâmicas apresentadas na Agenda Nacional de Desenvolvimento anterior.

I – UM NOVO PATAMAR

1 - O novo contexto internacional: riscos e oportunidades
2 – Um novo modelo: o caminho do bom senso
3 - A política macroeconômica: pragmatismo e flexibilidade
4 - Os resultados: bases para uma nova expansão

Não há dúvida que estão soprando bons ventos. Há um clima de confiança que está se generalizando. Aqui não há vencedores nem vencidos. A melhor imagem é a de uma boa maré, que levanta todos os barcos. Para além do detalhe das propostas para o país nos diversos setores, esta é a visão: um Brasil que se desenvolve, com a participação de todos, de maneira sustentável, e por meio de decisões democraticamente negociadas.

1 - O novo contexto internacional: riscos e oportunidades
A crise financeira internacional de 2008 marcou um divisor de águas. As grandes simplificações relativas à dicotomia entre Estado e mercado, com o seu peso ideológico, deram lugar a atitudes de bom senso, de pragmatismo de resultados, de busca de equilíbrios. De certa forma, inovar em política voltou a ser legítimo. Este pensar de maneira inovadora é hoje essencial. No plano internacional, a crise não desaparece. Um PIB mundial de 60 trilhões de dólares, e 860 trilhões de dólares em papéis emitidos, geram instabilidade. Os déficits do setor especulativo privado foram transformados em déficit público, perda de aposentadorias e desemprego, e tanto os Estados Unidos como a Europa têm pela frente a busca de novos mecanismos de equilíbrio. Não se configura um horizonte estável e equilibrado no planeta. Para o Brasil, a diversificação das relações externas, com ênfase no Sul-Sul e na integração latino-americana, deve continuar prioritária.

No plano financeiro, o patamar do Brasil é hoje radicalmente diferente. Com 35 bilhões de dólares de reservas em 2002, o país estava a mercê de ataques especulativos. Hoje, com 250 bilhões em reservas, credor e não mais devedor do FMI – fato que financeiramente não é essencial mas é importante em termos simbólicos - diversificação comercial, e melhor equilíbrio entre o mercado interno e externo, o país tornous-e uma referência internacional. A forma como se manobrou entre os escolhos da crise financeira de 2008, inclusive com multinacionais repatriando grandes volumes de recursos das filiais para salvar as suas matrizes, passou a ser vista no mundo como uma prova de que bom senso e pragmatismo rendem mais do que as simplificações ideológicas. Isto gerou confiança, que permite hoje ao Brasil inclusive fazer exigências aos capitais que entram. O sucesso gera sucesso.

No plano comercial, uma população mundial que aumenta em 70 milhões de habitantes por ano, com ampliação do consumo, além do reforço pela opção por biocombustíveis, devem manter a tendência para uma demanda forte por commodities. O Brasil, com a maior reserva mundial de solo agrícola parado, e 12% da reserva mundial de água doce, tem aqui trunfos excepcionalmente fortes. Mas deverá entrar cada vez mais em cena o problema da regulação internacional dos preços das commodities, hoje mais dependentes dos movimentos dos capitais especulativos do que propriamente do equilíbrio de oferta e demanda. Como exemplo, o comércio mundial de petróleo é de 85 milhões de barris por dia, e as trocas especulativas (papéis) diárias atingem 3.000 milhões de barris. O Brasil tem um forte papel a desempenhar na promoção de mecanismos de regulação nesta área.

Em termos geoeconômicos, a tendência é para um deslocamento da bacia do Atlântico para a bacia do Pacífico, com os fortes avanços da China e da Índia, que representam 40% da população mundial, e de demais países hoje muito dinâmicos como a Coréia do Sul e o Vietnã, ou simplesmente fortes como o Japão. Isto representa desafios estruturais para o Brasil. É de se lembrar aqui que enquanto os Estados Unidos realizaram a conexão ferroviária Atlântico-Pacífico em 1890, nós ainda sequer temos uma conexão adequada por rodovia. O deslocamento favorecerá tanto uma orientação mais integradora de infraestruturas na América Latina, como melhor equilíbrio de ocupação e uso do território no Brasil, ainda fortemente atlântico na demografia e na economia. O oeste, para nós, adquire nova importância.

Outro fator essencial do novo contexto internacional, é a crescente presença dos desafios ambientais no planeta. Enquanto a crise financeira internacional migrou dos bancos para os ministérios, e saiu das manchetes de jornais, a realidade da mudança climática, da liquidação da vida nos oceanos pela sobrepesca oceânica industrial, a destruição das matas (particularmente importantes no Brasil e na Indonésia), a erosão dos solos, a contaminação generalizada dos rios, dos lençóis freáticos e dos mares, geram preocupações que, independentemente dos resultados de Copenhague, exigem uma inclusão mais generalizada da visão da sustentabilidade ambiental em todas as decisões de políticas de desenvolvimento, tanto no setor público como no privado. O Brasil tem como se situar com vantagem neste plano, e deverá desempenhar um papel importante na Cúpula Mundial do Meio Ambiente de 2012 “Rio +20”.

No plano social, as preocupações são igualmente crescentes. Com a explosão especulativa na área dos grãos, a fome no mundo passou de 900 milhões para 1020 milhões de pessoas. De fome e outras causas absurdas morrem 10 milhões de crianças. A AIDS já matou 25 milhões de pessoas. O Banco Mundial estima em 4 bilhões o número de pessoas no mundo que estão “fora dos benefícios da globalização”. São situações insustentáveis. O equilíbrio social das políticas econômicas está adquirindo uma grande centralidade no planeta, e o Brasil, que mostrou durante os últimos anos a viabilidade de políticas que equilibram os objetivos econômicos e sociais, adquire aqui uma legitimidade excepcional.

No plano político, frente a uma economia que se globalizou em grande parte, estão começando apenas agora a se construir espaços de concertação internacional. Encerra-se, de certa maneira, a fase de monopólio de poder pelos Estados Unidos e de forma geral dos países desenvolvidos. Os BRICs começaram a ocupar o espaço político internacional, o G-20 começa a abrir um espaço regular de negociação, e o Brasil em particular assume uma forte presença internacional devida em grande parte ao modelo econômico, social e ambiental inovador e equilibrado que desenvolve, e que está simplesmente dando certo. O aprofundamento destas políticas, cuja tecnologia organizacional deu aqui grandes passos, deve marcar os próximos anos, e reforça o papel internacional do país.

Em termos de novo contexto internacional, a integração latino-americana está adquirindo um papel crescente. Esta política, é preciso dizê-lo, se caracterizou no passado mais pela criação de siglas do que de fatos, enquanto predominava a articulação de cada país com grupos particulares de interesses norte-americanos. Hoje constata-se avanços no plano das instituições, de mecanismos de financiamento, de infraestruturas (ainda incipientes), de codificação das migrações, da própria academia. O Brasil tem um papel fundamental a exercer por razões tanto do seu peso específico, como pelas inovações políticas que tem desenvolvido e por haver tantas coisas em comum em termos dos dramas sociais herdados. A América Latina está adquirindo identidade.

Um último ponto essencial decorre dos avanços tecnológicos, e em particular na área das tecnologias de informação e comunicação. O papel do acesso ao conhecimento, o barateamento das infraestruturas e dos equipamentos individuais, a generalização da conectividade planetária, a ampliação do acesso aos conhecimentos de todo o planeta, o surgimento de inúmeras atividades econômicas na chamada sociedade do conhecimento – todas estas mudanças estão se mostrando muito mais aceleradas do que previsto. Se no século passado os grandes embates políticos se davam em torno da propriedade dos meios de produção, na era da nova economia o acesso ao conhecimento e a definição dos seus marcos legais tornam-se questões centrais. No caso do Brasil, o salto para a economia do conhecimento pela generalização da banda larga e outras formas de acesso ao conhecimento abre importantes perspectivas de inclusão produtiva e melhoria de qualidade de vida. O desafio é cobrir o hiato entre estes desafios tecnológicos e o atraso educacional no plano interno, para ocupar o espaço correspondente no plano internacional.
No conjunto, o Brasil desempanha hoje na cena internacional um forte papel como parceiro adulto, portador não só da sua força econômica e riqueza cultural, mas também de propostas práticas e de bom senso no enfrentamento dos principais desafios sociais e ambientais, e de solidariedade com países em dificuldades. A confiabilidade e o respeito angariados não só ampliam o espaço de manobra do país, como se refletem fortemente, como se notou no caso da aprovação da Copa e das Olimpíadas, no sentimento de confiança em si no conjunto da população. Neste plano, o país parte realmente de outro patamar.

2 – Um novo modelo: o caminho do bom senso
O Brasil optou pelo enfrentamento da desigualdade como seu eixo estratégico principal. A materialização da estratégia se deu através da ampliação do consumo de massa. A visão enfrentou fortes resistências no início, mas os efeitos multiplicadores foram-se verificando no próprio processo de ampliação das políticas. Com a visão de bom senso de que o principal desafio do Brasil, a exclusão econômica e social de quase a metade da sua população, podia ser um trunfo, o país encontrou um novo horizonte de expansão no mercado interno. A crescente pressão da base da pirâmide social brasileira por melhores condições de vida, articulada com a determinação do governo de promover as mudanças, gerou um círculo virtuoso em que o econômico, o social e o ambiental encontraram o seu campo comum.

