segunda-feira, abril 19, 2010

Selicão



Amir Khair

Na próxima reunião do Copom a Selic será aumentada em novo ciclo de elevação da já mais alta taxa básica de juros do mundo. A “justificativa” usada pelo mercado financeiro e Banco Central é que a demanda vem crescendo acima da oferta. Para avaliar essa afirmativa a pergunta que deve ser respondida é: como está crescendo a oferta interna e externa para atender a expansão da demanda? Segundo os órgãos representativos do setor industrial, a oferta pode acompanhar, sem problemas, a elevação da demanda. Além disso, o que eventualmente faltar pode ser atendido pelas importações em franca expansão. Essa questão precisa ser respondida e justificada antes de qualquer decisão do Copom.


A elevação da Selic irá beneficiar aos que aplicam em títulos do governo federal e prejudicar no mesmo montante as despesas com juros do governo federal. Irá prejudicar todos os contribuintes que terão que pagar as perdas com a arbitragem nas aplicações pelos estrangeiros em títulos do governo federal.


Será que o aumento da Selic é a ferramenta adequada para conter a demanda? Não parece, entre outras, por duas razões:


1) pela magnitude do spread bancário no País;

2) pela influência sobre os juros na ponta do tomador pessoa física.

Spread - Num país com taxa de juros básica de 3% e spread de 4%, portanto, com taxa ao consumidor de 7%, uma elevação na taxa básica de 1,0 ponto percentual (pp), mantido o spread, elevaria a taxa ao tomador em 14,3% (8 dividido por 7). No Brasil a taxa ao consumidor em fevereiro foi 41,9%. Um aumento na Selic de 1,0 pp, admitindo a manutenção do spread causaria um acréscimo na taxa de juros ao consumidor de 2,4% (42,9 dividido por 41,9), ou seja, o impacto relativo nos juros ao consumidor é muito menor.

Juros ao consumidor – o que impacta a demanda não é a Selic, mas os juros cobrados pelos bancos ao consumidor, que vêm caindo, mesmo com a perspectiva de aumento na Selic, já precificada pelo mercado.

A Selic em dez/08 estava em 13,75% e a taxa de juros pessoa física 57,9%. De lá para cá a Selic caiu 5,0 pp e os juros na ponta 16,0 pp (57,9 menos 41,9). A razão para este descolamento está na política adotada pelos bancos oficiais de ampliação de oferta de crédito a taxas de juros mais baixas do que as ofertadas pelo setor bancário privado, na troca que as pessoas estão fazendo de empréstimos com taxas de juros mais elevadas pelo empréstimo consignado e, consequentemente, pela maior competição bancária para recuperar mercados perdidos pelos bancos privados durante a crise para os bancos oficiais.


Como a inflação neste primeiro trimestre foi atípica e os fatores que a causaram estão rapidamente cessando, não será surpresa se o Copom for elevando a Selic e a inflação for caindo a partir de abril, portanto, muito antes do tempo necessário, segundo o Banco Central, de 6 a 9 meses para surtir efeito a política de elevação da Selic.

O elevado nível da Selic e as subidas previstas desestimulam os investimentos das empresas de pequeno e médio porte e causam rombos nas contas do governo federal. Essas empresas ficam desestimuladas a investir, pois enfrentam risco maior de mercado do que as grandes, e têm maiores dificuldades em obter boas taxas de empréstimos. Assim, suas disponibilidades financeiras, quando ocorrem, são direcionadas para aplicar em títulos do governo federal, que têm boa rentabilidade e liquidez imediata. As empresas de maior porte têm maiores facilidades em obter boas fontes de financiamento para investimentos (BNDES, empréstimos externos, lançamento de debêntures, bolsa de valores e recursos próprios), têm melhor visão estratégica e olham as perspectivas de consumo, decidindo seus investimentos com base no fluxo de caixa descontado para vários anos à frente, a taxas de desconto do seu ramo de negócios. Assim, pouco dependem da Selic para decisões de investimentos.

A Selic causa danos às contas fiscais federais, que são sempre deficitárias. A estimativa deste dano pode ser feita a partir do valor da dívida em títulos do governo federal e sua composição.

A dívida em títulos do governo federal ao final de fevereiro foi de R$ 1.398 bilhões, sendo de R$ 526 bilhões em títulos atrelados à Selic, que representaram 37,7% desta dívida. Os juros devidos só pela Selic correspondem a 8,75% de R$ 526 bilhões = R$ 46 bilhões.

O mercado estima que a Selic vá ficar a partir do final do ano em 11,25% e permanecer neste nível durante todo o ano de 2011. Os juros com esta nova Selic correspondem a 11,25% de R$ 526 bilhões = R$ 59 bilhões. Assim, o aumento anual pela elevação em 2,5 pontos percentuais na Selic (11,25 menos 8,75) daria R$ 13 bilhões (59 menos 46).

No entanto, subindo a Selic, após alguns meses sobem todas as demais taxas de juros da dívida em títulos (pré-fixados e com correção por índices de preços), pois os investidores comparam as rentabilidades sempre com a proporcionada pela Selic.

Supondo que os juros destes títulos acompanhem o crescimento da Selic, a elevação das despesas com juros da dívida total em títulos seria de R$ 35 bilhões (R$ 13 bilhões dividido por 37,7%). Na realidade o valor seria maior, pois foi mantida inalterada a dívida em títulos de fevereiro e ela deverá crescer substancialmente com a elevação dos juros.


O dano total das despesas com juros no setor público atingiu a média anual de 7,5% nos últimos 15 anos conforme demonstrativo:


Não conheço país que tenha sido tão prejudicado pelas despesas com juros do que o nosso. Se por um lado a nossa economia tenha desperdiçado estes vultosos recursos por tanto tempo, por outro, quem vier a conduzir a política econômica poderá consertar isso, abrindo espaços para uso destes recursos para o desenvolvimento econômico e social do País.

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