sexta-feira, maio 07, 2010

A máquina de guerra de Obama (2)

Planos nucleares dos EUA

6/4/2010, Jack A Smith, Asia Times Online (excerto)

Tradução de Caia Fittipaldi

A Revisão da Postura Nuclear [orig. Nuclear Posture Review (NPR)] é documento muito importante, porque faz referência às armas mais mortíferas que a humanidade jamais conheceu. O relatório ferve de ambiguidades. Primeiro, declara que o presidente Obama trabalha para “um mundo sem armas nucleares”, mas reconhece que talvez não o alcance “até o fim de sua [do presidente] vida”.

Em seguida, declara que depois da Guerra Fria “A ameaça de guerra nuclear global tornou-se mais remota, mas aumentou o risco de ataque nuclear”, porque algum terrorista pode trabalhar para trazer uma arma atômica para dentro dos EUA. Assume-se que esse perigo é maior hoje, do que durante a Guerra Fria, mas nada aí está muito claro.

A declaração visa a significar, provavelmente, que algum agente da Al-Qaeda pode entrar nos EUA portando uma arma nuclear e pode detoná-la ali. Nesse caso, é estranho que a mais recente Revisão da Postura Nuclear dos EUA não explique que, no caso improvável de que uma arma caia em mãos erradas, a possibilidade de um ataque nuclear terrorista é excepcionalmente reduzida por inúmeras e complexas razões técnicas, e pelo fato de que esse tipo de arma tem muitos complexos mecanismos antidetonação. Em vez desse tipo de explicação, oferece-se mais um medo exagerado com o qual a população terá de lidar.

O New York Times e inúmeros websites publicaram o seguinte comentário sobre terrorismo nuclear: “Micah Zenko, membro da Comissão de Relações Exteriores, especialista e autor de livro de história nuclear disse que “O medo de um ataque nuclear clandestino em solo dos EUA nasceu no início da era nuclear. Nada de novo quanto a isso, embora não se falasse em terrorismo nos anos 1950s (…). Se considerarmos que essa ameaça existe há mais de 60 anos, vê-se que há pouco, de fato, a temer.”

Uma dos memoráveis comentários da Posture Review veio de Robert Haddick, editor do Small Wars Journal, de 9/4/2010:

“Os autores da (…) Revisão Nuclear 2010 tentam passar duas mensagens. A primeira visa a demonstrar que o governo dos EUA está introduzindo mudanças significativas na doutrina e na estrutura de força das armas nucleares, mudanças que poriam o mundo mais próximo de livrar-se das armas nucleares. A segunda afirma que os EUA não estão fazendo nada nessa direção e, de fato, continuam a ser a maior potência nuclear, já plenamente modernizada.”

A Revisão da Postura Nuclear lista “cinco objetivos-chaves de nossas armas e de nossa postura nuclear”, abaixo listadas:

1. Evitar a proliferação e o terrorismo nuclear.

2. Reduzir o papel das armas nucleares dos EUA na estratégia de segurança nacional do país.

3. Manter a contenção estratégica e a estabilidade no plano de reduzidas forças nucleares.

4. Reforçar a contenção regional e oferecer garantias aos aliados e parceiros dos EUA.

5. Preservar um arsenal nuclear seguro, protegido e efetivo.

Discutiremos adiante os itens 1 e 2, os mais importantes.

“Evitar a proliferação e o terrorismo nuclear” é objetivo valioso, mas o modo como o governo Obama aborda o problema não é técnico, é inadequado e é politicamente motivado. Não se vê qualquer empenho, no documento, para explicar por que o completo desarmamento nuclear – único meio de realmente eliminar a possibilidade de proliferação nuclear, de terrorismo nuclear e de guerra nuclear – não seria possível nos próximos 35 anos (período estimado da vida de Obama); sem qualquer garantia de que seja realmente tentado algum dia.

Os EUA foram o principal obstáculo ao completo desarmamento nuclear durante e depois da Guerra Fria. A URSS várias vezes pregou o desarmamento nuclear e chegou a propor desarmamento geral e completo do aparato militar dos países, inclusive das armas nucleares. Em janeiro de 1986, vários anos antes do colapso da URSS, resultado de contradições políticas e econômicas internas, o presidente Mikhail Gorbachev apresentou outro plano – pelo qual o completo desarmamento estaria concluído à altura do ano 2000. Embora vários setores do establishment nos EUA vissem com bons olhos esses planos e propostas, a maioria sempre se opôs, e continua a opor-se até hoje.

Se Washington claramente propusesse o desarmamento total das nove nações nucleares hoje sob supervisão da ONU, o mais provável é que essa proposta resultasse em tratado para eliminar todas as armas nucleares em apenas alguns poucos anos.

Nessa conexão, quando o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (NPT) foi assinado em 1970, supunha-se que várias nações que então possuíam bombas atômicas começassem a reduzir gradualmente seus arsenais, até o desarmamento nuclear total. Lá se vão 40 anos e, embora Rússia e EUA tenham reduzido seus arsenais, o objetivo final continua absurdamente distante. Há muito tempo, de fato, já se poderia desconfiar do que estava por vir.

O esforço de Obama para conter a proliferação não pode ser de modo algum sincero, dado que se recusa a condenar ou aplicar sanções contra três dos quatro países que produziram número considerável de armas atômicas ilegais, em total violação dos termos do Tratado de Não-Proliferação, porque todos são aliados dos EUA – Índia, Paquistão e Israel. Em vez disso, Obama põe-se a vociferar sanções e ameaças de ataque nuclear contra a República Popular Democrática da Coreia, que tem umas poucas ogivas nucleares relativamente pequenas.