Os avanços sociais sempre foram apresentados no Brasil como custos, que onerariam os setores produtivos. As políticas foram tradicionalmente baseadas na visão de que a ampliação da competitividade da empresa passa pela redução dos seus custos. Isto tem duas vertentes. Enquanto a redução dos custos pela racionalização do uso dos insumos e pelo aproveitamento das novas tecnologias produtivas e organizacionais é essencial, pelo avanço de produtividade que permite, a redução de custos pelo lado da mão de obra reduz o mercado consumidor no seu conjunto, e tende a ter o efeito inverso. Ao reduzir o mercado consumidor, limita a escala de produção, e mantém a economia na chamada “base estreita”, de produzir pouco, para poucos, e com preços elevados.

É importante lembrar que faz todo sentido, para uma empresa individual, achar que com menos direitos sociais ou menores salários poderia reduzir os seus custos, tornando-se inclusive mais competitiva relativamente aos seus concorrentes. Mas a aplicação desta visão ao conjunto das empresas resulta em estagnação para todos. Em termos práticos, o que faz sentido no plano microeconômico, torna-se assim um entrave em termos mais amplos, no plano macroeconômico. As políticas redistributivas aplicadas de forma generalizada, atingindo portanto o conjunto das unidades empresariais, geram também mercados mais amplos para todos, reduzindo custos unitários de produção pelas economias de escala, o que por sua vez permite a expansão do consumo de massa, criando gradualmente um círculo virtuoso de crescimento. Se sustentada por mais tempo, esta política passa a pressionar a capacidade produtiva, estimulando investimentos, que por sua vez geram mais empregos e maior consumo. A expansão simultânea da demanda e da capacidade produtiva promove desenvolvimento sem as pressões inflacionárias de surtos distributivos momentáneos. A espiral de crescimento passa a ser equilbrada. E a verdade é que os setores que estagnam em termos salariais e de direitos sociais, também tendem a se acomodar em termos de inovação em geral.

Esta compreensão dificilmente se generaliza com explanações teóricas apenas. No entanto, a constatação de que funciona quando aplicada de maneira sustentada, e que viabiliza os negócios de cada um, convence muita gente, que vê os resultados práticos. De certa forma, o Brasil encontrou o seu rumo ao transformar o seu maior desafio, a pobreza, e a falta de capacidade de compra que a acompanha, em vetor de expansão do conjunto da economia. A distribuição, ao estimular a demanda, é que faz crescer o bolo.

Uma segunda mudança, também ditada pelo bom senso, encontra-se na ampliação das políticas sociais em geral, envolvendo a educação, a saúde, a formação profissional, o acesso à cultura e à internet, à habitação mais digna. Aqui também está se invertendo uma visão tradicional. A herança teórica, das simplificações neoliberais, é de que quem produz bens e serviços, portanto o setor produtivo privado, gera riqueza. Ao pagar impostos sobre o produto gerado, viabiliza as políticas sociais, que representariam um custo. Deveríamos portanto, nesta visão, maximizar os interesses dos produtores, o setor privado, e moderar as dimensões do Estado, o gastador. A realidade é diferente. Quando uma empresa contrata um jóvem engenheiro de 25 anos, recebe uma pessoa formada, e que representa um ativo formidável, que custou anos de cuidados, de formação, de acesso à cultura geral, de sacrifícios familiares, de uso de infraestruturas públicas as mais diversas, de aproveitamento do nível tecnológico geral desenvolvido na sociedade. As políticas sociais não constituem custos, são investimentos nas pessoas. E com a atual evolução para uma sociedade cada vez mais intensiva em conhecimento, investir nas pessoas é o que mais rende. A compreensão de que os processos produtivos de bens e serviços e as políticas sociais em geral são como a mão e a luva no conjunto da dinâmica do desenvolvimento, um financiando o outro, sendo todos ao mesmo tempo custo e produto, aponta para uma visão equilibrada e renovada das dinâmicas econômicas.

Um terceiro elemento chave é a política ambiental. A visão tradicional amplamente disseminada apresenta as exigências da sustentabilidade como um freio à economia, impecilho aos investimentos, entrave aos empregos, fator de custos empresariais mais elevados. Trata-se aqui simplesmente de uma conta errada, e amplamente discutida já em nível internacional, com a refutação do argumento da externalidade. Fazer o pre-tratamento de emissões na empresa, quando os resíduos estão concentrados, é muito mais barato do que arcar depois com rios e lençóis freáticos poluídos, doenças respiratórias e perda de qualidade de vida. Para a empresa ou uma administração local, sai realmente mais barato jogar os dejetos no rio, mas o custo para a sociedade é incomparavelmente mais elevado. Desmatar a Amazônia gera emprego durante um tempo, mas não o mantém, a não ser com a progressão absurda da destruição. Aprofundar os investimentos em saneamento básico, em contrapartida, gera empregos, reduz custos de saúde, e aumenta a produtividade sistêmica. Investir em tecnologias limpas tende a promover os setores que serão mais dinâmicos no futuro e melhora a nossa competitividade internacional. E ao tratar de maneira sustentável os nossos recursos naturais, capitaliza-se o país para as gerações futuras, em vez de descapitalizá-lo. Fator igualmente importante, na economia global moderna uma política coerente em termos ambientais gera credibilidade e respeito nos planos interno e internacional, o que por sua vez abre mercados. A verdade é que a política ambiental ganhou nestes anos uma outra estatura, e se incorpora na nova política econômica que se desenhou no país.

Um quarto eixo de política econômica encontra-se no resgate da capacidade de planejamento das infraestruturas do país. Boas infraestruturas, ao baratearem o acesso ao transporte, comunicações, energia, água e saneamento, geram economias externas para todos e elevam a produtividade sistêmica do território. O custo tonelada/quilómetro do transporte de mercadorias no Brasil é proibitivo, pois transportar soja e outros produtos de relação peso/valor relativamente baixo, em grandes distâncias, por caminhão, gera sobrecustos para todos os produtores. O resgate do transporte ferroviário, a reconstituição da capacidade de estaleiros navais e de transporte de cabotagem, a priorização do transporte coletivo nas metrópoles, o barateamento do acesso a serviços de telecomunicações e de internet banda larga, a busca da produtividade na distribuição e uso de água e em particular no destino dos esgotos, o reforço das fontes renováveis na matriz energética, conformam uma visão que pode abrir um imenso caminho de avanço para o conjunto das atividades econômicas. O planejamento e a forte presença do Estado são aqui essenciais. As infraestruturas constituem grandes redes que articulam o território. Constituem neste sentido um dos principais vetores de redução dos desequilíbrios regionais do país Precisam, por exemplo, ser ampliadas nas regiões mais pobres, para dinamizar e atrair novas atividades, e são políticas públicas que podem arcar com este tipo de investimentos de longo prazo justamente nas regiões onde não geram lucros imediatos. Isto envolve planejamento, visão sistêmica e de longo prazo. As metrópoles brasileira estão se paralizando por excesso de meios de transporte e insuficiência de planejamento. O resgate desta visão, e a dinamização de investimentos coerentes com as necessidades do território, constituem um trunfo para o desenvolvimento, e deverão desempenhar um papel essencial nesta decada.

Assim, políticas distributivas ancoradas numa visão de justiça social e de racionalidade econômica, a ampliação dos investimentos nas pessoas através das políticas sociais focalizadas, a gradual incorporação das dimensões da sustentabilidade ambiental no conjunto dos processos decisórios de impacto econômico, e a dinâmica de investimentos de infraestruturas que tanto reduzem o custo Brasil através das economias externas como melhoram a competitividade internacional, conformam um modelo que, em clima democrático e de paz social, está abrindo novos caminhos. Ter um modelo que não apenas faz sentido teórico, mas funciona, e convence grande parte dos atores econômicos e sociais do país, é um trunfo importante.

3 - A política macroeconômica: pragmatismo e flexibilidade
Um dos pontos mais fortes da ampliação das perspectivas de desenvolvimento está na estabilização de um modelo de gestão macroeconômica. Neste plano também estamos frente a um novo patamar. Trata-se aqui do equilíbrio nas políticas de salários, de preços, de crédito, de câmbio, de previdência, de investimentos e de arrecadação. Tecnicamente complexa, e foco de pressões constantes, a política macroeconômica no Brasil obedecia a uma visão neoliberal sofisticada em termos teóricos, mas que resultava ao fim e ao cabo em baixo crescimento e injustiça social, sempre com tom de seriedade e austeridade. A contenção salarial e os altos juros seriam justificados como instrumentos de proteção do povo contra a inflação. Esta área da economia sofre de um pecado original: poucas pessoas a entendem, e encontra-se portanto pouco sujeita a escrutínio democrático. E o passado inflacionário deixou marcas no inconsciente coletivo.

