quinta-feira, dezembro 13, 2007

Pensamos?

Os acontecimentos políticos, por aqui, transcorrem com notável superficialidade. Agridem-se pessoas. Criticam-se costumes parlamentares. Hábitos do Executivo. Situações do Judiciário.
Raramente avança-se para o campo das idéias. Pensar cansa. Alguns abnegados criam cursos de civismo. Elaboram programas para estudos de ciência política. Tudo se esgota, sem atingir patamar de relevo.

As academias de Direito, no passado, mostravam-se trepidantes. A política corria solta nos pátios universitários. Os estudantes dividiam-se e disputavam duras eleições. Bom exercício democrático.

Agora, o ambiente dos cursos superiores é de pasmaceira. Pouco se debate. Muito pouco se caminha em busca do novo. Há uma atonia generalizada. Raras as exceções.

Os estudantes vivem em um ciclo utilitarista. O pensamento abstrato é marginalizado. Vale a conquista de espaços sociais. Ingressar no mundo dos negócios. Viver o consumismo.

Pensar, nem falar. Exaure. Antigo cenário. Conta-se que, certa vez, o Presidente Juscelino Kubitschek encontrou-se com o Primeiro Ministro da República Portuguesa, Oliveira Salazar, interlocutor soturno.

No Palácio de Sintra, onde D. Manoel muito decidiu sobre o Brasil, os dois chefes de Estado, a sós, dialogaram. Como todo espírito autoritário, Salazar seguro da solidão, abriu-se em confidências.

Nesse clima de retiro, confessou como captava a alma luso-brasileira. De forma solene, como de seu estilo, Salazar dirigiu-se a Juscelino em monólogo singular:

- Senhor Presidente, já se apercebeu Vossa Excelência: nossos povos contam com grandes poetas, notáveis novelistas e excelentes romancistas. Não possuem nossos povos nenhum filósofo relevante. Nossos povos não pensam.

O monólogo aponta patético ceticismo. Nossos povos não pensam. Tudo é verniz. Nada é madeira maciça. Aceita-se a palavra volátil. Jamais se busca o conteúdo.

Gostosamente se aceita a idéia do momento. O político de plantão é acatado. O figurante da moda assume as rodas sociais. O estudioso silencioso desprezado.

O bom é parecer. Nada mais abominável que ser. Quando se possui convicção, a perseguição começa. Atinge-se a abominação. Sofrem as pessoas independentes. Contar com pensamento próprio assemelha-se à heresia.

Falta fonte histórica primária para a frase salazarista. Pode ser mera criação dos cenários políticos do velho Rio de Janeiro, quando ainda contava com os traços irreverentes de metrópole nos trópicos.

Mas, mesmo que apócrifa, contém motivo de reflexão. Não se pensa. Idolatra-se modas importadas. Antes, francofília às últimas conseqüências. Depois louvores à velha Albion e a seu descendente na América.

Avançou-se. Agora a moda é a globalização. A economia pode integrar um sistema mundializado. Os valores da cultura local permanecem imutáveis. Podem parecer alterados. Todavia, restam sempre no eu coletivo profundo.

É tempo de negar o pessimismo do velho autoritário. A sociedade reagiu contra os atrasos sociais registrados em seu bojo. O analfabetismo, praga endêmica, vai se dissipando. Esgota-se, paulatinamente, a fome.

Não se vai inventar a roda. É perda de tempo. Pode-se, porém, reexaminar as várias situações existentes. Reestudar o passado. Retornar sem preconceitos ao estudo da História.

A nossa História sempre sofreu deformações. Muitas impostas pelo pensamento religioso, outras pelo pensamento militar. Mais tarde pela visão dos adeptos do materialismo histórico.

Cabe recolher o passado sem preconceitos. Negar a Salazar. Elaborar pensamentos e soluções de acordo com a nossa realidade. Sempre que brasileiros dedicaram-se a assuntos nacionais, acertaram.

Petrobrás, Embraer, Embrapa, as inúmeras universidades e escolas superiores espalhadas pelas várias províncias apontam para a densidade do pensamento nativo. Pensamos. Precisamos, porém, pensar ainda mais.

De maneira abstrata ou concreta. Aí a coisa vai. Quando se pensa, ninguém leva a sociedade a engano. Meras palavras não suplantarão a excelência do pensamento elaborado.




Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.

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