sexta-feira, janeiro 25, 2008

Por que ler a 'enésima' - e melhor - biografia dos Beatles


Por que ler a 'enésima' - e melhor - biografia dos Beatles


Esmiuçar a vida dos Fab Four. Tarefa de mais de mil biografias espalhadas por todo o mundo. Certamente, a sensação de saciedade de qualquer beatlemaníaco que dá de cara com mais um calhamaço contando a história do grupo nascido em Liverpool foi a mesma de Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr quando receberam o telefonema de Bob Spitz.



Por Marco Bezzi, no Jornal da Tarde

O jornalista norte-americano decidiu adentrar mais uma vez no mundo da maior banda de pop/rock da história. Desta vez, admitindo para si mesmo que todo material biográfico dos Beatles não passava de mera especulação sobre a verdade. Quando conheceu Paul, através de uma entrevista, Spitz descobriu pela boca do próprio que metade de tudo escrito sobre os Beatles havia sido inventado... Pelos integrantes da banda.



Com uma pesquisa de oito anos e tempo suficiente para domar os egos de Paul e George, Spitz conseguiu cravar na história a biografia definitiva dos Beatles. Em entrevista exclusiva ao Jornal da Tarde, por telefone, o escritor conta como conseguiu tirar histórias de drogas, doenças sexuais e traições do baú sagrado.



Existem mais de mil biografias dos Beatles. Por que fazer outra?
Fui enviado por uma revista para fazer uma matéria com o Paul McCartney, em 1997, e, durante nossa conversa, ele me confessou que a biografia dos Beatles mais conhecida, a de Hunter Davis, de 1968, era metade irreal, pois os próprios Beatles não queriam falar toda a verdade. Queriam proteger suas famílias, suas namoradas, suas mulheres das partes mais negras de suas vidas.



Através do tempo, eles continuaram a confirmar aquelas histórias tantas vezes, que nem mesmo eles sabiam o que era verdade ou mentira. Todas as outras biografias que vieram depois daquele livro sempre emularam os fatos que aquele continha. Portanto, todos os livros que saíram sobre os Beatles não contavam os fatos da maneira que eles realmente aconteceram, eram todos incorretos, mesmo o Anthology.



Através dos oito anos e meio de pesquisa, examinei de perto o Anthology. O livro é lindo, o vídeo é maravilhoso, mas só metade do que se lê é exato. Os Beatles contavam histórias de si mesmos sem saber se aquilo era verdadeiro, pois ouviam de outras pessoas. É claro que vindo da boca deles, tudo parecia 100% correto. O que tive de fazer foi ir na fonte de cada fato relacionado aos Beatles e pesquisar o que era errado e não. Minha biografia é a primeira real sobre a banda.



O que mais o impressionou nessa busca toda?
O número de pessoas proibidas de falar sobre os Beatles para a imprensa. Surpreendentemente, Paul McCartney, George Harrison e até mesmo a Apple liberaram essas pessoas para falar comigo, pela primeira vez. Eles decidiram abrir essa exceção, pois os dois estavam próximos de se tornar sexagenários. Eles começaram a sentir de perto a sensação de morte e acharam que era a hora de contar essas histórias pela primeira vez. Fiquei impressionado com a quantidade de informações inéditas que consegui buscar.



Como foi o contato com Paul, George e Ringo. Eles estavam abertos para conversar sobre mais uma biografia dos Beatles?
De cara, não. Eles acharam que eu era mais um aproveitador alheio da vida deles. Quando pessoas ligadas a eles ficaram sabendo que eu estava cavando fatos que nunca haviam sido revelados antes, que viajei muito por Liverpool, Londres e Hamburgo, gradualmente eles foram se interessando pelo meu projeto. Paul e George principalmente. Ringo não, pois seu empresário queria grana para participar das entrevistas e, como você sabe bem, não pagamos para nossas fontes falarem.