Em termos resumidos, a política adotada pode se resumir na expansão da economia pela inclusão progressiva da base da pirâmide social, o que aumenta a demanda agregada, o que por sua vez gera emprego, investimentos e maior demanda, levando o conjunto a uma espiral virtuosa de desenvolvimento. O nó da política macroeconômica está no equilíbrio das diferentes variáveis, tanto em termos de montantes como de ritmo. A política adotada caracterizou-se por uma grande flexibilidade e rapidez de resposta às mudanças das tendências nacionais e internacionais, uma boa dose de pragmatismo, e a busca de equilíbrios entre os interesses envolvidos.

Em termos práticos, a fase inicial, de 2003 a 2005, caracterizou-se por reajustes macroeconômicos ortodoxos, visando tranquilizar os agentes econômicos quanto à estabilidade das regras do jogo, cumprimento dos compromissos financeiros, contenção das pressões inflacionárias. Paralelamente, iam se construindo os instrumentos de gestão das políticas sociais, que têm como recurso escasso não o dinheiro, mas a capacidade administrativa, que se desenvolve mais lentamente. As minireformas tributária e previdenciária permitiram por sua vez estabilizar as contas. O bom preço das commodities e a diversificação dos acordos comerciais permitiram a redução da vulnerabilidade externa.

A segunda fase, de 2006 a 2008, já se caracteriza pela articulação das políticas em torno a uma dinâmica acelerada de crescimento pela inclusão, lançando as bases das dinâmicas atuais. O cadastro unificado das famílias pobres, a unificação dos programas sociais no Bolsa Família, a forte progressão do salário mínimo (que envolve também o aumento das aposentadorias), o apoio à agricultura familiar (Pronaf), a expansão do crédito (crédito consignado, financiamentos do BNDES e de outros bancos do Estado), a gradual expansão dos investimentos, geraram uma dinâmica de consumo na base da sociedade, e um reforço de investimentos no setor privado. O resultado foi uma forte expansão do emprego formal, com mais demanda. Em outros termos, o Estado assumia a sua função de indutor do desenvolvimento. A maior demanda não gerou inflação, na medida em que a capacidade ociosa do aparelho produtivo permitiu rápida expansão da oferta. A expansão do gasto público foi coberta pela maior arrecadação que resultou do crescimento econômico (passou de 5% em 2008) e da maior formalização da economia, permitindo tanto manter os compromissos com a dívida como expandir as políticas sociais.

A fase da crise financeira de 2008 submeteu esta política a dura prova. A amplitude da crise e o pânico internacional gerado provocaram no país o travamento do crédito, a suspensão dos investimentos privados, a transferência de recursos das filiais brasileiras de grupos estrangeiros para para salvar as matrizes (35 bilhões de dólares só em 2008), e um clima geral de insegurança. Diante da queda da arrecadação do Estado, a visão ortodoxa seria de contenção dos gastos do governo, com um ajuste fiscal contracionista. Com a visão desenvolvimentista já estabilizada na etapa imediatamente anterior, o governo optou por um conjunto de medidas anticíclicas, respondendo de forma rápida e diversificada aos diversos desequilíbrios à medida que se manifestavam. Manteve a expansão do salário mínimo (12% em 2009) gerando expectativa positiva no mercado; assegurou desonerações tributárias e incentivos nos setores críticos; utilizou as reservas cambiais para o financiamento das exportações (o financiamento externo havia estancado totalmente); reduziu o compulsório (que aliás os bancos comerciais utilizaram para comprar títulos do governo, em vez de fomentar a economia); reduziu o financiamento da dívida para priorizar o apoio às atividades produtivas; utilizou os bancos estatais para estimular a economia através de um amplo espectro de linhas de crédito; as alíquotas do imposto de renda foram subdivididas ao se constatar o aperto da crise nos setores da classe média baixa. Os programas sociais não só não foram reduzidos, como expandidos, e a dinamização da construção no programa Minha Casa Minha Vida passou a gerar atividades e empregos de forma muito capilar no conjunto da economia.

Os prognósticos sombrios apontados na época não se materializaram. O que se concretizou, é a visão de uma política macroeconômica multifacetada, pragmática, e orientada pelo equilíbrio dos interesses, e sobretudo pela compreensão de que uma base mais ampla de mercado interno ajuda todos os setores, inclusive o setor exportador, que teve como compensar a redução dos mercados extenos com o consumo interno. E sedimentou-se a idéia de que um Estado atuante é simplesmente necessário. Hoje o país passa a enfrentar os desafios estruturais sabendo que a capacidade de gestão macroeconômica passou as provas, e para o setor privado que precisa estar tranquilo quanto às regras do jogo, isto representa un novo patamar.

Independentemente da crise financeira, um outro vetor de política econômica foi se construindo e está se tornando central, que são os grandes investimentos de infraestrutura tão longamente adiados. O Programa de Aceleração do Crescimento, o Programa de Desenvolvimento Produtivo, a expansão dos investimentos da Petrobrás, o PAC II, e também o Plano de Desenvolvimento da Educação, os planos de generalização de acesso à banda larga, de ordenamento do uso da água e numerosos outros estão ao mesmo tempo dinamizando os investimentos e mantendo a conjuntura elevada, o que facilita todos os ajustes, e introduzindo nos mais diversos setores uma visão estrutural, sistêmica, com resgate de mecanismos de planejamento e de longo prazo. Isto tensiona a capacidade gestora do Estado, que já não desempenhava tais atividades, e coloca novos desafios de modernização administrativa.

Se há uma visão teórica a resgatar, é que os equilíbrios macroeconômicos são dinâmicos, que é possível gerar maior demanda sem excessiva pressão inflacionária, aumentar o fomento do Estado sem gerar déficit irresponsável, encontrar um novo equilíbrio entre mercado inerno e mercado externo sem dramas cambiais, que é possivel colocar condições à entrada de capitais especulativos sem ser declarado “controlador” pelo mercado especulativo internacional e assim por diante. Sobretudo, é possível reduzir os desequilíbrios sociais e regionais sem prejudicar os setores mais abastados e as regiões mais ricas, ao assegurar que todos se beneficiam, mas os de baixo em ritmo mais acelerado. O bom senso funciona. Não só a boa maré levanta todos os barcos, como o Estado pode ser providencial em assegurar que a maré se mantenha.

4 - Os resultados: bases para uma nova expansão
Os resultados são hoje concretos e bastante evidentes. Em números redondos, o nível de emprego formal aumentou em 12 milhões desde 2002. A formalização gera melhor arrecadação, o que financia boa parte da política de apoio. O salário mínimo teve um aumento de capacidade real de compra de 53,67% no período (1), o que atinge cerca de 26 milhões de pessoas. O aumento do salário mínimo também aumenta a capacidade de negociação dos trabalhadores. Indiretamente favorecidos com este aumento são os aposentados, cerca de 18 milhões de pessoas. O Bolsa-Familia atinge hoje 12,4 milhões de familias, melhorando, como ordem de grandeza, as condições de vida de 48 milhões de pessoas. Em boa parte isto significa crianças alimentadas, e seguramente menos angústias nas famílias de baixa renda. Entre 2003 e 2008 19,5 milhões de pessoas saíram da pobreza (2). O Pronaf teve os seus recursos aumentados de 2,5 bilhões de reais em 2002 para 13 bilhões em 2009, dinamizando a a produção de cerca de 2 milhões de produtores rurais. O programa Territórios da Cidadania, está aplicando cerca de 20 bilhões de reais nas regiões mais atrasadas do país. O programa Luz para Todos está atingindo milhões de pessoas que não tinham como guardar uma comida ou um remédio de maneira conveniente. O Prouni, passando já de meio milhão de estudantes, também mostrou resultados impressionantes quando se avaliou o seu desempenho no conjunto das universidades, refutando o argumento do nivelamento por baixo.

A visão do assistencialismo simplesmente não representa a realidade. O bolsa família é o único que constitui simples transferência de recursos, e constitui uma parcela relativamente bastante pequena do conjunto. Ainda assim, vinculado ao seguimento de saúde e frequência escolar, enquadra-se no investimento social (3). A renda na base da sociedade gera consumo imediato, tanto de bens de consumo básicos que melhoram a alimentação a higiene, como o pequeno investimento familiar que pode ser constatado em cada “puxada” nas casas modestas, dinamizando a produção de materiais de construção e de equipamento doméstico básico. A realidade é que o efeito multiplicador dos recursos é muito grande quando orientado para a base da sociedade. E em termos de qualidade de vida, cada real disponibilizado pra as famílias mais pobres gera uma melhora incomparavelmente superior do que nos grupos mais ricos. A produtividade social do dinheiro, a sua utilidade real, cai rapidamente à medida que o nível de renda se eleva.

