terça-feira, maio 25, 2010

Sem medo de crescer




Amir Khair[1]


Desde 2004 vem ocorrendo uma estratégia de desenvolvimento econômico baseada na utilização mais intensa do potencial de consumo do País. Contribuem para isso os aumentos do salário mínimo, políticas de distribuição de renda, crédito consignado e política agressiva dos bancos oficiais na oferta de crédito a taxas de juros mais baixas. Isso levou à percepção de que o País poderá atravessar um longo período de crescimento econômico próximo a 5% ao ano. Essa percepção está levando as empresas locais e do exterior a investirem aproveitando as oportunidades criadas pela elevação do consumo.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2004 a 2008, o crescimento anual médio do Produto Interno Bruto (PIB) e do consumo foi 4,8%. Em 2009 recuou 0,2%. Para manter essa média de 4,8% o crescimento neste ano teria que ser de 10,1%. Os dados preliminares do Banco Central (BC) para o primeiro trimestre apontam para um crescimento anualizado de 9,9%. As previsões são menores nos próximos trimestres, resultando num crescimento entre 7% a 8% para 2010.

Como não estamos acostumados com crescimentos desta ordem é natural que surjam preocupações com uma retomada da inflação. Para tentar esfriar o consumo, o BC já iniciou o processo de elevação da Selic e o Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão (MPOG) ampliou o corte inicial das despesas orçamentárias para R$ 31,8 bilhões, incluindo o corte recém anunciado de R$ 10 bilhões.

Creio que o impulso da demanda não será contido pela ação do BC e do MPOG. Fora o investimento que está bombando, o que impulsiona o crescimento econômico é o consumo, sendo as famílias responsáveis por 75% dele e o governo 25%. Vejamos cada um desses componentes.

1. Consumo das famílias - o que comanda o consumo das famílias é a massa salarial e a oferta de crédito. A massa salarial responde ao nível de emprego que poderá crescer acima de dois milhões no saldo de novos trabalhadores com carteira assinada neste ano, e os rendimentos médios deverão apresentar ganhos acima da inflação.

A oferta de crédito pode atingir uma expansão de 20% neste ano e as taxas de juros ao consumidor, dado o alto spread bancário, se descolaram da Selic, ou seja, ela pode subir, mas as taxas na ponta do consumo não se mover. Por trás disso está o interesse do sistema financeiro em ofertar crédito seguindo o exemplo dos bancos oficiais que obtiveram bons lucros com ampliação de mercado.

Portanto, não creio que se possa contar com redução do consumo das famílias.

2. Consumo do governo – representa 25% do consumo total, dos quais 57% do governo federal. Os 43% das despesas dos Estados e Municípios acompanham normalmente a evolução das receitas, que estão subindo em níveis semelhantes às do governo federal: 12% acima da inflação. Portanto, Estados e Municípios ao invés de contribuírem para diminuir a pressão do consumo, irão aumentá-la. Mas digamos conservadoramente, que sejam neutros. No governo federal existe forte engessamento do orçamento, devido a vinculações constitucionais ligando despesas a receitas, além, de compromissos incompressíveis com a Previdência Social, ameaçada pelo Congresso de mais despesas com os reajustes de aposentadorias e fim do fator previdenciário. Assim, no máximo 10% da despesa pode ser comprimida sem afetar os investimentos. Nessas condições a contribuição do setor público seria de apenas 1,4% do consumo total. Caso os Estados e Municípios utilizem integralmente sua arrecadação para despesa, por se tratar de ano eleitoral, a participação do setor público seria anulada.

A conclusão que se poderia tirar é que, essa política de por o pé no freio, é inócua e o risco é ter uma inflação tendendo ao limite superior da meta de 6,5%. Não creio, no entanto, que isso vá ocorrer.

O pressuposto para a conclusão de que a inflação tenderá ao limite superior da meta é a de que a oferta interna não conseguiria acompanhar a velocidade de expansão do consumo. Há que considerar, no entanto, que segundo o IBGE, de 2004 a 2009, o PIB cresceu 4,0% na média por ano, o consumo 4,6% (5,2% nas famílias e 3,2% no governo). O diferencial entre produção e consumo foi coberto pelo crescimento de 10,5% nas importações. Mas, o importante é que os investimentos, de olho na expansão do consumo das famílias, cresceram 6,3%, portanto, estão contribuindo para elevar a capacidade de produção do País e permitir a ampliação da oferta interna.

De fato, o nível de utilização da capacidade instalada, usado nas análises como sinalizador de risco inflacionário, se ultrapassar um nível que consideram perigoso, não parece preocupar, pois segundo dados da Confederação Nacional da Indústria atingiu na média deste primeiro trimestre 81,6%, a mesma do período 2004/2008, período de bom crescimento econômico.

Mas se as empresas contribuem para elevar a oferta, o BC tem trabalhado na direção oposta à redução da inflação. O nível elevado da Selic e seu anunciado crescimento atuarão sobre as decisões do setor privado, que ao calcular a taxa de retorno de seu investimento podem constatar que vale mais a pena postergá-lo, usando sua disponibilidade financeira em aplicações em títulos do governo federal. Assim, pode ser afetada parte do potencial de investimentos do setor produtivo, criando problemas futuros de redução de oferta e, portanto, de inflação.

Há que considerar, também, que a elevação da Selic, cria um gasto adicional de governo e eleva a demanda. Para os aplicadores que ganham com essa elevação, há um aumento do consumo pelo efeito riqueza.

Sob o aspecto da formação das expectativas, o BC ao agir de forma conservadora, prevendo a formação de uma inflação futura, pode induzir os agentes econômicos a se antecipar ao cenário da inflação projetada, com consumidores antecipando compras e empresas tentando remarcar preços. É a contra-teoria das expectativas, que pode estar ocorrendo quando existe um BC considerado como um dos mais conservadores do mundo.

Felizmente, além dessas considerações de caráter interno, tem-se uma situação ímpar no mundo devido à crise. Neste e nos próximos anos se terá uma mega oferta internacional de bens e serviços devido à estagnação nos países desenvolvidos e sua pressão para exportação, facilitada pela depreciação estrutural de suas moedas. Além disso, a China aumentará a pressão para colocar produtos em mercados emergentes, como compensação parcial das perdas de exportação aos países desenvolvidos. Assim, não faltarão produtos do exterior para atender eventuais faltas de produtos produzidos localmente. E o que é importante, com qualidade e preços competitivos.

Crescimento maior neste ano é natural dada a fraca base de comparação, o que não se repetirá em 2011. Portanto, não creio que se terá ameaça de inflação por falta de produção ou de oferta externa neste e nos próximos anos. Pelo contrário, é a política de expansão do consumo que torna viável o crescimento em níveis mais elevados e sustentáveis, reduzindo custos de escala para as empresas, estimulando a produtividade e atiçando a competitividade. É daí que brotam os lucros para a poupança necessária aos investimentos, uma vez que 90% deles vêm das empresas.

Finalmente, face aos riscos crescentes de uma crise europeia mais séria, é melhor tirar logo o pé do freio e colocá-lo no acelerador. Sem medo de crescer.

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