Por que você acha que até hoje as pessoas falam sobre os Beatles com tanta paixão?
Tudo o que você tem de fazer é escutar a música deles. Além disso, os quatro Beatles sempre foram pessoas muito interessantes, tinham seu charme e personalidade marcante. Ultrapassavam limites cada vez que pisavam em um estúdio. Tudo o que criavam abria novas portas e janelas, dava para a juventude novos paradigmas. Eles mudaram tudo: o jeito que ouvíamos música, como cortávamos nosso cabelo, o jeito que falávamos com nossos pais, basicamente, mudaram toda uma cultura. Mudaram o jeito que pensávamos sobre política, drogas.



Tudo isso somado transformou os Beatles em um fenômeno cultural muito interessante. As pessoas se interessavam e liam sobre os Beatles para descobrir quem elas eram. Eu fiz isso. Durante minha pesquisa, descobri muito sobre a minha pessoa tentando entender o significado da banda.



Por que, após os Beatles terminarem, nunca tivemos uma banda que chegasse perto desse fenômeno?
A mídia tornou isso impossível. Quando os Beatles apareceram pela primeira vez, eles foram um fenômeno orgânico. A beatlemania surgiu não por causa dos jornais, mas por causa dos fãs, era algo muito novo. Hoje em dia, no minuto que uma banda se junta, a mídia os coloca em um pedestal, os coloca na TV sem que a banda tenha tempo de trabalhar junto. Os Beatles trabalharam por oito anos antes de entrar em um estúdio. Eles trabalharam duro, tocaram em buracos, ensaiaram muito.



Qual foi o momento em que os Beatles ganharam o status de uma grande banda?
Posso definir isso em uma palavra: Hamburgo (Alemanha). Lá, eles se tornaram a banda. Quando foram para a cidade, em 1960, eram a pior banda de Liverpool, eram terríveis. Não podiam tocar juntos, não tinham senso de palco, suas vozes não eram muito boas.



Mas lá, tiveram que passar por maratonas de 11 horas tocando para platéias bem enfezadas. Tinham que continuar tocando mesmo que houvesse brigas. Outro momento em que sentiram que estavam no auge foi quando gravaram Revolver. O álbum mudou tudo na música.



Até hoje, Yoko é considerada por muitos a culpada pelo fim da banda. É verdade?
Não. John terminou a banda. Ele queria sair fora até mesmo antes de 1966. Não queria ser mais o ídolo da juventude, não queria mais cantar iê-iê-iê. Queria fazer algo pesado e obscuro, acho que queria estar numa banda como o Rolling Stones. Ele não podia suportar mais ficar do lado de Paul McCartney, pois Paul tinha uma personalidade muito forte e John tinha medo dele... Paul era muito dominador.



John procurou alguém que pudesse tirá-lo dos Beatles e achou Yoko. Ela deu um novo sentido de vida para John. Também acredito que quando os Beatles terminaram, em 1970, aquele era o período certo para eles se separarem. No tempo em que estiveram juntos, cresceram como homens. Era a hora de se soltar e ir em frente.



Você acharia possível uma volta dos Beatles, caso John estivesse vivo?
Nunca. Uma das razões que fez os Beatles tão espertos é que eles sabiam que no momento em que terminassem a banda, nunca mais voltariam a tocar num palco juntos novamente. Muitas pessoas ofereceram milhões e milhões de dólares para serem doados para a caridade caso retornassem e, mesmo assim, eles declinaram de todas as ofertas. Sabiam que, se voltassem, desvalorizariam todo o trabalho que haviam feito anteriormente.



Como você definiria de forma curta a personalidade de cada um deles?
Poderia escrever um livro sobre isso (risos), mas vou tentar. John: obscuro, complexo, conflitante, nervoso e experimental. Paul: agradável, adorava o show biz, dominador, duas caras e um incrível músico. George: muito maduro diante de sua idade, fascinado pela world music e um guitarrista correto. Ringo: o mais subestimado baterista do mundo.



Ringo foi a pessoa que mais ajudou os Beatles a permanecerem juntos, pois todos da banda amavam ele. Sempre que alguém tinha um problema, Ringo fazia a pessoa rir. Ringo é o ele perdido na história dos Beatles. Quando entrou na banda, tudo funcionou perfeitamente.

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