O fato é que a desigualdade está se reduzindo no Brasil, de maneira lenta pois o atraso herdado é imenso, mas muito regular nos últmos anos. O índice Gini caiu de 0,53 para 0,49 (4). Para efeitos de comparação, é de 0,46 nos Estados Unidos, 0,33 na Itália e 0,26 na Alemanha (5). A persistente desigualdade está ligada ao fato que a renda de todos se eleva no Brasil, e de maneira mais acelerada entre os pobres do que entre os ricos. Mas como o ponto de partida é muito baixo para os pobres, mesmo um percentual elevado representa mudanças pequenas em termos absolutos. Em termos regionais, verifica-se também um crescimento muito mais acelerado no Nordeste e outras regiões mais pobres, mas aqui também a desigualdade se reduz de maneira lenta.

Um ponto central, e relativamente pouco apontado, é que se desfazem gradualmente os preconceitos que tanto alimentaram a oposição aos programas destinados à base da pirâmide social. Longe de se “encostar”, os pobres estão demonstrando uma impressionante capacidade de aproveitamento positivo dos recursos. São pobres não por falta de iniciativa ou de criatividade, mas por falta de oportunidade. E na verdade a propensão a “se encostar” se manifesta democraticamente em diversos níveis sociais.

A organização de políticas destinadas à faixa mais pobre da população tem como obstáculo principal não a falta de recursos, mas a dificuldade de gestão de um sistema de apoio extremamente capilar, destinado a pessoas que frequentemente não têm endereço postal, CPF, conta em banco, ou até certidão de nascimento. De certa forma, o Estado não existia para estes 25% da população do país. Construir os cadastros, os canais de comunicação e os mecanismos de gestão desta parte da população exigiu um imenso esforço administrativo ainda em curso. Assim, um impacto indireto das políticas de inclusão foi a geração de correias de transmissão entre a máquina do Estado, os poderes públicos locais, os movimentos sociais, e em última instância as famílias. O aprendizado organizacional do Bolsa-Família, do Pronaf expandido, dos comités de gestão do programa Territórios da Cidadania, das inúmeras conferências nacionais e regionais realizadas, criaram formas mais densas de interação entre o Estado e a sociedade, vetor de melhores práticas administrativas para o futuro.

Nesta lenta transição para um Brasil economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável, os avanços são indiscutíveis, mas o passivo social herdado de séculos de desequilíbrios é grande. O país continua a ostentar uma desigualdade dramática (6). O desmatamento da Amazônia se reduziu de 28 para 7 mil quilômetros quadrados ao ano, o que é uma grande vitória, mas ainda é um desastre. As periferias metropolitanas continuam sendo explosivas e necessitam de políticas de apoio radicalmente mais amplas. Os atrasos na qualidade da educação, no acesso a uma saúde mais decente, na generalização de políticas ambientais, na democratização do acesso ao crédito, fazem parte dos inúmeros os desafios. No geral, o país tem pela frente tanto o aprofundamento das políticas inclusivas, como a adequação da máquina do Estado e dos processos decisórios da sociedade em geral. A direção a seguir é hoje muito mais clara, os instrumentos básicos de gestão começaram a ser estruturados. Os resultados obtidos e a experiência adquirida abrem uma nova agenda, com novos desafios.

Continua: Na 2ª parte, "Eixos Estratégicos para a Agenda Nacional de Desenvolvimento"

NOTAS

(*) O presente documento sistematiza um conjunto de visões recolhidas pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, no quadro da preparação de uma Agenda Brasil, para a década que se inicia. Deve ser visto como insumo à discussão. Seria inócuo buscar unanimidade. Buscou-se sim a coerência do conjunto.

(1) DIEESE – Mercado de Trabalho Brasileiro: evolução recente e desafios, DIEESE, 10 de março de 2010 - http://www.dieese.org.br/ped/mercadoTrabalhoEvolucaoDesafiostexto2010.pdf

(2) Marcelo Neri, Instituto Brasileiro de Economia da FGV, informe Ensp, 26 de março 2010 http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/materia/index.php?origem=3&matid=20887

(3) Ver artigo de primeira página da Folha de São Paulo de 18 de abril de 2010, p. A13 – “Foi uma pequena grande década,” diz Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV-Rio. “E a melhora na renda hoje é muito mais sustentável, pois está apoiada mais na renda do trabalho”. Na média da década, a renda do trabalho explicaria 67% da redução da desigualdade. O Bolsa Família, cerca de 17%; os gastos previdenciàrios, 15,7%. Desde 2003 foram criados 12,2 milhões de empregos formais”.

(4) Ipea – Desigualdade e Pobreza no Brasil Metropolitano – Comunicado da Presidência n. 25, p. 3 http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/comunicado_presidencia/comunicado_da_presidencia_n25_2.pdf

(5) Ipea – Pobreza, Desigualdade e Políticas Públicas – 12 de janeiro de 2010, p. 9 Comunicado da Presidência n. 38 - http://www.ipea.gov.br/default.jsp

(6) O artigo mencionado de Maracelo Neri comenta: “O Brasil tem hoje 30 milhões de miseráveis sobrevivendo com R$ 137 ao mês. Mas eles seriam mais de 50 milhões se a velocidade da diminuição da pobreza não tivesse se acelerado nos últimos anos”. FSP, 18/04/2010, p. A13

(*) Ladislau Dowbor, é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social: propostas para uma gestão descentralizada”. Seus numerosos trabalhos sobre planejamento econômico e social estão disponíveis no site http://dowbor.org – Contato ladislau@dowbor.org

Marco Aurélio Garica: Serra tem o complexo do viralata

sábado, julho 17, 2010

A auto-ilusão do Serra "faço e aconteço"

José Serra sempre cultivou essa imagem do "faço e aconteço". Sua primeira atuação como Executivo, na prefeitura e no estado de São Paulo, mostrou o contrário: não faz, nem acontece. E tem raiva de quem o obriga a se posicionar.

Durante muitos anos enganou a muito - eu, entre eles. Um artigo meu, em dezembro de 1994, ajudou a demover FHC da decisão de não trazer Serra para seu secretariado.

Até então, meia dúzia de iludidos acreditávamos que Serra era o FHC que fazia acontecer, capaz de tirar o PSDB do marasmo malaniano, capaz de encampar idéias ousadas. Com base nessa esperança, o fato de Serra só ser valente nas declarações em off era perdoado: ele não pode se expor agora, mas quando chegar ao poder terá a coragem que se exige dos grandes estadistas.

À medida que o protagonismo de um cargo executivo relevante expôs sua atuação, o que se percebeu foi que, em qualquer circunstância, fosse como coadjuvante (ministro de FHC), fosse como protagonista (governador de São Paulo) o verdadeiro Serra era titubeante, inseguro, sem idéias e sem vontade de renovar nada. Era incisivo apenas no discurso do "faço e aconteço" que foi se esmilinguindo à medida que a prática não corroborava a prosa.

A primeira decepção dos secretários de Serra com ele, foi quando se recusou a resolver o pepino do Detran (Departamento de Trânsito) que, em muitos estados, se transformou em fonte permanente de corrupção. Covistas integrantes da sua equipe jugavam ser a revanche de Covas - que foi obrigado a aceitar o jogo do Detran, na época, por falta de recursos de campanha. Para surpresa geral, Serra recusou-se a mexer no vespeiro, para não se indispor com alas da Polícia Civil.

Sua atuação no Executivo - como Ministro do Planejamento do primeiro governo FHC - foi pífia. Para fora, em conversas reservadas, apresentava-se como o sujeito pragmático, que não encarava a privatização como um fim em si próprio, mas como um meio. Para dentro - conforme revelou o próprio FHC - era um privativista arraigado.

Na época da privatização, procurei-o mostrando a importância de uma privatização com fundos sociais, que permitiria transformar estatais em empresas públicas, beneficiando optantes do FGTS, viabilizando a Previdência, consolidando o mercado de capitais, em vez de beneficiar grupos específicos. Até então, não sabia das relações de Verônica com Daniel Dantas.

Serra acolhia as idéias, fingia apoia-las. Mas nunca moveu uma palha para impedir o jogo.

No Planejamento, não se soube de uma medida modernizante que tenha tomado. As tentativas posteriores de coordenação do orçamento - Avança Brasil e Brasil em Ação - surgiram depois. O próprio PPA (Plano Plurianual), que ele se vangloria de ter colocado na Constituição, em seu período no Planejamento jamais foi utilizado como ferramenta de coordenação de gastos públicos. Usava sua assessoria exclusivamente para montar estudos torpedeando (com bons argumentos) as loucuras de Malan. Apenas isso, torpedear a ação de terceiros, às vezes com razão, às vezes sem, contar prosa em particular, sobre como faria muito melhor, se estivesse no lugar do FHC. Mas, de prático, nada.

Na Prefeitura, poderia ter encarado o maior desafio de um prefeito, o de preparar o município de São Paulo para a nova era, impedindo o estrangulamento urbano. Para tanto, precisaria encarar o lobby imobiliário, o automobilístico, o do transporte de massa. Foi incapaz de apresentar um estudo original sequer, uma tese arrojada sequer. Só arroz-com-feijão, deixando os secretários soltos para tocar sua parte, sem uma orientação, uma cobrança sequer.