O mais revelador de tudo, porém, é que a Nova Postura Nuclear inclui clara ameaça de ataque nuclear punitivo contra o Irã, que não tem armas nucleares e repetidas vezes comprometeu-se a não produzi-las. Eis o texto completo da ameaça contra o Irã: “Os EUA não usarão nem ameaçam usar armas nucleares contra Estados não nucleares que sejam signatários do Tratado de Não-Proliferação Nuclear e cumpram suas obrigações”. (O Irã tem sido acusado de violar o Tratado, em função de alguns incidentes menores.)

Eis o que o atual secretário de Defesa Gates comentou sobre essa frase: “A Nova Postura Nuclear dos EUA traz mensagem muito forte para Irã e Coreia do Norte, porque, embora seja política explícita, bem clara em outros itens do documento, estados como Irã e Coreia nos preocupam de modo especial, porque não respeitam o Tratado de Não-Proliferação. E basicamente todas as opções estão sobre a mesa no que tenha a ver com países dessa categoria, assim como com atores não-estatais que possam adquirir armas nucleares.”

A expressão “todas as opções estão sobre a mesa”, que Gates repetiu no parágrafo adiante, para enfatizar, é marca-registrada dos discursos de George W. Bush-Barack Obama, sempre que querem ameaçar alguns países menores cujo comportamento desagrade à Casa Branca. Jamais se ouviu coisa semelhante contra a bem-protegida Rússia.

Robert Parry, editor do website Consortium News, escreveu dia 18/4: “O mais espantoso, provavelmente, nos comentários de Obama – e na resposta descuidada da mídia de notícias nos EUA – é que o presidente parece estar explorando disputas técnicas para trair o princípio mais amplo, de que Estados nucleares não podem, em nenhum caso, ameaçar com destruição nuclear os Estados não-nucleares.”

O presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad respondeu com as seguintes palavras: “Nem Bush jamais disse o que Obama tem dito.”

Teerã já impetrou reclamação formal na ONU, como informa o porta-voz do Ministério de Relações Estrangeiras do Irã, que observou que “essas ameaças provam que os países nucleares, que têm arsenais atômicos, são, eles sim, a maior ameaça a pesar sobre a segurança global”.

O Irã defende empenhadamente o completo desarmamento nuclear. Na Cúpula da Liga Árabe, na Líbia, dia 28/3/2010, os delegados iranianos exigiram um Oriente Médio sem bombas atômicas. E exigiram também que a Agência Internacional de Energia Atômica suspenda a assistência técnica aos programas nucleares de Israel, se Israel continuar a impedir qualquer visita dos inspetores da ONU.

O segundo objetivo da Nova Postura Nuclear é “reduzir o papel das armas nucleares dos EUA na estratégia de segurança nacional do país.” Nada aí obriga a reduzir o número das bombas, instaladas e prontas para serem detonadas ou armazenadas: só se trata de reduzir o papel das bombas.

Fato é que há pelo menos uma muito boa razão para reduzir o papel das bombas atômicas: os EUA estão desenvolvendo uma gigantesca alternativa não-nuclear de ataque. É conhecida pelo nome de “Prompt Global Strike (PGS)” [aproximadamente “Rápido Ataque Global” e, às vezes, “Conventional Prompt Global Strike (CPGS)” [aproximadamente “Rápido Ataque Global Convencional”].

O governo dos EUA sabe que há problemas muito graves no uso de armas nucleares. Essas armas podem ter alguma justificativa como instrumento de contenção, para impedir o primeiro ataque, porque se sabe que ataque e retaliação resultarão em inevitável destruição mútua. E todo o planeta objetaria contra ataque nuclear preventivo unilateral contra Estado não-nuclear.

Por exemplo, se o bombardeamento ordenado pelo governo Bush para causar “choque e horror” em Bagdá tivesse incluído bombas atômicas, o protesto mundial – que já houve sem bombas atômicas! – teria sido mil vezes maior; o mundo não perdoaria, ou pelo menos, parte significativa da população mundial ficaria contra os EUA. Além do mais, a operação multiplicaria o número de países que passariam a dedicar-se a construir suas bombas, como fez a República Popular Democrática da Coreia, para prevenir-se contra ataques nucleares.

O documento da Nova Postura Nuclear faz rapidíssima referência ao Prompt Global Strike (PGS), revelando que o Pentágono “estuda atualmente uma mistura de capacidades de ataque em longa distância, incluindo bombardeiros pesados e recursos para rápido ataque global não nuclear”. “Global Strike” [ataque global] normalmente significaria bombas nucleares e mísseis com ogivas nucleares. PGS ou CPGS significam armas convencionais, ou seja, armas não nucleares.

O sistema de Rápido Ataque Global é constituído de mísseis de alta velocidade, satélites para mapeamento e outros instrumento de alta tecnologia militar, para lançar ataque não-nuclear devastador, a partir de uma base militar nos EUA, e destruir qualquer alvo, em qualquer ponto do mundo, em menos de uma hora. O objetivo é contornar o impasse que se cria pela oposição de todos, em todo o mundo, a ataques nucleares contra países não-nucleares –, e assim se reforça poderosamente o projeto de dominação militar de pleno espectro do governo Obama.

O artigo original, em inglês, pode ser lido em:

http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/LE06Ak02.html

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