sexta-feira, abril 16, 2010

A redefinição do mapa energético da Europa

Do Portal Luís Nassif
Do Blog de Marco Fernandes
Nord Stream: Russos e Alemães Alteram o Mapa Energético da Europa

Quando fala-se em petróleo, pensamos de forma automática no Oriente Médio, onde localizam-se as maiores reservas de hidrocarbonetos do planeta, e a Arábia Saudita foi efetivamente, durante longos anos, o seu maior exportador. Como assim, foi? Não é mais? Não é mais. Desde agosto do ano passado, essa invejável posição pertence à Rússia, que vinha acelerando a sua produção de forma constante no curso da última década. Além disso, os russos já eram há muito tempo os maiores exportadores mundiais de gás natural. Cerca de um terço do gás consumido na Europa é comprado dos russos, e constitui-se em um item fundamental no aquecimento das residências, no frio inverno europeu. O gás chega até os países compradores através de longas tubulações subterrâneas, construídas à época da antiga União Soviética.

Com o fim do império soviético, uma série de problemas – antes inexistentes – passou a ocorrer. Ao adquirir a tão sonhada independência, os antigos satélites soviéticos, que antes recebiam o gás a preços subsidiados e quase simbólicos, tiveram que adaptar-se à dura realidade capitalista, e desviar importantes recursos de sua frágil economia, para pagar preços de mercado pelo produto, como todo mundo. Atrasos de pagamento passaram a ser freqüentes e foram, por alguns anos, administrados com uma certa leniência por Moscou.

Em 2005, porém, a paciência russa chegou ao fim. Irritada com a contumaz inadimplência da Ucrânia, cujo débito estava atingindo patamares inéditos, a Rússia exigiu o pagamento imediato da dívida. Além de não pagar suas contas, acusavam os russos, a Ucrânia estaria secretamente desviando para si própria parte do gás destinado a outros países (80% do gás destinado à Alemanha, França, etc. passa por território ucraniano antes de chegar até lá). O bate-boca prolongou-se durante todo o verão, e depois pelo outono, de 2005. Em janeiro de 2006, no auge de um inverno especialmente rigoroso, o pior aconteceu: os russos fecharam as torneiras, causando uma crise sem precedentes no abastecimento de gás de toda a Europa. Para não congelarem, os alemães acabaram arcando com o calote ucraniano, e o fornecimento foi restabelecido em poucos dias.

Sem disposição para sofrer prejuízos desta monta a cada inverno, a Alemanha passou a trabalhar ativamente na busca de uma solução para o problema. O remédio mais viável foi acelerar a implantação de uma antiga proposta russa – o Nord Stream – que prevê a construção de duas tubulações gêmeas no leito do mar Báltico, através das quais o gás chegaria sem intermediários até a Alemanha. Um gigantesco consórcio foi constituído, tendo como parceiros majoritários a mega-estatal russa Gazprom, e as alemãs BASF e E.ON, com um orçamento previsto da ordem de € 15 bilhões.

Como era de se prever, o anúncio da empreitada provocou uma enxurrada de protestos. Acostumados ao fluxo de trilhões de metros cúbicos de gás passando com pouco ou nenhum controle por seus territórios, os primeiros a reclamarem foram obviamente a própria Ucrânia, além da Polônia, Bielo-Rússia, Eslováquia e República Tcheca. O ministro da defesa polonês, Radosław Sikorski, chegou ao extremo de comparar a iniciativa ao infame Pacto Nazi-Soviético de 1939. Os Estados Unidos logo juntaram-se aos críticos do projeto, acusando-o de ser “uma manobra do Kremlin destinada a exercer pressão política sobre o Leste Europeu, através da ameaça de cortar-lhes o fornecimento sem afetar o abastecimento da rica Europa Ocidental”. Ironicamente (sabendo-se que são um dos maiores poluidores do planeta), os americanos destacaram ainda os “riscos potenciais de um desastre ambiental no mar Báltico, caso ocorram vazamentos na tubulação submarina.”

A despeito da choradeira, as fases iniciais da implantação do Nord Stream já tiveram início, e a Alemanha deverá receber as primeiras entregas de gás pelo novo sistema ao fim de 2011. Desde o ano passado, as garantias de segurança ambiental oferecidas por russos e alemães foram aprovadas pelos Parlamentos da Finlândia, Suécia e Dinamarca, que autorizaram a passagem dos tubos por suas respectivas plataformas continentais. E na sexta-feira passada o Presidente da Federação Russa, Dmitry Medvedev, aplicou simbolicamente a solda aos primeiros tubos instalados no terminal de Vyborg, no noroeste da Rússia.

O Nord Stream poderia ser usado como a arma de pressão política denunciada por seus críticos? Certamente que sim. Da mesma forma em que os Estados Unidos podem usar sua maciça presença militar nas regiões produtoras do Golfo Pérsico, para impedir o acesso de qualquer um que brinque com eles.

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