Qual a ousadia o "faço-e-aconteço", no governo do Estado? Apesar do discurso em favor do ajuste de gastos do Estado, foi o único caso de homem público que reduziu o prazo de aposentadoria de uma categoria profissional - a Polícia Civil -, apavorado com as manifestações em frente ao Palácio Bandeirantes, provocadas unicamente por sua demora em receber os grevistas.

Não avançou na modernização de uma empresa pública paulista sequer. Enquanto a Cemig se transformava em uma baita empresa de energia, a CESP definhava, presa aos dilemas de "privatizar ou não privatizar", e depois a tentativas canhestras e falhas de privatização. Não foi capaz sequer de definir uma vocação para a maior empresa do Estado, em um momento em que a energia se transformou no setor mais promissor da economia mundial.

Não definiu nenhuma forma nova de articulação entre secretarias. Não lançou um programa de impacto. Não se amarrou a uma meta ousada na área social. O governo Serra consistiu em em uma procissão: um secretário (Mauro Ricardo) carregando nas costas o andor de um santo imóvel (Serra) e sendo acompanhado por uma comitiva de secretários proibidos de rezar em voz alta para não acordar o santo.

A rigor, sua coragem maior foi ter pegado ideias prontas e acabadas no Ministério da Saúde e ter levado a cabo a luta pelos genéricos. Foi um momento único na sua carreira, de tomada de decisão, que jamais se repetiria nem antes nem depois, quando passou a ter poder efetivo na mão.

Por Luiz Nassif

Em http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-auto-ilusao-do-serra-faco-e-aconteco?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter

sexta-feira, julho 16, 2010

A carga da brigada mediática




John Pilger*
O título deste texto de John Pilger sugere-nos que a manipulação informativa a partir dos centros de decisão é encarada como um acto bélico, uma qualquer carga militar sobre o inimigo. Por isso, “as campanhas coloniais são realmente «guerras de percepção», escreveu o actual comandante David Petraus, onde os media popularizam os termos e as condições. «Narrativa» é a palavra acreditada porque é pós-moderna e carente de contexto e verdade. A narrativa do Iraque é que a guerra está ganha, e a narrativa do Afeganistão é que esta é uma «guerra boa»”.



A apresentadora da televisão entrevistava, num ecrã dividido, um jornalista que se tinha oferecido como testemunha na execução de um homem que esteve no corredor da morte durante 25 anos, no Utah. «Tinha uma alternativa» disse o jornalista, «injecção letal ou pelotão de fuzilamento». «Caramba!» disse a apresentadora. Intervalo para uma lufada de spots publicitários de comida de plástico, pastas de dentes, bandas gástricas, o novo Cadillac. Seguiu-se a guerra no Afeganistão, apresentada por um correspondente com colete anti-bala. «Eh!, está calor», disse no ecrã dividido. «Tenha cuidado», disse a apresentadora. «E agora vejam». Eram imagens reais em que uma câmara mostrava um homem incomunicável numa cela.

No dia seguinte cheguei ao Pentágono para uma entrevista com um dos altos funcionários que trabalha na guerra para o presidente Obama. Tive de percorrer um longo caminho por corredores decorados com fotos de generais e almirantes engalanados de galões. A sala de reuniões foi feita especialmente para isso. Era azul, de um frio árctico, sem janelas nem qualquer outra coisa para além de uma bandeira e duas cadeiras: acessórios que criavam a sensação de austeridade. A última vez que estive numa sala idêntica no Pentágono, um coronel chamado Hum interrompeu bruscamente a minha entrevista com outro funcionário que trabalha na guerra quando perguntei porque é que tantos civis inocentes morriam no Iraque e no Afeganistão. Então eram milhares; agora são mais de um milhão. «Desligue o gravador»!, mandou. Desta vez não havia nenhum coronel Hum, só uma delicada recusa de recolher testemunhos de soldados, pois era «uma coisa comum» que se ordenasse aos soldados que «matassem todos os filhos de p…». A Associeted Press disse que o Pentágono gasta 4.700 milhões em relações públicas: isto é, para ganhar os corações e as mentes não de membros das tribos afegãs recalcitrantes, mas de estadunidenses. A isto chama-se «domínio da informação».

O poder imperial estadunidense flui através de uma cultura mediática onde a palavra imperial é um anátema. Mencioná-la é uma heresia. As campanhas coloniais são realmente «guerras de percepção», escreveu o actual comandante David Petraus, onde os media popularizam os termos e as condições. «Narrativa» é a palavra acreditada porque é pós-moderna e carente de contexto e verdade. A narrativa do Iraque é que a guerra está ganha, e a narrativa do Afeganistão é que esta é uma «guerra boa».

Que nada disto seja verdade pouca importância tem. Promovem a «grandiosa narrativa» de uma ameaça constante e a necessidade da guerra permanente. «Vivemos num mundo de ameaças escalonadas e entrecruzadas», escreveu o célebre colunista do New York Times, Thomas Friedman, «que, a qualquer momento, tem a capacidade de derrubar a imagem do país».

Friedman apoia o ataque ao Irão, cuja independência é intolerável. É a psicopatia de uma grande potência que Martin Luther King descreveu como «fornecedora da violência ao mundo». Mataram-no a tiro.

Em toda a cultura popular corporativa se aplaude a psicopatia, desde o espectáculo televisivo de um homem que escolhe o pelotão de fuzilamento em vez da injecção letal, a Terra Hostil [Hurt Locker], filme vencedor do Óscar, e o aplaudido Restrepo, um novo documentário belicista. Os realizadores de ambos os filmes negam e dignificam a violência da invasão como «apolítica». No entanto, por trás da fachada caricatural há um propósito sério. Os EUA estão envolvidos com forças militares em 75 países. Há mais de 900 bases militares dos EUA em todo o mundo, muitas delas junto às portas das fontes de combustíveis fósseis.

Mas há um problema. A maioria dos estadunidenses opõe-se a estas guerras e aos milhares de milhões que elas custam. Que a lavagem do cérebro fracasse tão amiúde é a maior virtude dos EUA. Isto deve-se, frequentemente, a corajosos inconformistas, particularmente os que emergem da margem do poder. Em 1971, o analista militar Daniel Ellsberg divulgou documentos conhecidos como «papéis do Pentágono» que desmentiram quase tudo o que dois presidentes dos EUA tinham afirmado sobre o Vietname. Muitas destas pessoas com acesso a informação nem sequer são renegadas. Tenho uma secção na minha agenda repleta de nomes de ex-agentes da CIA que me expressaram as suas opiniões. Isto é impossível acontecer na Grã-Bretanha.

Em 1993, C. Philip Liechty, o oficial de operações da CIA em Jacarta nos dias da invasão assassina de Timor Leste pela Indonésia, descreveu-me como o presidente Gerald Ford e o secretário de Estado Henry Kissinger tinham dado «luz verde» ao ditador Suharto e forneceram secretamente as armas e a logística que este necessitava. Com a chegada dos primeiros relatórios ao seu escritório começou a mudar de opinião. «Fui enganador», disse. «Senti-me mal».

Melvin Goodman é agora um erudito na Universidade Johns Hopkins em Washington. Esteve na CIA mais de 40 anos e chegou a analista principal sobre a União Soviética. Há dias, quando nos encontrámos, descreveu o trabalho durante a Guerra Fria como uma série de exageros da «agressividade» soviética que ignoravam, intencionalmente, o conhecimento da inteligência de que os soviéticos estavam empenhados em evitar a qualquer preço uma guerra nuclear. Arquivos oficiais desclassificados de ambos os lados do Atlântico confirmam este ponto de vista. «O que importava aos partidários da linha dura em Washington», disse, «era em que medida uma ameaça podia ser explorada». O actual secretário da Defesa, Robert Gates, como director-adjunto da CIA nos anos oitenta, exagerou permanentemente a «ameaça soviética» e, disse, Goodman faz agora o mesmo «com o Afeganistão, a Coreia do Norte e o Irão».

Pouco mudou. Nos EUA, em 1939, W.H.Auden escreveu:

«enquanto morrem as grandes esperanças
De uma década má e desonesta:
Ondas de rancor e medo
Correm sobre as iluminadas
E obscurecidas terras do planeta
Oprimindo nossas vidas privadas;
Assomam fora do espelho
A cara do Imperialismo
E do erro internacional.»

* Jornalista australiano

Este texto foi publicado em: www.informationclearinghouse.info/article25893.htm

Tradução de José Paulo Gascão

ODiario.info :

VÍDEO: Melô do pedágio com comparação entre rodovia federal e estadual paulista

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quinta-feira, julho 15, 2010

Exercício militar de proteção ao Pré Sal

Paulo Cezar
Operação Atlântico II: 19 a 30 de julho 14 de julho de 2010



Militares expandem simulação de ataque ao pré-sal

Eduardo Simões – Reuters


Ao mesmo tempo em que a prospecção de petróleo no pré-sal é ampliada para além da área das primeiras descobertas, Marinha, Exército e Aeronáutica começam na semana que vem um exercício militar de norte a sul da costa do país para mostrar capacidade de proteger as riquezas submarinas.

Ao contrário de sua primeira versão realizada em 2008 e que se concentrou somente na região Sudeste, a Operação Atlântico 2, com início marcado para 19 de julho, abrangerá também a região Nordeste e, além de simular ameaças à infraestrutura petrolífera, também exercitará o combate à pesca ilegal.

“Esse ano nós vamos realizar uma operação muito mais complexa, com maior grau de realismo”, disse à Reuters o contra-almirante Paulo Ricardo Médici, subchefe de operações do Comando de Operações Navais da Marinha.

Ele acrescentou que os arquipélagos de Fernando de Noronha e de São Pedro e São Paulo, ambos na costa da região Nordeste, foram incluídos no teatro de operações das manobras deste ano.

“Essa inclusão de Fernando de Noronha se deve ao fato de (a ilha) ter um possível emprego estratégico por forças inimigas, caso não tenhamos militares realizando um perfeito controle territorial”, disse Médici.

“(Fernando de Noronha) pode ser um importante apoio logístico para qualquer força que quiser atacar o nosso território”, completou. Já a área de São Pedro e São Paulo, segundo o almirante, é alvo constante de embarcações que pescam ilegalmente na costa brasileira.

As manobras incluirão a simulação de ataques de submarinos e de ocupação por forças inimigas de uma plataforma de petróleo emprestada às Forças Armadas pela Petrobras.

A um custo estimado de 10 milhões de reais, de acordo com Médici, os jogos de guerra também envolverão a infraestrutura petrolífera das bacias de Santos e Campos e instalações energéticas, como as usinas nucleares em Angra dos Reis.

“É uma região que precisará ser protegida à medida que tivermos cada vez mais plataformas operando”, disse Médici, acrescentando que o Brasil não sofre uma ameaça específica. “(Mas) precisamos estar preparados.”

Novos meios


A Operação Atlântico 2 mobilizará 10 mil militares das três forças. Navios de guerra, aviões de transporte e de ataque também participarão das manobras.

Médici reconheceu a necessidade de aquisição de novos equipamentos para garantir a proteção da costa brasileira, especialmente novos navios-patrulha e navios-escolta.

“Nós temos 8.500 quilômetros de costa. Se você pensar que nós precisamos proteger toda essa costa marítima, vai se verificar claramente a necessidade de mais meios”, afirmou.

Ele disse, no entanto, que a chegada de um submarino a propulsão nuclear à esquadra brasileira, prevista para 2020, será essencial para essa tarefa.

“Quando nós conseguirmos isso (submarino nuclear)… nenhum país do mundo terá coragem e condições de se aproximar de nossa costa”, disse.

Além do submarino a propulsão nuclear, resultado de um acordo com a França que prevê a transferência de tecnologia da parcela convencional do navio, o Brasil deve adquirir também novos caças de multiemprego para a Força Aérea.

FONTE: Reuters, via Estadão

http://www.naval.com.br/blog/2010/07/14/operacao-atlantico-ii-19-a-30-de...

COMENTÁRIO E & P
Os tucanos queriam acabar com as forças armadas brasileiras. Isso para seguir o projeto subordinado aos Estados Unidos. No governo deles não houve aquisição de material militar, a FAB não tinha combustível para tirar os aviões do chão e por falta de manutenção houve alguns acidentes graves na força. O mesmo aconteceu nas demais armas. O Brasil não tinha projeto soberano nem para se defender. Isso mudou pois o país está reconstruindo suas forças armadas, reforçando a sua capacidade de dissuassão. Os militares brasileiros devem desculpas ao país por terem dado o golpe de estado de 1964, terem prendido, torturado e assassinado vários brasileiros. O pensamento nos quartéis ainda não foi arejado, eles pensam segundo a doutrina de segurança nacional, formulada na Escola das Américas, nos Estados Unidos, em que o povo é o principal inimigo. Dessa forma, os estadunidenses transformaram os exércitos nacionais em forças de ocupação, no Brasil e na América Latina. Isso precisa mudar. Precisamos de forças armadas com equipamento para defender o país e não usá-lo contra o seu próprio povo. Esse é o diálogo que temos de travar com a área militar. Eles precisam entrar no projeto de desenvolvimento nacional soberano e democrático.

segunda-feira, julho 12, 2010

Centrais Sindicais apresentam manifesto contra mentiras do Serra

Centrais acusam Serra de “impostura e golpe” contra trabalhadores
Os presidentes das cinco maiores centrais sindicais do país assinaram ontem um manifesto contestando as declarações que o candidato do PSDB vem repetindo na campanha eleitoral, de que foi responsável pela criação de vários benefícios para o trabalhador.

Por Brasilia Confidencial
Segunda-feira, 12 de julho de 2010
Os presidentes das cinco maiores centrais sindicais do país assinaram ontem um manifesto com o título de “Serra: impostura e golpe contra os trabalhadores”, em que contestam as declarações, que o candidato do PSDB tem repetido na campanha eleitoral, de que foi responsável pela criação de vários benefícios para o trabalhador.

Reafirmando que as centrais estão unidas “contra o retrocesso e para garantir a continuidade do projeto” liderado pelo Governo Lula, os presidentes da CUT, Força Sindical, CGTB, CTB e Nova Central criticam o desempenho de José Serra no Congresso, na Constituinte e no governo de São Paulo.

“O candidato José Serra (PSDB) tem se apresentado como benemérito dos trabalhadores, divulgando inclusive que é o responsável pela criação do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e por tirar do papel o seguro-desemprego. Não fez nem uma coisa nem outra”, acusam os dirigentes sindicais acentuando que “tanto no Congresso Nacional quanto no governo, sua marca registrada foi atuar contra os trabalhadores”.

No caso do seguro-desemprego, dizem as centrais, o benefício foi criado e regulamentado por decretos do então presidente José Sarney, em março e abril de 1986. Já o Fundo de Amparo ao Trabalhador resultou de projeto do então deputado peemedebista Jorge Uequed (RS), em 1988. O que Serra fez, afirmam os líderes sindicais, foi praticamente repetir a proposta de Uequed mais de um ano depois de sua apresentação, em projeto que o plenário da Câmara considerou prejudicado porque já aprovara o outro.

Em seu manifesto, os presidentes das centrais listam nove propostas que consideram benéficas para os trabalhadores e que Serra não apoiou durante a Assembleia Constituinte, em 1987 e 1988.

“a) Serra não votou pela redução da jornada de trabalho para 40 horas;
b) não votou pela garantia de aumento real do salário mínimo;
c) não votou pelo abono de férias de 1/3 do salário;
d) não votou para garantir 30 dias de aviso prévio;
e) não votou pelo aviso prévio proporcional;
f) não votou pela estabilidade do dirigente sindical;
g) não votou pelo direito de greve;
h) não votou pela licença paternidade;
i) não votou pela nacionalização das reservas minerais.”

Os dirigentes sindicais também acusam José Serra de tentar, durante a revisão constitucional de 1994, aprovar um projeto destinado a dividir e enfraquecer os trabalhadores para favorecer o lucro das empresas.

“É por essas e outras”, afirma o manifesto, “que Serra, enquanto governador de São Paulo, reprimiu a borrachadas e gás lacrimogênio os professores que estavam reivindicando melhores salários; jogou a tropa de choque contra a manifestação de policiais civis que reivindicavam aumento de salário; e arrochou o salário de todos os servidores públicos do Estado de São Paulo”.

O documento é assinado por Artur Henrique, presidente da CUT; Miguel Torres (Força Sindical). Antonio Neto (CGTB), Wagner Gomes (CTB) e José Calixto Ramos (Nova Central).

Comentário E & P
Serra é um factóide criado pela imprensa para enganar o povo brasileiro. Em São Paulo funcionou duas vezes, Serra se apresentou na campanha de 2004 sem programa de governo, sem proposta, apenas a frase "vamos ampliar e melhorar". Como prefeito da capital paulista foi um desastre. Piorou os transportes públicos, a saúde, educação, destruiu a Guarda Civil Municipal e agiu de forma fascista com os moradores de rua, ao construir obstáculos que dificultam que essas pessoas possam dormir embaixo de viadutos e bancos. Como governador também não fez nada que preste. A fama de "preparado" foi construída pela imprensa brasileira. Preparado para vender a Vale por US$ 3,3 bilhões e a empresa vale hoje mais de US$ 100 bilhões, prejudicando o povo brasilerio. Serra quer destruir o Bolsa Famílias, assim como acabou com o Renda Mínima paulistano, que acabar com todos os programas que o governo Lula implantou no país,assim como reduziu os implantados na capital; que instituir um governo de exceção, como fez em São Paulo, onde ele controla a mídia e parte do judiciário. Ele mandou a polícia bater nos professores e depois combinou com o TSE, julgar a greve política. Nem na ditadura militar eles eram tão cínicos, deve ser um fato inédito no mundo. Serra privatizou mais de 80 pedágios no Estado de São Paulo. Ele está muito preparado para destuir o país e se subordinar aos países ricos, de forma vil.

domingo, julho 11, 2010

O MARECHAL LOTT, JÂNIO QUADROS E AS ELEIÇÕES DE 2010

Laerte Braga

Henrique Dufles Baptista Teixeira Lott foi um dos grandes vultos das Forças Armadas brasileiras. Entre outras coisas não se subordinava a Washington como boa parte dos nossos militares e tampouco tinha aversão ao processo democrático. Ao contrário. Impediu em 11 de novembro de 1955 um golpe dos “patriotas” contra a legalidade.

Ministro da Guerra, era como se chamava o Ministério do Exército, hoje abrigado como Secretaria dentro do Ministério da Defesa, evitou duas tentativas de Golpe contra o governo de JK e acabou candidato da coligação PSD/PTB à presidência da República em 1960.

Disputou as eleições contra Jânio Quadros, ex-governador de São Paulo, e um terceiro candidato, Adhemar de Barros, uma espécie de Paulo Maluf da pré-história, também ex-governador de São Paulo.

Perdeu-as. Jânio foi eleito presidente por larga maioria de votos.

Lott não tinha boa oratória, as campanhas àquela época se sustentavam principalmente em comícios e, aliado a esse fato, Lott tinha a mania da franqueza. Da honestidade em suas palavras. Em suas propostas.

Jânio era um produto da demagogia, mero projeto pessoal de ditador. Renunciou numa manobra tragicômica esperando que o povo o reconduzisse ao governo com plenos poderes. Tudo sob efeito da “mardita” pinga. Candidato da UDN sem nunca ter sido udenista e de Carlos Lacerda, a quem usou até espremer e terminar espremido, não era necessariamente louco como diziam. Demagogo, interrompia comícios para tomar uma injeção de glicose (vivia bêbado), alegando que o cansaço na “luta pelo povo” o obrigava a “sacrifícios” que prejudicavam sua saúde.

Tinha o hábito de a assistir filmes de western ao contrário, ou seja, do fim para o princípio. Achava interessante o bandido levantar-se e tomar um soco de John Wayne do que a ordem natural da cena: tomar o soco e cair.

O marechal Lott passou a campanha inteira advertindo aos brasileiros que Jânio levaria o País ao caos. Num dado momento, chegou a propor um pacto de unidade nacional em torno de uma candidatura única, no casom o general Juracy Magalhães, governador da Bahia, e que havia sido derrotado por Jânio na convenção da UDN.

Para que se possa ter uma idéia da personalidade do marechal Lott.

Em visita a uma cidade no interior de Minas, descia num automóvel para o centro da cidade, saindo do aeroporto, quando um eleitor de Jânio enfiou uma vassoura dentro do carro, pela janela e tentou atingi-lo. Lott mandou o carro parar e em meio a lottistas de um lado e janistas de outro, foi até o cidadão, tomou-lhe a vassoura, jogou-a no chão e disse com o dedo em riste: –“O senhor pode votar em quem quiser, é um direito que eu assegurei quando garanti a posse do presidente Juscelino. Mas o senhor respeite a mim e a democracia. Proceda como homem de caráter”.

Voltou ao automóvel sob aplausos de seus correligionários e silêncio dos janistas. Por sinal, Jânio perdeu as eleições nessa cidade.

Em muitas cidades que visitava, pouco antes de subir ao palanque, Jânio dirigia-se a um botequim estrategicamente escolhido, pedia um sanduíche de pão com mortadela, alegava falta de tempo para jantar, uma pinga e uma cerveja quente. Sentava-se à mesa com alguém que lá estivesse. Chegou a sentar-se no meio fio e com gestos teatrais ia comendo, bebendo e conversando com as pessoas.

Já ex-presidente, escreveu com Afonso Arinos (que se redimiu depois, pois era um homem inteligente e um político íntegro) uma enciclopédia da língua portuguesa. No lançamento no Rio de Janeiro, em 1967, almoçava no Clube Ginástico, no centro da cidade, presentes o próprio Arinos (fora seu ministro das Relações Exteriores), quando surpreendeu a todos, inclusive jornalistas, com seu pedido. Uma omelete simples, uma pinga especial e uma cerveja quente.

A surpresa maior veio depois. Foi recortando a omelete até dar-lhe a forma de uma suástica e sequer engoliu uma garfada. O que sobrou amassou com as mãos, formou um bolo e colocou fora do prato. Bebeu a pinga, duas ou três cervejas quentes e foi-se.

Segundo Foucault, “não há exclusão entre loucura e crime, mas sim uma implicação que os une. O indivíduo pode ser um pouco mais insano, ou um pouco mais criminoso, mas até o fim a loucura mais extremada será assombrada pela maldade”.

Referia-se, embora seja um conceito amplo, a Doucelin, conde D’Albuterree, que avocava a si a condição de herdeiro da coroa de Castela e que dizia falar com Deus todos os dias, além de receber a visita de Maria algumas vezes por semana.

O problema é que Jânio não rasgava nota de cem. Ao contrário, cultivou a fama de honesto e implacável na defesa do dinheiro público, enquanto ia guardando o “seu” em bancos suíços.

As advertências do marechal Lott se confirmaram e foram além. Com a renúncia de Jânio, em 25 de agosto de 1961, depois de ter proibido desfile de miss com biquíni, briga de galo e imposto o slack como uniforme para os servidores públicos, militares brasileiros comandados por Washington se levantaram contra a posse do vice, João Goulart que se encontrava em missão na China, a pedido de Jânio. Queria-o longe à hora do “golpe”.

E uma das primeiras prisões feitas foi a do marechal Lott, que logo se pronunciou pela legalidade.

Jango acabou tomando posse, com a reação decisiva de Brizola. Mas os mesmos militares golpistasderam um golpe em 1964 e impuseram ao Brasil uma sombria e cruel ditadura sob controle dos EUA.

Outra vez, um ano após o golpe, impediram a candidatura de Lott ao governo do antigo estado da Guanabara, temerosos de que sua liderança acabasse por despertar a reação popular à quartelada. Como Lott fosse eleitor em Teresópolis, criaram a figura do domicílio eleitoral.

José Arruda Serra é uma versão abstêmia de Jânio Quadros. O que às vezes costuma ser pior. Quando secretário de Franco Montoro tinha mania de dar batida nos órgãos públicos do governo do Estado de São Paulo para verificar se havia desperdício de clips, elásticos e aparas de papel.

Jânio, quando candidato a prefeito de São Paulo pela primeira vez, chegou a colocar um boné de motorneiro e tentar dirigir um bonde. Nesse dia estava numa água só. E dava incertas (mas avisava a imprensa) em repartições públicas.

O curioso é que, morto politicamente, Jânio foi ressuscitado por FHC, em 1985, derrotando-o numa eleição para a mesma prefeitura de São Paulo. No dia da posse pendurou um par de chuteiras à entrada de seu gabinete para comunicar que estava encerrando sua vida pública.

José Arruda Serra é só uma versão abstêmia de Jânio Quadros. Demagogo, sem qualquer escrúpulo ou respeito pelo que quer que seja. É evidente que sendo abstêmio, ou seja o oposto, tenha manias do tipo desinfetar as mãos com álcool ao fim de uma sessão de cumprimento a eleitores, embora não sente em meio fio e nem coma sanduíche de mortadela. Mas usa o tal desinfetante bucal que protege por doze horas já que em campanha tem que beijar crianças.

Vale-se da sofisticação que as campanhas políticas ganharam nos dias atuais e que permite a demagogos como ele, Arruda Serra, vender um peixe que não existe.

É a velha alma udenista/golpista assombrando o Brasil (e olha que na UDN, creio que, por equívoco, havia figuras como Afonso Arinos, Adauto Lúcio Cardoso, Milton Campos e outros de caráter e integridade indiscutíveis).

A simples hipótese de um sujeito como Arruda Serra ser presidente da República (está cada dia mais difícil, mas todo cuidado é pouco) aterroriza.

É só olhar o governo de FHC e multiplicar por um fator que podemos chamar de muitas vezes pior e teremos o resultado.

Pior ainda que um bêbado como Jânio, projeto mambembe de ditador, é um abstêmio doentio e sem escrúpulos como Arruda Serra.

Tucanos são a UDN repetida como farsa e por isso mesmo, revestidos de cinismo.

No fundo seria um passo gigantesco atrás. Um retrocesso sem tamanho.

Lott continua tendo razão absoluta sobre os “jânios” que volta e meia aparecem.

Reside aí a grandeza do velho marechal. Ser brasileiro, ter compromisso com a democracia sem adjetivos.

Ao contrário de seu antigo adversário Jânio Quadros, que levou o País ao caos e da versão seca, José Arruda Serra, que intenta o mesmo.

E para não dizer que não falei de flores, nas eleições de 1960, quando as organizações GLOBO se limitavam ao jornal THE GLOBE, editado em português como O GLOBO, e a algumas emissoras de rádio, família Marinho apoiou Jânio Quadros.

Quem disse que o marechal Lott não tem nada a ver com as eleições de 2010 ?

A História não morreu. Está mais do que viva.

sexta-feira, julho 09, 2010

segunda-feira, julho 05, 2010

GEOPOLÍTICA - A arrogância da potência chinesa

Do Valor

Por Brahma Chellaney

Para a China, o maior perdedor na crise financeira internacional é o Tio Sam

O sucesso gera confiança e o sucesso rápido gera arrogância. Em poucas palavras, esse é o problema que tanto Ásia como Ocidente enfrentam com a China, algo que voltou a ser demonstrado no encontro de cúpula do G-20 no Canadá. A ascensão de seu poder político e militar vem encorajando o governo da China a buscar uma política externa mais forte. Tendo pregado anteriormente o lema da "ascensão pacífica", a China agora começa a tirar as luvas, convencida de que ganhou os músculos necessários.

A abordagem tornou-se mais pronunciada com a crise financeira mundial iniciada no outono setentrional de 2008. A China interpretou a crise como símbolo do declínio da "marca" anglo-americana de capitalismo e do enfraquecimento da força econômica dos Estados Unidos. Isso, por sua vez, fortaleceu sua crença dual - de que seu tipo de capitalismo, guiado pelo Estado, oferece uma alternativa crível e que sua ascendência mundial é inevitável.


nalistas chineses assinalam com regozijo que EUA e Grã-Bretanha - após terem entoado por tanto tempo a canção "liberalize, privatize e deixe os mercados decidirem" - ao primeiro sinal de perigo acabaram encabeçando o movimento de resgate governamental de seus grandes grupos financeiros. Em contraste, o capitalismo guiado pelo Estado proporcionou estabilidade econômica e forte crescimento à China, permitindo-lhe superar a crise mundial.

De fato, apesar das preocupações de sempre sobre o sobreaquecimento da economia, as exportações e vendas no varejo da China estão em expansão e suas reservas internacionais aproximam-se agora de US$ 2,5 trilhões, mesmo com o nível alarmante dos déficits comercial e fiscal dos EUA. Isso ajudou a reforçar a fé da elite chinesa na fusão do capitalismo estatal e da política de autocracia da China.

O maior perdedor na crise financeira internacional, na visão da China, é o Tio Sam. O fato de os EUA continuarem na dependência de a China comprar bilhões de dólares em bônus do Tesouro todas as semanas para financiar o déficit escancarado no orçamento é um sinal da mudança no poder financeiro mundial - que a China se certifica de usar para ter ganhos políticos nos próximos anos.

Os holofotes atualmente podem estar voltados para as mazelas financeiras da Europa, mas na leitura chinesa o quadro mais amplo é o de que o endividamento e déficits crônicos dos EUA simbolizam seu relativo declínio. Agreguem a esse quadro as duas guerras que os EUA travam no exterior - uma das quais vem ficando candente e parece ser cada vez mais impossível de vencer - e o que vem à mente entre os líderes da China é a advertência do historiador Paul Kennedy sobre a "superextensão imperial".

Com esse pano de fundo, a crescente assertividade da China não é surpresa para muitos. O conselho de Deng Xiaoping - "Esconda suas capacidades e aguarde seu momento" - não parece ser mais relevante. Hoje, a China não se sente tímida em mostrar sua capacidade militar e declarar-se em múltiplos fronts.

Como resultado, novas tensões surgem na relação entre China e Ocidente, o que ficou em clara evidência no encontro de cúpula de Copenhague sobre as mudanças climáticas, onde a China - maior poluidor do mundo, com a maior taxa de crescimento de emissões de gás carbônico - astutamente desviou-se das pressões ao esconder-se atrás dos países em desenvolvimento. Desde então, a China intensificou as tensões ao continuar manipulando o yuan chinês, mantendo um superávit comercial excepcionalmente alto e restringindo a entrada de bens industrializados de empresas estrangeiras em seu mercado doméstico.

Em questões de política e segurança, a China não despertou menos receios. Por exemplo, a expansão do papel naval da China e suas reivindicações marítimas ameaçam colidir com os interesses dos EUA, incluindo a ênfase tradicional dos americanos na liberdade dos mares.

A simples verdade é que as mazelas econômicas e militares dos EUA estão limitando suas opções de política externa perante a China. Os EUA parecem mais relutantes do que nunca em exercitar a alavancagem que ainda possuem para pressionar a China a corrigir políticas que ameaçam distorcer o comércio exterior e alimentar imensos desequilíbrios comerciais, além de desencadear maior concorrência por matérias-primas escassas.

Ao manter sua moeda subvalorizada e inundar os mercados mundiais com bens artificialmente baratos, a China segue uma política predatória de comércio externo. Isso mina mais a industrialização do mundo em desenvolvimento que a do Ocidente.

Ainda assim, os EUA evitam qualquer tipo de pressão sobre a China. A política atual dos EUA contrasta com a do país nos anos 70 e 80, quando o Japão emergiu como potência econômica mundial. O governo do Japão manteve o iene subvalorizado e ergueu barreiras encobertas aos bens externos, o que desencadeou fortes pressões - e coerções periódicas - pelos EUA em busca de concessões japonesas. Hoje, os EUA não têm como adotar a mesma abordagem com a China, em grande parte porque a China também é uma potência militar e política e porque os EUA dependem do apoio chinês em uma série de questões internacionais - da Coreia do Norte e Mianmar ao Irã e Paquistão. Em contraste, o Japão continuou uma potência econômica totalmente pacifista.

É de importância fundamental o fato de a China ter se tornado uma potência militar mundial antes de ser uma potência econômica. O poderio militar foi conquistado por Mao Tsé-tung, o que permitiu a Deng concentrar o esforços em expandir com rapidez a força econômica do país.

Sem a segurança militar criada por Mao, poderia não ter sido possível que a China desenvolvesse força econômica na escala que desenvolveu. Na verdade, o crescimento de 13 vezes da economia nos últimos 30 anos produziu recursos ainda maiores para a China afiar suas garras militares.

A ascensão da China, portanto, é tanto obra de Mao como de Deng. Porque se não fosse o poder militar chinês, os EUA tratariam a China como outro Japão.

sábado, julho 03, 2010

TRAILER DO FILME AO SUL DA FRONTEIRA DE OLIVER STONE

Quem acredita ainda na FSP (Força Serra Presidente)?



Otavinho é um Lacerda (Corvo *) sem talento e com herança


Extraído da Carta Maior:


Por Emir Sader

O jornal que emprestou seus caros para a Operação Bandeirantes, disfarçada de jornalistas, levar a cabo prisões arbitrárias, fuzilamentos sumários de detidos, conduzir os sobreviventes para tortura, para a desaparição, para a morte.

O jornal que considerou a ditadura militar – o mais ditatorial dos regimes, de imposição do terror, o mais antidemocrático – como a salvação do país, pregou sua realização, saudou a ruptura da democracia e a deposição de um presidente legitimamente eleito pelos cidadãos, apoio a ditadura, ajudou a escondeu seus crimes e, mais recentemente, chamou-o de “ditabranda”.

O jornal que publicou uma ficha falsa da Dilma em manchete de primeira página de um domingo. Pego em flagrante, nunca corrigiu sua brutal manipulação.

Uma executiva do jornal declarou que, dada a fraqueza dos partidos da oposição, a imprensa assume o papel de partido da oposição. Isto é, o jornaleco virou boletim de um partido opositor, os jornalistas não são mais jornalistas, todos eles militantes desse partido opositor. A direção, que nunca foi eleita por ninguém, mas designada pela família, o Comitê Central desse partido. O seu diretor, escolhido por seu pai para sucedê-lo na direção da empresa familiar, presidente do partido.

Suas pesquisas são pesquisas internas dos tucanos, feitas por encomenda e atendendo às penúrias do candidato-colunista do jornal, que passeia pela redação do jornal como pela sua casa, dá broncas no que não gosta, nomeia empregados, como a chefe da sucursal de Brasília, nomeada por ele, porque tucana e porque casada com publicitário – ex funcionário da Globo – que codirige a campanha derrotada em 2002 e agora em 2010.

Quem acredita nas pesquisas do Databranda?

Quem compraria um jornal usado da família Frias?

Que lê o Diario Oficial dos Tucanos, com todos os editorais cheios de pluma tucana da página 2?

O povo não é tonto. Com tudo o que eles dizem, apenas 3% aceitam seus argumentos e rejeitam Lula.

Ou será 0%, na margem de erro?

A derrota de Serra e seu vice de ocasião é também a derrota da imprensa das oligarquias familiares, da imprensa mercantil, da imprensa mentirosa e manipuladora, a derrota dos Frias, dos Marinhos, dos Mesquitas, dos Civitas e dos seus associados regionais e internacionais.

Daí seu desespero, daí sua depressão, daí mentiras como essa pesquisa encomendada pelos tucanos e em que nem eles mesmos acreditam.
Otávio Frias Filho (que ocupa o cargo por ser filho de Otávio Frias pai), seus parentes e militantes do seu partido, não conseguem mais ditabrandar em nome do país.

Prêmio Corvo do semestre para Otávio Frias Filho e sua trupe!



(*) “Corvo do Lavradio” foi o nome que Samuel Wainer deu a Carlos Lacerda, o pai de todos os golpistas, cujo jornal, Tribuna da Imprensa, ficava na rua do Lavradio. Lacerda não herdou a Tribuna, porém.